Exército desconhece número de militares envolvidos em desvios de armas e munições


Força usa alegação de que tem gestão descentralizada para negar acesso a informações básicas sobre a própria atuação. Para especialistas, quadro denota problema de gestão e na formulação de políticas públicas; militares dizem que estão fazendo transição digital

Por Vinícius Valfré
Atualização:

BRASÍLIA - O Comando do Exército não sabe o total de militares que já foram denunciados por envolvimento em desvios de armas e munições ao longo dos anos, como o que está sob apuração em Barueri, onde 480 homens chegaram a ser aquartelados. A Força terrestre também não sabe indicar em quais regiões há maior e menor incidência de crimes internos. Sem um sistema nacional integrado, o Exército desconhece um conjunto de outras informações básicas e não consegue gerar diagnósticos amplos sobre as próprias atividades.

Não tem detalhes, por exemplo, sobre a fiscalização de produtos controlados como explosivos, sobre a emissão de certificados de importação de armas ou sobre a distribuição de armamento de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) por cidades. Também são uma incógnita o contingente de reservistas do Exército e o total de brasileiros em débito com o alistamento obrigatório.

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A falta de controle dos dados está demonstrada em uma série de respostas a pedidos feitos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Ao negar o acesso, o Comando do Exército tem admitido que as informações solicitadas “ficam registrados fisicamente em cada uma das quase centenas de organizações militares” e que reuni-las demandaria uma “pesquisa em documentos físicos” capaz de “inviabilizar atividades rotineiras”.

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Sob o argumento de que providenciar os dados seria um trabalho extra inviável, os pedidos acabam classificados como “desproporcionais ou desarrazoados”. Em 2023, até esta quarta-feira, 18, o Exército recebeu 1.557 pedidos de informações por meio da LAI e 451 (29,9%) foram negados.

Do universo de negativas, 318 (70,5%) se deram porque os militares avaliaram os respectivos pedidos como “desproporcionais ou desarrazoados”. No mesmo período, em todo o governo federal, a média de pedidos negados está em 7,9%. E a de solicitações negadas por serem “desproporcionais”, 11,8%.

Exército vê ‘trabalho adicional’ em pedidos de informações

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Em maio, o Comando do Exército recebeu um pedido por meio da LAI para apresentar quantas vezes foi notificado sobre denúncias de desvio de armas e munições contra militares da ativa a partir de 2016 e as punições aplicadas no período. O levantamento poderia apontar se há crescimento ou redução no número de militares envolvidos em crimes e ainda sugerir regiões com mais e menos atos de indisciplina. Esse retrato poderia auxiliar o Comando, por exemplo, na adoção de medidas preventivas.

A solicitação foi negada. A resposta é baseada nas alegações de que o Exército tem uma gestão descentralizada e que a pesquisa demandaria horas de trabalho extra porque a documentação a ser consultada ainda é mantida fisicamente.

“A instituição não possui as informações solicitadas de forma unificada, posto que eventuais averiguações oriundas de denúncias são realizadas de forma descentralizada, pelas Organizações Militares (...) Para o levantamento de informações específicas, acerca de punições disciplinares, seria necessária uma consulta a todas as Organizações Militares do Exército, sem exceção, incluindo pesquisa manual (física) nos Boletins Internos de cada uma, ano a ano, o que envolveria um número incalculável de militares e um tempo inestimável, para consolidação dos dados, além de acarretar atrasos no cumprimento atividades diversas, em variados setores da administração, no âmbito do Exército”.

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O Comando do Exército recebeu em julho um pedido do total de Certificados Internacionais de Importação (CII) de armas emitidos nos últimos anos. O documento, emitido pela Força, funciona como licença prévia para importação de um produto controlado. O levantamento poderia mostrar se houve aumento ou redução das importações, apontar períodos de maior demanda e ainda um perfil dos requerimentos.

A solicitação foi negada sob o argumento de que a pesquisa deveria ser realizada “manualmente através do controle interno junto ao protocolo da DFPC” (Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados) e que o único “analista disponível” precisaria de pelo menos “150 dias de trabalho para pesquisar documentos físicos e sistemas de protocolo”.

Em uma outra requisição via LAI foram solicitados os registros de fiscalização de produtos controlados pelo Exército entre 2017 e 2022, mas com especificação de cada item vistoriado. Os produtos submetidos ao controle militar para comércio e trânsito são definidos em portarias, como armas de fogo, fogos de artifício e compostos químicos como o trinitrotolueno (TNT).

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A pesquisa poderia informar se o Exército negligencia ou prioriza algum item e se há falhas mais típicas em algum produto. A resposta foi negativa: “As informações detalhadas, referentes aos produtos controlados que passaram por fiscalização, ficam registrados fisicamente em cada uma das quase 200 Organizações Militares, com isso, não há como realizar a consolidação de forma imediata”.

No ano passado, o Exército também admitiu não saber quantas armas de fogo existem em cada cidade brasileira nas mãos dos CACs (caçadores, atiradores e colecionadores de armas). A informação foi publicada pelo UOL. A fiscalização e o controle desse grupo são uma das atribuições do Exército -- no futuro, será transferida para a Polícia Federal.

O Comando não sabe dizer nem qual é o total de homens dispensados do serviço militar obrigatório, tampouco o número de brasileiros em débito com o alistamento. Para esses pedidos, o Exército respondeu que “não possui os dados consolidados na forma solicitada”. Por isso, classificou a solicitação como “desproporcional, em decorrência de sua dimensão, visto que inviabiliza significativamente as atividades rotineiras da instituição”.

