BRASÍLIA – Alinhado ao desejo do presidente Jair Bolsonaro, o comandante-geral do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, livrou o general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, de punição por ter participado de ato político em apoio ao presidente da República no Rio – o que é proibido pelas normas militares. O comandante concluiu nesta quinta-feira, 3, que Pazuello não cometeu “transgressão disciplinar” ao subir em carro de som e discursar em defesa de Bolsonaro. O procedimento administrativo contra ele foi arquivado.
Em comunicado oficial, o Exército informou que, no entendimento do comandante, “não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do general Pazuello”.
Entre oficiais, a decisão foi recebida com silêncio e constrangimento. As críticas mais duras foram feitas por políticos e ex-titulares do Ministério da Defesa.
O desfecho do caso foi divulgado em nota sintética pelo Centro de Comunicação Social do Exército. No documento, a manifestação de motociclistas promovida em 23 de maio por apoiadores de Bolsonaro foi tratada como um “evento”. As imagens do ato mostram milhares de militantes que defendem a reeleição do presidente em 2022, além de Pazuello e de parlamentares bolsonaristas.
O Comando do Exército disse também que Paulo Sérgio “analisou e acolheu” os argumentos de defesa de Pazuello, que foram apresentados por escrito e “sustentados oralmente” pelo general, que, como esperado, foi ao encontro do comandante para dar mais explicações. O ex-ministro da Saúde alegou que a manifestação não era político-partidária, que ocorreu fora do período eleitoral e que o presidente não está filiado a partido.
O Regulamento Disciplinar do Exército e o Estatuto dos Militares, porém, proíbem a participação de militares da ativa em manifestações políticas a qualquer tempo.
Generais da ativa consultados pela reportagem afirmaram que o Alto Comando tem ciência de que a decisão não foi bem recebida e que gerou desgaste à instituição e desconforto a eles mesmos. Ponderam, porém, que qualquer decisão geraria problemas e que uma eventual a punição a Pazuello representaria por tabela uma reprimenda ao presidente, por causa da presença de Bolsonaro no mesmo palanque.
Bolsonaro manifestou de diferentes formas seu descontentamento quanto à possibilidade de punição a Pazuello. A primeira blindagem do presidente foi o veto à divulgação de uma nota que o Exército publicaria para comunicar a instauração do procedimento disciplinar contra o ex-ministro. Dias depois, Bolsonaro anteciparia as alegações de defesa de Pazuello, dizendo em uma live nas redes sociais que o ato no Rio não teve viés político.
Na terça-feira passada, ele nomeou Pazuello para um novo cargo político de assessoramento, vinculado a seu gabinete, o de secretário de Estudos Estratégicos, abrigando-o no Palácio do Planalto e afastando-o do Exército.
Em viagem acompanhado de Paulo Sérgio e dos ministros da Defesa, general Braga Netto, e da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, tratou o comandante como “amigo” e disse que o governo respeitava “seus militares” – a expressão gera descontentamentos velados, já que na prática repete o teor da frase “meu Exército”, repetida por Bolsonaro, e que vincula as Forças Armadas – pela Constituição, instituições de Estado – a seu governo.
A nomeação fez Paulo Sérgio auscultar o Alto Comando. Ele reuniu um grupo restrito de generais quatro estrelas para discutir o que fazer. Já pressionado publicamente pelo presidente, ele desejava ter o respaldo da cúpula verde-oliva, apesar de a decisão ao fim ter sido individual e contrariado o desejo de oficiais. Segundo militares que assessoram o comandante, ele não cogita deixar o cargo, como defendiam generais da reserva.
No generalato, a maioria já havia se declarado, em conversas reservadas, a favor da punição. A prisão disciplinar logo foi descartada. Ao longo do processo, generais da cúpula sugeriram a Paulo Sérgio aplicar uma repreensão por escrito, uma punição média. Consideravam que poderia haver atenuantes e por isso ponderavam que a pena poderia ser abrandada para uma advertência verbal, cujo teor poderia nem sequer vir a público. Mas nem isso saiu. Mesmo isentando Pazuello, os oficiais mais próximos do comandante sustentam que ele teve respaldo dos demais generais.
