É falso que uma faixa usada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em uma cerimônia no Ministério da Defesa em abril deste ano dê a ele o direito de permanecer no cargo por mais quatro anos sem ter sido eleito. Também é falso que essa faixa abra espaço para um golpe militar. A faixa é dada a pessoas que receberam o Grau Grã-Cruz da Ordem do Mérito da Defesa e tem as mesmas cores dos símbolos do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) do Brasil -- verde, branco e azul. Isso fez com que bolsonaristas espalhassem pelas redes sociais que Bolsonaro foi nomeado presidente do Estado-Maior pelas Forças Armadas e que ficaria no poder até que um substituto seja nomeado, o que é mentira. O presidente não é o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armas e não há, entre as atribuições do órgão, a nomeação de um novo Presidente da República.
Leitores do Estadão Verifica pediram a checagem deste conteúdo através do nosso número de WhatsApp, (11) 97683-7490, onde circula uma foto de Bolsonaro usando a faixa seguida de um texto. O material alega que o uso da faixa significa que as Forças Armadas o nomearam presidente do Estado-Maior e que ele poderá seguir como Presidente da República por "mais quatro anos ou o tempo que for necessário, até as FFAA empossarem outro em seu lugar".
Além de falsa, a publicação incita um golpe militar, ao afirmar que ocorrerá agora o mesmo que "aconteceu com João Figueiredo, Castelo Branco, Costa e Silva", em referência a três dos militares que ocuparam a presidência do Brasil durante a ditadura civil-militar, de 1964 a 1985.
A foto e o significado da faixa
Embora circule em alguns posts como se fosse deste mês de dezembro de 2022, a foto em que Bolsonaro usa a faixa do Grau Grã-Cruz foi feita no dia 1º de abril deste ano. Imagens da ocasião, a cerimônia de posse de Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira como ministro da Defesa, estão disponíveis na conta oficial do Palácio do Planalto no Flickr. Ele usa a faixa porque foi condecorado, no primeiro dia de seu mandato, em 1º de janeiro de 2019, com o grau mais alto da Ordem do Mérito da Defesa, honraria concedida a personalidades civis ou militares que prestaram relevantes serviços às Forças Armadas.
Na cerimônia de abril, o Presidente da República não era o único a usar a faixa: o novo ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e o ex-ministro, Walter Braga Netto - que deixava o cargo para assumir o posto de assessor especial no gabinete da Presidência da República - usavam uma faixa igual, e eles também aparecem na foto que viralizou. Braga Netto recebeu o Grau Grã-Cruz em 9 de junho de 2020 e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, em 2 de junho de 2021.
Condecorados com a Ordem do Mérito da Defesa
Outras personalidades já receberam a condecoração de Ordem do Mérito da Defesa, embora não necessariamente no grau mais alto, o Grã-Cruz: a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, recebeu a medalha no grau de Grande-Oficial; o empresário canadense Elon Musk, de Comendador. Ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal também já foram agraciados, como Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie.
As cores verde, branco e azul na faixa usada pelos três representam a Marinha, o Exército e a Força Aérea Brasileira, respectivamente. Os símbolos oficiais do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas foram definidos pela Portaria nº 377/MD, de 3 de março de 2011. A faixa é usada pelo ministro da Defesa em suas fotos oficiais.
Atribuições do Estado-Maior
O chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas não possui qualquer das atribuições imputadas a ele pelo texto viral. A Lei Complementar nº 136, de 26 de agosto de 2010 é que define as atribuições do cargo e classifica o EMCFA como um "órgão de assessoramento permanente do Ministro de Estado da Defesa".
O artigo 11 diz que "compete ao Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas elaborar o planejamento do emprego conjunto das Forças Armadas e assessorar o Ministro de Estado da Defesa na condução dos exercícios conjuntos e quanto à atuação de forças brasileiras em operações de paz, além de outras atribuições que lhe forem estabelecidas pelo Ministro de Estado da Defesa". Prorrogar a permanência de um presidente no cargo após o fim de seu mandato e nomear um sucessor não é atribuição do órgão, nem seu chefe.
Além disso, não faz sentido usar o órgão como justificativa para repetir uma sequência de presidentes militares do período da ditadura. O EMCFA foi criado em 2010, no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 25 anos após o fim do regime.
Quem é o chefe do Estado-Maior?
O posto de chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas precisa, obrigatoriamente, ser ocupado por um oficial-general do último posto - de quatro estrelas, no mínimo. Significa que, para assumir o cargo, o militar precisa ser Tenente-Brigadeiro do Ar ou Marechal do Ar (Força Aérea Brasileira), Almirante de Esquadra ou Almirante (Marinha), General de Exército ou Marechal (Exército). O posto máximo ocupado por Bolsonaro foi de Capitão do Exército, de 1979 a 1981, o que não o credencia para ser chefe do Estado-Maior.
O atual chefe do EMCFA é o General de Exército Laerte de Souza Santos, nomeado em 1º de junho de 2021 pelo então ministro da Defesa Walter Braga Netto. Ele é o quarto militar a ocupar o posto desde que foi criado, em 2010.
O primeiro foi o General de Exército José Carlos de Nardi, que ficou no posto de 2010 a 2015 e atravessou as gestões de Nelson Jobim, Celso Amorim, Jaques Wagner e Aldo Rebelo no Ministério da Defesa. O Almirante de Esquadra Ademir Sobrinho foi chefe do EMCFA de 2015 a 2019, durante parte da gestão de Aldo Rebelo na Defesa, passando por Raul Jungmann e Joaquim Silva e Luna. O Tenente-Brigadeiro do Ar Raul Botelho ficou no posto de 2019 a 2021, nos ministérios chefiados por Fernando Azevedo e Silva e Walter Braga Netto, até ser substituído pelo General de Exército Laerte de Souza Santos, nomeado por Braga Netto e que permanece no cargo na gestão do ministro Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.