RIO – As decisões recentes do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender o pagamento de multas firmadas nos acordos de leniência da Odebrecht (atual Novonor) e da J&F reacenderam o debate sobre a validade das provas e informações colhidas pela Operação Lava Jato e sobre o uso das mensagens obtidas no hackeamento de celulares de procuradores do Ministério Público Federal de Curitiba – caso investigado na Operação Spoofing – para embasar decisões que beneficiam réus na Corte.
As empreiteiras envolvidas no escândalo de corrupção que tragou mais de 415 políticos de 26 partidos para a mira da Justiça querem rever os acordos de leniência – quando os representantes das empresas investigadas assumem crimes para obter benefícios em eventuais condenações.
Os acordos de leniência foram assinados por representantes de empresas como Odebrecht, J&F, OAS e Camargo Côrrea no decorrer das investigações da Lava Jato. Todas assumiram participação em irregularidades, seja no pagamento de propina a políticos ou em fraudes em licitações, por exemplo.
Para reavaliar os acordos, as empresas usam como argumento a necessidade de inclusão no processo de novas provas e evidências de que a investigação pode ter sido comprometida durante o processo de colheita de provas pelos procuradores da Lava Jato. O questionamento tem como base a troca de mensagens entre integrantes do Ministério Público do Paraná e o então juiz da 13 Vara Federal Criminal de Curitiba Sérgio Moro hackeadas por Walter Delgatti Netto e divulgadas na imprensa.
As conversas indicam que Moro teria orientado investigações da Lava Jato ao sugerir mudança da ordem de fases da operação, dar conselhos, fornecer pistas e antecipar uma decisão a Dallagnol. Os membros da Lava Jato nunca reconheceram a autenticidade das mensagens.
O conteúdo foi considerado pelo STF, por exemplo, em caso como a anulação de todas as decisões tomadas por Moro contra o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, e no julgamento que tornou Moro suspeito para atuar nos casos que envolviam o presidente Lula – o julgamento foi em 2021.
Na época, o então relator do caso de Lula na Corte, ministro Ricardo Lewandowski, que decidiu por liberar o acesso da defesa às mensagens trocadas entre os procuradores e Moro, como explica a advogada criminalista Vera Chemin.
“Esse imbróglio vem de 2020, quando o atual presidente Lula ajuizou uma Reclamação Constitucional visando acessar os autos do acordo de leniência relacionado à Odebrecht e ao seu conteúdo, a troca de correspondência entre a então Operação Lava Jato e autoridades de outros países, os depoimentos, perícias e os valores pagos pela Odebrecht e, finalmente, pede a nulidade de todas as decisões tomadas no âmbito dessa operação”, explicou.
Segundo Vera, a decisão de Dias Toffoli tem como embasamento a decisão da Segunda Turma do STF pela pela incompetência da 13ª Vara Criminal de Curitiba e pela declaração de suspeição do ex-juiz Sérgio Moro e demais procuradores da República, “o que resultou na imprestabilidade dos elementos de prova colhidos por aquela Vara, por sua contaminação”.
“Não se pode deixar de observar a flagrante ilicitude de elementos de prova obtidos por meio de mensagens captadas por hackers, apesar de terem sido periciados pela Polícia Federal e acolhidos pelo Relator, tendo em vista que, aquele meio de obtenção de prova é, constitucionalmente ilícito, conforme se pode comprovar pelo Inciso LVI do artigo 5º da Constituição Federal de 1988″, explica.
Então presidente da Segunda Turma do STF em 2021, o ministro Gilmar Mendes já afirmou em julgamento que é “chocante” e “constrangedor” que procuradores e a defesa do ex-juiz Sérgio Moro questionem a autenticidade das mensagens.
“Será obra de ficção isso? Foi adulterado em que ponto? Vamos admitir que seja uma obra de ficção. Então que se prove que esses diálogos nunca existiram”, argumentou em um dos seus votos.
Relatório da Polícia Federal concluiu, em abril de 2021, que não é possível confirmar a autenticidade das mensagens hackeadas da força-tarefa. De acordo com Vera Chemin, “independentemente das questões de mérito neles envolvidas e que teriam potencial de corroborar a suposta parcialidade de Moro e dos procuradores envolvidos, seria imprescindível que aquelas mensagens fossem comprovadas por outras evidências e indícios suficientemente fortes para serem entranhadas nos ditos processos”.
“As mensagens captadas por hackers não poderiam ser reconhecidas como provas idôneas, segundo dispõe a Constituição Federal de 1988 e a legislação atinente ao tema”, disse.
STF anula todas as provas obtidas por sistema da Lava Jato
As condenações de réus na Lava Jato também estão sendo revistas após o ministro Dias Toffoli anular todas e quaisquer provas obtidas dos sistemas Drousys e My Web Day B utilizadas a partir do acordo de leniência celebrado pela Odebrecht, no âmbito da Operação Lava Jato.
Segundo o ministro, as provas foram “contaminadas” e por isso não podem ser utilizadas. Toffoli considerou ainda que o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça informou que não foi encontrado “registro de pedido de cooperação jurídica internacional para instrução do processo em que foi homologado o acordo de leniência da Odebrecht nem pedido de cooperação ativo apresentado por autoridade brasileira para fins de recebimento do conteúdo dos sistemas Drousys e My Web Day B”.
A Odebrecht diz que foi pressionada a fechar o acordo para garantir sua sobrevivência financeira e institucional. Toffoli reconheceu que há “dúvida razoável sobre o requisito da voluntariedade”.
Os pagamentos foram suspensos enquanto a empresa analisa documentos da Operação Spoofing, que prendeu os hackers da Lava Jato, em busca de mensagens que possam indicar atuação irregular dos procuradores da força-tarefa.
É o segundo acordo de leniência suspenso por determinação de Toffoli. Ele já havia beneficiado a J&F com uma decisão semelhante.