BRASÍLIA - A dois meses de deixar a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Fux se reuniu nesta quarta-feira, 29, com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e com líderes dos partidos na Casa, para firmar um “pacto pela democracia” na disputa de outubro. Na contramão do discurso de fraude repetido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), Lira disse a Fux que a Câmara defende “respeito ao resultado das eleições”.
Expoente do Centrão, Lira apoia Bolsonaro, mas afirmou no encontro que a Câmara não lança dúvidas sobre as urnas eletrônicas e quer a preservação da democracia. Na semana passada, Fux também se reuniu com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e com outros congressistas.
“A conversa foi no sentido de que houvesse sempre o equilíbrio entre os Poderes, o respeito aos limites, ao resultado das eleições, à manutenção do Estado Democrático e à preservação da democracia”, disse o presidente da Câmara ao destacar que se tratou de um café da manhã “muito informal”.
A reunião contou tanto com a presença de líderes da base do governo como da oposição. O deputado Paulo Pereira da Silva (SP), presidente do Solidariedade, disse que Fux garantiu ali o respeito ao resultado das eleições. “Todos falaram em defesa da democracia, na linha ‘quem ganhar, ganhou’. No final, Fux disse exatamente isso: ‘Vocês podem confiar que quem ganhar, vai assumir. Não vai ter risco nenhum porque o Supremo vai estar atento a isso’”, relatou o deputado, que apoia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na prática, todas as observações feitas naquele café, no Salão Nobre do Supremo, foram no sentido contrário do que Bolsonaro vem pregando. Durante sabatina realizada pelo banco BTG Pactual, em fevereiro, o presidente afirmou que a população não deveria simplesmente aceitar o “quem chegar, chegou”. Em diversas declarações públicas, Bolsonaro tem questionado a legitimidade das urnas eletrônicas. Sem provas, ele se diz vítima de uma “conspiração” que, na sua avaliação, estaria sendo armada por ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O líder do Republicanos na Câmara, Vinicius Carvalho (SP), minimizou as declarações do presidente de que as eleições podem ser fraudadas. “Todos nós acreditamos que o processo eleitoral ocorrerá da melhor forma possível”, afirmou Carvalho, integrante da base governista. Para Reginaldo Lopes (MG), líder do PT, o encontro com Fux foi mais um passo para o fortalecimento do processo democrático.
”Nossa democracia tem que conviver com alternância de poder e tem que ser respeitada. Citei o exemplo da Colômbia. Lá sempre teve eleição e, acabando a eleição, acabou o processo. Eu espero que o nosso sistema de Justiça e a independência e harmonia entre os Poderes respeitem aquilo que há de mais importante: o voto popular”, disse Lopes.
Durante a reunião, Lira também cobrou do presidente do STF o julgamento sobre a aplicação da nova lei de improbidade administrativa. O Congresso aprovou, no ano passado, mudanças na legislação sobre o tema e dificultou as punições com base nesse crime. De acordo com nota divulgada pelo Supremo após o encontro, o presidente da Câmara disse que “é importante para o Parlamento que haja uma diferenciação clara sobre quando há dolo (intenção) ou quando houve erro na gestão”.
A decisão pode mexer com o cenário de algumas disputas na eleição deste ano, como o caso da corrida para o governo do Distrito Federal. Protagonista do mensalão do DEM, o ex-governador do DF José Roberto Arruda (PL) aposta na mudança na lei de improbidade para se tornar novamente elegível e ser o candidato de Bolsonaro ao Palácio do Buriti. O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, liberou as ações relacionadas à improbidade nesta semana e Fux deve marcar o julgamento “em breve”.
EQUILÍBRIO E AMEAÇA
Além de alinhar o discurso entre Legislativo e Judiciário sobre o processo eleitoral, a reunião teve o objetivo de amenizar as tensões entre o Congresso e o Supremo em torno da chamada “PEC do Centrão”. Os deputados disseram a Fux que é necessário limitar as decisões individuais nos julgamentos e garantir que, quando ocorram, sejam encaminhadas ao plenário da Corte.
Como revelou o Estadão, o Centrão elaborou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para limitar o poder do Supremo. De autoria do deputado Domingos Sávio (PL-MG), o texto prevê que decisões do colegiado tomadas sem unanimidade ficam sujeitas a revisões do Congresso. A PEC discutida na Câmara seria uma espécie de retaliação ao que os deputados governistas chamam de “ativismo judicial”. Ministros do Supremo rechaçam essa mudança, sob o argumento de que o Legislativo não pode ser “revisor” do Judiciário.
Segundo o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), Fux também disse que tem tomado o cuidado de não pautar no plenário, neste momento, “temas que aumentem a tensão entre os Poderes”, como ocorreu em relação ao julgamento do marco temporal para demarcação de terras indígenas.
A ação estava prevista para ser votada na última quarta-feira, 23, mas foi retirada da pauta por causa das ameaças de Bolsonaro em descumprir qualquer decisão dos ministros que contrariassem o governo neste assunto.
Bolsonaro chegou a dizer, recentemente, que uma decisão do Supremo favorável aos povos indígenas representaria a falência do Brasil porque haveria novas demarcações no País, do tamanho da região Sul. “Se isso acontecer, acabou a nossa economia, acabou a nossa segurança alimentar”, afirmou o presidente, no mês passado. “Não é uma ameaça, é uma realidade. Só nos restam duas alternativas: pegar a chave da Presidência, me dirigir ao presidente do Supremo e falar ‘Administra o Brasil’ ou, então, ‘Não vou cumprir’”.