BRASÍLIA – Um volume milionário de emendas parlamentares enviado por congressistas foi parar em empresas da família de suplentes, aliados políticos e de outros colegas do Congresso Nacional. Segundo investigação do Estadão, o caminho do dinheiro mostra que recursos do Orçamento da União beneficiaram empreiteiras, distribuidoras e até o posto de gasolina de um parlamentar, incluindo repasses sem a comprovação pública de entrega de bens e serviços para a população e gastos em período eleitoral.
Um dos deputados citados pela reportagem diz não ver ilegalidade no recebimento, os demais envolvidos não se manifestaram (leia mais abaixo).
As emendas parlamentares entraram na mira do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu os repasses até que haja transparência, rastreabilidade, planejamento e respeito às regras fiscais. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a cúpula do Congresso Nacional ainda não chegaram a um acordo, mas se encaminham para uma conclusão que pode aumentar o valor dos repasses.
O deputado Josimar Maranhãozinho (PL-MA) mandou R$ 4 milhões em emenda Pix para a prefeitura de Zé Doca (MA), cidade de 40 mil habitantes a 300 quilômetros de São Luís, e governada pela sua irmã, Josinha Cunha (PL), entre 2022 e 2023. No total, o município foi contemplado com R$ 80 milhões em emendas entre 2020 e 2024, incluindo verbas indicadas diretamente pelo parlamentar, por meio do esquema do orçamento secreto e por emendas de comissão, duas modalidades de repasse de recursos do Orçamento para bases eleitorais dos congressistas.
Com o dinheiro em caixa, a prefeitura contratou empresas ligadas a Maranhãozinho para prestar os serviços. A gestão municipal assinou oito contratos com a Distribuidora Rodrigues Oliveira LTDA para compra de merenda, material escolar e material de expediente entre agosto do ano passado e abril deste ano. As aquisições somam R$ 2,8 milhões. A prefeitura não apresentou informações do quanto de fato pagou para a empresa até hoje.
A firma está em nome de André Rodrigues Seidel, irmão de Luciano Rodrigues Seidel, conhecido como Luciano Galego, suplente e colega de partido de Maranhãozinho, que preside o PL no Estado. Os dois aparecem em fotos juntos e se tratam como aliados de primeiro hora. Luciano abriu outras empresas do mesmo gênero no mesmo endereço, que também tiveram contratos com prefeituras do Maranhão.
A prefeitura não indicou o dinheiro da emenda Pix como fonte dessa e de nenhuma contratação no orçamento municipal. O recurso permite, no entanto, uma engenharia orçamentária para permitir gastos em qualquer área, sem identificação nem prestação de contas. Se o dinheiro da emenda paga uma coisa, sobra para outra. A divulgação do que foi feito com o recurso público é uma exigência da Constituição e foi cobrada por decisões do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União (TCU).
Além de pagar a empresa do suplente, a prefeitura de Zé Doca voltou a contratar empreiteiras envolvidas no escândalo do orçamento secreto, durante o período pré-eleitoral deste ano, usando recursos herdados do esquema, revelado pelo Estadão e derrubado pelo Supremo. Foram R$ 3,4 milhões para a empresa Terraplam Construções e Comércio executar pavimentação de ruas, drenagem e reformas de ponte de madeira, R$ 15,9 milhões para a Pentágono Comércio e Engenharia asfaltar estradas de terra e R$ 843 mil para a Atos Engenharia realizar reformas em unidades de saúde.
As três empresas foram investigadas por suspeita de envolvimento com Maranhãozinho. O deputado já foi flagrado carregando maços de dinheiro em uma operação da Polícia Federal. As despesas incluem dinheiro de emendas de comissão e de recursos próprios do município, turbinado pela emenda Pix.
No caso das emendas de comissão e do orçamento secreto, documentos do governo federal permitem rastrear a destinação, mas não quem são os padrinhos dos recursos. Além de Maranhãozinho, outros deputados indicaram verbas para a prefeitura de Zé Doca por meio do orçamento secreto, conforme noticiou o Estadão na época do escândalo. A Polícia suspeita de ligação entre as empresas beneficiadas e o deputado do PL, que seria responsável por “vender” as emendas. O processo corre em sigilo no Supremo.
Procurados, o deputado Josimar Maranhãozinho, a prefeitura de Zé Doca e as empresas não se manifestaram.
Emenda Pix é usada para pagar posto de gasolina de deputado na Bahia
Na Bahia, as emendas Pix foram parar em um posto de gasolina do deputado Dal Barreto (União-BA) em Nova Itarana, município com 8 mil habitantes a 270 quilômetros de Salvador. A prefeitura recebeu R$ 16,7 milhões em recursos entre 2020 e 2024, dos quais R$ 290 mil foram indicados pelo ex-deputado Abílio Santana (PSC-BA) e pagos ao Auto Posto Portal da Cidade para abastecer carros da gestão municipal em 2021.
O estabelecimento está registrado em nome de Arina Silva dos Santos na Receita Federal. Para quem telefona para o número registrado, porém, quem atende é o deputado Dal Barreto. O mesmo número e o mesmo e-mail estão informados em outros postos do parlamentar. Em 2022, ele informou à Justiça Eleitoral ter participação na empresa, no valor de R$ 38 mil em quotas de capital.
Ao Estadão, Dal Barreto confirmou que era o proprietário do posto em 2021, mas disse que vendeu o estabelecimento há dois anos para o empresário Abenil Junior, que não aparece como sócio na Receita. “Talvez ele não tenha se atentado a alterar (o número do telefone)”, disse o congressista.
O deputado diz não ver problemas de o estabelecimento receber dinheiro público. “Não tem outro posto na sede da cidade. O mais próximo fica a 20 quilômetros”, afirma. Dal Barreto é proprietário de uma rede com 150 postos de gasolina em 10 Estados do Brasil. “A minha gestão empresarial é separada da minha gestão política.”
Os R$ 290 mil se tratam apenas do que o município declarou ter usado diretamente de emenda Pix para abastecer carros da prefeitura no estabelecimento em 2021. O posto de Dal Barreto, porém, recebeu um total de R$ 3,1 milhões dos cofres da prefeitura entre 2021 e 2024.
Neste ano, o próprio deputado destinou R$ 4,1 milhões em emendas Pix para a cidade. Segundo ele, a escolha do que será feito com o dinheiro é feita pelo município. “Eu fui o deputado mais votado de lá e por conta disso a gente tem ajudado.”
Cobrado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o município afirmou ao governo federal que pretende usar o dinheiro para obras, atividades culturais e custeio da Secretaria de Administração, Saúde e Educação, sem informar quais projetos e quais serviços específicos.
Procurada pela reportagem, a prefeitura de Nova Itarana não se manifestou.
O uso de suplentes e aliados políticos para escoar e intermediar dinheiro do orçamento secreto foi revelado pelo Estadão em outros casos. O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, direcionou emendas para a prefeitura de Vitorino Freire (MA), onde a irmã dele é prefeita, e o recurso foi parar em empreiteiras de amigos e ex-assessores. O senador Davi Alcolumbre (União-AP) direcionou recursos para empresas de um suplente direto no Amapá. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), indicou verbas do orçamento secreto para compra de kits de robótica suspeita de superfaturamento em prefeituras de Alagoas. Um ex-assessor de Lira foi pego em uma operação da Polícia Federal intermediando as negociações.