A criação do juiz de garantias, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro dentro do pacote anticrime, determina que cada processo penal seja acompanhado por dois juízes: o juiz de garantias atua apenas na fase da investigação criminal, ao passo que o prosseguimento da apuração e a sentença ficam a cargo de outro magistrado.
Nesta quarta-feira, 22, o ministro Luiz Fux, vice-presidete do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu por tempo indeterminado a implantação do juiz de garantias. O entendimento de Fux derruba a determinação do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que havia prorrogado por seis meses o prazo de adoção da medida e até definido uma regra de transição para os processos em andamento no País. Em sua decisão, de 43 páginas, Fux apontou a ausência de recursos previstos para a implantação da medida e a falta de estudos sobre o impacto dela no combate à criminalidade.
O que é o juiz de garantias?
O juiz de garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais, e é de sua competência, entre outros, decidir sobre prisão provisória, sobre afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico, e sobre procedimentos de busca e apreensão.
“O grande espírito de um juiz de garantias é a separação das funções jurisdicionais de investigação e de julgamento para manter a imparcialidade do magistrado que julgará o caso”, afirma o pós-doutor em Direito e advogado criminalista Juliano Breda. Segundo ele, São Paulo é um Estado em que a justiça criminal se estrutura dessa maneira. A investigação fica a cargo do departamento de inquéritos policiais, e se a denúncia é oferecida, ela é encaminhada a outras varas para outros juízes julgarem.
Como é o juiz de garantias no mundo
Segundo Breda, a separação das funções jurisdicionais de investigação e julgamento existe em vários países do mundo, como Itália, Portugal, Chile e Colômbia, e também no novo Código Federal Argentino.
“Em todas as grandes reformas recentes, seja na América do Sul, seja na Europa, há uma tendência a se optar por este modelo. Há uma preferência, especialmente por parte da doutrina especializada, a essa figura do juiz de garantias, porque ela permite que a imparcialidade do juiz seja preservada.”
Aprovação é vista como derrota para Moro
A aprovação da medida foi lida como uma derrota para o ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, que era contrário ao tema. Em seu twitter, Moro disse que o pacote anticrime sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro “não é o projeto dos sonhos, mas contém avanços”. “Sempre me posicionei contra algumas inserções feitas pela Câmara no texto originário, como o juiz de garantias. Apesar disso, vamos em frente”, disse. Autor da emenda, Freixo comemora medida.
Quem se opõe à proposta argumenta que ela seria de difícil implementação e resultaria em custo extra para o Judiciário, pois seria necessário contratar ainda mais juízes. O Brasil tem 18,1 mil juízes e, só na primeira instância, há déficit de 4,4 mil magistrados em todas as áreas da Justiça.
Já os defensores do dispositivo destacam seu potencial de preservar o equilíbrio nas ações penais e garantir a segurança do direito. Autor da emenda que inseriu a figura do juiz de garantias no pacote anticrime, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) comemorou a medida em redes sociais e afirmou tratar-se de “um aprimoramento da Justiça, por fortalecer a imparcialidade e proteger os direitos dos cidadãos contra abusos, como os praticados pelo ex-juiz Moro.”
Toffoli impõe restrições no STF
Apesar de a medida ter sido sancionada por Jair Bolsonaro, Dias Toffoli, o presidente do Supremo Tribunal Federal, impôs restrições ao juiz de garantias, definindo que a medida não deve ser aplicada em casos de violência doméstica e famliar, crimes contra a vida ou processos criminais que tramitam na Justiça Eleitoral. A decisão ainda precisa ir ao plenário do STF, que dá a palavra final sobre o tema.
Em seu entendimento o ministro afirmou que a nova medida deve ser implementada daqui a apenas seis meses, e não em 23 de janeiro, como prevê a lei sancionada por Bolsonaro. “O prazo (da lei) não é razoável nem factível para que os tribunais possam promover as devidas adaptações e adequações. Por isso impõe-se a fixação de um regime de transição mais adequado e razoável, que viabilize, inclusive, a sua adoção de forma progressiva e programada pelos tribunais”, afirmou.