Circula no Facebook uma publicação que compara o mecanismo de ação do Paxlovid, medicamento da Pfizer contra a covid-19, com a ivermectina, um antiparasitário indicado para combater vermes, parasitas e ácaros. A alegação é enganosa. Além de o vermífugo ser ineficaz no tratamento da doença, segundo especialistas, ele não tem semelhança com o remédio produzido pela farmacêutica, que recentemente foi aprovado para venda em farmácias no Brasil.
Para comparar o mecanismo de ação da ivermectina com o do medicamento produzido pela Pfizer, a imagem alega que o antiparasitário age como um inibidor de protease, o que não é verdade. De acordo com o médico infectologista Evaldo Stanislau, a protease é uma enzima necessária para o coronavírus se replicar, e o medicamento da farmacêutica impede essa enzima de agir.
"O remédio da Pfizer tem uma combinação de dois inibidores de protease, o nirmatrelvir e o ritonavir. O primeiro atua contra o vírus da covid diretamente, e o segundo tem o papel de aumentar a potência da droga anterior. Já a ivermectina não age. A ivermectina não tem nenhuma ação contra o vírus da covid", explica Stanislau.
Segundo a Anvisa, o Paxlovid é indicado para o tratamento da doença em adultos que não requerem oxigênio suplementar e que apresentam risco aumentado de progressão para a covid-19 grave. Conforme informa a agência, os comprimidos de nirmatrelvir e ritonavir são embalados juntos e devem ser administrados juntos. Além disso, o remédio deve ser administrado assim que possível, após o resultado positivo do teste diagnóstico para o SARS-CoV-2 e avaliação médica, e no prazo de cinco dias após o início dos sintomas.
Em relação ao mecanismo de ação da ivermectina, Stanislau reitera que o medicamento tem ação antiparasitária e não atua contra o vírus que provoca a covid-19. "Para que se tenha uma ação da ivermectina 'teórica' contra esse vírus, seria necessário uma dose tão grande da ivermectina que é incompatível com a pessoa tomar e com a segurança da droga. Então, qual é o mecanismo de ação da ivermectina contra o vírus da covid? Nenhum, não existe, não atua", diz ele.
Em 2021, o próprio fabricante da ivermectina disse em comunicado que não há evidência significativa de efeito do remédio contra o coronavírus, e que há ausência preocupante de dados quanto à segurança da substância nesse contexto. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também não recomenda o uso do medicamento por pacientes com covid-19. A entidade disse que as evidências sobre o uso do medicamento no tratamento da covid-19 são "inconclusivas" e que o remédio só deve ser usado dentro de estudos clínicos.
No site da Pfizer, pacientes e profissionais de saúde encontram informações mais detalhadas sobre o medicamento Paxlovid. A farmacêutica disponibiliza a bula do medicamento em versões para os dois públicos e um documento que especifica as contraindicações e interações medicamentosas.
O que diz a Pfizer
Procurada pelo Estadão Verifica, a Pfizer explicou, por meio de nota, que o Paxlovid usa duas moléculas (nirmatrelvir + ritonavir) e pertence à classe dos inibidores de protease. O remédio age inibindo uma enzima (protease) chamada 3CL, que o vírus da covid, o SARS-CoV-2, utiliza para se replicar.
De acordo com a farmacêutica, o ritonavir é um antirretroviral "utilizado há décadas para tratamento de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)". Essa molécula tem a função de retardar o metabolismo do nirmatrelvir, "fazendo com que este último permaneça ativo no corpo, em concentrações mais elevadas, por maiores períodos, assim auxiliando no combate ao vírus".
"O antiviral (nirmatrelvir; ritonavir) produzido pela Pfizer não apresenta qualquer semelhança com a ivermectina (um antiparasitário), ou seja, são compostos com estruturas químicas e mecanismos de ação diferentes", comunicou a Pfizer.
A farmacêutica também destacou que a ivermectina não inibe o 3CL, enzima usada pelo SARS-CoV-2 para se replicar. "A ivermectina imobiliza os vermes induzindo uma paralisia na musculatura e morte do parasita", informou.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.