Não, site não mostra em quem eleitores votaram a partir do número do CPF


Especialistas apontam que dados podem vir de mega vazamentos e que explicações sobre como supostos dados de votação foram extraídos deixam claro que conteúdo é mentiroso

Por Clarissa Pacheco

É falso que um site chamado Veja seu Voto seja capaz de apontar em quem um eleitor votou para Presidente da República nas eleições deste ano. A ferramenta, que promete revelar o voto no 2º turno a partir do número do CPF, também não prova que houve fraude eleitoral. Especialistas ouvidos pelo Estadão Verifica destacam que a suposta base de dados usada pelos donos do site - os Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral - não contém as informações alegadas. Diferentemente do que afirmam os criadores do site, não há o que descriptografar nos cartões de memória que guardam os votos, e não é possível vincular a identidade do eleitor ao voto computado nas urnas.

 Foto: Estadão

O site foi registrado no dia 8 de dezembro de 2022. Na última segunda-feira, 12, ele estava fora do ar, mas voltou à ativa nesta terça, 13. O Verifica testou a ferramenta usando dados públicos de CPF dos candidatos à Presidência da República e de seus respectivos vices. Há inconsistências na maioria deles, principalmente em relação à cidade em que os candidatos votaram. Ciro Gomes (PDT), por exemplo, teria votado em São Paulo, quando ele vota, na verdade, em Fortaleza (CE).

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Há informações ainda mais discrepantes: ao inserir o CPF do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo, é o nome da ex-primeira-dama Maria Letícia que aparece - ela morreu em fevereiro de 2017. Segundo o site, o candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PL), Walter Braga Netto, teria votado em Lula, e não no atual presidente. Já Bolsonaro teria votado em uma cidade chamada Barlavento, embora não exista nenhum município com este nome no Brasil, segundo dados do IBGE.

"Os dados pessoais obtidos muito provavelmente vieram de algum dos muitos mega vazamentos de dados dos brasileiros que aconteceram nos últimos anos", aponta Marcos Simplício, professor de Engenharia da Computação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador das áreas de cibersegurança e criptografia e vice-coordenador do convênio USP-TSE que analisa a segurança do sistema de votação. Ele não recomenda que as pessoas insiram o CPF no site, por uma questão de segurança.

Banco de dados não contém as informações citadas

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O site não mostra muitas informações. Ao acessar o endereço, o usuário pode inserir um CPF e pesquisá-lo ou clicar em 'Saiba mais'. Ao fazer isso, é aberta uma janela com um texto que, supostamente, mostra como os dados foram obtidos e como foi possível identificar o voto dos eleitores a partir dos seus CPFs. Segundo o site, as informações "foram extraídas diretamente das urnas eletrônicas" e os arquivos foram fornecidos pelo TSE a partir do portal de Dados Abertos. Há um link para a página, mas não há nos conjuntos de dados nenhuma informação que ligue o eleitor ao voto depositado.

Os autores da ferramenta dizem que cada uma das cerca de 473 mil urnas usadas este ano registra os votos de maneira criptografada, e que foi possível quebrar essa criptografia "a partir do tráfego do nome registrado nas urnas com informações da biometria e outras informações presentes nesses arquivos de urna". Marcos Simplício diz que a própria explicação já deixa claro que as informações são falsas.

"Não é assim que funciona. É puro falso-tecnicismo para tentar dar alguma credibilidade à explicação. Trabalho com criptografia há 15 anos, e tenho urnas, código-fonte etc. no nosso laboratório. Se isso fosse possível, eu teria feito", afirma. Ele destaca, ainda, que nem sequer há alguma criptografia a ser quebrada para mostrar os dados que o site promete entregar. A alegação é parecida com a de um vídeo já desmentido este ano pelo Estadão Verifica.

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Em nota, o TSE alertou para o golpe do site e disse que não é possível conhecer o voto de cada eleitor. "O log da urna - registro das atividades de funcionamento dentro da urna - pode ser acessado pelo Portal de Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelo aplicativo Resultados. Apesar de ser um arquivo público, não registra informações como número do título de eleitor e nem revela voto.  O armazenamento dos votos é feito de modo que ninguém, nem mesmo a Justiça Eleitoral, possa saber em que candidato cada eleitor votou", diz o Tribunal.

