Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião|Depois da proibição, Marçal ultrapassa Boulos em seguidores; melhor normalizar antes de ser engolido


Hoje, qualquer previsão do que vá acontecer no futuro – fortalecimento ou desidratação do fenômeno – são chutes com maior ou menor embasamento

Por Fabiano Lana
Atualização:

Os acontecimentos vertiginosos são os seguintes: um juiz eleitoral determinou a suspensão das redes do candidato à prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal, com cerca de 12 milhões de seguidores. Com espalhafato, o autodenominado ex-coach utilizou os últimos instantes das suas redes antigas para lançar novas páginas pessoais na internet. Cerca de 24 horas depois, apenas no Instagram, Pablo Marçal já ultrapassou o número de seguidores no de seu principal concorrente, Guilherme Boulos, do PSOL, que precisou de anos para construir seu império digital de 2,3 milhões de seguidores.

Não devemos mais tapar o sol com a peneira. Mais do que um domínio inusitado do funcionamento das redes, que pague milhares para fazer cortes favoráveis, Marçal tem algo que muita gente não quer aceitar. Seu jeito de ser, suas falas disruptivas, a agressividade, inconsequência, são aderentes ao que um enorme contingente da população quer ver como líder político neste momento histórico – e em tantos outros.

Pablo Marçal e Guilherme Boulos durante debate organizado pelo jornal O Estado de São Paulo, em parceria com o Portal Terra e a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) Foto: Werther Santana/Estadão
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Gostemos ou não, a direita populista tornou-se normal Brasil, também em diversos locais do mundo. Normal é um termo que tem várias acepções. Uma delas é ser aceitável socialmente. Mas a outra é a seguinte: estar comum na maioria dos casos. Normal é o que é corriqueiro, frequente, ordinário, costumeiro, trivial ou banal. Há uma série de aspirantes a políticos que mesmo que causem engulhos a intelectuais, a jornalistas, a artistas engajados são uma mercadoria que o eleitor brasileiro quer comprar. Porque acredita nela. “A história é um carro alegre cheio de um povo contente que atropela indiferente todo aquele que a negue”, já diziam os versos do cubano Pablo Milanés, cantados por Chico Buarque e Milton Nascimento.

Um dos filósofos mais odiados da história do Brasil, ele mesmo, Olavo de Carvalho, já nos anos 90 tinha a tese de que o establishment nacional era bastante competente em não permitir que candidatos com valores semelhantes ao do brasileiro comum concorressem de maneira viável para vencer. A disputa do PT contra o PSDB marcaria esse monopólio da esquerda (nos termos deles). E que valores da população seriam esses? Religião, trabalho, família, segurança e muita coisa que costuma ser identificada com o mais detestado reacionarismo.

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Não por coincidência, em pesquisas sobre mentalidade dos brasileiros há os seguintes resultados, por exemplo, do instituto GPP (mas que se mantêm quando feitos por outras empresas de análise): 81% são contra a legalização da maconha; 77% contra a legalização do aborto; 90% querem a diminuição da maioridade penal; 79,7% querem ensino religioso na escola pública; 52% querem mais intervenção do Estado na economia. Mas pessoas como Olavo afirmavam há tempos que esses brasileiros que representavam os valores da maioria não tinham espaço na intelligentsia brasileira.

O brasileiro comum pode preferir a ordem da polícia aos valores da pequena bandidagem cultuado em nossos filmes ou música popular consumida pela classe-média que tem diploma universitário. Contra esse tipo de falso consenso que aparecem os Bolsonaros ou agora sua versão mutante, Pablo Marçal. E, mais incrível, o discurso histriônico-cibernético de tais personagens é capaz de amealhar seguidores que irão fechar os olhos e tapar os ouvidos para os fatos desagradáveis, ou mesmo criminosos, de suas biografias. Mesmo que Marçal tenha se revelado um falso curandeiro em vídeos espalhados pela rede, mesmo que tenha praticado golpes em contas bancárias, sua popularidade só cresce. É afeto, no sentido de afetar emocionalmente, não é algo exatamente racional.

A tarefa impossível para quem se opõe é tentar entender o fenômeno para tentar dominá-lo. É um outro tipo de comunicação, de interação. É um produto do capitalismo com capacidade de absolver, até agora, as ondas contrárias (assim como o capitalismo absolve tudo que quer destruí-lo para depois vender). Cada ataque que sofre, por mais letal que seja, ou de quem seja, Marçal publica nas suas próprias redes como se dissesse: isso me fortalece. Mesmo que venha de seu antecessor e guia, como Jair Bolsonaro. É um monstro que busca engolir não só os adversários, mas também os aliados. Hoje, qualquer previsão do que vá acontecer no futuro –fortalecimento ou desidratação do fenômeno – são chutes com maior ou menor embasamento.

