Hoje se completa um ano da realização do segundo turno das eleições que reelegeram Luiz Inácio Lula da Silva pela terceira vez. O País entrou de fato em uma rota de normalização institucional a partir do momento em que não temos mais um mandatário que, dia sim e no outro dia também sim, questiona a Justiça, o sistema eleitoral, debocha de problemas como no caso a pandemia, insufla seguidores, ataca a imprensa, e provoca confusões em geral.
Claro que o presidente Lula tem seus escorregões, como ser um quase-aliado do autocrata imperialista russo Vladimir Putin; afagar o ditador Venezuelano Nicolas Maduro; dar declarações ambíguas sobre responsabilidade fiscal; ou abrir espaços de poder aos fisiológicos de sempre, nesse caso talvez por falta de opções. Mas os baderneiros da turma do fundão saíram da cabine de comando, por enquanto. A questão não resolvida do combate ao déficit público pode até ser um pé de barro a colocar tudo a perder, as ideias econômicas de muita gente graúda do Partido dos Trabalhadores podem recolocar o Brasil em nova crise atroz, mas o governo segue no seu arroz com feijão com poucos sobressaltos.
As qualificações ideológicas costumam ser falhas ou insuficientes, mas temos um governo de centro-esquerda, mais para o centro do que à esquerda devido ao arco de alianças. Tinham razão até agora aqueles que negavam o uso do termo “polarização” para definir o País. Também, ao contrário do que prediziam os acampados de porta do quartel, não parece haver uma marcha para a instalação de uma ditadura comunista no Brasil, com o triunfo da ideologia de gênero e outras obsessões dos reacionários. Inclusive, com o atual Congresso, qualquer pauta “progressista” de costumes tem pouca chance de prosperar. O grande inimigo dos reaças é hoje o proativo Supremo Tribunal Federal.
A gritaria continua na Câmara e nas redes sociais, mas o Brasil não está em chamas. Como o governo Bolsonaro foi mais de destruição do que de construção (a agenda modernizante de Paulo Guedes acabou por ser mais tímida do que inicialmente se pretendia), a atual gestão segue em busca de desmontar o legado do governo Temer. Querem acabar com o teto de gastos, com a Lei das Estatais, com o marco do saneamento, com a reforma do ensino médio, e com a reforma trabalhista. O ministro da Previdência, Carlos Lupi, chegou a vociferar contra a reforma da Previdência, aprovada na era Bolsonaro, mas com o debate iniciado na era Temer. Como brigar contra a demografia e a matemática seria um pouco demais, Lupi levou o devido cala-boca.
Nesse cenário, com a inelegibilidade de Jair Bolsonaro decidida pelo TSE , a direita/centro-direita tem seus nomes no cardápio. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), um dia precisará escolher se deixará o Estado mais rico do Brasil para travar batalha provavelmente contra Lula. Romeu Zema (Novo) também se movimenta e já percebeu que seu jeito típico de ser não faz tanto sucesso fora das montanhas de Minas. Ratinho Júnior (PSD), do Paraná, está discretamente no aguardo por uma convocação. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), avisou que quer concorrer.
E o centro brasileiro? Não o Centrão, mas o auto-denominado centro-democrático. Onde está, onde se encontra? Na verdade anda escondido. Numa jogada política habilidosa, Lula conquistou a candidata à presidente pelo MDB, Simone Tebet, nomeando-a para o ministério do Planejamento. Não se fala mais de Tebet como postulante à Presidência. Fora do páreo. Com três ministérios, provavelmente o MDB seguirá com o PT em 2026.
Mesmo tendo conquistado a presidência do PSDB, que agora pode abandonar por não ter pacificado o partido, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, ainda não conseguiu se colocar perante a sociedade. Num momento em que ser candidato exige uma dedicação ininterrupta, foi bastante discreto e praticamente não se posicionou com a assertividade necessária dos nossos tempos velozes das redes sociais sobre os principais temas dos debates brasileiros. Pesa o fato de que um governador no Brasil, de qualquer Estado, ser um eterno dependente dos recursos do governo federal. Mas a verdade é que Eduardo Leite tem sido cada vez menos citado como um aspirante viável ao Palácio do Planalto. Não há outros centristas à vista?
O que significa esse inverno do centro político brasileiro? Expressa na verdade um risco potencial. Caso o governo atual fracasse, a opção dos brasileiros pode recair novamente para um nome que represente o reacionarismo latente de parcela considerável da sociedade. Alguém do núcleo duro de asseclas, que Bolsonaro pode tirar da manga a qualquer momento, deixando a ver navios os direitistas moderados. Como ocorreu em 2018 e 2022, os poucos eleitores ainda de centro, que na verdade decidem o jogo numa sociedade dividida, acabarão dando um voto para esse radical.
Nos tempos de hiperinflação, dizia-se que o Brasil vivia o “efeito Orloff” da Argentina. Como uma ressaca da vodka, os equívocos do país vizinho eram repetidos aqui e, por óbvio, davam errado. Com o fracasso da política econômica argentina, há o risco de elegerem o radical Javier Milei, que parece não haver nem consenso de como pode ser qualificado: direitista, Bolsonaro argentino, ultra-liberal, libertário – porém assentem quando é chamado de louco.
Se o atual governo brasileiro malograr há o risco de duplo efeito Orloff caso a Argentina prefira Milei. Com o centro destruído, escolhemos Bolsonaro em 2018. Mesmo com o Brasil tendo mudado de rota em 2022, os vizinhos optam pelo indômito da vez em 2023. Em sequência, elegemos, em 2026, o agitador ou agitadora bolsonarista de plantão, numa trajetória excruciantes de populistas irresponsáveis no poder.