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Especialistas veem problema de gestão

Para especialistas, trata-se de um grave problema administrativo porque ao admitir que dados como os mencionados acima são mantidos em diferentes instalações, inclusive fisicamente, o Comando do Exército não é capaz de compreender, de maneira detalhada, o cenário completo da própria atuação.

Gerente de programas da Transparência Internacional - Brasil, Renato Morgado afirma que as respostas apresentadas pelo Exército sugerem dificuldades para elaboração e avaliação de políticas públicas e para a atuação dos órgãos de controle.

“A transparência em temas como a importação de armas de fogo, a fiscalização de produtos controlados, o alistamento e processos disciplinares são de interesse público e esses dados devem estar disponíveis para o desenvolvimento de políticas públicas de segurança pública e para a compreensão da atividade militar no país”, disse.

Morgado pontua ainda que as exceções previstas pela lei para casos de pedidos genéricos ou desarrazoados não podem servir de amparo para que militares se recusem a entregar informações requisitadas por meio da LAI. “A não disponibilização dessas informações é ainda mais preocupante porque, nos últimos anos, tem ocorrido um reiterado descumprimento do princípio da publicidade e da Lei de Acesso à Informação pelas Forças Armadas”, frisou.

O professor de Direito Administrativo da faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie Antonio Cecilio Moreira Pires destaca que a emenda constitucional que reformulou princípios da administração pública, em 1998, transformava a administração pública burocrática em gerencial. Mas a transição ainda não se concretizou em diversos órgãos. Para Moreira Pires, não é possível falar em qualidade na prestação dos serviços sem que haja uma administração pública digital.

“A tecnologia hoje é um dos principais instrumentos para se aplicar ao planejamento. Não dá pra falar em gestão pública sem falar em dados”, disse. “Me admira que o Exército não tenha esses tipos de informações, que me parecem até comezinhas, decorrentes da própria atividade. Deveria haver uma avaliação da verificação da necessidade de digitalizá-las até para que tenham serventia”.

As explicações do Exército

Em nota, o Exército afirmou que o efetivo de 207 mil homens está distribuído por 673 organizações militares e que segue a legislação ao responder solicitações feitas via LAI, “sem nenhuma omissão” e atestando o “compromisso com a transparência pública, ativa e passiva, e com o fomento do desenvolvimento da cultura da transparência”.

Também destacou que tem “envidado esforços para efetuar a migração de diversos processos físicos para digitais”. Contudo, “em razão do grande volume de processos físicos” nas centenas de instalações, “a coleta de informações desses processos demanda tempo para pesquisa, coleta, tratamento e consolidação de dados”.

Com relação aos pedidos citados na reportagem, para os quais o Exército negou respostas alegando que as informações estão descentralizadas, a assessoria de comunicação disse que “a dificuldade incorre no volume de dados que tem que ser processado para o atendimento da demanda, não havendo negativa de dados já consolidados”.

Especificamente com relação a denúncias de crimes praticados por militares, o setor de comunicação ressaltou que “as respectivas instaurações ocorrem de forma descentralizada no âmbito de cada Comando”.

Sobre os reservistas, o Exército informou que já disponibilizou informações sobre alistamento militar para o período entre 2007 e 2022, mas ponderou que “a instituição não possui informações sobre a quantidade de brasileiros que estão em débito com o serviço militar”.

A resposta do Comando do Exército também deu uma explicação para os 70% das negativas de informações baseadas no entendimento de que os pedidos eram “desproporcionais”. Segundo a Força, a instituição recebeu um conjunto de quase 300 pedidos de apenas dois demandantes, em um curto intervalo de tempo, que foram avaliados como desproporcionais até pela Controladoria-Geral da União (CGU) acabaram afetando os percentuais de negativas.

BRASÍLIA - O Comando do Exército não sabe o total de militares que já foram denunciados por envolvimento em desvios de armas e munições ao longo dos anos, como o que está sob apuração em Barueri, onde 480 homens chegaram a ser aquartelados. A Força terrestre também não sabe indicar em quais regiões há maior e menor incidência de crimes internos. Sem um sistema nacional integrado, o Exército desconhece um conjunto de outras informações básicas e não consegue gerar diagnósticos amplos sobre as próprias atividades.

Não tem detalhes, por exemplo, sobre a fiscalização de produtos controlados como explosivos, sobre a emissão de certificados de importação de armas ou sobre a distribuição de armamento de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) por cidades. Também são uma incógnita o contingente de reservistas do Exército e o total de brasileiros em débito com o alistamento obrigatório.

A falta de controle dos dados está demonstrada em uma série de respostas a pedidos feitos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Ao negar o acesso, o Comando do Exército tem admitido que as informações solicitadas “ficam registrados fisicamente em cada uma das quase centenas de organizações militares” e que reuni-las demandaria uma “pesquisa em documentos físicos” capaz de “inviabilizar atividades rotineiras”.

Sob o argumento de que providenciar os dados seria um trabalho extra inviável, os pedidos acabam classificados como “desproporcionais ou desarrazoados”. Em 2023, até esta quarta-feira, 18, o Exército recebeu 1.557 pedidos de informações por meio da LAI e 451 (29,9%) foram negados.

Do universo de negativas, 318 (70,5%) se deram porque os militares avaliaram os respectivos pedidos como “desproporcionais ou desarrazoados”. No mesmo período, em todo o governo federal, a média de pedidos negados está em 7,9%. E a de solicitações negadas por serem “desproporcionais”, 11,8%.

