Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião|Lula, o PT, e agora Janja: viciados em governar apontando inimigos do Brasil. Não funciona mais


No País mais entrincheirado, atacar um inimigo como Bolsonaro, que também conta com militantes ativos em sua proteção, não irá ajudar no objetivo abertamente declarado do governo de aumentar os níveis de popularidade

Por Fabiano Lana

O que há em comum entre Lula chamar o ex-presidente Jair Bolsonaro de “covardão” numa reunião ministerial, em a primeira-dama Janja acusar os antecessores de praticamente furtarem móveis do palácio presidencial, algo que se revelou falso e, finalmente, colocar fotos da família desalojada do poder em uma cerimônia de aniversário do Partido dos Trabalhadores? A resposta é: governar nomeando inimigos. Mostrar sempre à sociedade que haveria uma alternativa muito pior do que os atuais mandatários e que é preciso, a todo momento, evitar a volta dessas pessoas vis.

Funcionou bastante na era pós Fernando Henrique Cardoso. Todas as dificuldades enfrentadas eram culpa da famigerada “herança maldita”. Lutava-se para reconstruir o Brasil contra quem o tinha “quebrado três vezes”. Um ou outro lembrava que esse combate ao antecessor era feito sem desmontar o legado deixado – os parâmetros de responsabilidade fiscal ou o modelo dos programas de transferência de renda, que tiveram os nomes mudados, por exemplo. Mas isso era uma tecnicalidade que não teria grande importância no embate político.

Os próprios tucanos, integrantes do partido de FHC, interiorizaram a crítica, e esconderam seu único presidente por um longo tempo. O auge ocorreu em 2010, quando um programa eleitoral do candidato José Serra colocou Lula de maneira elogiosa na TV. Mesmo publicamente, tucanos preferiram atacar tucanos a defender o que construíram.

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O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva durante a cerimônia no Palácio do Planalto ao lado da primeira-dama Janja. FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO Foto: Wilton Junior

A crítica e o ataque permanente tem certa razão de ser na política. Examinem nas redes sociais. Postagens hostis a algum inimigo ou adversário repercutem de maneira exponencial. Textos sobre entregas, programas ou obras de uma administração ganham, proporcionalmente, muito menos cliques. Culpam os algoritmos por esse estado de coisas. Mas quem clica é o humano, não a máquina. Caso todos preferissem ouvir Villa-Lobos do que procurar tretas da política ou fofocas sobre celebridades, receberiam nas suas redes opções de compositores da América Latina e não manifestações beligerantes e conspiratórias quaisquer, além das novidades sobre o Big Brother Brasil. Não é a máquina, é o humano.

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Por mais de década, o ataque do petismo foi ao PSDB. Eles eram “de direita” (não importava se a base de apoio ao petismo no Congresso fosse à direita dos tucanos), “fascistas”, “não gostavam do povo”, “venderam nosso patrimônio a preço de banana” e por aí seguia o baile com o ápice de o então candidato Geraldo Alckimin, em, 2006, acusado de ter a intenção de privatizar a Petrobras, aparecer publicamente com coletes da petroleira – com o passar dos anos ficou provado que Alckmin interiorizou a crítica de maneira até mesmo surpreendente e, como um Zelig, o personagem de Woody Allen que muda de personalidade a cada circunstância, tornou-se vice-presidente da República.

Com um inimigo à espreita, questões como desenvolvimento, combate à inflação, empregos ou paralisia administrativa podem ficar até em segundo plano nas discussões políticas. Governar assim é politicamente conveniente. Não dura para sempre, porém ajuda a ganhar tempo. Funciona da seguinte maneira: se a situação está desfavorável, culpe o inimigo. Se está favorável, bata o bumbo pelas conquistas e se autocongratule. Prática que poderia estar no guia universal dos administradores públicos.

