Extorsão e mortes marcaram atuação de capitão Adriano no Rio


Investigação sobre milícia em Rio das Pedras mostra como quadrilha de suspeito morto dia 9 usou ligação com políticos, policiais e bicheiros para ganhar poder e influência

Por Ricardo Brandt
A comunidade de Rio das Pedras, em Jacarepaguá,na zona oeste do Rio Foto: FABIO MOTTA /ESTADÃO

“Na rua mencionada (...) podem ser encontrados alguns indivíduos excluídos da Polícia Militar, que fazem parte de uma milícia, identificados como sargento Dalmir Barbosa, Mauricião, capitão Adriano, André e Fininho. Eles cometem crimes de homicídio, extorsão a comerciantes, instalações clandestinas de internet e venda ilegal de botijões de gás.” 

Este texto, atribuído a uma notificação anônima feita ao Disque-Denúncia do Rio de Janeiro em novembro de 2015, é um dos registros sobre a atuação do grupo comandado pelo ex-policial militar Adriano Magalhães da Nóbrega, o capitão Adriano, na comunidade de Rio das Pedras. Morto no último dia 9 no interior da Bahia, ao reagir ao cerco policial, Adriano era o último dos 13 milicianos da lista de procurados da Justiça na operação que recebeu o nome de Intocáveis

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O Estado analisou relatos feitos ao Disque Denúncia, provas apreendidas pelo Ministério Público e escutas telefônicas dos milicianos nas investigações que envolvem o capitão Adriano e seus antigos comparsas. Ao analisar os documentos é possível retratar a atuação da milícia em Rio das Pedras e ter uma dimensão dos negócios criminosos e da violência empregada pelo grupo para manter a influência no poder público e garantir o domínio territorial, econômico e político. 

Ocupação

Área de ocupação irregular, iniciada na década de 1970 na região de Jacarepaguá, Rio das Pedras é como uma cidade dentro do Rio. Segundo o último Censo do IBGE, houve um aumento de 48% no número de moradores (de 42.735, em 2000, para 63.482 em 2010). Conhecida como um dos berços das milícias, a comunidade é também o maior reduto nordestino do Rio. Por isso, não foi surpresa a descoberta de capitão Adriano na Bahia e a prisão de outros milicianos do grupo em estados do Nordeste. 

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O ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como líder do grupo miliciano Escritório do Crime Foto: Polícia Civil do Rio de Janeiro

Adriano era tratado como “Gordo” ou “Patrãozão”. A vida de crimes começou quando, ainda na PM, ele passou a trabalhar como segurança do bicheiro Waldomiro Paes Garcia, o Maninho (assassinado em 2004), e do genro dele, José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal (morto em 2011). São desse período os primeiros processos e prisões por assassinato de ex-aliado da família, em disputa pelo domínio dos negócios de jogos de máquinas de caça-nível. Em um dos processos, Adriano foi denunciado por tentar assassinar um ex-aliado de Maninho. Não foi condenado. O alvo foi morto anos depois. Adriano foi expulso da PM em 2014. 

O poder conquistado pela milícia do capitão Adriano em Rio das Pedras, após disputas e mortes, decorre de suas ligações com contraventores e políticos, segundo investigadores. Um poder sustentado e ampliado nos últimos dez anos com as ações violentas do grupo e suas “informações privilegiadas”. “A organização (...) teria braços no Estado, no Legislativo municipal e estadual, assim como na Polícia Militar do Estado, o que denota uma gravidade concreta elevada, a justificar as cautelares extremas, até como forma de impedir que novas extorsões, corrupções e homicídios venham a ocorrer”, registra o processo contra Adriano. 

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Associação

O presidente da Associação dos Moradores de Rio das Pedras (Amarp), Jorge Alberto Moreth, o Beto Bomba, foi um dos presos da Intocáveis. Na sede da entidade, citada em diversas denúncias a autoridades, eram feitas as “transações de compra e venda dos imóveis construídos ilegalmente, bem como manipulados os documentos necessários às operações ilícitas”, segundo o processo. De acordo com o grupo especializado de combate ao crime organizado do Ministério Público do Rio (Gaeco), Beto Bomba tinha “informações privilegiadas de operações policiais realizadas nas localidades dominadas” e alertava o grupo “sobre futuras intervenções”. 