Inconsistências

O cientista de dados Marcos Oliveira fez um teste usando o site. Ele fez consultas usando 22.283 CPFs de candidatos nas eleições deste ano - os números ficam disponíveis no site Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, do TSE. "Sempre dá 60% dos votos pra Lula, 30% pro Bolsonaro e 10% não registrado, independente de ser [candidato] de direita ou esquerda", aponta Marcos. É como se 30% dos candidatos do PT tivessem votado em Bolsonaro, ou 60% dos candidatos do PL tivesse votado em Lula.

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Ele também concorda que os CPFs podem ter vindo de algum vazamento recente de dados, e alerta que até mesmo CNPJs parciais eram lidos pelo site como se fosse eleitores. Um dos testes feitos por Marcos foi com o CNPJ da Petrobras, que resultou em 'voto' para Lula na cidade de Porto Alegre. O Verifica tentou fazer a mesma consulta nesta quarta-feira, 14, mas o site dizia que o CPF era inválido.

Outra inconsistência apontada entre especialistas que testaram a ferramenta é a cidade que aparece na "resposta" após inserir o CPF. Em tese, deveria haver ali a cidade onde o eleitor votou, mas não é bem isso que acontece. De todos os candidatos à Presidência da República testados no site, apenas as cidades de votação de Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil) e Lula estão corretas - as duas primeiras em Campo Grande (MS) e o último em São Bernardo do Campo (SP).

Sátira

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No final de semana, o professor Paulo Matias, do Departamento de Computação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) criou um site parecido como uma forma de satirizar o Veja seu Voto. O vejaseuvoto.lol permite consultar o voto por CPF e até "contestar" o resultado de acordo com a vontade do internauta, mas alerta: "Sinto muito, mas resultado acima é completamente aleatório, e você teve sorte de não termos coletado seu CPF".

É falso que um site chamado Veja seu Voto seja capaz de apontar em quem um eleitor votou para Presidente da República nas eleições deste ano. A ferramenta, que promete revelar o voto no 2º turno a partir do número do CPF, também não prova que houve fraude eleitoral. Especialistas ouvidos pelo Estadão Verifica destacam que a suposta base de dados usada pelos donos do site - os Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral - não contém as informações alegadas. Diferentemente do que afirmam os criadores do site, não há o que descriptografar nos cartões de memória que guardam os votos, e não é possível vincular a identidade do eleitor ao voto computado nas urnas.

 Foto: Estadão

O site foi registrado no dia 8 de dezembro de 2022. Na última segunda-feira, 12, ele estava fora do ar, mas voltou à ativa nesta terça, 13. O Verifica testou a ferramenta usando dados públicos de CPF dos candidatos à Presidência da República e de seus respectivos vices. Há inconsistências na maioria deles, principalmente em relação à cidade em que os candidatos votaram. Ciro Gomes (PDT), por exemplo, teria votado em São Paulo, quando ele vota, na verdade, em Fortaleza (CE).

Há informações ainda mais discrepantes: ao inserir o CPF do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo, é o nome da ex-primeira-dama Maria Letícia que aparece - ela morreu em fevereiro de 2017. Segundo o site, o candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PL), Walter Braga Netto, teria votado em Lula, e não no atual presidente. Já Bolsonaro teria votado em uma cidade chamada Barlavento, embora não exista nenhum município com este nome no Brasil, segundo dados do IBGE.

"Os dados pessoais obtidos muito provavelmente vieram de algum dos muitos mega vazamentos de dados dos brasileiros que aconteceram nos últimos anos", aponta Marcos Simplício, professor de Engenharia da Computação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador das áreas de cibersegurança e criptografia e vice-coordenador do convênio USP-TSE que analisa a segurança do sistema de votação. Ele não recomenda que as pessoas insiram o CPF no site, por uma questão de segurança.

