O empresário Elon Musk, proprietário do X (antigo Twitter), desafiou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes na madrugada de sábado, 6. Além de pedir a “renúncia ou o impeachment” do ministro, Musk ameaça não cumprir medidas judiciais que restrinjam o acesso a perfis da rede social. Por mais que não tenha dito verbalmente que descumprirá determinações da Justiça brasileira, Musk afirma que “princípios são mais importantes do que o lucro”, sugerindo o fechamento do escritório da rede no País.
Mesmo que o empresário recue e continue a cumprir as determinações da Justiça brasileira, bolsonaristas que tiveram as contas restritas nas redes sociais têm se valido de meios para burlar o bloqueio das contas, não só no X. Os métodos variam em complexidade, indo desde a criação de novos perfis até a utilização de VPN, um método de conexão com a internet que tem sido encorajado por Musk.
Quem já teve contas restritas e por quê?
O STF conduz dois inquéritos contra a propagação de desinformação nas redes sociais: o das fake news e o das milícias digitais. Influenciadores, empresários e políticos bolsonaristas já tiveram perfis em redes sociais suspensos por decisões relativas a esses inquéritos.
Em julho de 2020, as plataformas Twitter, Facebook e Instagram suspenderam as contas de 16 nomes ligados ao bolsonarismo, entre os quais os influenciadores Allan dos Santos, Bernardo Kuster e Sara Winter, além dos empresários Luciano Hang e Edgard Corona, em cumprimento a uma decisão de Moraes no inquérito das fake news. Segundo o ministro, a restrição aos perfis foi justificada “para a interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”.
Em alguns casos, o bloqueio foi revertido, voltando a vigorar com decisões posteriores da Justiça. É o caso de Hang, que criou novos perfis no Twitter, no Facebook e no Instagram, mas teve as contas bloqueadas mais uma vez em julho de 2022. Allan dos Santos também teve perfis suspensos por ordem judicial em mais de uma ocasião, voltando a ser alvo de decisão do STF em outubro de 2021.
Políticos como Roberto Jefferson e Daniel Silveira, ex-deputados federais, também já foram alvos de restrições. Os perfis de Roberto Jefferson no Twitter e no Facebook foram alvos de bloqueio por decisão de julho de 2020, enquanto Silveira teve contas em todas as redes sociais suspensas ao defender o AI-5 e atacar ministros do Supremo em fevereiro de 2021.
Criação de novas contas
A técnica mais usada pelos bolsonaristas para burlar o bloqueio é a criação de uma nova conta. Nas redes sociais, cada perfil é identificado por meio de um nome de usuário. As medidas judiciais que restringem o acesso às contas se vale desse nome para comunicar à empresa responsável pelo site qual perfil é o alvo da determinação a ser cumprida.
Ao criar um novo nome de usuário, ou seja, uma nova conta em uma rede social, os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) conseguem burlar a medida da Justiça brasileira até que as autoridades percebam a criação do perfil e voltem a comunicar a empresa mantenedora da rede de que um novo nome de usuário deve ser restrito.
O blogueiro Allan dos Santos criou, na última sexta-feira, 8, o 40º perfil no Instagram, após a 39ª conta, aberta quatro dias antes, ser derrubada pela plataforma. Ele também tentou burlar a decisão de Moraes ao criar uma conta na rede social OnlyFans, para exibição de conteúdo adulto, em março. O perfil já foi suspenso e não está mais disponível.
Neste domingo, 7, após o embate entre Musk e Moraes, Allan dos Santos conseguiu fazer uma transmissão ao vivo, mesmo com a conta do “Terça Livre” no X suspensa no Brasil. A live no perfil do blog dele durou cerca de uma hora. O blogueiro mora nos Estados Unidos e está foragido da Justiça brasileira.
Redes sem representação no Brasil
Outra estratégia é criar perfis em redes sem um representante legal no Brasil. Sem ter uma pessoa para responder pelos atos da empresa, as medidas da Justiça podem ser descumpridas. É o caso da Rumble, rede social de compartilhamento de vídeos que funciona de forma similar ao YouTube. O site se intitula como “imune à cultura do cancelamento” e abriga produtores de conteúdo restritos em outras redes sociais, como os jornalistas Paulo Figueiredo e Rodrigo Constantino, o blogueiro Allan dos Santos e o podcaster Bruno Aiub, conhecido como Monark.
Fundado em 2013, o Rumble é citado como um local livre de censura. A rede também é usada por figuras como o influenciador Reginaldo Ferreira da Silva, o Ferréz, e o jornalista americano Glenn Greenwald.
Em novembro de 2022, Monark teve o seu canal no YouTube desativado pela plataforma por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O influenciador havia replicado o conteúdo de uma transmissão ao vivo de um canal de extrema direita argentino que propagava desinformação contra as urnas eletrônicas.
Após ser alvo da medida judicial, migrou para a Rumble. Em junho do ano passado, Monark falou em “manipulação da eleição” em 2022. Após a declaração, Moraes determinou a suspensão de todos os perfis nas redes de Bruno Aiub, citando a conta no Rumble. Apesar de ser mencionada no despacho, a rede não cumpriu a medida.
O Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como “PL das Fake News”, sugere que os sites que fornecem serviços no Brasil tenham representantes legais no País. O texto já foi aprovado no Senado e, na Câmara, é relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
Virtual Private Network (VPN)
Outra medida adotada pelos bolsonaristas e defendida por Musk, caso o X seja bloqueado no Brasil, é a VPN – sigla para “Virtual Private Network” (”rede privada virtual”, em tradução livre). Trata-se de um método para conexão na internet que permite que o usuário escolha determinadas características do acesso à rede, sendo possível emular uma origem geográfica distinta da qual o usuário de fato está localizado.
A principal finalidade do método é a garantia de maior privacidade, como explica Marcelo Fantinato, professor da pós-graduação em Sistemas de Informação da Universidade de São Paulo (EACH-USP). “É como um túnel exclusivo dentro de uma montanha, que só permite a passagem de veículos autorizados, mantendo-os a salvo de olhares curiosos enquanto viajam de um ponto a outro na rede”, diz o professor.
Como as medidas judiciais são cumpridas com a restrição das contas aos usuários brasileiros e não as excluindo de forma definitiva, os perfis ainda estão disponíveis aos internautas de outros países. Allan dos Santos, por exemplo, acessa seus perfis normalmente, uma vez que está nos Estados Unidos, foragido da Justiça do Brasil. Os seguidores do blogueiro, por sua vez, usam VPNs para acessar o conteúdo dele.
Com esse método, é possível, por meio da conexão com a internet de um país estrangeiro, visualizar o perfil banido no Brasil. O uso de VPN tem sido encorajado por Musk. O empresário compartilhou uma publicação dizendo que utilizar a técnica é ““muito fácil” e encorajando os usuários a adotá-la para acessar o site.
Segundo Fantinato, “é tecnicamente possível regulamentar o uso de VPNs”, mas implementar uma legislação específica para esse serviço esbarraria em alguns entraves, tais como “a natureza da tecnologia”, que foi projetada contra rastreamentos, e “a jurisdição internacional”, pois muitos servidores de VPN são estrangeiros.