Omajor da PM Ronald Paulo Alves Pereira, conhecido como major Ronald Foto: Reprodução
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De acordo com o Gaeco, os denunciados “exerciam várias atividades ilegais, entre elas, grilagem, construção, venda e locação ilegais de imóveis; receptação de carga roubada; posse e porte ilegal de arma; extorsão de moradores e comerciantes, mediante cobrança de taxas referentes a ‘serviços’ prestados; pagamento de propina a agentes públicos; e agiotagem”. 

Lideranças

A morte de capitão Adriano não encerra o processo contra o grupo. A ação penal aberta no início de 2019 está em fase final e deverá ser julgada ainda este ano pela 4.ª Vara Criminal. As investigações do Ministério Público e da polícia contra Adriano também não acabaram. Investigadores querem saber quais eram os tentáculos da milícia no Legislativo e no Executivo do Rio, que garantiram a atuação longeva e impune da organização criminosa. 

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Sem o comando de Adriano e com a prisão de outras lideranças, o vácuo deixado na milícia que controla Rio das Pedras é incerto, segundo investigadores. Uma das possibilidades é que tenha início uma guerra pelo domínio da área. Em ano de eleições municipais, o controle dos mais de 50 mil votos passa a ser cobiçado por outros grupos. 

Na Operação Intocáveis, outros quatro integrantes da milícia são apontados como líderes: o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, conhecido como major Ronald ou Tartaruga, o tenente reformado da PM Maurício Silva da Costa, conhecido como Maurição, Careca, Coroa e Velho, Marcus Vinicius Reis dos Santos, o Fininho, e Beto Bomba. Todos estão em presídios federais, o destino mais provável de Adriano, caso ele tivesse sido preso. 

A ficha do tenente reformado da PM Maurício Silva da Costa, o Maurição Foto: Reprodução
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Major Ronald era um dos homens ligados a Capitão Adriano. Era um dos responsáveis pelos negócios de grilagem e de imóveis na comunidade da Muzema, ao lado de Rio das Pedras. Em 2019, 24 pessoas morreram no local, após desabamento de dois prédios irregulares construídos pela milícia. Com ele, foram apreendidos registros contábeis de membros do grupo. Em um deles havia uma anotação de valores associada a “Gordinho”, que era utilizado para identificar o capitão Adriano. 

Outro nome importante do grupo era “Maurição”, que executava ordens de cobranças e negócios de vans. Fininho, ex-PM expulso, era seu braço direito e matador do grupo. 

O Gaeco tem os registros de bens, negócios e contratos da milícia, que podem resultar em novas apurações. Em janeiro, uma nova fase da operação foi deflagrada, Intocáveis II, com 44 ordens de prisão. Um importante contato da milícia na polícia foi capturado: Jorge Luiz Camilo Alves, chefe de investigações da delegacia da Barra da Tijuca. Ele também é investigado por ligação com o policial militar reformado Ronnie Lessa, acusado de envolvimento na execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018. 

Desdobramentos

Marcus Vinicius Reis dos Santos, o Fininho, denunciado pelo MP-RJ Foto: Reprodução

Foram presos também dois operadores financeiros do grupo. Eles atuavam com os esquemas de agiotagem, frente de apuração que pode levar ao patrimônio dos milicianos e suas ligações com políticos e agentes do Estado, em especial da PM e da Polícia Civil. 

Todos os acusados negam crimes. Por meio de suas defesas, recorreram para tentar anular a acusação ou parar o andamento processual. Os advogados do capitão Adriano argumentaram cerceamento de defesa, disseram que “a denúncia apoia-se em informações anônimas” e que houve vazamento de informações para prejudicar o cliente. “Não há indício seguro da prática de crime, mas meras ilações e suposições.” 

Ao rejeitar um pedido da defesa, a desembargadora do TJ Gizelda Leitão Teixeira considerou justificável o anonimato dos denunciantes. “Através de denúncias anônimas revestidas de dados que se revelem verdadeiros e factíveis é possível chegar-se aos seus integrantes; o papel desempenhado por cada qual na engrenagem criminosa; os delitos ocorridos na área dominada e seus autores.” Segundo a magistrada, há suspeita de participação de policiais da ativa na milícia, possível lavagem de dinheiro e supostas ramificações em órgãos públicos. 

Para entender: Milícias em 23 Estados

A interferência de milícias no sistema político do Rio de Janeiro e o risco de expansão da atuação dos grupos para o resto do País preocupam autoridades públicas e estudiosos. Hoje, há registros de grupos milicianos no Distrito Federal e em 23 Estados. O tema deve estar presente nas eleições municipais de 2020, especialmente na disputa pela capital fluminense, onde as milícias atuam desde os anos 1980.