Banco de dados não contém as informações citadas

O site não mostra muitas informações. Ao acessar o endereço, o usuário pode inserir um CPF e pesquisá-lo ou clicar em 'Saiba mais'. Ao fazer isso, é aberta uma janela com um texto que, supostamente, mostra como os dados foram obtidos e como foi possível identificar o voto dos eleitores a partir dos seus CPFs. Segundo o site, as informações "foram extraídas diretamente das urnas eletrônicas" e os arquivos foram fornecidos pelo TSE a partir do portal de Dados Abertos. Há um link para a página, mas não há nos conjuntos de dados nenhuma informação que ligue o eleitor ao voto depositado.

Os autores da ferramenta dizem que cada uma das cerca de 473 mil urnas usadas este ano registra os votos de maneira criptografada, e que foi possível quebrar essa criptografia "a partir do tráfego do nome registrado nas urnas com informações da biometria e outras informações presentes nesses arquivos de urna". Marcos Simplício diz que a própria explicação já deixa claro que as informações são falsas.

"Não é assim que funciona. É puro falso-tecnicismo para tentar dar alguma credibilidade à explicação. Trabalho com criptografia há 15 anos, e tenho urnas, código-fonte etc. no nosso laboratório. Se isso fosse possível, eu teria feito", afirma. Ele destaca, ainda, que nem sequer há alguma criptografia a ser quebrada para mostrar os dados que o site promete entregar. A alegação é parecida com a de um vídeo já desmentido este ano pelo Estadão Verifica.

Em nota, o TSE alertou para o golpe do site e disse que não é possível conhecer o voto de cada eleitor. "O log da urna - registro das atividades de funcionamento dentro da urna - pode ser acessado pelo Portal de Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelo aplicativo Resultados. Apesar de ser um arquivo público, não registra informações como número do título de eleitor e nem revela voto.  O armazenamento dos votos é feito de modo que ninguém, nem mesmo a Justiça Eleitoral, possa saber em que candidato cada eleitor votou", diz o Tribunal.

Inconsistências

O cientista de dados Marcos Oliveira fez um teste usando o site. Ele fez consultas usando 22.283 CPFs de candidatos nas eleições deste ano - os números ficam disponíveis no site Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, do TSE. "Sempre dá 60% dos votos pra Lula, 30% pro Bolsonaro e 10% não registrado, independente de ser [candidato] de direita ou esquerda", aponta Marcos. É como se 30% dos candidatos do PT tivessem votado em Bolsonaro, ou 60% dos candidatos do PL tivesse votado em Lula.

Ele também concorda que os CPFs podem ter vindo de algum vazamento recente de dados, e alerta que até mesmo CNPJs parciais eram lidos pelo site como se fosse eleitores. Um dos testes feitos por Marcos foi com o CNPJ da Petrobras, que resultou em 'voto' para Lula na cidade de Porto Alegre. O Verifica tentou fazer a mesma consulta nesta quarta-feira, 14, mas o site dizia que o CPF era inválido.

Outra inconsistência apontada entre especialistas que testaram a ferramenta é a cidade que aparece na "resposta" após inserir o CPF. Em tese, deveria haver ali a cidade onde o eleitor votou, mas não é bem isso que acontece. De todos os candidatos à Presidência da República testados no site, apenas as cidades de votação de Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil) e Lula estão corretas - as duas primeiras em Campo Grande (MS) e o último em São Bernardo do Campo (SP).

Sátira

No final de semana, o professor Paulo Matias, do Departamento de Computação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) criou um site parecido como uma forma de satirizar o Veja seu Voto. O vejaseuvoto.lol permite consultar o voto por CPF e até "contestar" o resultado de acordo com a vontade do internauta, mas alerta: "Sinto muito, mas resultado acima é completamente aleatório, e você teve sorte de não termos coletado seu CPF".

É falso que um site chamado Veja seu Voto seja capaz de apontar em quem um eleitor votou para Presidente da República nas eleições deste ano. A ferramenta, que promete revelar o voto no 2º turno a partir do número do CPF, também não prova que houve fraude eleitoral. Especialistas ouvidos pelo Estadão Verifica destacam que a suposta base de dados usada pelos donos do site - os Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral - não contém as informações alegadas. Diferentemente do que afirmam os criadores do site, não há o que descriptografar nos cartões de memória que guardam os votos, e não é possível vincular a identidade do eleitor ao voto computado nas urnas.

