Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião|O Brasil pode escolher a contramão mundial no caminho das drogas


O Supremo Tribunal Federal busca regulamentar o uso pessoal até uma certa quantidade. O Congresso, que vê o movimento como um avanço sobre suas atribuições, pode ir pelo caminho contrário e legislar pela proibição total

Por Fabiano Lana

Existem certas tendências inexoráveis no mundo. São movimentos em que os países que não aderem ficam para trás e começam a ser vistos como atrasados por seus pares. Caso, por exemplo, da liberação do divórcio e da abolição da escravidão, no qual estivemos entre os últimos. Um desses processos de liberação que se liga ao espirito do tempo é o de uso das drogas, principalmente as leves. Ser contra o consumo individual hoje é até contraditório com posturas que dizem prezar a liberdade individual como valor.

A Holanda tem sido pioneira neste sentido. A Alemanha aprovou uma lei recentemente permitindo o consumo em certos ambientes. No vizinho Uruguai está perfeitamente legal. Suíça, México e Colômbia seguem por esse caminho.

Enquanto países liberam consumo de drogas, o Brasil pode proibir. (AP Photo/Markus Schreiber, File) 
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Nos Estados Unidos a liberação da maconha tem sido decidida pela própria população em plebiscitos incluídos nas midterms. Até estados considerados conservadores, como Missouri, aprovaram o uso da erva.

Nos EUA, inclusive, o mercado da maconha hoje é um big business. Nada a ver com aquele maconheiro anti-sistema e fã de Bob Marley dos tempos das universidades de humanas. São lojas que parecem mais aqueles estabelecimentos que vendem celulares em bairros chiques do que bocas de fumo da periferia. Na entrada, simpáticas funcionárias e funcionários uniformizados podem entregar um tablet com um cardápio no qual a droga pode ser vendida em cigarros, pílulas, pomadas e até mesmo refrigerantes. “Posso ajudá-lo, senhor?”, perguntam. As embalagens lembram as butiques dos shoppings brasileiros e podem ser entregues a um homem trajando um terno ou uma mulher com salto alto e um elegante sobretudo para fugir do frio. Existem também as lojas para os, digamos, maconheiros esquerdistas, com pôsteres algo rasgados dos ídolos do reggae e simulações de pixações nas paredes.

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Farmácia credenciada para vender maconha em Montevidéu é uma das dez autorizadas na capital; em todo o país há apenas 17 delas Foto: Tiago Queiroz / Estadão

Os argumentos por trás dessas liberações são vários. Quando proibida, a droga é um problema de saúde e de segurança pública. Quando liberada, do ponto de vista do ônus, torna-se uma questão de saúde, nos casos extremos. Com relação ao bônus, a gigantesca gama de recursos utilizados para a repressão pode ser realocados para outros objetivos. E o Estado tem ganhado bastante dinheiro com o sistema. Em 2022 os EUA arrecadaram US$ 3,5 bilhões com impostos via cannabis e o potencial é de US$ 8,5 bilhões (R$ 42 bilhões). Em Nova York, em especial, esse tipo de imposto da droga tem sido utilizado para melhorias no metrô. Nas margens das estradas da Califórnia é possível ver as plantações que formam a base dessa cadeia econômica. Ou seja, o tráfico não está presente nem na importação.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal busca regulamentar o uso pessoal até uma certa quantidade. O Congresso, que vê o movimento como um avanço sobre suas atribuições, pode ir pelo caminho contrário e legislar pela proibição total. Há, por outro lado, a tese de que o consumo individual de drogas poderia ser uma prerrogativa individual que não estaria nem mesmo ao alcance do Parlamento. Nessa briga política, o Brasil, mais uma vez, fica cada mais longe de seus colegas mais desenvolvidos.

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Um a cada cinco brasileiros já utilizou maconha, segundo o DataFolha. Em um país com tantos crimes graves e judiciário encurralado com milhões de casos, metade dos processos sobre drogas envolve apenas usuários, de acordo com levantamento do Ipea. Mas um outro índice chama a atenção de nossos políticos: 76% dos brasileiros são contra a liberação do uso recreativo da maconha, retratou o DataFolha. Um índice que mesmo na direção contrária da inclinação mundial pode fazer brilhar os olhos dos populistas.

Praticamente toda civilização na história tinha algum tipo de droga à disposição. Seu uso pode ter a ver com causas profundas, como a relação com o que se chama de real. Uma fuga que pode se processar de maneira muito semelhante a usufruir música, a compulsão pelos doces, o alivio da religião e mesmo o fanatismo político. Muitas vezes a distância entre drogas legais e ilegais é tênue. No Brasil, certas bebidas alcoólicas possuem efeitos mais intensos tanto na mente quanto no corpo do que a maconha. Criminalizar as drogas, simplesmente, é não conhecer como funciona a mente das pessoas e perder até mesmo a oportunidade de tornar legal e mais seguro um mercado de bilhões que irá continuar da mesma maneira, não importa a posição de nossos poderosos.

