Exploração eleitoral e ‘balas de prata’ à esquerda e à direita travam soluções para a violência


Especialistas e pesquisadores ouvidos pelo Estadão apontam que soluções rasas não resolvem os problemas da segurança pública e pregam ações integradas para reduzir criminalidade

Por Vinícius Valfré
Atualização:

BRASÍLIA - Lembrada com frequência em pesquisas de opinião como tema de preocupação dos brasileiros, a segurança pública costuma virar assunto dos debates eleitorais. Em ano de disputa municipal, os índices de criminalidade devem voltar às plataformas dos candidatos. Em meio a brigas por protagonismo e exploração eleitoral, pesquisadores e gestores ouvidos pelo Estadão alertam que o combate efetivo à violência e à permanente sensação de insegurança passam, no entanto, pela adoção de ações integradas.

Especialistas concordam que não há “bala de prata” para resolver os problemas e que soluções rasas, à esquerda e à direita, não surtem efeito. Estudos produzidos por pesquisadores também indicam deficiências como o não cumprimento de princípios básicos da gestão, falta de interlocução de polícias e ausência de uma estratégia nacional.

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Especialistas defendem ações integradas de segurança entre as polícias Foto: Haeckel Dias/Polícia Civil

Além dos problemas de governança do setor, o tema vira objeto de exploração política com a defesa de medidas como o “fim da saidinha” e a “liberação das drogas” como solução perfeita para a violência. Segundo especialistas, o efeito prático de uma ou de outra, se baixadas isoladamente, é pequeno.

Uma lei federal instituiu, em 2018, o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Apesar do paralelo com o sistema de Saúde, ele nunca foi efetivamente implementado. No papel, o Ministério da Justiça é o órgão central, responsável por viabilizar a integração de todas as quase 1600 agências de segurança do País, como as polícias e as guardas municipais.

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Na prática, a coordenação a cargo da União ainda é alvo de críticas. O sociólogo e professor da PUC-MG Luis Flávio Sapori diz que o SUSP não pode ser confundido com operações integradas pontuais.

“Há uma visão equivocada no Ministério da Justiça, a de que o SUSP são operações integradas específicas, com início e fim, como essa operação relativamente bem-sucedida de prisão dos fugitivos de Mossoró. Ali houve uma ação integrada, é um bom exemplo de ação articulada, de troca de informações. Mas o SUSP não é isso. Ele é um sistema estruturado, institucionalizado, que rotiniza as ações integradas dos vários órgãos da segurança pública”, frisou.

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Como órgão central, também caberia ao ministério liderar um diagnóstico nacional dos principais problemas e definir metas e estratégias para cada um deles. “No fundo, a União tem um enorme poder regulatório e fiscalizatório que ela não desempenha”, afirmou Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). “Não tem definições claras, balizas sobre protocolos, procedimentos.”

O novo chefe do Conselho Nacional de Comandantes-Gerais das Polícias Militares, coronel Cássio Araújo de Freitas, comandante de São Paulo, afirmou que a interlocução entre os União, Estados e municípios é satisfatória, mas que “sempre tem o que se avançar”.

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O exemplo da integração no combate ao golpe do Pix

Os novos golpes bancários, com roubo de Pix e de números de cartões de crédito, costumam, por exemplo, ser transestaduais. Um enfrentamento mais eficiente demandaria um trabalho de polícias distintas, e uma coordenação geral serviria como facilitadora.

“Vira um sistema quase inoperante. O crime é cometido no Sudeste e o dinheiro vai para uma conta no Nordeste, por exemplo. Fica mais difícil atingi-lo porque não tem uma coordenação estreita de esforços. Há uma confusão, uma bagunça típica nossa. E a política de segurança pública não é uma política de Estado, mas de governos”, disse Rafael Alcadipani da Silveira, professor da FGV e membro do FBSP.

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A troca de experiências, informações e procedimentos seria útil para combater todos os tipos de crimes. A proposta de uma integração institucionalizada seria escalar operações como a de terça-feira, 9, em São Paulo, que prendeu dirigentes de empresas de ônibus por suspeita de envolvimento com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). “Temos que criar instâncias de coordenação, com União, Estados e municípios, um comitê nacional para decidir o que fazer para controlar incidente de homicídios, roubo, homicídios”, frisou Sapori.

Conforme relatos de gestores da segurança ao Estadão, por mais que os dividendos políticos sejam positivos para os que conseguem diminuir índices, a busca pelo protagonismo nessa área tem outro lado da moeda, sobretudo quando o resultado não é o esperado. Sob reserva, eles dizem que, nestes casos, o desgaste de assumir o compromisso pessoal de resolver o problema pode ser maior do que o de oferecer “mais do mesmo”.

Segundo os pesquisadores, um trabalho coordenado, dentro de uma política de Estado, não leva menos de dez anos para surtir efeitos. Esse prazo é outro dificultador, pois os gestores políticos precisam apresentar medidas de curto prazo que sinalizem aos eleitores que a violência está sendo combatida com firmeza.

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“A segurança pública se tornou uma das grandes trincheiras onde a batalha ideológica é travada, com ‘mata todo mundo’ ou ‘acolhe todo mundo’. Se bater ou matar resolvesse, éramos o País mais seguro do mundo”, ponderou Rafael Alcadipani.