 Foto: Estadão

O site foi registrado no dia 8 de dezembro de 2022. Na última segunda-feira, 12, ele estava fora do ar, mas voltou à ativa nesta terça, 13. O Verifica testou a ferramenta usando dados públicos de CPF dos candidatos à Presidência da República e de seus respectivos vices. Há inconsistências na maioria deles, principalmente em relação à cidade em que os candidatos votaram. Ciro Gomes (PDT), por exemplo, teria votado em São Paulo, quando ele vota, na verdade, em Fortaleza (CE).

Há informações ainda mais discrepantes: ao inserir o CPF do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo, é o nome da ex-primeira-dama Maria Letícia que aparece - ela morreu em fevereiro de 2017. Segundo o site, o candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PL), Walter Braga Netto, teria votado em Lula, e não no atual presidente. Já Bolsonaro teria votado em uma cidade chamada Barlavento, embora não exista nenhum município com este nome no Brasil, segundo dados do IBGE.

"Os dados pessoais obtidos muito provavelmente vieram de algum dos muitos mega vazamentos de dados dos brasileiros que aconteceram nos últimos anos", aponta Marcos Simplício, professor de Engenharia da Computação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador das áreas de cibersegurança e criptografia e vice-coordenador do convênio USP-TSE que analisa a segurança do sistema de votação. Ele não recomenda que as pessoas insiram o CPF no site, por uma questão de segurança.

Banco de dados não contém as informações citadas

O site não mostra muitas informações. Ao acessar o endereço, o usuário pode inserir um CPF e pesquisá-lo ou clicar em 'Saiba mais'. Ao fazer isso, é aberta uma janela com um texto que, supostamente, mostra como os dados foram obtidos e como foi possível identificar o voto dos eleitores a partir dos seus CPFs. Segundo o site, as informações "foram extraídas diretamente das urnas eletrônicas" e os arquivos foram fornecidos pelo TSE a partir do portal de Dados Abertos. Há um link para a página, mas não há nos conjuntos de dados nenhuma informação que ligue o eleitor ao voto depositado.

Os autores da ferramenta dizem que cada uma das cerca de 473 mil urnas usadas este ano registra os votos de maneira criptografada, e que foi possível quebrar essa criptografia "a partir do tráfego do nome registrado nas urnas com informações da biometria e outras informações presentes nesses arquivos de urna". Marcos Simplício diz que a própria explicação já deixa claro que as informações são falsas.

"Não é assim que funciona. É puro falso-tecnicismo para tentar dar alguma credibilidade à explicação. Trabalho com criptografia há 15 anos, e tenho urnas, código-fonte etc. no nosso laboratório. Se isso fosse possível, eu teria feito", afirma. Ele destaca, ainda, que nem sequer há alguma criptografia a ser quebrada para mostrar os dados que o site promete entregar. A alegação é parecida com a de um vídeo já desmentido este ano pelo Estadão Verifica.

Em nota, o TSE alertou para o golpe do site e disse que não é possível conhecer o voto de cada eleitor. "O log da urna - registro das atividades de funcionamento dentro da urna - pode ser acessado pelo Portal de Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelo aplicativo Resultados. Apesar de ser um arquivo público, não registra informações como número do título de eleitor e nem revela voto.  O armazenamento dos votos é feito de modo que ninguém, nem mesmo a Justiça Eleitoral, possa saber em que candidato cada eleitor votou", diz o Tribunal.

Inconsistências

O cientista de dados Marcos Oliveira fez um teste usando o site. Ele fez consultas usando 22.283 CPFs de candidatos nas eleições deste ano - os números ficam disponíveis no site Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, do TSE. "Sempre dá 60% dos votos pra Lula, 30% pro Bolsonaro e 10% não registrado, independente de ser [candidato] de direita ou esquerda", aponta Marcos. É como se 30% dos candidatos do PT tivessem votado em Bolsonaro, ou 60% dos candidatos do PL tivesse votado em Lula.

Ele também concorda que os CPFs podem ter vindo de algum vazamento recente de dados, e alerta que até mesmo CNPJs parciais eram lidos pelo site como se fosse eleitores. Um dos testes feitos por Marcos foi com o CNPJ da Petrobras, que resultou em 'voto' para Lula na cidade de Porto Alegre. O Verifica tentou fazer a mesma consulta nesta quarta-feira, 14, mas o site dizia que o CPF era inválido.

