O jornalista Julio de Mesquita Filho, diretor do Estado, vinha conspirando para a derrubada do presidente João Goulart meses antes de os generais, legalistas ou indecisos até o começo de 1964, se decidirem a dar um golpe - ou um contragolpe, na visão dos que o apoiavam, em reação a um provável e esperado golpe do governo para instalação de uma república sindicalista em aliança com os comunistas."Em defesa da democracia, sou um conspirador", declarou o Doutor Julinho, como era conhecido, em dezembro de 1963. A conspiração não contava ainda com a adesão integral dos oficiais superiores. Eram militares de coronel para baixo, como o major Rubens Resstel, do 2.º Exército, atual Comando Sudeste do Exército, que se reuniam com intelectuais e empresários civis para armar a reação ao que viam como a ameaça da esquerda. O jornalista participava de encontros secretos, muitas vezes em sua residência, quando as Forças Armadas não pareciam dispostas a intervir no quadro político.Um dos aliados de Julio de Mesquita Filho era o governador do então Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, que se opunha ao golpe. Argumentava que, se os militares fossem às armas, não deixariam tão cedo o poder, derrubando por terra seu projeto de se eleger presidente da República. O diretor do Estado admitia que isso pudesse acontecer, mas acreditava que os generais sairiam de cena, convocando eleições diretas para a escolha de um civil, após a execução de um programa revolucionário de "limpeza do cenário político, com cassações de direitos políticos", como o jornalista Ruy Mesquita, filho do Doutor Julinho, afirmou em entrevista, em março de 2004.Prevenção. "Em nosso caso, não se pretendia fazer uma revolução radical - nem era uma revolução na verdadeira acepção do termo - porque era apenas um golpe para deter o golpe que se preparava", disse Ruy Mesquita, falando em nome da família. Ele e seus irmãos, Julio de Mesquita Neto e Luiz Carlos Mesquita, conforme garantiu o pai a Carlos Lacerda, estavam prontos para dar a vida pelo Brasil. O jornal também estava à disposição da causa, disse o Doutor Julinho. Após a deposição de Goulart - em quem os Mesquitas viam o herdeiro de Getúlio Vargas, que censurou o Estado e mandou seus proprietários para o exílio após a Revolução Constitucionalista de 1932 e na ditadura instaurada em 1937 -,o jornal festejou a vitória do movimento militar como "esmagamento completo, e desta vez definitivo, do Estado Novo".Ruy Mesquita participava ativamente da conspiração. "Minha casa era centro de conspiração", disse o jornalista, morto no ano passado. "Houve dezenas de reuniões em minha casa, nesse período, de oficiais do 2.º Exército com civis que estavam na conspiração." Como o pai, ele tinha a esperança de que o regime militar duraria pouco tempo, conforme o programa do presidente Humberto Alencar de Castelo Branco, com a manutenção do calendário eleitoral, que previa eleições para 1965.O jornalista manifestou essa esperança em resposta a uma carta a Gilles Lapouge, correspondente do Estado em Paris, em 21 de junho de 1964. Os dois textos foram publicados no Estado e no livro 31/3 - Ruy Mesquita e Gilles Lapouge, de 50 páginas, com os argumentos contra e pró-"revolução", denominação usada por ambos. A troca de correspondência se deu após Ruy Mesquita ter enviado um telegrama a Lapouge, explicando por que havia vetado a publicação de um artigo dele sobre a cobertura de uma entrevista dada por Carlos Lacerda na França.A razão pela qual Lacerda aceitou ser o defensor da "revolução" em sua viagem a Paris, onde "com toda a sua verve gozou os jornalistas franceses, que acreditavam que a revolução era mais uma quartelada sul-americana, foi que ele ainda acreditava que fosse possível cumprir o programa de Castelo Branco com a manutenção do calendário eleitoral", explicou Ruy Mesquita. O Ato Institucional n.º 2 (AI-2), que em 27 de outubro de 1965 cancelou as eleições presidenciais, foi, também para Lacerda, um divisor de águas.'Inevitável'. Lacerda era amigo da família Mesquita e suposto candidato à sucessão de Goulart, com ampla possibilidade de vencer a eleição. Julio de Mesquita Filho conversava sempre com Lacerda, embora ele não estivesse entre os conspiradores contra o regime. "Uma noite, ele apareceu sem se anunciar na fazenda de minha família em Louveira para conversar com meu pai", contou Ruy, testemunha da conversa. "Meu pai disse a ele que achava que o golpe era inevitável e que deveria vir o mais breve possível a intervenção militar para deter o golpe de Jango."Para Ruy Mesquita, como ele reafirmou na carta a Gilles Lapouge, o golpe seria "um movimento defensivo contra uma ameaça concreta ao regime democrático brasileiro". A maioria esmagadora da oficialidade do Exército e também da Força Aérea se articulou a partir da "subversão da hierarquia militar, que começou violentamente e que resultou, em primeiro lugar, na revolta dos sargentos em Brasília e, muito mais tarde, já na véspera da revolução, na revolta dos marinheiros liderados pelo cabo Anselmo", afirmou Ruy. O estopim para a reação das Forças Armadas foi o "comício" dos sargentos e fuzileiros navais do almirante Cândido Aragão , no Automóvel Clube do Rio de Janeiro, ao qual compareceu Goulart, que fez um discurso.Ruy Mesquita lembrou que, assim como foram ao Estado, oficiais do 2.º Exército procuraram outros setores da sociedade, para pedir apoio e ajuda financeira ao movimento. "Houve até contribuições para compra de armas no Paraguai", revelou. O jornalista Waldo Claro, na época redator da seção Internacional do jornal, informou ao diplomata Roberto Salone, autor do livro Irremediavelmente liberal: política e cultura na trajetória de Julio de Mesquita Filho, que, com o consentimento do Doutor Julinho e sob a orientação do major Rubens Resstel, "armamento era clandestinamente transportado para os companheiros de conspiração no Rio de Janeiro, mais especificamente em Niterói".A partir da edição do AI-2, Julio de Mesquita Filho rompeu definitivamente com o regime militar. O entusiasmo com o governo já vinha caindo, por causa da constatação de que Castelo Branco cedia espaço à linha-dura do Exército, cujo símbolo era o general Arthur da Costa e Silva, ministro da Guerra. O jornal passou a publicar violentos editoriais contra Castelo Branco que, na avaliação de Ruy Mesquita, teria sido tratado injustamente por seu pai, pois o presidente não teria tido condições de romper com a linha-dura. O atrito do Estado com o regime chegou ao auge em 13 de dezembro de 1968, quando o já presidente Costa e Silva baixou o AI-5, que fechou o Congresso, cassou mandatos parlamentares e prendeu dezenas de opositores, entre eles supostos terroristas.