A comunidade de Rio das Pedras, em Jacarepaguá,na zona oeste do Rio Foto: FABIO MOTTA /ESTADÃO

“Na rua mencionada (...) podem ser encontrados alguns indivíduos excluídos da Polícia Militar, que fazem parte de uma milícia, identificados como sargento Dalmir Barbosa, Mauricião, capitão Adriano, André e Fininho. Eles cometem crimes de homicídio, extorsão a comerciantes, instalações clandestinas de internet e venda ilegal de botijões de gás.” 

Este texto, atribuído a uma notificação anônima feita ao Disque-Denúncia do Rio de Janeiro em novembro de 2015, é um dos registros sobre a atuação do grupo comandado pelo ex-policial militar Adriano Magalhães da Nóbrega, o capitão Adriano, na comunidade de Rio das Pedras. Morto no último dia 9 no interior da Bahia, ao reagir ao cerco policial, Adriano era o último dos 13 milicianos da lista de procurados da Justiça na operação que recebeu o nome de Intocáveis

O Estado analisou relatos feitos ao Disque Denúncia, provas apreendidas pelo Ministério Público e escutas telefônicas dos milicianos nas investigações que envolvem o capitão Adriano e seus antigos comparsas. Ao analisar os documentos é possível retratar a atuação da milícia em Rio das Pedras e ter uma dimensão dos negócios criminosos e da violência empregada pelo grupo para manter a influência no poder público e garantir o domínio territorial, econômico e político. 

Ocupação

Área de ocupação irregular, iniciada na década de 1970 na região de Jacarepaguá, Rio das Pedras é como uma cidade dentro do Rio. Segundo o último Censo do IBGE, houve um aumento de 48% no número de moradores (de 42.735, em 2000, para 63.482 em 2010). Conhecida como um dos berços das milícias, a comunidade é também o maior reduto nordestino do Rio. Por isso, não foi surpresa a descoberta de capitão Adriano na Bahia e a prisão de outros milicianos do grupo em estados do Nordeste. 

O ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como líder do grupo miliciano Escritório do Crime Foto: Polícia Civil do Rio de Janeiro

Adriano era tratado como “Gordo” ou “Patrãozão”. A vida de crimes começou quando, ainda na PM, ele passou a trabalhar como segurança do bicheiro Waldomiro Paes Garcia, o Maninho (assassinado em 2004), e do genro dele, José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal (morto em 2011). São desse período os primeiros processos e prisões por assassinato de ex-aliado da família, em disputa pelo domínio dos negócios de jogos de máquinas de caça-nível. Em um dos processos, Adriano foi denunciado por tentar assassinar um ex-aliado de Maninho. Não foi condenado. O alvo foi morto anos depois. Adriano foi expulso da PM em 2014. 

O poder conquistado pela milícia do capitão Adriano em Rio das Pedras, após disputas e mortes, decorre de suas ligações com contraventores e políticos, segundo investigadores. Um poder sustentado e ampliado nos últimos dez anos com as ações violentas do grupo e suas “informações privilegiadas”. “A organização (...) teria braços no Estado, no Legislativo municipal e estadual, assim como na Polícia Militar do Estado, o que denota uma gravidade concreta elevada, a justificar as cautelares extremas, até como forma de impedir que novas extorsões, corrupções e homicídios venham a ocorrer”, registra o processo contra Adriano. 

Associação

O presidente da Associação dos Moradores de Rio das Pedras (Amarp), Jorge Alberto Moreth, o Beto Bomba, foi um dos presos da Intocáveis. Na sede da entidade, citada em diversas denúncias a autoridades, eram feitas as “transações de compra e venda dos imóveis construídos ilegalmente, bem como manipulados os documentos necessários às operações ilícitas”, segundo o processo. De acordo com o grupo especializado de combate ao crime organizado do Ministério Público do Rio (Gaeco), Beto Bomba tinha “informações privilegiadas de operações policiais realizadas nas localidades dominadas” e alertava o grupo “sobre futuras intervenções”. 