Outra inconsistência apontada entre especialistas que testaram a ferramenta é a cidade que aparece na "resposta" após inserir o CPF. Em tese, deveria haver ali a cidade onde o eleitor votou, mas não é bem isso que acontece. De todos os candidatos à Presidência da República testados no site, apenas as cidades de votação de Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil) e Lula estão corretas - as duas primeiras em Campo Grande (MS) e o último em São Bernardo do Campo (SP).

Sátira

No final de semana, o professor Paulo Matias, do Departamento de Computação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) criou um site parecido como uma forma de satirizar o Veja seu Voto. O vejaseuvoto.lol permite consultar o voto por CPF e até "contestar" o resultado de acordo com a vontade do internauta, mas alerta: "Sinto muito, mas resultado acima é completamente aleatório, e você teve sorte de não termos coletado seu CPF".

É falso que um site chamado Veja seu Voto seja capaz de apontar em quem um eleitor votou para Presidente da República nas eleições deste ano. A ferramenta, que promete revelar o voto no 2º turno a partir do número do CPF, também não prova que houve fraude eleitoral. Especialistas ouvidos pelo Estadão Verifica destacam que a suposta base de dados usada pelos donos do site - os Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral - não contém as informações alegadas. Diferentemente do que afirmam os criadores do site, não há o que descriptografar nos cartões de memória que guardam os votos, e não é possível vincular a identidade do eleitor ao voto computado nas urnas.

 Foto: Estadão

O site foi registrado no dia 8 de dezembro de 2022. Na última segunda-feira, 12, ele estava fora do ar, mas voltou à ativa nesta terça, 13. O Verifica testou a ferramenta usando dados públicos de CPF dos candidatos à Presidência da República e de seus respectivos vices. Há inconsistências na maioria deles, principalmente em relação à cidade em que os candidatos votaram. Ciro Gomes (PDT), por exemplo, teria votado em São Paulo, quando ele vota, na verdade, em Fortaleza (CE).

Há informações ainda mais discrepantes: ao inserir o CPF do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo, é o nome da ex-primeira-dama Maria Letícia que aparece - ela morreu em fevereiro de 2017. Segundo o site, o candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PL), Walter Braga Netto, teria votado em Lula, e não no atual presidente. Já Bolsonaro teria votado em uma cidade chamada Barlavento, embora não exista nenhum município com este nome no Brasil, segundo dados do IBGE.

"Os dados pessoais obtidos muito provavelmente vieram de algum dos muitos mega vazamentos de dados dos brasileiros que aconteceram nos últimos anos", aponta Marcos Simplício, professor de Engenharia da Computação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador das áreas de cibersegurança e criptografia e vice-coordenador do convênio USP-TSE que analisa a segurança do sistema de votação. Ele não recomenda que as pessoas insiram o CPF no site, por uma questão de segurança.

Banco de dados não contém as informações citadas

O site não mostra muitas informações. Ao acessar o endereço, o usuário pode inserir um CPF e pesquisá-lo ou clicar em 'Saiba mais'. Ao fazer isso, é aberta uma janela com um texto que, supostamente, mostra como os dados foram obtidos e como foi possível identificar o voto dos eleitores a partir dos seus CPFs. Segundo o site, as informações "foram extraídas diretamente das urnas eletrônicas" e os arquivos foram fornecidos pelo TSE a partir do portal de Dados Abertos. Há um link para a página, mas não há nos conjuntos de dados nenhuma informação que ligue o eleitor ao voto depositado.

Os autores da ferramenta dizem que cada uma das cerca de 473 mil urnas usadas este ano registra os votos de maneira criptografada, e que foi possível quebrar essa criptografia "a partir do tráfego do nome registrado nas urnas com informações da biometria e outras informações presentes nesses arquivos de urna". Marcos Simplício diz que a própria explicação já deixa claro que as informações são falsas.