Mestre em Ciências Policiais pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, de Lisboa, e professor da Academia Nacional de Polícia, o delegado da Polícia Federal Humberto Brandão avalia que as soluções para a violência variam de região para região, o que demanda diagnósticos maduros.

“Não podemos tratar o tema complexo com paixão. É uma questão extremamente complexa e exige soluções complexas. Segurança pública não se resolve somente alterando a lei. Não é problema só de Direito Penal, mas também de criminologia, uma ciência multifacetada”, disse.

Ele reconhece como um gargalo o interesse de gestores em “soluções rápidas”. “Soluções levam tempo, dinheiro. O gestor que implementar talvez não colha fruto na gestão. Então, prefere ir pelo Direito Penal, falar em ‘proibir saidinha’, ‘liberar droga’. A discussão não deve ser essa. Proibir ou liberar, isoladamente, não resolvem o problema. Tem que observar a prioridade específica de cada recorte, de cada crime. A solução passa por alteração legislativa, por políticas públicas e pelo fortalecimento da cidadania. É um conjunto de fatores”, destacou.

Deputado Alberto Fraga, presidente da Comissão de Segurança da Câmara Foto: Gabriela Bilo/Estadão

O presidente da Comissão de Segurança da Câmara, deputado Alberto Fraga (PL-DF), defende como prioritárias no Congresso pautas que especialistas dizem que não deveriam ser. Ele, contudo, aponta que elas são fundamentais, sim, para que a criminalidade e a sensação de insegurança caiam.

“Eu colocaria três pontos principais: redução da idade penal, a questão do cumprimento integral das penas e o fim dos ‘saidões’. enquanto isso não ocorre, precisamos apertar o sistema prisional, fazer com que ele melhore e bandido não saia e volte pro presídio como ocorre hoje. A polícia enxuga gelo e a violência continua”, afirmou.

A ação do governo federal

Uma das medidas de integração estudadas pela gestão do ministro Ricardo Lewandowski é a de concentrar, em Brasília, as compras de equipamentos de segurança, como viaturas, armamentos e câmeras de segurança, para que os estados tenham mais facilidade nas aquisições. A não execução de verbas milionárias é um problema identificado pela atual gestão.

A reportagem perguntou à pasta de Lewandowski quais outras ações pretende executar para integrar de forma sistematizada os demais atores do SUSP. Não houve respostas até a publicação desta reportagem.

A ação do Poder Judiciário também tem efeito de impactar o enfrentamento à violência. Quando esteve à frente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2014 e 2016, Ricardo Lewandowski foi o responsável pela implementação das audiências de custódia, mecanismo que coloca presos em flagrante diante de um juiz para que aspectos formais da prisão sejam averiguados antes de o detido ser lançado dentro de um presídio.

No CNJ, Lewandowski também lançou o projeto Cidadania nos Presídios, interessado em aproximar os juízes e a sociedade dos encarcerados para “humanizar” o sistema de justiça. Uma parte do crime organizado é controlada de dentro das penitenciárias e o ministro defendia que os filtros para entrada de novos detentos e para saída de antigos deveriam ser aprimorados.

A reportagem pediu entrevista a um representante da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e uma manifestação do CNJ, hoje sob cuidados do ministro Luís Roberto Barroso, sobre medidas do Poder que podem contribuir para a segurança pública. Nenhuma das instituições se pronunciou.

BRASÍLIA - Lembrada com frequência em pesquisas de opinião como tema de preocupação dos brasileiros, a segurança pública costuma virar assunto dos debates eleitorais. Em ano de disputa municipal, os índices de criminalidade devem voltar às plataformas dos candidatos. Em meio a brigas por protagonismo e exploração eleitoral, pesquisadores e gestores ouvidos pelo Estadão alertam que o combate efetivo à violência e à permanente sensação de insegurança passam, no entanto, pela adoção de ações integradas.

Especialistas concordam que não há “bala de prata” para resolver os problemas e que soluções rasas, à esquerda e à direita, não surtem efeito. Estudos produzidos por pesquisadores também indicam deficiências como o não cumprimento de princípios básicos da gestão, falta de interlocução de polícias e ausência de uma estratégia nacional.

Especialistas defendem ações integradas de segurança entre as polícias Foto: Haeckel Dias/Polícia Civil

Além dos problemas de governança do setor, o tema vira objeto de exploração política com a defesa de medidas como o “fim da saidinha” e a “liberação das drogas” como solução perfeita para a violência. Segundo especialistas, o efeito prático de uma ou de outra, se baixadas isoladamente, é pequeno.

Uma lei federal instituiu, em 2018, o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Apesar do paralelo com o sistema de Saúde, ele nunca foi efetivamente implementado. No papel, o Ministério da Justiça é o órgão central, responsável por viabilizar a integração de todas as quase 1600 agências de segurança do País, como as polícias e as guardas municipais.

Na prática, a coordenação a cargo da União ainda é alvo de críticas. O sociólogo e professor da PUC-MG Luis Flávio Sapori diz que o SUSP não pode ser confundido com operações integradas pontuais.

