BRASÍLIA - A equipe econômica do governo Michel Temer vai defender junto ao time ao futuro ministro da área, Paulo Guedes, a adoção de uma série de medidas para reduzir o déficit nas contas públicas, desamarrar o Orçamento e evitar o descumprimento da chamada “regra de ouro” das contas públicas, que impede o governo de fazer dívida para pagar despesas como salários.
Uma destas medidas é restringir ou até acabar com o chamado abono salarial, benefício para quem ganha até dois salários mínimos e que custará mais de R$ 19 bilhões no ano que vem.
As primeiras conversas oficiais sobre o tema entre os integrantes do atual governo e o grupo que participa da transição estão marcadas para a próxima semana, mas conversas informais já estão em curso. Nesta sexta-feira, 2, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), disse em entrevista à Rede Vida que espera aprovar um “pacotão” de medidas logo no início do mandato.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, duas opções serão apresentadas na transição: acabar de vez com o abono ou restringir sua concessão apenas aos trabalhadores que ganham até um salário mínimo. O fim do abono, criado há 47 anos, chegou a ser discutido pela equipe do presidente Michel Temer, que acabou abandonando a proposta diante do elevado custo político, uma vez que seus beneficiários são justamente a camada mais pobre da população. A equipe de Guedes já defendeu publicamente mudanças no benefício.
Qualquer alteração só terá efeito em 2020 (quando a despesa com esse benefício é projetada em R$ 21 bilhões), porque as despesas pagas em 2019 são referentes a gastos contratados em 2018. A avaliação na área econômica é de que modificações no abono, ainda que sem extingui-lo, podem abrir um espaço de cerca de R$ 16 bilhões dentro do Orçamento e também do teto de gastos, mecanismo que limita o avanço das despesas à inflação do ano anterior.
Uma mudança no abono precisa ser feita por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC). A sugestão dos técnicos do governo é que a nova equipe aproveite a PEC que trata de alterações na regra de ouro do Orçamento para introduzir as medidas necessárias e, assim, assumir todo o desgaste das negociações com o Congresso Nacional de uma única vez. No texto também poderiam ser incorporadas propostas para ampliar a desvinculação de receitas da União para dar mais liberdade ao governo na gestão do Orçamento.
A PEC sobre a regra de ouro foi apresentada pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que desde o início deste ano tem conversado com o governo sobre a necessidade de alterar a norma constitucional. A regra no formato atual enquadra o presidente da República em crime de responsabilidade, passível de impeachment, em caso de descumprimento, mas é alvo de críticas porque não oferece instrumentos para solucionar o problema.
A preocupação em alterar a regra de ouro existe porque o próximo presidente vai conviver com o risco de descumpri-la pelos próximos anos, devido à sucessão de rombos nas contas públicas e ao baixo nível de investimentos. Essa combinação na prática obriga o País a emitir títulos da dívida para pagar despesas correntes, como salários e benefícios previdenciários, o que é vedado pela Constituição.
A proposta de Pedro Paulo cria “gatilhos” que são acionados quando há risco de descumprimento ou efetiva violação da regra. Essas travas têm como objetivo criar um mecanismo automático de freio nos gastos, à exemplo do que existe para o caso de o teto de despesas ser estourado.
Em caso de violação, por exemplo, a proposta determina a suspensão do pagamento de abono salarial e cortes de jornada no funcionalismo público, com redução proporcional de salários. Caso o governo federal não consiga cumprir a regra de ouro por três anos consecutivos, o presidente teria o sinal verde para adotar medidas mais drásticas como demissão de servidores com estabilidade.
Medidas imediatas. Além de medidas consideradas mais estruturais, a equipe econômica do atual governo avalia que os assessores de Bolsonaro devem pedir apoio ao Congresso para a aprovação da Medida Provisória (MP) 849 que adia o reajuste do salário dos servidores para 2020. O prazo da MP foi prorrogado na semana passada por mais 60 dias. O texto precisa ser aprovado até 8 de fevereiro do ano que vem para não perder a validade, mas na prática o ideal seria votar a MP ainda este ano para evitar riscos.
A equipe de Bolsonaro também terá os dois últimos meses do ano para tentar articular a aprovação do projeto de lei que altera a tributação dos fundos exclusivos, voltados para investidores de alta renda. Por se tratar de mudança no Imposto de Renda, ela precisa ser aprovada ainda em 2018 para que possa valer no ano que vem. A medida tem potencial de arrecadação de R$ 10,72 bilhões em 2019.