Os acontecimentos vertiginosos são os seguintes: um juiz eleitoral determinou a suspensão das redes do candidato à prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal, com cerca de 12 milhões de seguidores. Com espalhafato, o autodenominado ex-coach utilizou os últimos instantes das suas redes antigas para lançar novas páginas pessoais na internet. Cerca de 24 horas depois, apenas no Instagram, Pablo Marçal já ultrapassou o número de seguidores no de seu principal concorrente, Guilherme Boulos, do PSOL, que precisou de anos para construir seu império digital de 2,3 milhões de seguidores.

Não devemos mais tapar o sol com a peneira. Mais do que um domínio inusitado do funcionamento das redes, que pague milhares para fazer cortes favoráveis, Marçal tem algo que muita gente não quer aceitar. Seu jeito de ser, suas falas disruptivas, a agressividade, inconsequência, são aderentes ao que um enorme contingente da população quer ver como líder político neste momento histórico – e em tantos outros.

Pablo Marçal e Guilherme Boulos durante debate organizado pelo jornal O Estado de São Paulo, em parceria com o Portal Terra e a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) Foto: Werther Santana/Estadão

Gostemos ou não, a direita populista tornou-se normal Brasil, também em diversos locais do mundo. Normal é um termo que tem várias acepções. Uma delas é ser aceitável socialmente. Mas a outra é a seguinte: estar comum na maioria dos casos. Normal é o que é corriqueiro, frequente, ordinário, costumeiro, trivial ou banal. Há uma série de aspirantes a políticos que mesmo que causem engulhos a intelectuais, a jornalistas, a artistas engajados são uma mercadoria que o eleitor brasileiro quer comprar. Porque acredita nela. “A história é um carro alegre cheio de um povo contente que atropela indiferente todo aquele que a negue”, já diziam os versos do cubano Pablo Milanés, cantados por Chico Buarque e Milton Nascimento.

Um dos filósofos mais odiados da história do Brasil, ele mesmo, Olavo de Carvalho, já nos anos 90 tinha a tese de que o establishment nacional era bastante competente em não permitir que candidatos com valores semelhantes ao do brasileiro comum concorressem de maneira viável para vencer. A disputa do PT contra o PSDB marcaria esse monopólio da esquerda (nos termos deles). E que valores da população seriam esses? Religião, trabalho, família, segurança e muita coisa que costuma ser identificada com o mais detestado reacionarismo.

Não por coincidência, em pesquisas sobre mentalidade dos brasileiros há os seguintes resultados, por exemplo, do instituto GPP (mas que se mantêm quando feitos por outras empresas de análise): 81% são contra a legalização da maconha; 77% contra a legalização do aborto; 90% querem a diminuição da maioridade penal; 79,7% querem ensino religioso na escola pública; 52% querem mais intervenção do Estado na economia. Mas pessoas como Olavo afirmavam há tempos que esses brasileiros que representavam os valores da maioria não tinham espaço na intelligentsia brasileira.

O brasileiro comum pode preferir a ordem da polícia aos valores da pequena bandidagem cultuado em nossos filmes ou música popular consumida pela classe-média que tem diploma universitário. Contra esse tipo de falso consenso que aparecem os Bolsonaros ou agora sua versão mutante, Pablo Marçal. E, mais incrível, o discurso histriônico-cibernético de tais personagens é capaz de amealhar seguidores que irão fechar os olhos e tapar os ouvidos para os fatos desagradáveis, ou mesmo criminosos, de suas biografias. Mesmo que Marçal tenha se revelado um falso curandeiro em vídeos espalhados pela rede, mesmo que tenha praticado golpes em contas bancárias, sua popularidade só cresce. É afeto, no sentido de afetar emocionalmente, não é algo exatamente racional.

A tarefa impossível para quem se opõe é tentar entender o fenômeno para tentar dominá-lo. É um outro tipo de comunicação, de interação. É um produto do capitalismo com capacidade de absolver, até agora, as ondas contrárias (assim como o capitalismo absolve tudo que quer destruí-lo para depois vender). Cada ataque que sofre, por mais letal que seja, ou de quem seja, Marçal publica nas suas próprias redes como se dissesse: isso me fortalece. Mesmo que venha de seu antecessor e guia, como Jair Bolsonaro. É um monstro que busca engolir não só os adversários, mas também os aliados. Hoje, qualquer previsão do que vá acontecer no futuro –fortalecimento ou desidratação do fenômeno – são chutes com maior ou menor embasamento.

