Pelas últimas evidências apresentadas pelas autoridades, incluindo vídeos e prints, sustentar que o ex-presidente Jair Bolsonaro e sua turma não tinham intenções golpistas está no mesmo nível de desacreditar que o cantor Elvis Presley não morreu, que o homem não foi à lua, ou que a Terra não possui o movimento de rotação e dá voltas em torno do sol. Ainda falta aquela prova incontestável que poderá levar Bolsonaro para a cadeia. Falta explicar o porquê não executaram o plano, o que deu errado. Mas se o ex-mandatário for justamente preso isso mudará de maneira aguda o pensamento das pessoas que seguem simpáticas e apoiadoras ao indisciplinado ex-capitão do Exército, em muitos casos de maneira fanática? A resposta imediata é não. A tarefa custosa agora é fazê-los mudar de ideia.
Esse tipo de operação como a conduzida pela Polícia Federal na quinta-feira, 8, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, já estava precificadas na mente dos chamados bolsonaristas. O sistema um dia iria se vingar do ex-militar rebelde de maus modos e de boas intenções que resolveu desafiá-lo, pensam. De acordo com muitos, aprisionar Bolsonaro é apenas mais uma das ações de desmonte do processo de purificação que o Brasil começou a viver a partir da Operação Lava Jato, mas que foi abortado pelos donos do poder que se aproveitam de uma organização do Estado corrupta.
Os bolsonaristas têm suas listas de inimigos bem catalogada: o Supremo Tribunal Federal, a chamada esquerda, os jornalistas, apenas para citar os que encabeçam o rol. Seriam os grupos que por ideologia ou interesse querem a destruição dos valores que os seguidores de Bolsonaro representam. Na cabeça desse grupo esses princípios seriam: a família, a pátria, o conservadorismo, a religião cristã. Do ponto de vista dos desafetos dessa turma, Alexandre de Moraes, inclusive, tem sido mais abominado do que o próprio presidente Lula.
Os discursos de Bolsonaro sobre urnas adulteradas como uma grande conspiração para fazê-lo perder as eleições transitam entre o desvario e o cinismo de quem precisava de um pretexto para comandar um golpe. A questão é que convenceu milhões de que sua tese fazia sentido. Hoje, cerca de 1/3 dos brasileiros considera que as eleições presidenciais de 2022 foi fraudada.
E a suposta farsa das eleições, sempre na cabeça de um seguidor de Bolsonaro, é apenas a ponta de um novelo que também inclui a libertação do “ladrão” Lula, a tentativa de dizer que os esquemas de corrupção não existiam, e por aí vai. O mostruário da seita bolsonarista segue com outros dogmas como sustentar que as vacinas contra a Covid não funcionam, odiar máscaras, ser contra o padre Julio Lancelotti, e outras excentricidades da cultura de rebanho.
Jair Bolsonaro, assim como Lula, portanto, exerce liderança sobre parcela da população a ponto de até mesmo suas proposições mais disparatadas sempre possuírem defensores sinceros e exaltados. O problema, no caso de Bolsonaro, é que mesmo com toda a cantilena de enfraquecimento das instituições obteve 49% dos votos dos eleitores. É fato que o Brasil é parte desse fenômeno mundial de candidatos extremistas receberem toneladas de votos. Pior, de serem escolhidos como guias políticos e morais de multidões.
Nessas circunstâncias, mais do que prender Bolsonaro e seu entorno, o desafio para o Brasil é tentar convencer uma enorme parte da população sobre as vantagens das correntes políticas que possuem de fato compromisso com a democracia. E, missão impossível, provar que a figura de Bolsonaro é contraproducente quando se aspira uma nação pacificada e em direção ao desenvolvimento.
Para isso é preciso um pacto para evitar ações que mantenham a tropa extremista unida. Cada vez que o presidente Lula afaga ditadores de preferência, dá discurso para fortalecimento das teses do bolsonarismo. Ou então quando se flerta com políticas econômicas que só provocaram recessão e desemprego. O mesmo ocorre quando o Judiciário não consegue justificar o perdão a tantos figurões e empresas que admitiram prática de irregularidades. O próprio Lula não para de atiçar o inimigo político, em discursos e entrevistas, o que só faz alimentar a repugnância de quem ainda admira o antecessor.
Provadas as desobediências flagrantes às leis, as punições rigorosas serão necessárias. Mas por incrível que pareça esse é o passo mais fácil. Do ponto de vista do futuro da nação, para evitar ressentimentos, o desafio é tentar mostrar para milhões de brasileiros, sem tripudiar ou com espírito de vingança, que suas opções políticas estavam equivocadas. Se não a consequência é buscarem outro outsider insensato para nos desgovernar. Por muito pouco, os eleitores do talvez futuro presidiário Bolsonaro não são a maioria do Brasil.