BRASÍLIA - Na manhã desta quinta-feira (01), o ministro Flávio Dino (STF) impôs novas obrigações ao Legislativo e ao Poder Executivo para dar fim, de uma vez por todas, à prática do orçamento secreto. Revelado pelo Estadão em 2021, o esquema consistia no envio de verbas públicas para as bases eleitorais de deputados e senadores, sem que os autores das indicações fossem conhecidos.
Para o ministro, a proibição da prática em dezembro de 2022 pelo STF não foi totalmente cumprida, e o orçamento secreto continuou operando no governo Lula (PT), por meio de outros mecanismos.
Como vem mostrando o Estadão, o orçamento secreto persiste sob o governo Lula (PT), por meio da execução dos chamados “restos a pagar” das emendas de relator; através da execução do “espólio” de R$ 9,85 bilhões do orçamento secreto ao longo de 2023, e nas emendas de Comissão. Estas são verbas indicadas pelas comissões temáticas da Câmara e do Senado, mas que sofrem do mesmo problema das emendas de relator: o “apadrinhamento” das verbas é feito de modo informal, sem que se saiba qual parlamentar é responsável por qual indicação.
“É o que se verifica na mera mudança legislativa de classificação orçamentária, mas mantendo a prática concernente ao descumprimento dos deveres constitucionais de transparência e rastreabilidade”, escreveu Dino. “O STF (no fim de 2022) invalidou todas as práticas viabilizadoras do ‘orçamento secreto’, isto é, aquelas em que não há transparência orçamentária, conforme se pode depreender dos trechos dos votos mencionados”, escreveu o ministro.
A audiência de conciliação desta quinta-feira foi convocada por Dino em meados de junho deste ano. Na avaliação do ministro, não há provas de que o Executivo e o Congresso tenham interrompido a prática do orçamento secreto. “Até o presente momento, não houve a comprovação cabal nos autos do pleno cumprimento dessa ordem judicial”, escreveu Dino, referindo-se à decisão do STF em dezembro de 2022, que julgou inconstitucional a prática do orçamento secreto.
Na decisão de apenas 18 páginas, Dino traz quatro determinações para dar transparência às emendas de Comissão e à execução dos “restos a pagar” das emendas de relator. Uma reunião técnica entre representantes do Legislativo e do Executivo foi marcada para a manhã de terça-feira, 6, para dar cumprimento à decisão de Dino. Saiba abaixo os principais pontos da decisão do ministro.
1. Divulgar os nomes dos “padrinhos”
O ministro deu prazo de 30 dias para Executivo e Legislativo divulgarem os nomes dos deputados e senadores responsáveis pelas indicações do orçamento secreto original e das emendas de comissão. Os poderes devem ainda dizer quais mecanismos adotarão para “assegurar a rastreabilidade, a comparabilidade e a publicidade dos dados orçamentários, para o integral cumprimento da decisão desta Corte, que veda, peremptoriamente, a prática abusiva designada ‘orçamento secreto’”.
O ministro determina ainda que, daqui para a frente, a execução das emendas de Comissão e o pagamento dos “restos a pagar” das emendas de relator só sejam feitos pelo Executivo “mediante prévia e total transparência e rastreabilidade”. Todas as determinações do STF relativas às emendas de relator passam a valer, a partir de agora, para as emendas de comissão.
2. Proibido mandar emendas para outros Estados
Congressistas só poderão mandar emendas, de qualquer tipo, para os Estados pelos quais foram eleitos. A exceção, segundo Dino, são os apoios a “projeto de âmbito nacional cuja execução ultrapasse os limites territoriais do Estado do parlamentar”.
Como mostrou o Estadão, deputados e senadores enviaram R$ 412 milhões para entidades, prefeituras e governos estaduais fora dos Estados em que foram eleitos. Um deputado pelo Amapá, Vinícius Gurgel (PL-AP), chegou a mandar 77% de suas emendas para fora de seu Estado. Dos R$ 412 milhões, R$ 73 milhões foram para prefeituras de outros Estados, sendo R$ 15,2 milhões por meio de “emendas Pix”, modalidade na qual a prefeitura pode usar o dinheiro para qualquer finalidade (exceto pagamento de servidores). Em São Paulo, ao menos oito congressistas enviaram R$ 27 milhões para fora do Estado.
3. ONGs precisam prestar contas
Dino diz que, ao executar recursos vindos de emendas parlamentares, as Organizações Não Governamentais (ONGs) e “demais entidades do terceiro setor” devem dar “transparência e rastreabilidade” aos recursos, além de respeitar “procedimentos objetivos de contratação” – ou seja, devem justificar como usam o dinheiro.
O ministro determina ainda que a CGU, no prazo de 90 dias, realize auditoria de todos os recursos repassados a ONGs por meio de emendas parlamentares de qualquer tipo, nos anos entre 2020 e 2024. Já as ONGs precisam informar, na Internet, sobre como usaram os recursos das emendas.
4. Auditoria nos dez municípios que mais receberam emendas
O ministro determina à CGU que realize, dentro de 30 dias, uma auditoria sobre as emendas recebidas pelos 10 municípios mais beneficiados por emendas parlamentares entre os anos de 2020 e 2023. A auditoria da CGU terá de responder, segundo Dino, às seguintes questões: como foi a tramitação das emendas no Legislativo e no Executivo federal, e depois, nas prefeituras; como se encontram as obras para as quais essas emendas foram destinadas; e quais procedimentos foram usados pelos municípios para dar transparência ao uso dos recursos. A CGU também deverá realizar “análise de risco e eficiência” sobre as emendas de comissão.