Exército vê ‘trabalho adicional’ em pedidos de informações

Em maio, o Comando do Exército recebeu um pedido por meio da LAI para apresentar quantas vezes foi notificado sobre denúncias de desvio de armas e munições contra militares da ativa a partir de 2016 e as punições aplicadas no período. O levantamento poderia apontar se há crescimento ou redução no número de militares envolvidos em crimes e ainda sugerir regiões com mais e menos atos de indisciplina. Esse retrato poderia auxiliar o Comando, por exemplo, na adoção de medidas preventivas.

A solicitação foi negada. A resposta é baseada nas alegações de que o Exército tem uma gestão descentralizada e que a pesquisa demandaria horas de trabalho extra porque a documentação a ser consultada ainda é mantida fisicamente.

“A instituição não possui as informações solicitadas de forma unificada, posto que eventuais averiguações oriundas de denúncias são realizadas de forma descentralizada, pelas Organizações Militares (...) Para o levantamento de informações específicas, acerca de punições disciplinares, seria necessária uma consulta a todas as Organizações Militares do Exército, sem exceção, incluindo pesquisa manual (física) nos Boletins Internos de cada uma, ano a ano, o que envolveria um número incalculável de militares e um tempo inestimável, para consolidação dos dados, além de acarretar atrasos no cumprimento atividades diversas, em variados setores da administração, no âmbito do Exército”.

O Comando do Exército recebeu em julho um pedido do total de Certificados Internacionais de Importação (CII) de armas emitidos nos últimos anos. O documento, emitido pela Força, funciona como licença prévia para importação de um produto controlado. O levantamento poderia mostrar se houve aumento ou redução das importações, apontar períodos de maior demanda e ainda um perfil dos requerimentos.

A solicitação foi negada sob o argumento de que a pesquisa deveria ser realizada “manualmente através do controle interno junto ao protocolo da DFPC” (Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados) e que o único “analista disponível” precisaria de pelo menos “150 dias de trabalho para pesquisar documentos físicos e sistemas de protocolo”.

Em uma outra requisição via LAI foram solicitados os registros de fiscalização de produtos controlados pelo Exército entre 2017 e 2022, mas com especificação de cada item vistoriado. Os produtos submetidos ao controle militar para comércio e trânsito são definidos em portarias, como armas de fogo, fogos de artifício e compostos químicos como o trinitrotolueno (TNT).

A pesquisa poderia informar se o Exército negligencia ou prioriza algum item e se há falhas mais típicas em algum produto. A resposta foi negativa: “As informações detalhadas, referentes aos produtos controlados que passaram por fiscalização, ficam registrados fisicamente em cada uma das quase 200 Organizações Militares, com isso, não há como realizar a consolidação de forma imediata”.

No ano passado, o Exército também admitiu não saber quantas armas de fogo existem em cada cidade brasileira nas mãos dos CACs (caçadores, atiradores e colecionadores de armas). A informação foi publicada pelo UOL. A fiscalização e o controle desse grupo são uma das atribuições do Exército -- no futuro, será transferida para a Polícia Federal.

O Comando não sabe dizer nem qual é o total de homens dispensados do serviço militar obrigatório, tampouco o número de brasileiros em débito com o alistamento. Para esses pedidos, o Exército respondeu que “não possui os dados consolidados na forma solicitada”. Por isso, classificou a solicitação como “desproporcional, em decorrência de sua dimensão, visto que inviabiliza significativamente as atividades rotineiras da instituição”.

Especialistas veem problema de gestão

Para especialistas, trata-se de um grave problema administrativo porque ao admitir que dados como os mencionados acima são mantidos em diferentes instalações, inclusive fisicamente, o Comando do Exército não é capaz de compreender, de maneira detalhada, o cenário completo da própria atuação.

Gerente de programas da Transparência Internacional - Brasil, Renato Morgado afirma que as respostas apresentadas pelo Exército sugerem dificuldades para elaboração e avaliação de políticas públicas e para a atuação dos órgãos de controle.

“A transparência em temas como a importação de armas de fogo, a fiscalização de produtos controlados, o alistamento e processos disciplinares são de interesse público e esses dados devem estar disponíveis para o desenvolvimento de políticas públicas de segurança pública e para a compreensão da atividade militar no país”, disse.

Morgado pontua ainda que as exceções previstas pela lei para casos de pedidos genéricos ou desarrazoados não podem servir de amparo para que militares se recusem a entregar informações requisitadas por meio da LAI. “A não disponibilização dessas informações é ainda mais preocupante porque, nos últimos anos, tem ocorrido um reiterado descumprimento do princípio da publicidade e da Lei de Acesso à Informação pelas Forças Armadas”, frisou.

O professor de Direito Administrativo da faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie Antonio Cecilio Moreira Pires destaca que a emenda constitucional que reformulou princípios da administração pública, em 1998, transformava a administração pública burocrática em gerencial. Mas a transição ainda não se concretizou em diversos órgãos. Para Moreira Pires, não é possível falar em qualidade na prestação dos serviços sem que haja uma administração pública digital.

“A tecnologia hoje é um dos principais instrumentos para se aplicar ao planejamento. Não dá pra falar em gestão pública sem falar em dados”, disse. “Me admira que o Exército não tenha esses tipos de informações, que me parecem até comezinhas, decorrentes da própria atividade. Deveria haver uma avaliação da verificação da necessidade de digitalizá-las até para que tenham serventia”.

As explicações do Exército

Em nota, o Exército afirmou que o efetivo de 207 mil homens está distribuído por 673 organizações militares e que segue a legislação ao responder solicitações feitas via LAI, “sem nenhuma omissão” e atestando o “compromisso com a transparência pública, ativa e passiva, e com o fomento do desenvolvimento da cultura da transparência”.