Para o PT, apontar para um inimigo consta como cláusula pétrea do manual de atuação do partido da estrela vermelha. No governo Lula 3 já tivemos o Banco Central independente culpado pelo baixo crescimento econômico e mesmo o Departamento de Estado americano supostamente responsável por fomentar a Lava Jato (isso deve ser fake news, mas dissertar sobre as fake new petistas exigiria um longo artigo, talvez uma tese acadêmica). O que o governo petista talvez não esperasse é a resistência atual de parte da sociedade ao seus discursos de apontar o dedo para um causador dos males do Brasil.

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Nos ataques ao PSDB não havia quem os defendesse. Bastava dizer que um tucano era de “direita” que eles corriam para o divã. Nos ataques ao Bolsonaro há um contra-ataque imediato. Dizer que são de direita é ouvir como resposta: “somos sim, e daí?”, e segue uma lista de impropérios contra os petistas que incluem termos como bandidos e outros que não convêm escrever aqui. O jogo ficou mais bruto, porém mais equilibrado.

Com Jair Bolsonaro, o inimigo seria até mais fácil de nominar, já que é uma figura que de fato apresenta desapreço à democracia (tentou um golpe de Estado!), tem algo de quase completo incivilizado (nos vídeos que vazam, ele mal consegue concluir uma frase sem enfiar uma palavra de baixo-calão no meio), e teve aquela postura medonha durante a pandemia da covid com relação às vacinas, por exemplo. Mas, na prática, temos um vilão que se defende com um exército de seguidores a ecoá-lo, e isso faz a diferença na arena política.

Nesse Brasil mais entrincheirado, atacar um inimigo que também conta com militantes ativos em sua proteção não irá ajudar no objetivo abertamente declarado do governo de aumentar os níveis de popularidade. Quem está do outro lado do muro permanece imune a qualquer tentativa de convencimento. E quem não está de um lado ou de outro pode perceber que no final das contas está sendo apenas enrolado. O constatável é que quando dois grandes grupos brigam, quem está do lado de fora tem ficado sem energias e sem voluntários para constituir sua própria força política.

O que há em comum entre Lula chamar o ex-presidente Jair Bolsonaro de “covardão” numa reunião ministerial, em a primeira-dama Janja acusar os antecessores de praticamente furtarem móveis do palácio presidencial, algo que se revelou falso e, finalmente, colocar fotos da família desalojada do poder em uma cerimônia de aniversário do Partido dos Trabalhadores? A resposta é: governar nomeando inimigos. Mostrar sempre à sociedade que haveria uma alternativa muito pior do que os atuais mandatários e que é preciso, a todo momento, evitar a volta dessas pessoas vis.

Funcionou bastante na era pós Fernando Henrique Cardoso. Todas as dificuldades enfrentadas eram culpa da famigerada “herança maldita”. Lutava-se para reconstruir o Brasil contra quem o tinha “quebrado três vezes”. Um ou outro lembrava que esse combate ao antecessor era feito sem desmontar o legado deixado – os parâmetros de responsabilidade fiscal ou o modelo dos programas de transferência de renda, que tiveram os nomes mudados, por exemplo. Mas isso era uma tecnicalidade que não teria grande importância no embate político.

Os próprios tucanos, integrantes do partido de FHC, interiorizaram a crítica, e esconderam seu único presidente por um longo tempo. O auge ocorreu em 2010, quando um programa eleitoral do candidato José Serra colocou Lula de maneira elogiosa na TV. Mesmo publicamente, tucanos preferiram atacar tucanos a defender o que construíram.

O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva durante a cerimônia no Palácio do Planalto ao lado da primeira-dama Janja. FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO Foto: Wilton Junior

A crítica e o ataque permanente tem certa razão de ser na política. Examinem nas redes sociais. Postagens hostis a algum inimigo ou adversário repercutem de maneira exponencial. Textos sobre entregas, programas ou obras de uma administração ganham, proporcionalmente, muito menos cliques. Culpam os algoritmos por esse estado de coisas. Mas quem clica é o humano, não a máquina. Caso todos preferissem ouvir Villa-Lobos do que procurar tretas da política ou fofocas sobre celebridades, receberiam nas suas redes opções de compositores da América Latina e não manifestações beligerantes e conspiratórias quaisquer, além das novidades sobre o Big Brother Brasil. Não é a máquina, é o humano.