Omajor da PM Ronald Paulo Alves Pereira, conhecido como major Ronald Foto: Reprodução

De acordo com o Gaeco, os denunciados “exerciam várias atividades ilegais, entre elas, grilagem, construção, venda e locação ilegais de imóveis; receptação de carga roubada; posse e porte ilegal de arma; extorsão de moradores e comerciantes, mediante cobrança de taxas referentes a ‘serviços’ prestados; pagamento de propina a agentes públicos; e agiotagem”. 

Lideranças

A morte de capitão Adriano não encerra o processo contra o grupo. A ação penal aberta no início de 2019 está em fase final e deverá ser julgada ainda este ano pela 4.ª Vara Criminal. As investigações do Ministério Público e da polícia contra Adriano também não acabaram. Investigadores querem saber quais eram os tentáculos da milícia no Legislativo e no Executivo do Rio, que garantiram a atuação longeva e impune da organização criminosa. 

Sem o comando de Adriano e com a prisão de outras lideranças, o vácuo deixado na milícia que controla Rio das Pedras é incerto, segundo investigadores. Uma das possibilidades é que tenha início uma guerra pelo domínio da área. Em ano de eleições municipais, o controle dos mais de 50 mil votos passa a ser cobiçado por outros grupos. 

Na Operação Intocáveis, outros quatro integrantes da milícia são apontados como líderes: o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, conhecido como major Ronald ou Tartaruga, o tenente reformado da PM Maurício Silva da Costa, conhecido como Maurição, Careca, Coroa e Velho, Marcus Vinicius Reis dos Santos, o Fininho, e Beto Bomba. Todos estão em presídios federais, o destino mais provável de Adriano, caso ele tivesse sido preso. 

A ficha do tenente reformado da PM Maurício Silva da Costa, o Maurição Foto: Reprodução

Major Ronald era um dos homens ligados a Capitão Adriano. Era um dos responsáveis pelos negócios de grilagem e de imóveis na comunidade da Muzema, ao lado de Rio das Pedras. Em 2019, 24 pessoas morreram no local, após desabamento de dois prédios irregulares construídos pela milícia. Com ele, foram apreendidos registros contábeis de membros do grupo. Em um deles havia uma anotação de valores associada a “Gordinho”, que era utilizado para identificar o capitão Adriano. 

Outro nome importante do grupo era “Maurição”, que executava ordens de cobranças e negócios de vans. Fininho, ex-PM expulso, era seu braço direito e matador do grupo. 

O Gaeco tem os registros de bens, negócios e contratos da milícia, que podem resultar em novas apurações. Em janeiro, uma nova fase da operação foi deflagrada, Intocáveis II, com 44 ordens de prisão. Um importante contato da milícia na polícia foi capturado: Jorge Luiz Camilo Alves, chefe de investigações da delegacia da Barra da Tijuca. Ele também é investigado por ligação com o policial militar reformado Ronnie Lessa, acusado de envolvimento na execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018. 

Desdobramentos

Marcus Vinicius Reis dos Santos, o Fininho, denunciado pelo MP-RJ Foto: Reprodução

Foram presos também dois operadores financeiros do grupo. Eles atuavam com os esquemas de agiotagem, frente de apuração que pode levar ao patrimônio dos milicianos e suas ligações com políticos e agentes do Estado, em especial da PM e da Polícia Civil. 

Todos os acusados negam crimes. Por meio de suas defesas, recorreram para tentar anular a acusação ou parar o andamento processual. Os advogados do capitão Adriano argumentaram cerceamento de defesa, disseram que “a denúncia apoia-se em informações anônimas” e que houve vazamento de informações para prejudicar o cliente. “Não há indício seguro da prática de crime, mas meras ilações e suposições.” 

Ao rejeitar um pedido da defesa, a desembargadora do TJ Gizelda Leitão Teixeira considerou justificável o anonimato dos denunciantes. “Através de denúncias anônimas revestidas de dados que se revelem verdadeiros e factíveis é possível chegar-se aos seus integrantes; o papel desempenhado por cada qual na engrenagem criminosa; os delitos ocorridos na área dominada e seus autores.” Segundo a magistrada, há suspeita de participação de policiais da ativa na milícia, possível lavagem de dinheiro e supostas ramificações em órgãos públicos. 

Para entender: Milícias em 23 Estados

A interferência de milícias no sistema político do Rio de Janeiro e o risco de expansão da atuação dos grupos para o resto do País preocupam autoridades públicas e estudiosos. Hoje, há registros de grupos milicianos no Distrito Federal e em 23 Estados. O tema deve estar presente nas eleições municipais de 2020, especialmente na disputa pela capital fluminense, onde as milícias atuam desde os anos 1980.