Também destacou que tem “envidado esforços para efetuar a migração de diversos processos físicos para digitais”. Contudo, “em razão do grande volume de processos físicos” nas centenas de instalações, “a coleta de informações desses processos demanda tempo para pesquisa, coleta, tratamento e consolidação de dados”.

Com relação aos pedidos citados na reportagem, para os quais o Exército negou respostas alegando que as informações estão descentralizadas, a assessoria de comunicação disse que “a dificuldade incorre no volume de dados que tem que ser processado para o atendimento da demanda, não havendo negativa de dados já consolidados”.

Especificamente com relação a denúncias de crimes praticados por militares, o setor de comunicação ressaltou que “as respectivas instaurações ocorrem de forma descentralizada no âmbito de cada Comando”.

Sobre os reservistas, o Exército informou que já disponibilizou informações sobre alistamento militar para o período entre 2007 e 2022, mas ponderou que “a instituição não possui informações sobre a quantidade de brasileiros que estão em débito com o serviço militar”.

A resposta do Comando do Exército também deu uma explicação para os 70% das negativas de informações baseadas no entendimento de que os pedidos eram “desproporcionais”. Segundo a Força, a instituição recebeu um conjunto de quase 300 pedidos de apenas dois demandantes, em um curto intervalo de tempo, que foram avaliados como desproporcionais até pela Controladoria-Geral da União (CGU) acabaram afetando os percentuais de negativas.

BRASÍLIA - O Comando do Exército não sabe o total de militares que já foram denunciados por envolvimento em desvios de armas e munições ao longo dos anos, como o que está sob apuração em Barueri, onde 480 homens chegaram a ser aquartelados. A Força terrestre também não sabe indicar em quais regiões há maior e menor incidência de crimes internos. Sem um sistema nacional integrado, o Exército desconhece um conjunto de outras informações básicas e não consegue gerar diagnósticos amplos sobre as próprias atividades.

Não tem detalhes, por exemplo, sobre a fiscalização de produtos controlados como explosivos, sobre a emissão de certificados de importação de armas ou sobre a distribuição de armamento de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) por cidades. Também são uma incógnita o contingente de reservistas do Exército e o total de brasileiros em débito com o alistamento obrigatório.

A falta de controle dos dados está demonstrada em uma série de respostas a pedidos feitos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Ao negar o acesso, o Comando do Exército tem admitido que as informações solicitadas “ficam registrados fisicamente em cada uma das quase centenas de organizações militares” e que reuni-las demandaria uma “pesquisa em documentos físicos” capaz de “inviabilizar atividades rotineiras”.

Sob o argumento de que providenciar os dados seria um trabalho extra inviável, os pedidos acabam classificados como “desproporcionais ou desarrazoados”. Em 2023, até esta quarta-feira, 18, o Exército recebeu 1.557 pedidos de informações por meio da LAI e 451 (29,9%) foram negados.

Do universo de negativas, 318 (70,5%) se deram porque os militares avaliaram os respectivos pedidos como “desproporcionais ou desarrazoados”. No mesmo período, em todo o governo federal, a média de pedidos negados está em 7,9%. E a de solicitações negadas por serem “desproporcionais”, 11,8%.

Exército vê ‘trabalho adicional’ em pedidos de informações

Em maio, o Comando do Exército recebeu um pedido por meio da LAI para apresentar quantas vezes foi notificado sobre denúncias de desvio de armas e munições contra militares da ativa a partir de 2016 e as punições aplicadas no período. O levantamento poderia apontar se há crescimento ou redução no número de militares envolvidos em crimes e ainda sugerir regiões com mais e menos atos de indisciplina. Esse retrato poderia auxiliar o Comando, por exemplo, na adoção de medidas preventivas.

A solicitação foi negada. A resposta é baseada nas alegações de que o Exército tem uma gestão descentralizada e que a pesquisa demandaria horas de trabalho extra porque a documentação a ser consultada ainda é mantida fisicamente.

“A instituição não possui as informações solicitadas de forma unificada, posto que eventuais averiguações oriundas de denúncias são realizadas de forma descentralizada, pelas Organizações Militares (...) Para o levantamento de informações específicas, acerca de punições disciplinares, seria necessária uma consulta a todas as Organizações Militares do Exército, sem exceção, incluindo pesquisa manual (física) nos Boletins Internos de cada uma, ano a ano, o que envolveria um número incalculável de militares e um tempo inestimável, para consolidação dos dados, além de acarretar atrasos no cumprimento atividades diversas, em variados setores da administração, no âmbito do Exército”.

O Comando do Exército recebeu em julho um pedido do total de Certificados Internacionais de Importação (CII) de armas emitidos nos últimos anos. O documento, emitido pela Força, funciona como licença prévia para importação de um produto controlado. O levantamento poderia mostrar se houve aumento ou redução das importações, apontar períodos de maior demanda e ainda um perfil dos requerimentos.

A solicitação foi negada sob o argumento de que a pesquisa deveria ser realizada “manualmente através do controle interno junto ao protocolo da DFPC” (Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados) e que o único “analista disponível” precisaria de pelo menos “150 dias de trabalho para pesquisar documentos físicos e sistemas de protocolo”.

Em uma outra requisição via LAI foram solicitados os registros de fiscalização de produtos controlados pelo Exército entre 2017 e 2022, mas com especificação de cada item vistoriado. Os produtos submetidos ao controle militar para comércio e trânsito são definidos em portarias, como armas de fogo, fogos de artifício e compostos químicos como o trinitrotolueno (TNT).

