Um levantamento feito pelo Estado mostrou que o governo de Jair Bolsonaro emitiu, entre janeiro e agosto, 1.686 passaportes diplomáticos. O número é maior que os dos três anos anteriores no mesmo período. Segundo o levantamento, a maioria desses passaportes foi entregue a parlamentares e seus parentes, mas líderes religiosos também foram contemplados pelo benefício.
O que é e para que serve um passaporte diplomático?
O passaporte diplomático é uma das cinco modalidades de passaporte que o governo brasileiro concede aos seus cidadãos. Os outros são: comum, oficial, para estrangeiro e de emergência.
Um passaporte diplomático tem validade de três anos e confere ao portador uma série de benefícios, como guichês especiais em aeroportos internacionais, filas separadas em serviços de imigração, facilitação na obtenção de vistos - sendo isento em alguns países que possuem acordos com o Brasil -, e gratuidade na emissão de documentos.
Segundo o Itamaraty, o porte do passaporte diplomático não implica nenhum tipo de privilégio ou imunidade no Brasil. Já as imunidades diplomáticas e consulares não decorrem do fato de o indivíduo estar portando passaporte diplomático, mas sim de estar lotado oficialmente em representação consular ou diplomática, “acreditado” junto às autoridades locais.
O passaporte diplomático também não confere privilégios e imunidades para seus portadores que estejam viajando de férias a outro país.
Quem tem direito a receber um passaporte diplomático?
O dispositivo que regulamenta a emissão do documento é o Decreto nº 5.978 de dezembro de 2006, que legisla sobre documentos de viagens de forma geral. O passaporte diplomático é previsto no artigo 6º do decreto.
O texto lista uma série de autoridades que têm direito de receber o benefício, além de pessoas que “devam portá-lo em função de interesse do País”. A atribuição de definir o que é de “interesse do País”, para justificar a concessão do passaporte, é do Ministério das Relações Exteriores. É com base nessa “exceção” que o Itamaraty concede passaportes diplomáticos a líderes religiosos, por exemplo.
Segundo o decreto, as seguintes autoridades possuem a prerrogativa de receber um passaporte diplomático do Itamaraty:
- o presidente da República, o vice-presidente e ex-presidentes da República;
- ministros de Estado, ocupantes de cargos de natureza especial e titulares de secretarias vinculadas à Presidência da República;
- governadores dos Estados e do Distrito Federal;
- funcionários da carreira de diplomata, em atividade e aposentados, de Oficial de Chancelaria e Vice-Cônsules em exercício;
- adidos credenciados pelo Ministério das Relações Exteriores;
- militares a serviço em missões da Organização das Nações Unidas (ONU) e de outros organismos internacionais, a critério do Ministério das Relações Exteriores;
- chefes de missões diplomáticas especiais e chefes de delegações em reuniões de caráter diplomático, desde que designados por decreto;
- membros do Congresso Nacional;
- ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União;
- o procurador-geral da República e os subprocuradores-gerais do Ministério Público Federal;
- juízes brasileiros em Tribunais Internacionais Judiciais ou Tribunais Internacionais Arbitrais
Parentes de autoridades também podem receber o passaporte diplomático?
O decreto nº 5.978 também permite, em seu inciso 1º, a concessão de passaporte diplomático ao cônjuge, companheiro ou companheira e aos dependentes das pessoas indicadas na lista. Essa extensão do documento para parentes também deve ser regulada pelo Ministério das Relações Exteriores.
Desde quando o governo concede passaportes diplomáticos a líderes religiosos?
Desde o Império, o Estado brasileiro concede passaportes diplomáticos a líderes religiosos. No entanto, foi a partir de 2006, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que o Itamaraty passou a emitir o documento a líderes religiosos que não são da Igreja Católica, sob o argumento da isonomia.
Em 2016, o então chanceler José Serra (PSDB), na gestão de Michel Temer, fez uma consulta à Advocacia-Geral da União (AGU) a respeito da legalidade de o governo conceder o passaporte a esses líderes religiosos, devido à má repercussão da ação à época. Em parecer, a AGU se colocou contra a concessão, argumentando que isso violaria o princípio do Estado laico.