Por mais de década, o ataque do petismo foi ao PSDB. Eles eram “de direita” (não importava se a base de apoio ao petismo no Congresso fosse à direita dos tucanos), “fascistas”, “não gostavam do povo”, “venderam nosso patrimônio a preço de banana” e por aí seguia o baile com o ápice de o então candidato Geraldo Alckimin, em, 2006, acusado de ter a intenção de privatizar a Petrobras, aparecer publicamente com coletes da petroleira – com o passar dos anos ficou provado que Alckmin interiorizou a crítica de maneira até mesmo surpreendente e, como um Zelig, o personagem de Woody Allen que muda de personalidade a cada circunstância, tornou-se vice-presidente da República.

Com um inimigo à espreita, questões como desenvolvimento, combate à inflação, empregos ou paralisia administrativa podem ficar até em segundo plano nas discussões políticas. Governar assim é politicamente conveniente. Não dura para sempre, porém ajuda a ganhar tempo. Funciona da seguinte maneira: se a situação está desfavorável, culpe o inimigo. Se está favorável, bata o bumbo pelas conquistas e se autocongratule. Prática que poderia estar no guia universal dos administradores públicos.

Para o PT, apontar para um inimigo consta como cláusula pétrea do manual de atuação do partido da estrela vermelha. No governo Lula 3 já tivemos o Banco Central independente culpado pelo baixo crescimento econômico e mesmo o Departamento de Estado americano supostamente responsável por fomentar a Lava Jato (isso deve ser fake news, mas dissertar sobre as fake new petistas exigiria um longo artigo, talvez uma tese acadêmica). O que o governo petista talvez não esperasse é a resistência atual de parte da sociedade ao seus discursos de apontar o dedo para um causador dos males do Brasil.

Nos ataques ao PSDB não havia quem os defendesse. Bastava dizer que um tucano era de “direita” que eles corriam para o divã. Nos ataques ao Bolsonaro há um contra-ataque imediato. Dizer que são de direita é ouvir como resposta: “somos sim, e daí?”, e segue uma lista de impropérios contra os petistas que incluem termos como bandidos e outros que não convêm escrever aqui. O jogo ficou mais bruto, porém mais equilibrado.

Com Jair Bolsonaro, o inimigo seria até mais fácil de nominar, já que é uma figura que de fato apresenta desapreço à democracia (tentou um golpe de Estado!), tem algo de quase completo incivilizado (nos vídeos que vazam, ele mal consegue concluir uma frase sem enfiar uma palavra de baixo-calão no meio), e teve aquela postura medonha durante a pandemia da covid com relação às vacinas, por exemplo. Mas, na prática, temos um vilão que se defende com um exército de seguidores a ecoá-lo, e isso faz a diferença na arena política.

Nesse Brasil mais entrincheirado, atacar um inimigo que também conta com militantes ativos em sua proteção não irá ajudar no objetivo abertamente declarado do governo de aumentar os níveis de popularidade. Quem está do outro lado do muro permanece imune a qualquer tentativa de convencimento. E quem não está de um lado ou de outro pode perceber que no final das contas está sendo apenas enrolado. O constatável é que quando dois grandes grupos brigam, quem está do lado de fora tem ficado sem energias e sem voluntários para constituir sua própria força política.

O que há em comum entre Lula chamar o ex-presidente Jair Bolsonaro de “covardão” numa reunião ministerial, em a primeira-dama Janja acusar os antecessores de praticamente furtarem móveis do palácio presidencial, algo que se revelou falso e, finalmente, colocar fotos da família desalojada do poder em uma cerimônia de aniversário do Partido dos Trabalhadores? A resposta é: governar nomeando inimigos. Mostrar sempre à sociedade que haveria uma alternativa muito pior do que os atuais mandatários e que é preciso, a todo momento, evitar a volta dessas pessoas vis.