A pesquisa poderia informar se o Exército negligencia ou prioriza algum item e se há falhas mais típicas em algum produto. A resposta foi negativa: “As informações detalhadas, referentes aos produtos controlados que passaram por fiscalização, ficam registrados fisicamente em cada uma das quase 200 Organizações Militares, com isso, não há como realizar a consolidação de forma imediata”.

No ano passado, o Exército também admitiu não saber quantas armas de fogo existem em cada cidade brasileira nas mãos dos CACs (caçadores, atiradores e colecionadores de armas). A informação foi publicada pelo UOL. A fiscalização e o controle desse grupo são uma das atribuições do Exército -- no futuro, será transferida para a Polícia Federal.

O Comando não sabe dizer nem qual é o total de homens dispensados do serviço militar obrigatório, tampouco o número de brasileiros em débito com o alistamento. Para esses pedidos, o Exército respondeu que “não possui os dados consolidados na forma solicitada”. Por isso, classificou a solicitação como “desproporcional, em decorrência de sua dimensão, visto que inviabiliza significativamente as atividades rotineiras da instituição”.

Especialistas veem problema de gestão

Para especialistas, trata-se de um grave problema administrativo porque ao admitir que dados como os mencionados acima são mantidos em diferentes instalações, inclusive fisicamente, o Comando do Exército não é capaz de compreender, de maneira detalhada, o cenário completo da própria atuação.

Gerente de programas da Transparência Internacional - Brasil, Renato Morgado afirma que as respostas apresentadas pelo Exército sugerem dificuldades para elaboração e avaliação de políticas públicas e para a atuação dos órgãos de controle.

“A transparência em temas como a importação de armas de fogo, a fiscalização de produtos controlados, o alistamento e processos disciplinares são de interesse público e esses dados devem estar disponíveis para o desenvolvimento de políticas públicas de segurança pública e para a compreensão da atividade militar no país”, disse.

Morgado pontua ainda que as exceções previstas pela lei para casos de pedidos genéricos ou desarrazoados não podem servir de amparo para que militares se recusem a entregar informações requisitadas por meio da LAI. “A não disponibilização dessas informações é ainda mais preocupante porque, nos últimos anos, tem ocorrido um reiterado descumprimento do princípio da publicidade e da Lei de Acesso à Informação pelas Forças Armadas”, frisou.

O professor de Direito Administrativo da faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie Antonio Cecilio Moreira Pires destaca que a emenda constitucional que reformulou princípios da administração pública, em 1998, transformava a administração pública burocrática em gerencial. Mas a transição ainda não se concretizou em diversos órgãos. Para Moreira Pires, não é possível falar em qualidade na prestação dos serviços sem que haja uma administração pública digital.

“A tecnologia hoje é um dos principais instrumentos para se aplicar ao planejamento. Não dá pra falar em gestão pública sem falar em dados”, disse. “Me admira que o Exército não tenha esses tipos de informações, que me parecem até comezinhas, decorrentes da própria atividade. Deveria haver uma avaliação da verificação da necessidade de digitalizá-las até para que tenham serventia”.

As explicações do Exército

Em nota, o Exército afirmou que o efetivo de 207 mil homens está distribuído por 673 organizações militares e que segue a legislação ao responder solicitações feitas via LAI, “sem nenhuma omissão” e atestando o “compromisso com a transparência pública, ativa e passiva, e com o fomento do desenvolvimento da cultura da transparência”.

Também destacou que tem “envidado esforços para efetuar a migração de diversos processos físicos para digitais”. Contudo, “em razão do grande volume de processos físicos” nas centenas de instalações, “a coleta de informações desses processos demanda tempo para pesquisa, coleta, tratamento e consolidação de dados”.

Com relação aos pedidos citados na reportagem, para os quais o Exército negou respostas alegando que as informações estão descentralizadas, a assessoria de comunicação disse que “a dificuldade incorre no volume de dados que tem que ser processado para o atendimento da demanda, não havendo negativa de dados já consolidados”.

Especificamente com relação a denúncias de crimes praticados por militares, o setor de comunicação ressaltou que “as respectivas instaurações ocorrem de forma descentralizada no âmbito de cada Comando”.

Sobre os reservistas, o Exército informou que já disponibilizou informações sobre alistamento militar para o período entre 2007 e 2022, mas ponderou que “a instituição não possui informações sobre a quantidade de brasileiros que estão em débito com o serviço militar”.

A resposta do Comando do Exército também deu uma explicação para os 70% das negativas de informações baseadas no entendimento de que os pedidos eram “desproporcionais”. Segundo a Força, a instituição recebeu um conjunto de quase 300 pedidos de apenas dois demandantes, em um curto intervalo de tempo, que foram avaliados como desproporcionais até pela Controladoria-Geral da União (CGU) acabaram afetando os percentuais de negativas.

BRASÍLIA - O Comando do Exército não sabe o total de militares que já foram denunciados por envolvimento em desvios de armas e munições ao longo dos anos, como o que está sob apuração em Barueri, onde 480 homens chegaram a ser aquartelados. A Força terrestre também não sabe indicar em quais regiões há maior e menor incidência de crimes internos. Sem um sistema nacional integrado, o Exército desconhece um conjunto de outras informações básicas e não consegue gerar diagnósticos amplos sobre as próprias atividades.

Não tem detalhes, por exemplo, sobre a fiscalização de produtos controlados como explosivos, sobre a emissão de certificados de importação de armas ou sobre a distribuição de armamento de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) por cidades. Também são uma incógnita o contingente de reservistas do Exército e o total de brasileiros em débito com o alistamento obrigatório.

A falta de controle dos dados está demonstrada em uma série de respostas a pedidos feitos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Ao negar o acesso, o Comando do Exército tem admitido que as informações solicitadas “ficam registrados fisicamente em cada uma das quase centenas de organizações militares” e que reuni-las demandaria uma “pesquisa em documentos físicos” capaz de “inviabilizar atividades rotineiras”.

