O pedido de retratação feito pelo empresário e influenciador Pablo Marçal (PRTB) ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) cessou qualquer possibilidade de aproximação momentânea entre os dois, como planejavam aliados do antigo chefe do Executivo. O ex-coach fez uma live nesta terça-feira, 8, dizendo que espera por um pedido de desculpas de Bolsonaro, do pastor Silas Malafaia, do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e do atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), a quem anunciou que não irá apoiar no segundo turno contra Guilherme Boulos (PSOL). “Se não engolir o vômito vai ficar sem meu apoio”, afirmou Marçal.
O Estadão conversou com sete aliados dos dois grupos. Um interlocutor do ex-presidente que conversou com a reportagem antes e depois da fala do ex-coach afirmou que as declarações de Marçal reverberaram mal nos bastidores e que isso “só tensionou mais” a relação entre os dois. Para ele, não há espaço hoje para qualquer aproximação mais.
Antes mesmo da declaração de Marçal, o entorno do ex-coach já esboçava o sentimento de abandono do influenciador por parte do ex-presidente. Um empresário aliado do influenciador disse que ele deixou claro que Bolsonaro não o ajudou em nada. Por isso, não acredita que haverá relação entre eles, sobretudo após o influenciador acusar Bolsonaro e Malafaia de colocarem Guilherme Boulos no segundo turno em São Paulo.
A relação entre Marçal e o clã Bolsonaro foi marcada por tensões e elogios de ambas as partes durante a corrida eleitoral. Após a derrota do integrante do PRTB no primeiro turno das eleições municipais e o anúncio do ex-coach sobre uma possível candidatura aos cargos do Executivo em 2026, expoentes do bolsonarismo ligaram um alerta a respeito do futuro do influenciador e do ex-presidente.
Interlocutores demonstraram certa preocupação com o desgaste do capital político do antigo líder do Executivo na capital paulista, e chegaram a defender uma reaproximação entre Bolsonaro e Marçal. O estreitamento de laços, no entanto, já era visto como uma tarefa árdua devido à imprevisibilidade do influenciador, além da “falta de consistência ideológica”.
Um ex-integrante do alto escalão da gestão Bolsonaro diz que o grupo próximo ao ex-presidente está “com muito medo” da liderança de Marçal, por, segundo ele, se mostrar alguém que tem praticamente a mesma força do ex-presidente. Segundo ele, Marçal “não se submeteu e não vai se submeter”. A falta de controle que Bolsonaro teria sobre as ações do ex-coach é o que incomodaria o ex-presidente. Segundo ele, Bolsonaro gosta de ter controle absoluto das coisas.
A avaliação é de que o desempenho do influenciador na disputa pela Prefeitura de São Paulo é algo que não deve ser ignorado ou subestimado. A diferença entre o ex-coach e o primeiro colocado, Ricardo Nunes, foi de 81.865 votos. Marçal encerrou a corrida eleitoral com 28,14% dos votos, enquanto Boulos e o emedebista receberam 29,07% e 29,48%, respectivamente.
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O resultado conquistado sem o apoio declarado de grandes nomes da política, como o presidente Lula e Bolsonaro, assombra o entorno do ex-presidente, que se dividia entre o desejo de intermediar um diálogo entre os dois ou lançar mão de uma ofensiva maior contra o influenciador.
Para um deputado federal aliado do ex-presidente, a melhor estratégia para lidar com Marçal seria mantê-lo por perto. Ele indicou que seria um erro se o grupo do ex-presidente tentasse anular ou frear Marçal, pois ele poderia crescer ainda mais.
Para outro deputado bolsonarista, Marçal já se mostrou “imune à pancadaria” que pode vir do bolsonarismo. Por isso, o caminho mais razoável seria compor com ele.
Alguns ainda defendem que haja uma última tentativa, visando uma aproximação entre a esposa do ex-coach, Carol Marçal, e a ex-primeira dama Michele Bolsonaro.
Após as declarações de Marçal, o consenso no entorno do ex-presidente é de que a tática precisará ser revista. Um deputado classificou o momento como de “ânimos bem à flor da pele”. As atenções agora serão voltadas aos próximos passos do ex-coach que já assumiu o desejo de se candidatar em 2026. “Só tem dois caminhos: o governo do Estado ou a Presidência do Brasil”, afirmou o influenciador após a derrota no primeiro turno. O palpite de aliados do ex-presidente é que agora Marçal deva marcar presença nas campanhas dos candidatos que ainda disputarão o pleito no dia 27 de outubro.
Ainda assim, o ex-coach deverá enfrentar percalços, uma vez que a própria direita ainda possui reticências com Marçal. Para um ex-integrante da gestão bolsonarista, “não é que todo mundo aderiu a Marçal e acha ele imbatível”. Para eles, as pessoas ainda têm dúvida sobre a consistência ideológica, os planos e a confiabilidade dele.