A comunidade de Rio das Pedras, em Jacarepaguá,na zona oeste do Rio Foto: FABIO MOTTA /ESTADÃO

“Na rua mencionada (...) podem ser encontrados alguns indivíduos excluídos da Polícia Militar, que fazem parte de uma milícia, identificados como sargento Dalmir Barbosa, Mauricião, capitão Adriano, André e Fininho. Eles cometem crimes de homicídio, extorsão a comerciantes, instalações clandestinas de internet e venda ilegal de botijões de gás.” 

Este texto, atribuído a uma notificação anônima feita ao Disque-Denúncia do Rio de Janeiro em novembro de 2015, é um dos registros sobre a atuação do grupo comandado pelo ex-policial militar Adriano Magalhães da Nóbrega, o capitão Adriano, na comunidade de Rio das Pedras. Morto no último dia 9 no interior da Bahia, ao reagir ao cerco policial, Adriano era o último dos 13 milicianos da lista de procurados da Justiça na operação que recebeu o nome de Intocáveis

O Estado analisou relatos feitos ao Disque Denúncia, provas apreendidas pelo Ministério Público e escutas telefônicas dos milicianos nas investigações que envolvem o capitão Adriano e seus antigos comparsas. Ao analisar os documentos é possível retratar a atuação da milícia em Rio das Pedras e ter uma dimensão dos negócios criminosos e da violência empregada pelo grupo para manter a influência no poder público e garantir o domínio territorial, econômico e político. 

Ocupação

Área de ocupação irregular, iniciada na década de 1970 na região de Jacarepaguá, Rio das Pedras é como uma cidade dentro do Rio. Segundo o último Censo do IBGE, houve um aumento de 48% no número de moradores (de 42.735, em 2000, para 63.482 em 2010). Conhecida como um dos berços das milícias, a comunidade é também o maior reduto nordestino do Rio. Por isso, não foi surpresa a descoberta de capitão Adriano na Bahia e a prisão de outros milicianos do grupo em estados do Nordeste. 

O ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como líder do grupo miliciano Escritório do Crime Foto: Polícia Civil do Rio de Janeiro

Adriano era tratado como “Gordo” ou “Patrãozão”. A vida de crimes começou quando, ainda na PM, ele passou a trabalhar como segurança do bicheiro Waldomiro Paes Garcia, o Maninho (assassinado em 2004), e do genro dele, José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal (morto em 2011). São desse período os primeiros processos e prisões por assassinato de ex-aliado da família, em disputa pelo domínio dos negócios de jogos de máquinas de caça-nível. Em um dos processos, Adriano foi denunciado por tentar assassinar um ex-aliado de Maninho. Não foi condenado. O alvo foi morto anos depois. Adriano foi expulso da PM em 2014. 

O poder conquistado pela milícia do capitão Adriano em Rio das Pedras, após disputas e mortes, decorre de suas ligações com contraventores e políticos, segundo investigadores. Um poder sustentado e ampliado nos últimos dez anos com as ações violentas do grupo e suas “informações privilegiadas”. “A organização (...) teria braços no Estado, no Legislativo municipal e estadual, assim como na Polícia Militar do Estado, o que denota uma gravidade concreta elevada, a justificar as cautelares extremas, até como forma de impedir que novas extorsões, corrupções e homicídios venham a ocorrer”, registra o processo contra Adriano. 

Associação

O presidente da Associação dos Moradores de Rio das Pedras (Amarp), Jorge Alberto Moreth, o Beto Bomba, foi um dos presos da Intocáveis. Na sede da entidade, citada em diversas denúncias a autoridades, eram feitas as “transações de compra e venda dos imóveis construídos ilegalmente, bem como manipulados os documentos necessários às operações ilícitas”, segundo o processo. De acordo com o grupo especializado de combate ao crime organizado do Ministério Público do Rio (Gaeco), Beto Bomba tinha “informações privilegiadas de operações policiais realizadas nas localidades dominadas” e alertava o grupo “sobre futuras intervenções”. 

Omajor da PM Ronald Paulo Alves Pereira, conhecido como major Ronald Foto: Reprodução

De acordo com o Gaeco, os denunciados “exerciam várias atividades ilegais, entre elas, grilagem, construção, venda e locação ilegais de imóveis; receptação de carga roubada; posse e porte ilegal de arma; extorsão de moradores e comerciantes, mediante cobrança de taxas referentes a ‘serviços’ prestados; pagamento de propina a agentes públicos; e agiotagem”. 