Existem certas tendências inexoráveis no mundo. São movimentos em que os países que não aderem ficam para trás e começam a ser vistos como atrasados por seus pares. Caso, por exemplo, da liberação do divórcio e da abolição da escravidão, no qual estivemos entre os últimos. Um desses processos de liberação que se liga ao espirito do tempo é o de uso das drogas, principalmente as leves. Ser contra o consumo individual hoje é até contraditório com posturas que dizem prezar a liberdade individual como valor.

A Holanda tem sido pioneira neste sentido. A Alemanha aprovou uma lei recentemente permitindo o consumo em certos ambientes. No vizinho Uruguai está perfeitamente legal. Suíça, México e Colômbia seguem por esse caminho.

Enquanto países liberam consumo de drogas, o Brasil pode proibir. (AP Photo/Markus Schreiber, File) 

Nos Estados Unidos a liberação da maconha tem sido decidida pela própria população em plebiscitos incluídos nas midterms. Até estados considerados conservadores, como Missouri, aprovaram o uso da erva.

Nos EUA, inclusive, o mercado da maconha hoje é um big business. Nada a ver com aquele maconheiro anti-sistema e fã de Bob Marley dos tempos das universidades de humanas. São lojas que parecem mais aqueles estabelecimentos que vendem celulares em bairros chiques do que bocas de fumo da periferia. Na entrada, simpáticas funcionárias e funcionários uniformizados podem entregar um tablet com um cardápio no qual a droga pode ser vendida em cigarros, pílulas, pomadas e até mesmo refrigerantes. “Posso ajudá-lo, senhor?”, perguntam. As embalagens lembram as butiques dos shoppings brasileiros e podem ser entregues a um homem trajando um terno ou uma mulher com salto alto e um elegante sobretudo para fugir do frio. Existem também as lojas para os, digamos, maconheiros esquerdistas, com pôsteres algo rasgados dos ídolos do reggae e simulações de pixações nas paredes.

Farmácia credenciada para vender maconha em Montevidéu é uma das dez autorizadas na capital; em todo o país há apenas 17 delas Foto: Tiago Queiroz / Estadão

Os argumentos por trás dessas liberações são vários. Quando proibida, a droga é um problema de saúde e de segurança pública. Quando liberada, do ponto de vista do ônus, torna-se uma questão de saúde, nos casos extremos. Com relação ao bônus, a gigantesca gama de recursos utilizados para a repressão pode ser realocados para outros objetivos. E o Estado tem ganhado bastante dinheiro com o sistema. Em 2022 os EUA arrecadaram US$ 3,5 bilhões com impostos via cannabis e o potencial é de US$ 8,5 bilhões (R$ 42 bilhões). Em Nova York, em especial, esse tipo de imposto da droga tem sido utilizado para melhorias no metrô. Nas margens das estradas da Califórnia é possível ver as plantações que formam a base dessa cadeia econômica. Ou seja, o tráfico não está presente nem na importação.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal busca regulamentar o uso pessoal até uma certa quantidade. O Congresso, que vê o movimento como um avanço sobre suas atribuições, pode ir pelo caminho contrário e legislar pela proibição total. Há, por outro lado, a tese de que o consumo individual de drogas poderia ser uma prerrogativa individual que não estaria nem mesmo ao alcance do Parlamento. Nessa briga política, o Brasil, mais uma vez, fica cada mais longe de seus colegas mais desenvolvidos.

Um a cada cinco brasileiros já utilizou maconha, segundo o DataFolha. Em um país com tantos crimes graves e judiciário encurralado com milhões de casos, metade dos processos sobre drogas envolve apenas usuários, de acordo com levantamento do Ipea. Mas um outro índice chama a atenção de nossos políticos: 76% dos brasileiros são contra a liberação do uso recreativo da maconha, retratou o DataFolha. Um índice que mesmo na direção contrária da inclinação mundial pode fazer brilhar os olhos dos populistas.

Praticamente toda civilização na história tinha algum tipo de droga à disposição. Seu uso pode ter a ver com causas profundas, como a relação com o que se chama de real. Uma fuga que pode se processar de maneira muito semelhante a usufruir música, a compulsão pelos doces, o alivio da religião e mesmo o fanatismo político. Muitas vezes a distância entre drogas legais e ilegais é tênue. No Brasil, certas bebidas alcoólicas possuem efeitos mais intensos tanto na mente quanto no corpo do que a maconha. Criminalizar as drogas, simplesmente, é não conhecer como funciona a mente das pessoas e perder até mesmo a oportunidade de tornar legal e mais seguro um mercado de bilhões que irá continuar da mesma maneira, não importa a posição de nossos poderosos.