"Não é assim que funciona. É puro falso-tecnicismo para tentar dar alguma credibilidade à explicação. Trabalho com criptografia há 15 anos, e tenho urnas, código-fonte etc. no nosso laboratório. Se isso fosse possível, eu teria feito", afirma. Ele destaca, ainda, que nem sequer há alguma criptografia a ser quebrada para mostrar os dados que o site promete entregar. A alegação é parecida com a de um vídeo já desmentido este ano pelo Estadão Verifica.

Em nota, o TSE alertou para o golpe do site e disse que não é possível conhecer o voto de cada eleitor. "O log da urna - registro das atividades de funcionamento dentro da urna - pode ser acessado pelo Portal de Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelo aplicativo Resultados. Apesar de ser um arquivo público, não registra informações como número do título de eleitor e nem revela voto.  O armazenamento dos votos é feito de modo que ninguém, nem mesmo a Justiça Eleitoral, possa saber em que candidato cada eleitor votou", diz o Tribunal.

Inconsistências

O cientista de dados Marcos Oliveira fez um teste usando o site. Ele fez consultas usando 22.283 CPFs de candidatos nas eleições deste ano - os números ficam disponíveis no site Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, do TSE. "Sempre dá 60% dos votos pra Lula, 30% pro Bolsonaro e 10% não registrado, independente de ser [candidato] de direita ou esquerda", aponta Marcos. É como se 30% dos candidatos do PT tivessem votado em Bolsonaro, ou 60% dos candidatos do PL tivesse votado em Lula.

Ele também concorda que os CPFs podem ter vindo de algum vazamento recente de dados, e alerta que até mesmo CNPJs parciais eram lidos pelo site como se fosse eleitores. Um dos testes feitos por Marcos foi com o CNPJ da Petrobras, que resultou em 'voto' para Lula na cidade de Porto Alegre. O Verifica tentou fazer a mesma consulta nesta quarta-feira, 14, mas o site dizia que o CPF era inválido.

Outra inconsistência apontada entre especialistas que testaram a ferramenta é a cidade que aparece na "resposta" após inserir o CPF. Em tese, deveria haver ali a cidade onde o eleitor votou, mas não é bem isso que acontece. De todos os candidatos à Presidência da República testados no site, apenas as cidades de votação de Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil) e Lula estão corretas - as duas primeiras em Campo Grande (MS) e o último em São Bernardo do Campo (SP).

Sátira

No final de semana, o professor Paulo Matias, do Departamento de Computação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) criou um site parecido como uma forma de satirizar o Veja seu Voto. O vejaseuvoto.lol permite consultar o voto por CPF e até "contestar" o resultado de acordo com a vontade do internauta, mas alerta: "Sinto muito, mas resultado acima é completamente aleatório, e você teve sorte de não termos coletado seu CPF".

É falso que um site chamado Veja seu Voto seja capaz de apontar em quem um eleitor votou para Presidente da República nas eleições deste ano. A ferramenta, que promete revelar o voto no 2º turno a partir do número do CPF, também não prova que houve fraude eleitoral. Especialistas ouvidos pelo Estadão Verifica destacam que a suposta base de dados usada pelos donos do site - os Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral - não contém as informações alegadas. Diferentemente do que afirmam os criadores do site, não há o que descriptografar nos cartões de memória que guardam os votos, e não é possível vincular a identidade do eleitor ao voto computado nas urnas.

 Foto: Estadão

O site foi registrado no dia 8 de dezembro de 2022. Na última segunda-feira, 12, ele estava fora do ar, mas voltou à ativa nesta terça, 13. O Verifica testou a ferramenta usando dados públicos de CPF dos candidatos à Presidência da República e de seus respectivos vices. Há inconsistências na maioria deles, principalmente em relação à cidade em que os candidatos votaram. Ciro Gomes (PDT), por exemplo, teria votado em São Paulo, quando ele vota, na verdade, em Fortaleza (CE).

Há informações ainda mais discrepantes: ao inserir o CPF do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo, é o nome da ex-primeira-dama Maria Letícia que aparece - ela morreu em fevereiro de 2017. Segundo o site, o candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PL), Walter Braga Netto, teria votado em Lula, e não no atual presidente. Já Bolsonaro teria votado em uma cidade chamada Barlavento, embora não exista nenhum município com este nome no Brasil, segundo dados do IBGE.