“Há uma visão equivocada no Ministério da Justiça, a de que o SUSP são operações integradas específicas, com início e fim, como essa operação relativamente bem-sucedida de prisão dos fugitivos de Mossoró. Ali houve uma ação integrada, é um bom exemplo de ação articulada, de troca de informações. Mas o SUSP não é isso. Ele é um sistema estruturado, institucionalizado, que rotiniza as ações integradas dos vários órgãos da segurança pública”, frisou.

Como órgão central, também caberia ao ministério liderar um diagnóstico nacional dos principais problemas e definir metas e estratégias para cada um deles. “No fundo, a União tem um enorme poder regulatório e fiscalizatório que ela não desempenha”, afirmou Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). “Não tem definições claras, balizas sobre protocolos, procedimentos.”

O novo chefe do Conselho Nacional de Comandantes-Gerais das Polícias Militares, coronel Cássio Araújo de Freitas, comandante de São Paulo, afirmou que a interlocução entre os União, Estados e municípios é satisfatória, mas que “sempre tem o que se avançar”.

O exemplo da integração no combate ao golpe do Pix

Os novos golpes bancários, com roubo de Pix e de números de cartões de crédito, costumam, por exemplo, ser transestaduais. Um enfrentamento mais eficiente demandaria um trabalho de polícias distintas, e uma coordenação geral serviria como facilitadora.

“Vira um sistema quase inoperante. O crime é cometido no Sudeste e o dinheiro vai para uma conta no Nordeste, por exemplo. Fica mais difícil atingi-lo porque não tem uma coordenação estreita de esforços. Há uma confusão, uma bagunça típica nossa. E a política de segurança pública não é uma política de Estado, mas de governos”, disse Rafael Alcadipani da Silveira, professor da FGV e membro do FBSP.

A troca de experiências, informações e procedimentos seria útil para combater todos os tipos de crimes. A proposta de uma integração institucionalizada seria escalar operações como a de terça-feira, 9, em São Paulo, que prendeu dirigentes de empresas de ônibus por suspeita de envolvimento com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). “Temos que criar instâncias de coordenação, com União, Estados e municípios, um comitê nacional para decidir o que fazer para controlar incidente de homicídios, roubo, homicídios”, frisou Sapori.

Conforme relatos de gestores da segurança ao Estadão, por mais que os dividendos políticos sejam positivos para os que conseguem diminuir índices, a busca pelo protagonismo nessa área tem outro lado da moeda, sobretudo quando o resultado não é o esperado. Sob reserva, eles dizem que, nestes casos, o desgaste de assumir o compromisso pessoal de resolver o problema pode ser maior do que o de oferecer “mais do mesmo”.

Segundo os pesquisadores, um trabalho coordenado, dentro de uma política de Estado, não leva menos de dez anos para surtir efeitos. Esse prazo é outro dificultador, pois os gestores políticos precisam apresentar medidas de curto prazo que sinalizem aos eleitores que a violência está sendo combatida com firmeza.

“A segurança pública se tornou uma das grandes trincheiras onde a batalha ideológica é travada, com ‘mata todo mundo’ ou ‘acolhe todo mundo’. Se bater ou matar resolvesse, éramos o País mais seguro do mundo”, ponderou Rafael Alcadipani.

Mestre em Ciências Policiais pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, de Lisboa, e professor da Academia Nacional de Polícia, o delegado da Polícia Federal Humberto Brandão avalia que as soluções para a violência variam de região para região, o que demanda diagnósticos maduros.

“Não podemos tratar o tema complexo com paixão. É uma questão extremamente complexa e exige soluções complexas. Segurança pública não se resolve somente alterando a lei. Não é problema só de Direito Penal, mas também de criminologia, uma ciência multifacetada”, disse.

Ele reconhece como um gargalo o interesse de gestores em “soluções rápidas”. “Soluções levam tempo, dinheiro. O gestor que implementar talvez não colha fruto na gestão. Então, prefere ir pelo Direito Penal, falar em ‘proibir saidinha’, ‘liberar droga’. A discussão não deve ser essa. Proibir ou liberar, isoladamente, não resolvem o problema. Tem que observar a prioridade específica de cada recorte, de cada crime. A solução passa por alteração legislativa, por políticas públicas e pelo fortalecimento da cidadania. É um conjunto de fatores”, destacou.

Deputado Alberto Fraga, presidente da Comissão de Segurança da Câmara Foto: Gabriela Bilo/Estadão

O presidente da Comissão de Segurança da Câmara, deputado Alberto Fraga (PL-DF), defende como prioritárias no Congresso pautas que especialistas dizem que não deveriam ser. Ele, contudo, aponta que elas são fundamentais, sim, para que a criminalidade e a sensação de insegurança caiam.

“Eu colocaria três pontos principais: redução da idade penal, a questão do cumprimento integral das penas e o fim dos ‘saidões’. enquanto isso não ocorre, precisamos apertar o sistema prisional, fazer com que ele melhore e bandido não saia e volte pro presídio como ocorre hoje. A polícia enxuga gelo e a violência continua”, afirmou.

A ação do governo federal

Uma das medidas de integração estudadas pela gestão do ministro Ricardo Lewandowski é a de concentrar, em Brasília, as compras de equipamentos de segurança, como viaturas, armamentos e câmeras de segurança, para que os estados tenham mais facilidade nas aquisições. A não execução de verbas milionárias é um problema identificado pela atual gestão.