Lideranças

A morte de capitão Adriano não encerra o processo contra o grupo. A ação penal aberta no início de 2019 está em fase final e deverá ser julgada ainda este ano pela 4.ª Vara Criminal. As investigações do Ministério Público e da polícia contra Adriano também não acabaram. Investigadores querem saber quais eram os tentáculos da milícia no Legislativo e no Executivo do Rio, que garantiram a atuação longeva e impune da organização criminosa. 

Sem o comando de Adriano e com a prisão de outras lideranças, o vácuo deixado na milícia que controla Rio das Pedras é incerto, segundo investigadores. Uma das possibilidades é que tenha início uma guerra pelo domínio da área. Em ano de eleições municipais, o controle dos mais de 50 mil votos passa a ser cobiçado por outros grupos. 

Na Operação Intocáveis, outros quatro integrantes da milícia são apontados como líderes: o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, conhecido como major Ronald ou Tartaruga, o tenente reformado da PM Maurício Silva da Costa, conhecido como Maurição, Careca, Coroa e Velho, Marcus Vinicius Reis dos Santos, o Fininho, e Beto Bomba. Todos estão em presídios federais, o destino mais provável de Adriano, caso ele tivesse sido preso. 

A ficha do tenente reformado da PM Maurício Silva da Costa, o Maurição Foto: Reprodução

Major Ronald era um dos homens ligados a Capitão Adriano. Era um dos responsáveis pelos negócios de grilagem e de imóveis na comunidade da Muzema, ao lado de Rio das Pedras. Em 2019, 24 pessoas morreram no local, após desabamento de dois prédios irregulares construídos pela milícia. Com ele, foram apreendidos registros contábeis de membros do grupo. Em um deles havia uma anotação de valores associada a “Gordinho”, que era utilizado para identificar o capitão Adriano. 

Outro nome importante do grupo era “Maurição”, que executava ordens de cobranças e negócios de vans. Fininho, ex-PM expulso, era seu braço direito e matador do grupo. 

O Gaeco tem os registros de bens, negócios e contratos da milícia, que podem resultar em novas apurações. Em janeiro, uma nova fase da operação foi deflagrada, Intocáveis II, com 44 ordens de prisão. Um importante contato da milícia na polícia foi capturado: Jorge Luiz Camilo Alves, chefe de investigações da delegacia da Barra da Tijuca. Ele também é investigado por ligação com o policial militar reformado Ronnie Lessa, acusado de envolvimento na execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018. 

Desdobramentos

Marcus Vinicius Reis dos Santos, o Fininho, denunciado pelo MP-RJ Foto: Reprodução

Foram presos também dois operadores financeiros do grupo. Eles atuavam com os esquemas de agiotagem, frente de apuração que pode levar ao patrimônio dos milicianos e suas ligações com políticos e agentes do Estado, em especial da PM e da Polícia Civil. 

Todos os acusados negam crimes. Por meio de suas defesas, recorreram para tentar anular a acusação ou parar o andamento processual. Os advogados do capitão Adriano argumentaram cerceamento de defesa, disseram que “a denúncia apoia-se em informações anônimas” e que houve vazamento de informações para prejudicar o cliente. “Não há indício seguro da prática de crime, mas meras ilações e suposições.” 

Ao rejeitar um pedido da defesa, a desembargadora do TJ Gizelda Leitão Teixeira considerou justificável o anonimato dos denunciantes. “Através de denúncias anônimas revestidas de dados que se revelem verdadeiros e factíveis é possível chegar-se aos seus integrantes; o papel desempenhado por cada qual na engrenagem criminosa; os delitos ocorridos na área dominada e seus autores.” Segundo a magistrada, há suspeita de participação de policiais da ativa na milícia, possível lavagem de dinheiro e supostas ramificações em órgãos públicos. 

Para entender: Milícias em 23 Estados

A interferência de milícias no sistema político do Rio de Janeiro e o risco de expansão da atuação dos grupos para o resto do País preocupam autoridades públicas e estudiosos. Hoje, há registros de grupos milicianos no Distrito Federal e em 23 Estados. O tema deve estar presente nas eleições municipais de 2020, especialmente na disputa pela capital fluminense, onde as milícias atuam desde os anos 1980.

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