Os acontecimentos vertiginosos são os seguintes: um juiz eleitoral determinou a suspensão das redes do candidato à prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal, com cerca de 12 milhões de seguidores. Com espalhafato, o autodenominado ex-coach utilizou os últimos instantes das suas redes antigas para lançar novas páginas pessoais na internet. Cerca de 24 horas depois, apenas no Instagram, Pablo Marçal já ultrapassou o número de seguidores no de seu principal concorrente, Guilherme Boulos, do PSOL, que precisou de anos para construir seu império digital de 2,3 milhões de seguidores.

Não devemos mais tapar o sol com a peneira. Mais do que um domínio inusitado do funcionamento das redes, que pague milhares para fazer cortes favoráveis, Marçal tem algo que muita gente não quer aceitar. Seu jeito de ser, suas falas disruptivas, a agressividade, inconsequência, são aderentes ao que um enorme contingente da população quer ver como líder político neste momento histórico – e em tantos outros.

Pablo Marçal e Guilherme Boulos durante debate organizado pelo jornal O Estado de São Paulo, em parceria com o Portal Terra e a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) Foto: Werther Santana/Estadão

Gostemos ou não, a direita populista tornou-se normal Brasil, também em diversos locais do mundo. Normal é um termo que tem várias acepções. Uma delas é ser aceitável socialmente. Mas a outra é a seguinte: estar comum na maioria dos casos. Normal é o que é corriqueiro, frequente, ordinário, costumeiro, trivial ou banal. Há uma série de aspirantes a políticos que mesmo que causem engulhos a intelectuais, a jornalistas, a artistas engajados são uma mercadoria que o eleitor brasileiro quer comprar. Porque acredita nela. “A história é um carro alegre cheio de um povo contente que atropela indiferente todo aquele que a negue”, já diziam os versos do cubano Pablo Milanés, cantados por Chico Buarque e Milton Nascimento.

Um dos filósofos mais odiados da história do Brasil, ele mesmo, Olavo de Carvalho, já nos anos 90 tinha a tese de que o establishment nacional era bastante competente em não permitir que candidatos com valores semelhantes ao do brasileiro comum concorressem de maneira viável para vencer. A disputa do PT contra o PSDB marcaria esse monopólio da esquerda (nos termos deles). E que valores da população seriam esses? Religião, trabalho, família, segurança e muita coisa que costuma ser identificada com o mais detestado reacionarismo.

Não por coincidência, em pesquisas sobre mentalidade dos brasileiros há os seguintes resultados, por exemplo, do instituto GPP (mas que se mantêm quando feitos por outras empresas de análise): 81% são contra a legalização da maconha; 77% contra a legalização do aborto; 90% querem a diminuição da maioridade penal; 79,7% querem ensino religioso na escola pública; 52% querem mais intervenção do Estado na economia. Mas pessoas como Olavo afirmavam há tempos que esses brasileiros que representavam os valores da maioria não tinham espaço na intelligentsia brasileira.

O brasileiro comum pode preferir a ordem da polícia aos valores da pequena bandidagem cultuado em nossos filmes ou música popular consumida pela classe-média que tem diploma universitário. Contra esse tipo de falso consenso que aparecem os Bolsonaros ou agora sua versão mutante, Pablo Marçal. E, mais incrível, o discurso histriônico-cibernético de tais personagens é capaz de amealhar seguidores que irão fechar os olhos e tapar os ouvidos para os fatos desagradáveis, ou mesmo criminosos, de suas biografias. Mesmo que Marçal tenha se revelado um falso curandeiro em vídeos espalhados pela rede, mesmo que tenha praticado golpes em contas bancárias, sua popularidade só cresce. É afeto, no sentido de afetar emocionalmente, não é algo exatamente racional.

A tarefa impossível para quem se opõe é tentar entender o fenômeno para tentar dominá-lo. É um outro tipo de comunicação, de interação. É um produto do capitalismo com capacidade de absolver, até agora, as ondas contrárias (assim como o capitalismo absolve tudo que quer destruí-lo para depois vender). Cada ataque que sofre, por mais letal que seja, ou de quem seja, Marçal publica nas suas próprias redes como se dissesse: isso me fortalece. Mesmo que venha de seu antecessor e guia, como Jair Bolsonaro. É um monstro que busca engolir não só os adversários, mas também os aliados. Hoje, qualquer previsão do que vá acontecer no futuro –fortalecimento ou desidratação do fenômeno – são chutes com maior ou menor embasamento.

Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

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