A reportagem perguntou à pasta de Lewandowski quais outras ações pretende executar para integrar de forma sistematizada os demais atores do SUSP. Não houve respostas até a publicação desta reportagem.

A ação do Poder Judiciário também tem efeito de impactar o enfrentamento à violência. Quando esteve à frente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2014 e 2016, Ricardo Lewandowski foi o responsável pela implementação das audiências de custódia, mecanismo que coloca presos em flagrante diante de um juiz para que aspectos formais da prisão sejam averiguados antes de o detido ser lançado dentro de um presídio.

No CNJ, Lewandowski também lançou o projeto Cidadania nos Presídios, interessado em aproximar os juízes e a sociedade dos encarcerados para “humanizar” o sistema de justiça. Uma parte do crime organizado é controlada de dentro das penitenciárias e o ministro defendia que os filtros para entrada de novos detentos e para saída de antigos deveriam ser aprimorados.

A reportagem pediu entrevista a um representante da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e uma manifestação do CNJ, hoje sob cuidados do ministro Luís Roberto Barroso, sobre medidas do Poder que podem contribuir para a segurança pública. Nenhuma das instituições se pronunciou.

BRASÍLIA - Lembrada com frequência em pesquisas de opinião como tema de preocupação dos brasileiros, a segurança pública costuma virar assunto dos debates eleitorais. Em ano de disputa municipal, os índices de criminalidade devem voltar às plataformas dos candidatos. Em meio a brigas por protagonismo e exploração eleitoral, pesquisadores e gestores ouvidos pelo Estadão alertam que o combate efetivo à violência e à permanente sensação de insegurança passam, no entanto, pela adoção de ações integradas.

Especialistas concordam que não há “bala de prata” para resolver os problemas e que soluções rasas, à esquerda e à direita, não surtem efeito. Estudos produzidos por pesquisadores também indicam deficiências como o não cumprimento de princípios básicos da gestão, falta de interlocução de polícias e ausência de uma estratégia nacional.

Especialistas defendem ações integradas de segurança entre as polícias Foto: Haeckel Dias/Polícia Civil

Além dos problemas de governança do setor, o tema vira objeto de exploração política com a defesa de medidas como o “fim da saidinha” e a “liberação das drogas” como solução perfeita para a violência. Segundo especialistas, o efeito prático de uma ou de outra, se baixadas isoladamente, é pequeno.

Uma lei federal instituiu, em 2018, o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Apesar do paralelo com o sistema de Saúde, ele nunca foi efetivamente implementado. No papel, o Ministério da Justiça é o órgão central, responsável por viabilizar a integração de todas as quase 1600 agências de segurança do País, como as polícias e as guardas municipais.

Na prática, a coordenação a cargo da União ainda é alvo de críticas. O sociólogo e professor da PUC-MG Luis Flávio Sapori diz que o SUSP não pode ser confundido com operações integradas pontuais.

“Há uma visão equivocada no Ministério da Justiça, a de que o SUSP são operações integradas específicas, com início e fim, como essa operação relativamente bem-sucedida de prisão dos fugitivos de Mossoró. Ali houve uma ação integrada, é um bom exemplo de ação articulada, de troca de informações. Mas o SUSP não é isso. Ele é um sistema estruturado, institucionalizado, que rotiniza as ações integradas dos vários órgãos da segurança pública”, frisou.

Como órgão central, também caberia ao ministério liderar um diagnóstico nacional dos principais problemas e definir metas e estratégias para cada um deles. “No fundo, a União tem um enorme poder regulatório e fiscalizatório que ela não desempenha”, afirmou Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). “Não tem definições claras, balizas sobre protocolos, procedimentos.”

O novo chefe do Conselho Nacional de Comandantes-Gerais das Polícias Militares, coronel Cássio Araújo de Freitas, comandante de São Paulo, afirmou que a interlocução entre os União, Estados e municípios é satisfatória, mas que “sempre tem o que se avançar”.

O exemplo da integração no combate ao golpe do Pix

Os novos golpes bancários, com roubo de Pix e de números de cartões de crédito, costumam, por exemplo, ser transestaduais. Um enfrentamento mais eficiente demandaria um trabalho de polícias distintas, e uma coordenação geral serviria como facilitadora.

“Vira um sistema quase inoperante. O crime é cometido no Sudeste e o dinheiro vai para uma conta no Nordeste, por exemplo. Fica mais difícil atingi-lo porque não tem uma coordenação estreita de esforços. Há uma confusão, uma bagunça típica nossa. E a política de segurança pública não é uma política de Estado, mas de governos”, disse Rafael Alcadipani da Silveira, professor da FGV e membro do FBSP.

A troca de experiências, informações e procedimentos seria útil para combater todos os tipos de crimes. A proposta de uma integração institucionalizada seria escalar operações como a de terça-feira, 9, em São Paulo, que prendeu dirigentes de empresas de ônibus por suspeita de envolvimento com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). “Temos que criar instâncias de coordenação, com União, Estados e municípios, um comitê nacional para decidir o que fazer para controlar incidente de homicídios, roubo, homicídios”, frisou Sapori.

