BRASÍLIA - Às vésperas de o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciar julgamento sobre o compartilhamento de dados de órgãos de controle, um grupo de 29 senadores apresentou uma proposta de emenda constitucional (PEC) para liberar o envio de dados ao Ministério Público sem a necessidade de autorização judicial prévia. A medida, encabeçada pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES), é uma reação à decisão do presidente da Corte, Dias Toffoli, de paralisar investigações que utilizaram informações do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) - rebatizado como Unidade de Inteligência Financeira (UIF) -, da Receita e do Banco Central sem aval da Justiça.
Toffoli decidiu em julho - ao atender a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) - que deveriam ser suspensos todos os casos em que os órgãos de controle compartilharam dados fiscais e bancários com o Ministério Público sem antes ter a permissão de um juiz. O saldo é de 935 procedimentos de investigação, inquéritos e ações penais paralisados em todo o País, segundo informou na segunda-feira, 18, o Ministério Público Federal.
O plenário do Supremo se reunirá nesta quarta-feira, 20, para decidir se mantém ou não a decisão de Toffoli e definir o alcance da medida. A tendência, segundo o Estado apurou, é que a liminar seja confirmada.
“Cremos ser papel do Parlamento se antecipar ao STF para trazer luzes à controvérsia”, afirmam os senadores no texto de justificativa da PEC. Parte deles compõe o movimento Muda Senado, grupo que tem como bandeira o impeachment de ministros do STF e a CPI da Lava Toga, com foco na atuação dos magistrados.
Apesar da intenção dos parlamentares de se antecipar ao STF, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Simone Tebet (MDB-MS), defende aguardar o julgamento de amanhã para dar andamento à proposta. Ela disse ao Estado que deve definir um relator para a PEC no dia seguinte.
"Se o Supremo entender que os compartilhamentos de informações pelos órgãos de controle não podem ser feitos sem autorização judicial. Então nós vemos de que forma podemos aproveitar o projeto do senador Marcos do Val e adequar a um texto que possa garantir a possibilidade, através de lei - e quem faz lei é o Legislativo, não é o Judiciário”, acrescentou Simone Tebet.
A PEC não descarta a intermediação do Judiciário nos procedimentos. Mas estabelece que cabe às autoridades "comunicar ao juiz competente, para fins de ciência" o compartilhamento de informações fiscais e bancárias para fins penais. Reforça a necessidade de preservação do sigilo desses dados.
“A regra é o respeito às informações confidenciais dos cidadãos, destacadamente aquelas que contenham reflexos financeiros, todavia, referido sigilo não deve se estender ao ponto de obstaculizar a investigação de atos ilícitos pela autoridade administrativa competente”, afirmam os senadores.
A PEC foi protocolada dias antes de se tornar pública outra decisão do ministro Dias Toffoli, que ordenou à Receita Federal e à Unidade de Inteligência Financeira- cópias de documentos elaborados ao longo dos três últimos anos. Foram disponibilizados ao presidente do Supremo relatórios de inteligência financeira (RIFs) do Coaf e as representações fiscais para fins penais da Receita.
Autor da proposta, senador Marcos do Val afirmou ao Estado que é preciso velocidade e independência para os órgãos de investigação. Segundo ele, a decisão de Toffoli que pediu cópia de dados da Receita e do Coaf é um motivo a mais para aprovação da emenda à Constituição.
“Eu acredito que com essa decisão do Toffoli também vai ser mais uma pressão para que a PEC seja aprovada. É mais um argumento que o Congresso tem de disciplinar”, disse o parlamentar.
Segunda instância
No mesmo dia em que o Supremo se reunirá para discutir o compartilhamento de dados, a CCJ vai discutir outra PEC, esta sobre a execução da pena a partir da condenação em segunda instância. A proposta também foi pautada após a Corte julgar o tema e decidir que a prisão só é possível após esgotados todos os recursos - o chamado trânsito em julgado.
Simone Tebet disse ao Estado acreditar que tanto essa medida quanto PEC do compartilhamento de dados têm condições de ser aprovadas.
“A gente tem que combater fazendo nosso papel que é legislar. É o que nós vamos fazer em relação à segunda instância e podemos fazer em relação ao Coaf. O Supremo decidiu que a lei posta impedia a prisão em segunda instância. Quem faz lei é o Congresso Nacional, que pode alterar essa lei, observados os preceitos da Constituição”, disse a presidente da CCJ.