Sob o argumento de que providenciar os dados seria um trabalho extra inviável, os pedidos acabam classificados como “desproporcionais ou desarrazoados”. Em 2023, até esta quarta-feira, 18, o Exército recebeu 1.557 pedidos de informações por meio da LAI e 451 (29,9%) foram negados.

Do universo de negativas, 318 (70,5%) se deram porque os militares avaliaram os respectivos pedidos como “desproporcionais ou desarrazoados”. No mesmo período, em todo o governo federal, a média de pedidos negados está em 7,9%. E a de solicitações negadas por serem “desproporcionais”, 11,8%.

Exército vê ‘trabalho adicional’ em pedidos de informações

Em maio, o Comando do Exército recebeu um pedido por meio da LAI para apresentar quantas vezes foi notificado sobre denúncias de desvio de armas e munições contra militares da ativa a partir de 2016 e as punições aplicadas no período. O levantamento poderia apontar se há crescimento ou redução no número de militares envolvidos em crimes e ainda sugerir regiões com mais e menos atos de indisciplina. Esse retrato poderia auxiliar o Comando, por exemplo, na adoção de medidas preventivas.

A solicitação foi negada. A resposta é baseada nas alegações de que o Exército tem uma gestão descentralizada e que a pesquisa demandaria horas de trabalho extra porque a documentação a ser consultada ainda é mantida fisicamente.

“A instituição não possui as informações solicitadas de forma unificada, posto que eventuais averiguações oriundas de denúncias são realizadas de forma descentralizada, pelas Organizações Militares (...) Para o levantamento de informações específicas, acerca de punições disciplinares, seria necessária uma consulta a todas as Organizações Militares do Exército, sem exceção, incluindo pesquisa manual (física) nos Boletins Internos de cada uma, ano a ano, o que envolveria um número incalculável de militares e um tempo inestimável, para consolidação dos dados, além de acarretar atrasos no cumprimento atividades diversas, em variados setores da administração, no âmbito do Exército”.

O Comando do Exército recebeu em julho um pedido do total de Certificados Internacionais de Importação (CII) de armas emitidos nos últimos anos. O documento, emitido pela Força, funciona como licença prévia para importação de um produto controlado. O levantamento poderia mostrar se houve aumento ou redução das importações, apontar períodos de maior demanda e ainda um perfil dos requerimentos.

A solicitação foi negada sob o argumento de que a pesquisa deveria ser realizada “manualmente através do controle interno junto ao protocolo da DFPC” (Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados) e que o único “analista disponível” precisaria de pelo menos “150 dias de trabalho para pesquisar documentos físicos e sistemas de protocolo”.

Em uma outra requisição via LAI foram solicitados os registros de fiscalização de produtos controlados pelo Exército entre 2017 e 2022, mas com especificação de cada item vistoriado. Os produtos submetidos ao controle militar para comércio e trânsito são definidos em portarias, como armas de fogo, fogos de artifício e compostos químicos como o trinitrotolueno (TNT).

A pesquisa poderia informar se o Exército negligencia ou prioriza algum item e se há falhas mais típicas em algum produto. A resposta foi negativa: “As informações detalhadas, referentes aos produtos controlados que passaram por fiscalização, ficam registrados fisicamente em cada uma das quase 200 Organizações Militares, com isso, não há como realizar a consolidação de forma imediata”.

No ano passado, o Exército também admitiu não saber quantas armas de fogo existem em cada cidade brasileira nas mãos dos CACs (caçadores, atiradores e colecionadores de armas). A informação foi publicada pelo UOL. A fiscalização e o controle desse grupo são uma das atribuições do Exército -- no futuro, será transferida para a Polícia Federal.

O Comando não sabe dizer nem qual é o total de homens dispensados do serviço militar obrigatório, tampouco o número de brasileiros em débito com o alistamento. Para esses pedidos, o Exército respondeu que “não possui os dados consolidados na forma solicitada”. Por isso, classificou a solicitação como “desproporcional, em decorrência de sua dimensão, visto que inviabiliza significativamente as atividades rotineiras da instituição”.

Especialistas veem problema de gestão

Para especialistas, trata-se de um grave problema administrativo porque ao admitir que dados como os mencionados acima são mantidos em diferentes instalações, inclusive fisicamente, o Comando do Exército não é capaz de compreender, de maneira detalhada, o cenário completo da própria atuação.

Gerente de programas da Transparência Internacional - Brasil, Renato Morgado afirma que as respostas apresentadas pelo Exército sugerem dificuldades para elaboração e avaliação de políticas públicas e para a atuação dos órgãos de controle.

“A transparência em temas como a importação de armas de fogo, a fiscalização de produtos controlados, o alistamento e processos disciplinares são de interesse público e esses dados devem estar disponíveis para o desenvolvimento de políticas públicas de segurança pública e para a compreensão da atividade militar no país”, disse.

Morgado pontua ainda que as exceções previstas pela lei para casos de pedidos genéricos ou desarrazoados não podem servir de amparo para que militares se recusem a entregar informações requisitadas por meio da LAI. “A não disponibilização dessas informações é ainda mais preocupante porque, nos últimos anos, tem ocorrido um reiterado descumprimento do princípio da publicidade e da Lei de Acesso à Informação pelas Forças Armadas”, frisou.