Conforme relatos de gestores da segurança ao Estadão, por mais que os dividendos políticos sejam positivos para os que conseguem diminuir índices, a busca pelo protagonismo nessa área tem outro lado da moeda, sobretudo quando o resultado não é o esperado. Sob reserva, eles dizem que, nestes casos, o desgaste de assumir o compromisso pessoal de resolver o problema pode ser maior do que o de oferecer “mais do mesmo”.

Segundo os pesquisadores, um trabalho coordenado, dentro de uma política de Estado, não leva menos de dez anos para surtir efeitos. Esse prazo é outro dificultador, pois os gestores políticos precisam apresentar medidas de curto prazo que sinalizem aos eleitores que a violência está sendo combatida com firmeza.

“A segurança pública se tornou uma das grandes trincheiras onde a batalha ideológica é travada, com ‘mata todo mundo’ ou ‘acolhe todo mundo’. Se bater ou matar resolvesse, éramos o País mais seguro do mundo”, ponderou Rafael Alcadipani.

Mestre em Ciências Policiais pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, de Lisboa, e professor da Academia Nacional de Polícia, o delegado da Polícia Federal Humberto Brandão avalia que as soluções para a violência variam de região para região, o que demanda diagnósticos maduros.

“Não podemos tratar o tema complexo com paixão. É uma questão extremamente complexa e exige soluções complexas. Segurança pública não se resolve somente alterando a lei. Não é problema só de Direito Penal, mas também de criminologia, uma ciência multifacetada”, disse.

Ele reconhece como um gargalo o interesse de gestores em “soluções rápidas”. “Soluções levam tempo, dinheiro. O gestor que implementar talvez não colha fruto na gestão. Então, prefere ir pelo Direito Penal, falar em ‘proibir saidinha’, ‘liberar droga’. A discussão não deve ser essa. Proibir ou liberar, isoladamente, não resolvem o problema. Tem que observar a prioridade específica de cada recorte, de cada crime. A solução passa por alteração legislativa, por políticas públicas e pelo fortalecimento da cidadania. É um conjunto de fatores”, destacou.

Deputado Alberto Fraga, presidente da Comissão de Segurança da Câmara Foto: Gabriela Bilo/Estadão

O presidente da Comissão de Segurança da Câmara, deputado Alberto Fraga (PL-DF), defende como prioritárias no Congresso pautas que especialistas dizem que não deveriam ser. Ele, contudo, aponta que elas são fundamentais, sim, para que a criminalidade e a sensação de insegurança caiam.

“Eu colocaria três pontos principais: redução da idade penal, a questão do cumprimento integral das penas e o fim dos ‘saidões’. enquanto isso não ocorre, precisamos apertar o sistema prisional, fazer com que ele melhore e bandido não saia e volte pro presídio como ocorre hoje. A polícia enxuga gelo e a violência continua”, afirmou.

A ação do governo federal

Uma das medidas de integração estudadas pela gestão do ministro Ricardo Lewandowski é a de concentrar, em Brasília, as compras de equipamentos de segurança, como viaturas, armamentos e câmeras de segurança, para que os estados tenham mais facilidade nas aquisições. A não execução de verbas milionárias é um problema identificado pela atual gestão.

A reportagem perguntou à pasta de Lewandowski quais outras ações pretende executar para integrar de forma sistematizada os demais atores do SUSP. Não houve respostas até a publicação desta reportagem.

A ação do Poder Judiciário também tem efeito de impactar o enfrentamento à violência. Quando esteve à frente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2014 e 2016, Ricardo Lewandowski foi o responsável pela implementação das audiências de custódia, mecanismo que coloca presos em flagrante diante de um juiz para que aspectos formais da prisão sejam averiguados antes de o detido ser lançado dentro de um presídio.

No CNJ, Lewandowski também lançou o projeto Cidadania nos Presídios, interessado em aproximar os juízes e a sociedade dos encarcerados para “humanizar” o sistema de justiça. Uma parte do crime organizado é controlada de dentro das penitenciárias e o ministro defendia que os filtros para entrada de novos detentos e para saída de antigos deveriam ser aprimorados.

A reportagem pediu entrevista a um representante da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e uma manifestação do CNJ, hoje sob cuidados do ministro Luís Roberto Barroso, sobre medidas do Poder que podem contribuir para a segurança pública. Nenhuma das instituições se pronunciou.

BRASÍLIA - Lembrada com frequência em pesquisas de opinião como tema de preocupação dos brasileiros, a segurança pública costuma virar assunto dos debates eleitorais. Em ano de disputa municipal, os índices de criminalidade devem voltar às plataformas dos candidatos. Em meio a brigas por protagonismo e exploração eleitoral, pesquisadores e gestores ouvidos pelo Estadão alertam que o combate efetivo à violência e à permanente sensação de insegurança passam, no entanto, pela adoção de ações integradas.

Especialistas concordam que não há “bala de prata” para resolver os problemas e que soluções rasas, à esquerda e à direita, não surtem efeito. Estudos produzidos por pesquisadores também indicam deficiências como o não cumprimento de princípios básicos da gestão, falta de interlocução de polícias e ausência de uma estratégia nacional.