Funcionou bastante na era pós Fernando Henrique Cardoso. Todas as dificuldades enfrentadas eram culpa da famigerada “herança maldita”. Lutava-se para reconstruir o Brasil contra quem o tinha “quebrado três vezes”. Um ou outro lembrava que esse combate ao antecessor era feito sem desmontar o legado deixado – os parâmetros de responsabilidade fiscal ou o modelo dos programas de transferência de renda, que tiveram os nomes mudados, por exemplo. Mas isso era uma tecnicalidade que não teria grande importância no embate político.

Os próprios tucanos, integrantes do partido de FHC, interiorizaram a crítica, e esconderam seu único presidente por um longo tempo. O auge ocorreu em 2010, quando um programa eleitoral do candidato José Serra colocou Lula de maneira elogiosa na TV. Mesmo publicamente, tucanos preferiram atacar tucanos a defender o que construíram.

O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva durante a cerimônia no Palácio do Planalto ao lado da primeira-dama Janja. FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO Foto: Wilton Junior

A crítica e o ataque permanente tem certa razão de ser na política. Examinem nas redes sociais. Postagens hostis a algum inimigo ou adversário repercutem de maneira exponencial. Textos sobre entregas, programas ou obras de uma administração ganham, proporcionalmente, muito menos cliques. Culpam os algoritmos por esse estado de coisas. Mas quem clica é o humano, não a máquina. Caso todos preferissem ouvir Villa-Lobos do que procurar tretas da política ou fofocas sobre celebridades, receberiam nas suas redes opções de compositores da América Latina e não manifestações beligerantes e conspiratórias quaisquer, além das novidades sobre o Big Brother Brasil. Não é a máquina, é o humano.

Por mais de década, o ataque do petismo foi ao PSDB. Eles eram “de direita” (não importava se a base de apoio ao petismo no Congresso fosse à direita dos tucanos), “fascistas”, “não gostavam do povo”, “venderam nosso patrimônio a preço de banana” e por aí seguia o baile com o ápice de o então candidato Geraldo Alckimin, em, 2006, acusado de ter a intenção de privatizar a Petrobras, aparecer publicamente com coletes da petroleira – com o passar dos anos ficou provado que Alckmin interiorizou a crítica de maneira até mesmo surpreendente e, como um Zelig, o personagem de Woody Allen que muda de personalidade a cada circunstância, tornou-se vice-presidente da República.

Com um inimigo à espreita, questões como desenvolvimento, combate à inflação, empregos ou paralisia administrativa podem ficar até em segundo plano nas discussões políticas. Governar assim é politicamente conveniente. Não dura para sempre, porém ajuda a ganhar tempo. Funciona da seguinte maneira: se a situação está desfavorável, culpe o inimigo. Se está favorável, bata o bumbo pelas conquistas e se autocongratule. Prática que poderia estar no guia universal dos administradores públicos.

Para o PT, apontar para um inimigo consta como cláusula pétrea do manual de atuação do partido da estrela vermelha. No governo Lula 3 já tivemos o Banco Central independente culpado pelo baixo crescimento econômico e mesmo o Departamento de Estado americano supostamente responsável por fomentar a Lava Jato (isso deve ser fake news, mas dissertar sobre as fake new petistas exigiria um longo artigo, talvez uma tese acadêmica). O que o governo petista talvez não esperasse é a resistência atual de parte da sociedade ao seus discursos de apontar o dedo para um causador dos males do Brasil.

Nos ataques ao PSDB não havia quem os defendesse. Bastava dizer que um tucano era de “direita” que eles corriam para o divã. Nos ataques ao Bolsonaro há um contra-ataque imediato. Dizer que são de direita é ouvir como resposta: “somos sim, e daí?”, e segue uma lista de impropérios contra os petistas que incluem termos como bandidos e outros que não convêm escrever aqui. O jogo ficou mais bruto, porém mais equilibrado.