O professor de Direito Administrativo da faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie Antonio Cecilio Moreira Pires destaca que a emenda constitucional que reformulou princípios da administração pública, em 1998, transformava a administração pública burocrática em gerencial. Mas a transição ainda não se concretizou em diversos órgãos. Para Moreira Pires, não é possível falar em qualidade na prestação dos serviços sem que haja uma administração pública digital.

“A tecnologia hoje é um dos principais instrumentos para se aplicar ao planejamento. Não dá pra falar em gestão pública sem falar em dados”, disse. “Me admira que o Exército não tenha esses tipos de informações, que me parecem até comezinhas, decorrentes da própria atividade. Deveria haver uma avaliação da verificação da necessidade de digitalizá-las até para que tenham serventia”.

As explicações do Exército

Em nota, o Exército afirmou que o efetivo de 207 mil homens está distribuído por 673 organizações militares e que segue a legislação ao responder solicitações feitas via LAI, “sem nenhuma omissão” e atestando o “compromisso com a transparência pública, ativa e passiva, e com o fomento do desenvolvimento da cultura da transparência”.

Também destacou que tem “envidado esforços para efetuar a migração de diversos processos físicos para digitais”. Contudo, “em razão do grande volume de processos físicos” nas centenas de instalações, “a coleta de informações desses processos demanda tempo para pesquisa, coleta, tratamento e consolidação de dados”.

Com relação aos pedidos citados na reportagem, para os quais o Exército negou respostas alegando que as informações estão descentralizadas, a assessoria de comunicação disse que “a dificuldade incorre no volume de dados que tem que ser processado para o atendimento da demanda, não havendo negativa de dados já consolidados”.

Especificamente com relação a denúncias de crimes praticados por militares, o setor de comunicação ressaltou que “as respectivas instaurações ocorrem de forma descentralizada no âmbito de cada Comando”.

Sobre os reservistas, o Exército informou que já disponibilizou informações sobre alistamento militar para o período entre 2007 e 2022, mas ponderou que “a instituição não possui informações sobre a quantidade de brasileiros que estão em débito com o serviço militar”.

A resposta do Comando do Exército também deu uma explicação para os 70% das negativas de informações baseadas no entendimento de que os pedidos eram “desproporcionais”. Segundo a Força, a instituição recebeu um conjunto de quase 300 pedidos de apenas dois demandantes, em um curto intervalo de tempo, que foram avaliados como desproporcionais até pela Controladoria-Geral da União (CGU) acabaram afetando os percentuais de negativas.

BRASÍLIA - O Comando do Exército não sabe o total de militares que já foram denunciados por envolvimento em desvios de armas e munições ao longo dos anos, como o que está sob apuração em Barueri, onde 480 homens chegaram a ser aquartelados. A Força terrestre também não sabe indicar em quais regiões há maior e menor incidência de crimes internos. Sem um sistema nacional integrado, o Exército desconhece um conjunto de outras informações básicas e não consegue gerar diagnósticos amplos sobre as próprias atividades.

Não tem detalhes, por exemplo, sobre a fiscalização de produtos controlados como explosivos, sobre a emissão de certificados de importação de armas ou sobre a distribuição de armamento de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) por cidades. Também são uma incógnita o contingente de reservistas do Exército e o total de brasileiros em débito com o alistamento obrigatório.

A falta de controle dos dados está demonstrada em uma série de respostas a pedidos feitos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Ao negar o acesso, o Comando do Exército tem admitido que as informações solicitadas “ficam registrados fisicamente em cada uma das quase centenas de organizações militares” e que reuni-las demandaria uma “pesquisa em documentos físicos” capaz de “inviabilizar atividades rotineiras”.

Sob o argumento de que providenciar os dados seria um trabalho extra inviável, os pedidos acabam classificados como “desproporcionais ou desarrazoados”. Em 2023, até esta quarta-feira, 18, o Exército recebeu 1.557 pedidos de informações por meio da LAI e 451 (29,9%) foram negados.

Do universo de negativas, 318 (70,5%) se deram porque os militares avaliaram os respectivos pedidos como “desproporcionais ou desarrazoados”. No mesmo período, em todo o governo federal, a média de pedidos negados está em 7,9%. E a de solicitações negadas por serem “desproporcionais”, 11,8%.

Exército vê ‘trabalho adicional’ em pedidos de informações

Em maio, o Comando do Exército recebeu um pedido por meio da LAI para apresentar quantas vezes foi notificado sobre denúncias de desvio de armas e munições contra militares da ativa a partir de 2016 e as punições aplicadas no período. O levantamento poderia apontar se há crescimento ou redução no número de militares envolvidos em crimes e ainda sugerir regiões com mais e menos atos de indisciplina. Esse retrato poderia auxiliar o Comando, por exemplo, na adoção de medidas preventivas.

A solicitação foi negada. A resposta é baseada nas alegações de que o Exército tem uma gestão descentralizada e que a pesquisa demandaria horas de trabalho extra porque a documentação a ser consultada ainda é mantida fisicamente.

“A instituição não possui as informações solicitadas de forma unificada, posto que eventuais averiguações oriundas de denúncias são realizadas de forma descentralizada, pelas Organizações Militares (...) Para o levantamento de informações específicas, acerca de punições disciplinares, seria necessária uma consulta a todas as Organizações Militares do Exército, sem exceção, incluindo pesquisa manual (física) nos Boletins Internos de cada uma, ano a ano, o que envolveria um número incalculável de militares e um tempo inestimável, para consolidação dos dados, além de acarretar atrasos no cumprimento atividades diversas, em variados setores da administração, no âmbito do Exército”.

O Comando do Exército recebeu em julho um pedido do total de Certificados Internacionais de Importação (CII) de armas emitidos nos últimos anos. O documento, emitido pela Força, funciona como licença prévia para importação de um produto controlado. O levantamento poderia mostrar se houve aumento ou redução das importações, apontar períodos de maior demanda e ainda um perfil dos requerimentos.