Bolsonaro deve precisar de Marçal para levar Nunes ao pleito
As eleições municipais em São Paulo mostraram um racha na direita com presença de dois candidatos do espectro político disputando a liderança durante toda a corrida eleitoral - Nunes e Marçal. Mesmo com a derrota, o resultado alcançado pelo influenciar provou, segundo um deputado federal bolsonarista, que Bolsonaro não é dono da direita, “muito menos os filhos dele”.
Entre os interlocutores que transitam entre os dois grupos, a avaliação é de que o ex-presidente - principal padrinho político de Nunes apesar das ressalvas mantidas durante a campanha - precisará do apoio de Marçal para conquistar a reeleição do emedebista.
O entendimento é de que apoiadores do ex-coach, que prega uma retórica antissistêmica, poderiam anular o voto. Um parlamentar com boa relação tanto com Bolsonaro quanto com Marçal diz que o eleitor de Marçal pode estar bem indignado com o resultado por achar que “Nunes e Boulos são a mesma coisa”. Ainda que ele aponte que não é, reconhece dificuldades de mostrar isso a quem fez campanha para Marçal e pedia alguém “novo” e “de fora do sistema”.
Nos bastidores, ainda existem críticas a respeito da postura de Bolsonaro e do governador Tarcísio, principalmente após o líder do Executivo estadual dar uma declaração a respeito da divulgação de um laudo falso por parte do ex-coach. Na ocasião, o governador disse que “se o Brasil fosse sério, Marçal seria preso”.
Para uma deputada federal, o episódio pegou muito mal para o governador junto ao eleitorado de direita. Ela ainda se disse decepcionada por ver líderes do campo atacando mais Marçal do que Boulos. Para ela, todos na direita sabem que Bolsonaro errou na eleição em São Paulo.
O assunto foi exposto por um aliado importante do ex-presidente. O pastor Silas Malafaia criticou o posicionamento de Bolsonaro durante a campanha eleitoral. “Entra nas redes sociais de Bolsonaro e dos filhos dele. (Durante) Toda a campanha, não teve uma palavra de apoio ao Nunes. É como se a eleição de São Paulo não existisse. Que conversa é essa? Bolsonaro é um líder e eu continuo apoiando ele, mas errou estupidamente”, afirmou o pastor ao Estadão nesta terça-feira, 8.
Para um deputado federal, há um sentimento misto dos eleitores do ex-presidente, de “agradecimento a tudo que Bolsonaro fez pela direita nos últimos anos”, mas com “um senso crítico muito mais aguçado no sentido de não comprar tudo o que ele diz”. Para esse parlamentar, Marçal mostrou, em São Paulo, que é mentira a frase de Eduardo Bolsonaro de que “não existe direita, só existe Bolsonaro”.
O próprio influenciador fez investidas contra essa fala durante uma palestra realizada nesta terça-feira, 8, na Plataforma Internacional, no Alphaville de Barueri. “Bolsonaro nasceu depois que criaram a direita”, declarou o ex-coach.
Apesar do rompimento, o apoio de Marçal seria estratégico por ele ser capaz de atrair votos para além da direita. Segundo um vereador paulista, o empresário tem um “discurso do bolsonarismo 2.0″, que seria “mais moderno, mais estudado, mais qualificado”.
Marçal rejeita hipótese de filiação ao PL
Integrante de um partido minúsculo, sem representação no Congresso Nacional, Marçal já é cotado por outras legendas, entre elas, o União Brasil. Um integrante do alto escalão da sigla diz que, embora ainda haja eleições para passar e conversas para evolui, Marçal está no plano do partido. Ele pondera, porém, que não sabe se o ex-coach teria esse interesse.
O ex-coach já declarou estar “aberto” a diferentes siglas e chegou a assumir já ter cogitado entrar no Partido Liberal. “Tem dois anos que quero entrar no PL”, disse Marçal em entrevista ao Flow Podcast, no final de agosto. Questionado pelo Estadão se ainda nutria esse desejo, porém, o ex-coach foi sucinto e contundente: “Não”.
A negativa está alinhada ao que indicam correligionários do ex-presidente. Um deputado federal do PL disse que ele só entraria na sigla “se Bolsonaro tiver um piripaque”.
A possibilidade foi considerada pelo presidente da legenda, Valdemar Costa Neto, que abalizou uma candidatura do ex-coach ao Senado Federal, mas foi rejeitada na época pelo influenciador. “Hoje, acho muito difícil. Ele fechou as portas com o PL”, afirmou Valdemar em entrevista à CNN.
Há quem acredite que ainda é cedo para prever um rompimento entre Marçal e Bolsonaro. Na análise do integrante do legislativo municipal de São Paulo, o empresário e influenciador deixou uma porta aberta para uma possível composição no caso de uma eventual candidatura de Bolsonaro, que está inelegível, ou Tarcísio. Segundo esse aliado de Marçal, o ex-coach vai começar a viajar o Brasil e vai deixar uma porta aberta para compor com Bolsonaro.
Um senador bolsonarista que pediu para não ser identificado defende que a direita não deve ser “vaidosa” e precisa considerar uma união entre o clã Bolsonaro e Marçal, pois ele não teria voto só da direita. Por isso, segundo ele, seria importante não afastar um aliado como esse.