Especialistas defendem ações integradas de segurança entre as polícias Foto: Haeckel Dias/Polícia Civil

Além dos problemas de governança do setor, o tema vira objeto de exploração política com a defesa de medidas como o “fim da saidinha” e a “liberação das drogas” como solução perfeita para a violência. Segundo especialistas, o efeito prático de uma ou de outra, se baixadas isoladamente, é pequeno.

Uma lei federal instituiu, em 2018, o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Apesar do paralelo com o sistema de Saúde, ele nunca foi efetivamente implementado. No papel, o Ministério da Justiça é o órgão central, responsável por viabilizar a integração de todas as quase 1600 agências de segurança do País, como as polícias e as guardas municipais.

Na prática, a coordenação a cargo da União ainda é alvo de críticas. O sociólogo e professor da PUC-MG Luis Flávio Sapori diz que o SUSP não pode ser confundido com operações integradas pontuais.

“Há uma visão equivocada no Ministério da Justiça, a de que o SUSP são operações integradas específicas, com início e fim, como essa operação relativamente bem-sucedida de prisão dos fugitivos de Mossoró. Ali houve uma ação integrada, é um bom exemplo de ação articulada, de troca de informações. Mas o SUSP não é isso. Ele é um sistema estruturado, institucionalizado, que rotiniza as ações integradas dos vários órgãos da segurança pública”, frisou.

Como órgão central, também caberia ao ministério liderar um diagnóstico nacional dos principais problemas e definir metas e estratégias para cada um deles. “No fundo, a União tem um enorme poder regulatório e fiscalizatório que ela não desempenha”, afirmou Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). “Não tem definições claras, balizas sobre protocolos, procedimentos.”

O novo chefe do Conselho Nacional de Comandantes-Gerais das Polícias Militares, coronel Cássio Araújo de Freitas, comandante de São Paulo, afirmou que a interlocução entre os União, Estados e municípios é satisfatória, mas que “sempre tem o que se avançar”.

O exemplo da integração no combate ao golpe do Pix

Os novos golpes bancários, com roubo de Pix e de números de cartões de crédito, costumam, por exemplo, ser transestaduais. Um enfrentamento mais eficiente demandaria um trabalho de polícias distintas, e uma coordenação geral serviria como facilitadora.

“Vira um sistema quase inoperante. O crime é cometido no Sudeste e o dinheiro vai para uma conta no Nordeste, por exemplo. Fica mais difícil atingi-lo porque não tem uma coordenação estreita de esforços. Há uma confusão, uma bagunça típica nossa. E a política de segurança pública não é uma política de Estado, mas de governos”, disse Rafael Alcadipani da Silveira, professor da FGV e membro do FBSP.

A troca de experiências, informações e procedimentos seria útil para combater todos os tipos de crimes. A proposta de uma integração institucionalizada seria escalar operações como a de terça-feira, 9, em São Paulo, que prendeu dirigentes de empresas de ônibus por suspeita de envolvimento com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). “Temos que criar instâncias de coordenação, com União, Estados e municípios, um comitê nacional para decidir o que fazer para controlar incidente de homicídios, roubo, homicídios”, frisou Sapori.

Conforme relatos de gestores da segurança ao Estadão, por mais que os dividendos políticos sejam positivos para os que conseguem diminuir índices, a busca pelo protagonismo nessa área tem outro lado da moeda, sobretudo quando o resultado não é o esperado. Sob reserva, eles dizem que, nestes casos, o desgaste de assumir o compromisso pessoal de resolver o problema pode ser maior do que o de oferecer “mais do mesmo”.

Segundo os pesquisadores, um trabalho coordenado, dentro de uma política de Estado, não leva menos de dez anos para surtir efeitos. Esse prazo é outro dificultador, pois os gestores políticos precisam apresentar medidas de curto prazo que sinalizem aos eleitores que a violência está sendo combatida com firmeza.

“A segurança pública se tornou uma das grandes trincheiras onde a batalha ideológica é travada, com ‘mata todo mundo’ ou ‘acolhe todo mundo’. Se bater ou matar resolvesse, éramos o País mais seguro do mundo”, ponderou Rafael Alcadipani.

Mestre em Ciências Policiais pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, de Lisboa, e professor da Academia Nacional de Polícia, o delegado da Polícia Federal Humberto Brandão avalia que as soluções para a violência variam de região para região, o que demanda diagnósticos maduros.

“Não podemos tratar o tema complexo com paixão. É uma questão extremamente complexa e exige soluções complexas. Segurança pública não se resolve somente alterando a lei. Não é problema só de Direito Penal, mas também de criminologia, uma ciência multifacetada”, disse.

Ele reconhece como um gargalo o interesse de gestores em “soluções rápidas”. “Soluções levam tempo, dinheiro. O gestor que implementar talvez não colha fruto na gestão. Então, prefere ir pelo Direito Penal, falar em ‘proibir saidinha’, ‘liberar droga’. A discussão não deve ser essa. Proibir ou liberar, isoladamente, não resolvem o problema. Tem que observar a prioridade específica de cada recorte, de cada crime. A solução passa por alteração legislativa, por políticas públicas e pelo fortalecimento da cidadania. É um conjunto de fatores”, destacou.