A solicitação foi negada sob o argumento de que a pesquisa deveria ser realizada “manualmente através do controle interno junto ao protocolo da DFPC” (Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados) e que o único “analista disponível” precisaria de pelo menos “150 dias de trabalho para pesquisar documentos físicos e sistemas de protocolo”.

Em uma outra requisição via LAI foram solicitados os registros de fiscalização de produtos controlados pelo Exército entre 2017 e 2022, mas com especificação de cada item vistoriado. Os produtos submetidos ao controle militar para comércio e trânsito são definidos em portarias, como armas de fogo, fogos de artifício e compostos químicos como o trinitrotolueno (TNT).

A pesquisa poderia informar se o Exército negligencia ou prioriza algum item e se há falhas mais típicas em algum produto. A resposta foi negativa: “As informações detalhadas, referentes aos produtos controlados que passaram por fiscalização, ficam registrados fisicamente em cada uma das quase 200 Organizações Militares, com isso, não há como realizar a consolidação de forma imediata”.

No ano passado, o Exército também admitiu não saber quantas armas de fogo existem em cada cidade brasileira nas mãos dos CACs (caçadores, atiradores e colecionadores de armas). A informação foi publicada pelo UOL. A fiscalização e o controle desse grupo são uma das atribuições do Exército -- no futuro, será transferida para a Polícia Federal.

O Comando não sabe dizer nem qual é o total de homens dispensados do serviço militar obrigatório, tampouco o número de brasileiros em débito com o alistamento. Para esses pedidos, o Exército respondeu que “não possui os dados consolidados na forma solicitada”. Por isso, classificou a solicitação como “desproporcional, em decorrência de sua dimensão, visto que inviabiliza significativamente as atividades rotineiras da instituição”.

Especialistas veem problema de gestão

Para especialistas, trata-se de um grave problema administrativo porque ao admitir que dados como os mencionados acima são mantidos em diferentes instalações, inclusive fisicamente, o Comando do Exército não é capaz de compreender, de maneira detalhada, o cenário completo da própria atuação.

Gerente de programas da Transparência Internacional - Brasil, Renato Morgado afirma que as respostas apresentadas pelo Exército sugerem dificuldades para elaboração e avaliação de políticas públicas e para a atuação dos órgãos de controle.

“A transparência em temas como a importação de armas de fogo, a fiscalização de produtos controlados, o alistamento e processos disciplinares são de interesse público e esses dados devem estar disponíveis para o desenvolvimento de políticas públicas de segurança pública e para a compreensão da atividade militar no país”, disse.

Morgado pontua ainda que as exceções previstas pela lei para casos de pedidos genéricos ou desarrazoados não podem servir de amparo para que militares se recusem a entregar informações requisitadas por meio da LAI. “A não disponibilização dessas informações é ainda mais preocupante porque, nos últimos anos, tem ocorrido um reiterado descumprimento do princípio da publicidade e da Lei de Acesso à Informação pelas Forças Armadas”, frisou.

O professor de Direito Administrativo da faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie Antonio Cecilio Moreira Pires destaca que a emenda constitucional que reformulou princípios da administração pública, em 1998, transformava a administração pública burocrática em gerencial. Mas a transição ainda não se concretizou em diversos órgãos. Para Moreira Pires, não é possível falar em qualidade na prestação dos serviços sem que haja uma administração pública digital.

“A tecnologia hoje é um dos principais instrumentos para se aplicar ao planejamento. Não dá pra falar em gestão pública sem falar em dados”, disse. “Me admira que o Exército não tenha esses tipos de informações, que me parecem até comezinhas, decorrentes da própria atividade. Deveria haver uma avaliação da verificação da necessidade de digitalizá-las até para que tenham serventia”.

As explicações do Exército

Em nota, o Exército afirmou que o efetivo de 207 mil homens está distribuído por 673 organizações militares e que segue a legislação ao responder solicitações feitas via LAI, “sem nenhuma omissão” e atestando o “compromisso com a transparência pública, ativa e passiva, e com o fomento do desenvolvimento da cultura da transparência”.

Também destacou que tem “envidado esforços para efetuar a migração de diversos processos físicos para digitais”. Contudo, “em razão do grande volume de processos físicos” nas centenas de instalações, “a coleta de informações desses processos demanda tempo para pesquisa, coleta, tratamento e consolidação de dados”.

Com relação aos pedidos citados na reportagem, para os quais o Exército negou respostas alegando que as informações estão descentralizadas, a assessoria de comunicação disse que “a dificuldade incorre no volume de dados que tem que ser processado para o atendimento da demanda, não havendo negativa de dados já consolidados”.

Especificamente com relação a denúncias de crimes praticados por militares, o setor de comunicação ressaltou que “as respectivas instaurações ocorrem de forma descentralizada no âmbito de cada Comando”.

Sobre os reservistas, o Exército informou que já disponibilizou informações sobre alistamento militar para o período entre 2007 e 2022, mas ponderou que “a instituição não possui informações sobre a quantidade de brasileiros que estão em débito com o serviço militar”.

A resposta do Comando do Exército também deu uma explicação para os 70% das negativas de informações baseadas no entendimento de que os pedidos eram “desproporcionais”. Segundo a Força, a instituição recebeu um conjunto de quase 300 pedidos de apenas dois demandantes, em um curto intervalo de tempo, que foram avaliados como desproporcionais até pela Controladoria-Geral da União (CGU) acabaram afetando os percentuais de negativas.

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