Com Jair Bolsonaro, o inimigo seria até mais fácil de nominar, já que é uma figura que de fato apresenta desapreço à democracia (tentou um golpe de Estado!), tem algo de quase completo incivilizado (nos vídeos que vazam, ele mal consegue concluir uma frase sem enfiar uma palavra de baixo-calão no meio), e teve aquela postura medonha durante a pandemia da covid com relação às vacinas, por exemplo. Mas, na prática, temos um vilão que se defende com um exército de seguidores a ecoá-lo, e isso faz a diferença na arena política.

Nesse Brasil mais entrincheirado, atacar um inimigo que também conta com militantes ativos em sua proteção não irá ajudar no objetivo abertamente declarado do governo de aumentar os níveis de popularidade. Quem está do outro lado do muro permanece imune a qualquer tentativa de convencimento. E quem não está de um lado ou de outro pode perceber que no final das contas está sendo apenas enrolado. O constatável é que quando dois grandes grupos brigam, quem está do lado de fora tem ficado sem energias e sem voluntários para constituir sua própria força política.

O que há em comum entre Lula chamar o ex-presidente Jair Bolsonaro de “covardão” numa reunião ministerial, em a primeira-dama Janja acusar os antecessores de praticamente furtarem móveis do palácio presidencial, algo que se revelou falso e, finalmente, colocar fotos da família desalojada do poder em uma cerimônia de aniversário do Partido dos Trabalhadores? A resposta é: governar nomeando inimigos. Mostrar sempre à sociedade que haveria uma alternativa muito pior do que os atuais mandatários e que é preciso, a todo momento, evitar a volta dessas pessoas vis.

Funcionou bastante na era pós Fernando Henrique Cardoso. Todas as dificuldades enfrentadas eram culpa da famigerada “herança maldita”. Lutava-se para reconstruir o Brasil contra quem o tinha “quebrado três vezes”. Um ou outro lembrava que esse combate ao antecessor era feito sem desmontar o legado deixado – os parâmetros de responsabilidade fiscal ou o modelo dos programas de transferência de renda, que tiveram os nomes mudados, por exemplo. Mas isso era uma tecnicalidade que não teria grande importância no embate político.

Os próprios tucanos, integrantes do partido de FHC, interiorizaram a crítica, e esconderam seu único presidente por um longo tempo. O auge ocorreu em 2010, quando um programa eleitoral do candidato José Serra colocou Lula de maneira elogiosa na TV. Mesmo publicamente, tucanos preferiram atacar tucanos a defender o que construíram.

O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva durante a cerimônia no Palácio do Planalto ao lado da primeira-dama Janja. FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO Foto: Wilton Junior

A crítica e o ataque permanente tem certa razão de ser na política. Examinem nas redes sociais. Postagens hostis a algum inimigo ou adversário repercutem de maneira exponencial. Textos sobre entregas, programas ou obras de uma administração ganham, proporcionalmente, muito menos cliques. Culpam os algoritmos por esse estado de coisas. Mas quem clica é o humano, não a máquina. Caso todos preferissem ouvir Villa-Lobos do que procurar tretas da política ou fofocas sobre celebridades, receberiam nas suas redes opções de compositores da América Latina e não manifestações beligerantes e conspiratórias quaisquer, além das novidades sobre o Big Brother Brasil. Não é a máquina, é o humano.

Por mais de década, o ataque do petismo foi ao PSDB. Eles eram “de direita” (não importava se a base de apoio ao petismo no Congresso fosse à direita dos tucanos), “fascistas”, “não gostavam do povo”, “venderam nosso patrimônio a preço de banana” e por aí seguia o baile com o ápice de o então candidato Geraldo Alckimin, em, 2006, acusado de ter a intenção de privatizar a Petrobras, aparecer publicamente com coletes da petroleira – com o passar dos anos ficou provado que Alckmin interiorizou a crítica de maneira até mesmo surpreendente e, como um Zelig, o personagem de Woody Allen que muda de personalidade a cada circunstância, tornou-se vice-presidente da República.