Existem certas tendências inexoráveis no mundo. São movimentos em que os países que não aderem ficam para trás e começam a ser vistos como atrasados por seus pares. Caso, por exemplo, da liberação do divórcio e da abolição da escravidão, no qual estivemos entre os últimos. Um desses processos de liberação que se liga ao espirito do tempo é o de uso das drogas, principalmente as leves. Ser contra o consumo individual hoje é até contraditório com posturas que dizem prezar a liberdade individual como valor.

A Holanda tem sido pioneira neste sentido. A Alemanha aprovou uma lei recentemente permitindo o consumo em certos ambientes. No vizinho Uruguai está perfeitamente legal. Suíça, México e Colômbia seguem por esse caminho.

Enquanto países liberam consumo de drogas, o Brasil pode proibir. (AP Photo/Markus Schreiber, File) 

Nos Estados Unidos a liberação da maconha tem sido decidida pela própria população em plebiscitos incluídos nas midterms. Até estados considerados conservadores, como Missouri, aprovaram o uso da erva.

Nos EUA, inclusive, o mercado da maconha hoje é um big business. Nada a ver com aquele maconheiro anti-sistema e fã de Bob Marley dos tempos das universidades de humanas. São lojas que parecem mais aqueles estabelecimentos que vendem celulares em bairros chiques do que bocas de fumo da periferia. Na entrada, simpáticas funcionárias e funcionários uniformizados podem entregar um tablet com um cardápio no qual a droga pode ser vendida em cigarros, pílulas, pomadas e até mesmo refrigerantes. “Posso ajudá-lo, senhor?”, perguntam. As embalagens lembram as butiques dos shoppings brasileiros e podem ser entregues a um homem trajando um terno ou uma mulher com salto alto e um elegante sobretudo para fugir do frio. Existem também as lojas para os, digamos, maconheiros esquerdistas, com pôsteres algo rasgados dos ídolos do reggae e simulações de pixações nas paredes.

Farmácia credenciada para vender maconha em Montevidéu é uma das dez autorizadas na capital; em todo o país há apenas 17 delas Foto: Tiago Queiroz / Estadão

Os argumentos por trás dessas liberações são vários. Quando proibida, a droga é um problema de saúde e de segurança pública. Quando liberada, do ponto de vista do ônus, torna-se uma questão de saúde, nos casos extremos. Com relação ao bônus, a gigantesca gama de recursos utilizados para a repressão pode ser realocados para outros objetivos. E o Estado tem ganhado bastante dinheiro com o sistema. Em 2022 os EUA arrecadaram US$ 3,5 bilhões com impostos via cannabis e o potencial é de US$ 8,5 bilhões (R$ 42 bilhões). Em Nova York, em especial, esse tipo de imposto da droga tem sido utilizado para melhorias no metrô. Nas margens das estradas da Califórnia é possível ver as plantações que formam a base dessa cadeia econômica. Ou seja, o tráfico não está presente nem na importação.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal busca regulamentar o uso pessoal até uma certa quantidade. O Congresso, que vê o movimento como um avanço sobre suas atribuições, pode ir pelo caminho contrário e legislar pela proibição total. Há, por outro lado, a tese de que o consumo individual de drogas poderia ser uma prerrogativa individual que não estaria nem mesmo ao alcance do Parlamento. Nessa briga política, o Brasil, mais uma vez, fica cada mais longe de seus colegas mais desenvolvidos.

Um a cada cinco brasileiros já utilizou maconha, segundo o DataFolha. Em um país com tantos crimes graves e judiciário encurralado com milhões de casos, metade dos processos sobre drogas envolve apenas usuários, de acordo com levantamento do Ipea. Mas um outro índice chama a atenção de nossos políticos: 76% dos brasileiros são contra a liberação do uso recreativo da maconha, retratou o DataFolha. Um índice que mesmo na direção contrária da inclinação mundial pode fazer brilhar os olhos dos populistas.

Praticamente toda civilização na história tinha algum tipo de droga à disposição. Seu uso pode ter a ver com causas profundas, como a relação com o que se chama de real. Uma fuga que pode se processar de maneira muito semelhante a usufruir música, a compulsão pelos doces, o alivio da religião e mesmo o fanatismo político. Muitas vezes a distância entre drogas legais e ilegais é tênue. No Brasil, certas bebidas alcoólicas possuem efeitos mais intensos tanto na mente quanto no corpo do que a maconha. Criminalizar as drogas, simplesmente, é não conhecer como funciona a mente das pessoas e perder até mesmo a oportunidade de tornar legal e mais seguro um mercado de bilhões que irá continuar da mesma maneira, não importa a posição de nossos poderosos.

Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

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