A decisão de Paulo Sérgio é controversa e divide opiniões. O desfecho do caso abre brecha para que o regulamento disciplinar da Força Terrestre fique desacreditado. Uma punição ao general de três estrelas era considerada inédita e mostraria que o Exército não hesitaria em punir uma transgressão, nem mesmo vinda de oficial de alta patente, mesmo que aliado do presidente, para preservar a disciplina interna. Como isso não ocorreu, a mensagem enviada é a oposta e atinge a imagem das Forças Armadas, já contestadas.
Um dos próximos casos, como revelou o Estadão, será o de um sargento da ativa que reclamou de questões remuneratórias em live com o deputado bolsonarista Major Vitor Hugo (PSL-GO), ex-líder do governo.
Até mesmo oficiais ligados ao Clube Militar, cuja direção é alinhada ao governo Bolsonaro, diziam que uma eventual punição não seria desonra para Pazuello, mas sim um “registro da altivez e da fidelidade à causa” por parte comandante. O vice-presidente da República, general de Exército da reserva Hamilton Mourão, chegou a dizer que a regra deveria ser aplicada para “evitar que a anarquia se instaurasse dentro das Forças Armadas”.
Veja a repercussão
“Lamento a decisão. Está aberto o precedente para que a política entre nos quartéis.A disciplina está ameaçada”, afirmou o general da reserva Paulo Chagas. “O presidente, o comandante e o general Pazuello contribuem para a desmoralização e para a queda do prestígio conquistado pelo Exército Brasileiro. Esta decisão, até que eu tenha acesso a outras informações sobre o assunto, põe em risco a autoridade do comandante do Exército Brasileiro, por quem tenho grande apreço.”
“A sensação de que não se sabe mais onde termina o governo e começa o Exército, é o que pode acontecer de pior”, disse a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), autora de uma proposta que veda os militares da ativa ocuparem cargo de natureza civil na administração pública. “‘Quando a política entra por uma porta do quartel, a disciplina e a hierarquia saem pelas outras, já dizia Vilas Boas’”, disse ela.
“A cúpula do Exército vai acabar transformando o Exército brasileiro em algo parecido com o que aconteceu na Venezuela”, afirmou o ex-presidente da Câmara deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que defende que Câmara discuta a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da deputada Perpétua Almeida, “que veda aos militares da ativa a ocupação de cargo de natureza civil na administração pública”. “Já assinei meu apoiamento”, disse Maia.
O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), também criticou a decisão. “O Exército decidiu que agora militar pode participar de manifestações políticas como bem entender. Isso não será bom para uma instituição que tem o respeito do povo brasileiro”, disse.
O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) considerou “gravíssimo” o Exército não punir Pazuello e assim violar o seu próprio Estatuto e Código Penal Militar. “As Forças Armadas, que deveriam agir como instituições de Estado, estão se desmoralizando diante da delinquência de Bolsonaro e estimulando a quebra da disciplina pela tropa.”
Para o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, a atitude do Exército representa uma decisão “no mínimo temerária para o Brasil que sofre escalada golpista de Bolsonaro”. “Há riscos evidentes quanto a disciplina e politização das Forças Armadas”, reforçou.
Ex-aliada de Bolsonaro, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) também criticou a decisão. “O Exército decidiu não punir o general da ativa Pazuello por fazer campanha para Jair Bolsonaro. Liberou geral! As Forças Armadas foram politizadas! Jair Bolsonaro está acima do regulamento do Exército. É um escândalo! É incentivo à anarquia”, disse. “Jair Bolsonaro está destruindo nossas instituições! Como pode a cúpula do Exército ficar de joelhos para um político?! Que vergonha”, reclamou.