"Os dados pessoais obtidos muito provavelmente vieram de algum dos muitos mega vazamentos de dados dos brasileiros que aconteceram nos últimos anos", aponta Marcos Simplício, professor de Engenharia da Computação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador das áreas de cibersegurança e criptografia e vice-coordenador do convênio USP-TSE que analisa a segurança do sistema de votação. Ele não recomenda que as pessoas insiram o CPF no site, por uma questão de segurança.

Banco de dados não contém as informações citadas

O site não mostra muitas informações. Ao acessar o endereço, o usuário pode inserir um CPF e pesquisá-lo ou clicar em 'Saiba mais'. Ao fazer isso, é aberta uma janela com um texto que, supostamente, mostra como os dados foram obtidos e como foi possível identificar o voto dos eleitores a partir dos seus CPFs. Segundo o site, as informações "foram extraídas diretamente das urnas eletrônicas" e os arquivos foram fornecidos pelo TSE a partir do portal de Dados Abertos. Há um link para a página, mas não há nos conjuntos de dados nenhuma informação que ligue o eleitor ao voto depositado.

Os autores da ferramenta dizem que cada uma das cerca de 473 mil urnas usadas este ano registra os votos de maneira criptografada, e que foi possível quebrar essa criptografia "a partir do tráfego do nome registrado nas urnas com informações da biometria e outras informações presentes nesses arquivos de urna". Marcos Simplício diz que a própria explicação já deixa claro que as informações são falsas.

"Não é assim que funciona. É puro falso-tecnicismo para tentar dar alguma credibilidade à explicação. Trabalho com criptografia há 15 anos, e tenho urnas, código-fonte etc. no nosso laboratório. Se isso fosse possível, eu teria feito", afirma. Ele destaca, ainda, que nem sequer há alguma criptografia a ser quebrada para mostrar os dados que o site promete entregar. A alegação é parecida com a de um vídeo já desmentido este ano pelo Estadão Verifica.

Em nota, o TSE alertou para o golpe do site e disse que não é possível conhecer o voto de cada eleitor. "O log da urna - registro das atividades de funcionamento dentro da urna - pode ser acessado pelo Portal de Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelo aplicativo Resultados. Apesar de ser um arquivo público, não registra informações como número do título de eleitor e nem revela voto.  O armazenamento dos votos é feito de modo que ninguém, nem mesmo a Justiça Eleitoral, possa saber em que candidato cada eleitor votou", diz o Tribunal.

Inconsistências

O cientista de dados Marcos Oliveira fez um teste usando o site. Ele fez consultas usando 22.283 CPFs de candidatos nas eleições deste ano - os números ficam disponíveis no site Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, do TSE. "Sempre dá 60% dos votos pra Lula, 30% pro Bolsonaro e 10% não registrado, independente de ser [candidato] de direita ou esquerda", aponta Marcos. É como se 30% dos candidatos do PT tivessem votado em Bolsonaro, ou 60% dos candidatos do PL tivesse votado em Lula.

Ele também concorda que os CPFs podem ter vindo de algum vazamento recente de dados, e alerta que até mesmo CNPJs parciais eram lidos pelo site como se fosse eleitores. Um dos testes feitos por Marcos foi com o CNPJ da Petrobras, que resultou em 'voto' para Lula na cidade de Porto Alegre. O Verifica tentou fazer a mesma consulta nesta quarta-feira, 14, mas o site dizia que o CPF era inválido.

Outra inconsistência apontada entre especialistas que testaram a ferramenta é a cidade que aparece na "resposta" após inserir o CPF. Em tese, deveria haver ali a cidade onde o eleitor votou, mas não é bem isso que acontece. De todos os candidatos à Presidência da República testados no site, apenas as cidades de votação de Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil) e Lula estão corretas - as duas primeiras em Campo Grande (MS) e o último em São Bernardo do Campo (SP).

Sátira

No final de semana, o professor Paulo Matias, do Departamento de Computação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) criou um site parecido como uma forma de satirizar o Veja seu Voto. O vejaseuvoto.lol permite consultar o voto por CPF e até "contestar" o resultado de acordo com a vontade do internauta, mas alerta: "Sinto muito, mas resultado acima é completamente aleatório, e você teve sorte de não termos coletado seu CPF".

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