Essa não é uma coluna sobre questões jurídicas. Mas sobre merecimento. Sobre os castigos adequados como aprendizado para condutas inadequadas das figuras públicas. Nesse sentido, o que merece um ex-presidente da República que cogitou dar um golpe militar para continuar ilegalmente no poder por meio da força bruta a não ser a cadeia? Atualmente o ex-presidente e seus asseclas nem negam mais quais eram suas intenções, apenas tentam colocar o crime dentro de outras molduras, como a de ter cogitado um “estado de sítio”, algo assim. Mas o que fizeram, ou mesmo tiveram a intenção de fazer, além de começarem a executar, é algo que obriga ao castigo, a enviar a todos por um longo tempo para o xilindró.
Mas vivemos no Estado de Direito. Nesse sentido Bolsonaro deve ter acesso a toda defesa possível e pode ser que escape ileso, em hipótese. Pulularam uma série de juristas para dizer que, apesar do plano para destruir a democracia brasileira ser repudiável, etc., na verdade o que houve não pode ser tipificado como um crime. É como se admitissem, veja, que o direito pode ser o refúgio dos canalhas. Numa adaptação aqui da frase do escritor inglês Samuel Johnson, que na verdade se referia ao uso cínico do patriotismo para justificar o injustificável.
Mesmo com o risco de cair na satírica lei Godwin - que considera toda a referência ao nazismo numa discussão como uma carta apelativa – vale agora lembrar do livro “Eichmann em Jerusalém - um relato sobre a banalidade do mal”, de Hannah Arendt. Durante seu julgamento, o responsável por gerir toda a deportação em massa para operar o extermínio dos judeus, Adolf Eichmann, alegou inocência. Agia dentro do ordenamento jurídico de seu país e cumpria ordens. Homem cumpridor de seus deveres, podia até ser considerado um homem de bem pelos autodenominados patriotas brasileiros. Aliás, sempre desconfie de quem alega “cumprir ordens” ou seguir as regras quando tenta defender algo reprovável.
Estamos agora numa espécie de epidemia de desculpas para justificar o malfeito de Bolsonaro. “Olha, tentar um golpe e não ir à frente é o mesmo que tentar que matar alguém e desistir”, dizem uns, trocando as bolas nas tipificações do Código Penal. “Veja bem, o artigo 142 da Constituição permite a intervenção militar”, afirmam outros, distorcendo que a intenção do texto era proteger a República, e não a desmantelar. “A tentativa de execução do golpe é menor do que o atentado ao Direito que ocorre hoje no Brasil”, lamentou outro, sem ir à conclusão lógica de que o golpe tem como fim aniquilar esse mesmo Estado de Direito que ele diz querer proteger.
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E tem a frase clássica: “Ah, mas o Lula, que roubou bilhões, está solto”, dita por uma daquelas senhoras com a Bíblia na mão da qual não se deve duvidar das boas intenções. Sem entrar no mérito da questão, a resposta aqui não vai agradar a seita petista. Ora, imaginemos uma cidade com dois bandidos soltos. Pelo menos um estar preso é melhor do que ambos soltos. Dito isso sabemos que Lula não foi absolvido, mas que os casos foram arquivados, prescritos em decisões que parecem ter algo de tramas político-jurídicas. Essa é uma lacuna de nossa história.
Mas por um segundo vamos nos imaginar na cabeça desses infelizes que estavam nos acampamentos que terminaram no vandalismo do dia 8 de janeiro de 2023. Para eles a eleição foi fraudada com a anuência da nossa Suprema Corte para que uma quadrilha com tendências comunistas voltassem ao poder. A tentação de chamar a todos de zumbis políticos é enorme, o que segura é saber que ainda são milhões. De qualquer maneira foram instigados por Bolsonaro a agir assim. E, também por isso, ele merece a prisão.
O ex-presidente, hoje sem direitos políticos, merece o cárcere de um ponto de vista moral, não exatamente do Estado de Direito (pelo qual pode até ser absolvido, o que teríamos que aceitar). Nunca percamos de vista, entretanto, que, ao que tudo indica, o golpe não foi para a frente porque parte da Cúpula das Forças Armadas evitou a acompanhar o presidente e seus assessores marginais numa aventura inconsequente – essa lacuna também ainda precisa ser melhor preenchida.
O ponto é: Jair Bolsonaro, o mesmo que saiu do Exército após a acusação de querer explodir o sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro, agora precisa sair definitivamente da vida pública, e da vida com os cidadãos livres, ao querer explodir a democracia. No primeiro caso, escapou e o país paga o preço de um reincidente no crime. Não merece perdão duas vezes. Existe até alegação cínica: “Mas aparecerão outros Bolsonaros”. Ok, faz sentido dizer que Bolsonaro, assim como Lula, é uma ideia. Mas se esse novo Bolsonaro transgredir deverá ser preso também, para evitar um mal pior.