Com um inimigo à espreita, questões como desenvolvimento, combate à inflação, empregos ou paralisia administrativa podem ficar até em segundo plano nas discussões políticas. Governar assim é politicamente conveniente. Não dura para sempre, porém ajuda a ganhar tempo. Funciona da seguinte maneira: se a situação está desfavorável, culpe o inimigo. Se está favorável, bata o bumbo pelas conquistas e se autocongratule. Prática que poderia estar no guia universal dos administradores públicos.

Para o PT, apontar para um inimigo consta como cláusula pétrea do manual de atuação do partido da estrela vermelha. No governo Lula 3 já tivemos o Banco Central independente culpado pelo baixo crescimento econômico e mesmo o Departamento de Estado americano supostamente responsável por fomentar a Lava Jato (isso deve ser fake news, mas dissertar sobre as fake new petistas exigiria um longo artigo, talvez uma tese acadêmica). O que o governo petista talvez não esperasse é a resistência atual de parte da sociedade ao seus discursos de apontar o dedo para um causador dos males do Brasil.

Nos ataques ao PSDB não havia quem os defendesse. Bastava dizer que um tucano era de “direita” que eles corriam para o divã. Nos ataques ao Bolsonaro há um contra-ataque imediato. Dizer que são de direita é ouvir como resposta: “somos sim, e daí?”, e segue uma lista de impropérios contra os petistas que incluem termos como bandidos e outros que não convêm escrever aqui. O jogo ficou mais bruto, porém mais equilibrado.

Com Jair Bolsonaro, o inimigo seria até mais fácil de nominar, já que é uma figura que de fato apresenta desapreço à democracia (tentou um golpe de Estado!), tem algo de quase completo incivilizado (nos vídeos que vazam, ele mal consegue concluir uma frase sem enfiar uma palavra de baixo-calão no meio), e teve aquela postura medonha durante a pandemia da covid com relação às vacinas, por exemplo. Mas, na prática, temos um vilão que se defende com um exército de seguidores a ecoá-lo, e isso faz a diferença na arena política.

Nesse Brasil mais entrincheirado, atacar um inimigo que também conta com militantes ativos em sua proteção não irá ajudar no objetivo abertamente declarado do governo de aumentar os níveis de popularidade. Quem está do outro lado do muro permanece imune a qualquer tentativa de convencimento. E quem não está de um lado ou de outro pode perceber que no final das contas está sendo apenas enrolado. O constatável é que quando dois grandes grupos brigam, quem está do lado de fora tem ficado sem energias e sem voluntários para constituir sua própria força política.

O que há em comum entre Lula chamar o ex-presidente Jair Bolsonaro de “covardão” numa reunião ministerial, em a primeira-dama Janja acusar os antecessores de praticamente furtarem móveis do palácio presidencial, algo que se revelou falso e, finalmente, colocar fotos da família desalojada do poder em uma cerimônia de aniversário do Partido dos Trabalhadores? A resposta é: governar nomeando inimigos. Mostrar sempre à sociedade que haveria uma alternativa muito pior do que os atuais mandatários e que é preciso, a todo momento, evitar a volta dessas pessoas vis.

Funcionou bastante na era pós Fernando Henrique Cardoso. Todas as dificuldades enfrentadas eram culpa da famigerada “herança maldita”. Lutava-se para reconstruir o Brasil contra quem o tinha “quebrado três vezes”. Um ou outro lembrava que esse combate ao antecessor era feito sem desmontar o legado deixado – os parâmetros de responsabilidade fiscal ou o modelo dos programas de transferência de renda, que tiveram os nomes mudados, por exemplo. Mas isso era uma tecnicalidade que não teria grande importância no embate político.

Os próprios tucanos, integrantes do partido de FHC, interiorizaram a crítica, e esconderam seu único presidente por um longo tempo. O auge ocorreu em 2010, quando um programa eleitoral do candidato José Serra colocou Lula de maneira elogiosa na TV. Mesmo publicamente, tucanos preferiram atacar tucanos a defender o que construíram.