Deputado Alberto Fraga, presidente da Comissão de Segurança da Câmara Foto: Gabriela Bilo/Estadão

O presidente da Comissão de Segurança da Câmara, deputado Alberto Fraga (PL-DF), defende como prioritárias no Congresso pautas que especialistas dizem que não deveriam ser. Ele, contudo, aponta que elas são fundamentais, sim, para que a criminalidade e a sensação de insegurança caiam.

“Eu colocaria três pontos principais: redução da idade penal, a questão do cumprimento integral das penas e o fim dos ‘saidões’. enquanto isso não ocorre, precisamos apertar o sistema prisional, fazer com que ele melhore e bandido não saia e volte pro presídio como ocorre hoje. A polícia enxuga gelo e a violência continua”, afirmou.

A ação do governo federal

Uma das medidas de integração estudadas pela gestão do ministro Ricardo Lewandowski é a de concentrar, em Brasília, as compras de equipamentos de segurança, como viaturas, armamentos e câmeras de segurança, para que os estados tenham mais facilidade nas aquisições. A não execução de verbas milionárias é um problema identificado pela atual gestão.

A reportagem perguntou à pasta de Lewandowski quais outras ações pretende executar para integrar de forma sistematizada os demais atores do SUSP. Não houve respostas até a publicação desta reportagem.

A ação do Poder Judiciário também tem efeito de impactar o enfrentamento à violência. Quando esteve à frente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2014 e 2016, Ricardo Lewandowski foi o responsável pela implementação das audiências de custódia, mecanismo que coloca presos em flagrante diante de um juiz para que aspectos formais da prisão sejam averiguados antes de o detido ser lançado dentro de um presídio.

No CNJ, Lewandowski também lançou o projeto Cidadania nos Presídios, interessado em aproximar os juízes e a sociedade dos encarcerados para “humanizar” o sistema de justiça. Uma parte do crime organizado é controlada de dentro das penitenciárias e o ministro defendia que os filtros para entrada de novos detentos e para saída de antigos deveriam ser aprimorados.

A reportagem pediu entrevista a um representante da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e uma manifestação do CNJ, hoje sob cuidados do ministro Luís Roberto Barroso, sobre medidas do Poder que podem contribuir para a segurança pública. Nenhuma das instituições se pronunciou.

BRASÍLIA - Lembrada com frequência em pesquisas de opinião como tema de preocupação dos brasileiros, a segurança pública costuma virar assunto dos debates eleitorais. Em ano de disputa municipal, os índices de criminalidade devem voltar às plataformas dos candidatos. Em meio a brigas por protagonismo e exploração eleitoral, pesquisadores e gestores ouvidos pelo Estadão alertam que o combate efetivo à violência e à permanente sensação de insegurança passam, no entanto, pela adoção de ações integradas.

Especialistas concordam que não há “bala de prata” para resolver os problemas e que soluções rasas, à esquerda e à direita, não surtem efeito. Estudos produzidos por pesquisadores também indicam deficiências como o não cumprimento de princípios básicos da gestão, falta de interlocução de polícias e ausência de uma estratégia nacional.

Especialistas defendem ações integradas de segurança entre as polícias Foto: Haeckel Dias/Polícia Civil

Além dos problemas de governança do setor, o tema vira objeto de exploração política com a defesa de medidas como o “fim da saidinha” e a “liberação das drogas” como solução perfeita para a violência. Segundo especialistas, o efeito prático de uma ou de outra, se baixadas isoladamente, é pequeno.

Uma lei federal instituiu, em 2018, o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Apesar do paralelo com o sistema de Saúde, ele nunca foi efetivamente implementado. No papel, o Ministério da Justiça é o órgão central, responsável por viabilizar a integração de todas as quase 1600 agências de segurança do País, como as polícias e as guardas municipais.

Na prática, a coordenação a cargo da União ainda é alvo de críticas. O sociólogo e professor da PUC-MG Luis Flávio Sapori diz que o SUSP não pode ser confundido com operações integradas pontuais.

“Há uma visão equivocada no Ministério da Justiça, a de que o SUSP são operações integradas específicas, com início e fim, como essa operação relativamente bem-sucedida de prisão dos fugitivos de Mossoró. Ali houve uma ação integrada, é um bom exemplo de ação articulada, de troca de informações. Mas o SUSP não é isso. Ele é um sistema estruturado, institucionalizado, que rotiniza as ações integradas dos vários órgãos da segurança pública”, frisou.

Como órgão central, também caberia ao ministério liderar um diagnóstico nacional dos principais problemas e definir metas e estratégias para cada um deles. “No fundo, a União tem um enorme poder regulatório e fiscalizatório que ela não desempenha”, afirmou Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). “Não tem definições claras, balizas sobre protocolos, procedimentos.”

O novo chefe do Conselho Nacional de Comandantes-Gerais das Polícias Militares, coronel Cássio Araújo de Freitas, comandante de São Paulo, afirmou que a interlocução entre os União, Estados e municípios é satisfatória, mas que “sempre tem o que se avançar”.

O exemplo da integração no combate ao golpe do Pix

Os novos golpes bancários, com roubo de Pix e de números de cartões de crédito, costumam, por exemplo, ser transestaduais. Um enfrentamento mais eficiente demandaria um trabalho de polícias distintas, e uma coordenação geral serviria como facilitadora.