O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva durante a cerimônia no Palácio do Planalto ao lado da primeira-dama Janja. FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO Foto: Wilton Junior

A crítica e o ataque permanente tem certa razão de ser na política. Examinem nas redes sociais. Postagens hostis a algum inimigo ou adversário repercutem de maneira exponencial. Textos sobre entregas, programas ou obras de uma administração ganham, proporcionalmente, muito menos cliques. Culpam os algoritmos por esse estado de coisas. Mas quem clica é o humano, não a máquina. Caso todos preferissem ouvir Villa-Lobos do que procurar tretas da política ou fofocas sobre celebridades, receberiam nas suas redes opções de compositores da América Latina e não manifestações beligerantes e conspiratórias quaisquer, além das novidades sobre o Big Brother Brasil. Não é a máquina, é o humano.

Por mais de década, o ataque do petismo foi ao PSDB. Eles eram “de direita” (não importava se a base de apoio ao petismo no Congresso fosse à direita dos tucanos), “fascistas”, “não gostavam do povo”, “venderam nosso patrimônio a preço de banana” e por aí seguia o baile com o ápice de o então candidato Geraldo Alckimin, em, 2006, acusado de ter a intenção de privatizar a Petrobras, aparecer publicamente com coletes da petroleira – com o passar dos anos ficou provado que Alckmin interiorizou a crítica de maneira até mesmo surpreendente e, como um Zelig, o personagem de Woody Allen que muda de personalidade a cada circunstância, tornou-se vice-presidente da República.

Com um inimigo à espreita, questões como desenvolvimento, combate à inflação, empregos ou paralisia administrativa podem ficar até em segundo plano nas discussões políticas. Governar assim é politicamente conveniente. Não dura para sempre, porém ajuda a ganhar tempo. Funciona da seguinte maneira: se a situação está desfavorável, culpe o inimigo. Se está favorável, bata o bumbo pelas conquistas e se autocongratule. Prática que poderia estar no guia universal dos administradores públicos.

Para o PT, apontar para um inimigo consta como cláusula pétrea do manual de atuação do partido da estrela vermelha. No governo Lula 3 já tivemos o Banco Central independente culpado pelo baixo crescimento econômico e mesmo o Departamento de Estado americano supostamente responsável por fomentar a Lava Jato (isso deve ser fake news, mas dissertar sobre as fake new petistas exigiria um longo artigo, talvez uma tese acadêmica). O que o governo petista talvez não esperasse é a resistência atual de parte da sociedade ao seus discursos de apontar o dedo para um causador dos males do Brasil.

Nos ataques ao PSDB não havia quem os defendesse. Bastava dizer que um tucano era de “direita” que eles corriam para o divã. Nos ataques ao Bolsonaro há um contra-ataque imediato. Dizer que são de direita é ouvir como resposta: “somos sim, e daí?”, e segue uma lista de impropérios contra os petistas que incluem termos como bandidos e outros que não convêm escrever aqui. O jogo ficou mais bruto, porém mais equilibrado.

Com Jair Bolsonaro, o inimigo seria até mais fácil de nominar, já que é uma figura que de fato apresenta desapreço à democracia (tentou um golpe de Estado!), tem algo de quase completo incivilizado (nos vídeos que vazam, ele mal consegue concluir uma frase sem enfiar uma palavra de baixo-calão no meio), e teve aquela postura medonha durante a pandemia da covid com relação às vacinas, por exemplo. Mas, na prática, temos um vilão que se defende com um exército de seguidores a ecoá-lo, e isso faz a diferença na arena política.

Nesse Brasil mais entrincheirado, atacar um inimigo que também conta com militantes ativos em sua proteção não irá ajudar no objetivo abertamente declarado do governo de aumentar os níveis de popularidade. Quem está do outro lado do muro permanece imune a qualquer tentativa de convencimento. E quem não está de um lado ou de outro pode perceber que no final das contas está sendo apenas enrolado. O constatável é que quando dois grandes grupos brigam, quem está do lado de fora tem ficado sem energias e sem voluntários para constituir sua própria força política.

Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

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