“Vira um sistema quase inoperante. O crime é cometido no Sudeste e o dinheiro vai para uma conta no Nordeste, por exemplo. Fica mais difícil atingi-lo porque não tem uma coordenação estreita de esforços. Há uma confusão, uma bagunça típica nossa. E a política de segurança pública não é uma política de Estado, mas de governos”, disse Rafael Alcadipani da Silveira, professor da FGV e membro do FBSP.

A troca de experiências, informações e procedimentos seria útil para combater todos os tipos de crimes. A proposta de uma integração institucionalizada seria escalar operações como a de terça-feira, 9, em São Paulo, que prendeu dirigentes de empresas de ônibus por suspeita de envolvimento com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). “Temos que criar instâncias de coordenação, com União, Estados e municípios, um comitê nacional para decidir o que fazer para controlar incidente de homicídios, roubo, homicídios”, frisou Sapori.

Conforme relatos de gestores da segurança ao Estadão, por mais que os dividendos políticos sejam positivos para os que conseguem diminuir índices, a busca pelo protagonismo nessa área tem outro lado da moeda, sobretudo quando o resultado não é o esperado. Sob reserva, eles dizem que, nestes casos, o desgaste de assumir o compromisso pessoal de resolver o problema pode ser maior do que o de oferecer “mais do mesmo”.

Segundo os pesquisadores, um trabalho coordenado, dentro de uma política de Estado, não leva menos de dez anos para surtir efeitos. Esse prazo é outro dificultador, pois os gestores políticos precisam apresentar medidas de curto prazo que sinalizem aos eleitores que a violência está sendo combatida com firmeza.

“A segurança pública se tornou uma das grandes trincheiras onde a batalha ideológica é travada, com ‘mata todo mundo’ ou ‘acolhe todo mundo’. Se bater ou matar resolvesse, éramos o País mais seguro do mundo”, ponderou Rafael Alcadipani.

Mestre em Ciências Policiais pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, de Lisboa, e professor da Academia Nacional de Polícia, o delegado da Polícia Federal Humberto Brandão avalia que as soluções para a violência variam de região para região, o que demanda diagnósticos maduros.

“Não podemos tratar o tema complexo com paixão. É uma questão extremamente complexa e exige soluções complexas. Segurança pública não se resolve somente alterando a lei. Não é problema só de Direito Penal, mas também de criminologia, uma ciência multifacetada”, disse.

Ele reconhece como um gargalo o interesse de gestores em “soluções rápidas”. “Soluções levam tempo, dinheiro. O gestor que implementar talvez não colha fruto na gestão. Então, prefere ir pelo Direito Penal, falar em ‘proibir saidinha’, ‘liberar droga’. A discussão não deve ser essa. Proibir ou liberar, isoladamente, não resolvem o problema. Tem que observar a prioridade específica de cada recorte, de cada crime. A solução passa por alteração legislativa, por políticas públicas e pelo fortalecimento da cidadania. É um conjunto de fatores”, destacou.

Deputado Alberto Fraga, presidente da Comissão de Segurança da Câmara Foto: Gabriela Bilo/Estadão

O presidente da Comissão de Segurança da Câmara, deputado Alberto Fraga (PL-DF), defende como prioritárias no Congresso pautas que especialistas dizem que não deveriam ser. Ele, contudo, aponta que elas são fundamentais, sim, para que a criminalidade e a sensação de insegurança caiam.

“Eu colocaria três pontos principais: redução da idade penal, a questão do cumprimento integral das penas e o fim dos ‘saidões’. enquanto isso não ocorre, precisamos apertar o sistema prisional, fazer com que ele melhore e bandido não saia e volte pro presídio como ocorre hoje. A polícia enxuga gelo e a violência continua”, afirmou.

A ação do governo federal

Uma das medidas de integração estudadas pela gestão do ministro Ricardo Lewandowski é a de concentrar, em Brasília, as compras de equipamentos de segurança, como viaturas, armamentos e câmeras de segurança, para que os estados tenham mais facilidade nas aquisições. A não execução de verbas milionárias é um problema identificado pela atual gestão.

A reportagem perguntou à pasta de Lewandowski quais outras ações pretende executar para integrar de forma sistematizada os demais atores do SUSP. Não houve respostas até a publicação desta reportagem.

A ação do Poder Judiciário também tem efeito de impactar o enfrentamento à violência. Quando esteve à frente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2014 e 2016, Ricardo Lewandowski foi o responsável pela implementação das audiências de custódia, mecanismo que coloca presos em flagrante diante de um juiz para que aspectos formais da prisão sejam averiguados antes de o detido ser lançado dentro de um presídio.

No CNJ, Lewandowski também lançou o projeto Cidadania nos Presídios, interessado em aproximar os juízes e a sociedade dos encarcerados para “humanizar” o sistema de justiça. Uma parte do crime organizado é controlada de dentro das penitenciárias e o ministro defendia que os filtros para entrada de novos detentos e para saída de antigos deveriam ser aprimorados.

A reportagem pediu entrevista a um representante da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e uma manifestação do CNJ, hoje sob cuidados do ministro Luís Roberto Barroso, sobre medidas do Poder que podem contribuir para a segurança pública. Nenhuma das instituições se pronunciou.

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