A cada dia dezenas de pessoas atravessam a divisa do município de Santa Elena de Uairén, na Venezuela, e chegam a Pacaraima, em território brasileiro. Se somam aos cerca de 7 milhões que abandonaram a ditadura caribenha para fugir da fome, da humilhação, da falta de perspectivas. É notável que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha falado sobre a Ucrânia, sobre a Palestina e até sobre a África, no tradicional discurso de abertura da Assembleia da ONU, e tenha ignorado uma das poucas questões mundiais que deveria ser de sua responsabilidade resolver: a escalada da crise humanitária no país governado por Nicolás Maduro.
Talvez porque até hoje, mesmo com tantas evidências e mesmo comprovações de fraudes, no fundo de sua mente, ainda se sinta amigo e aliado de Maduro, a quem quer proteger por afinidades ideológicas. Até porque hoje o silêncio, na prática, é um sinal de endosso ao vizinho. O que o líder bolivariano mais quer atualmente é que seu país saia da pauta dos debates mundiais e ele possa oprimir a sua população em paz.
Talvez também porque Lula tenha toda a consciência de que a situação arruinada da Venezuela ocorreu com a conivência e mesmo o apoio velado seu e de seu partido. Vamos lembrar que em 2013 Lula gravou programa eleitoral em apoio a Maduro. Relembremos que em 2023 recebeu o ditador com pompa e cerimônia em Brasília e ainda pediu que o colega revertesse a “narrativa” que falavam contra ele. Lembremos que, em julho deste ano, o Partido dos Trabalhadores rapidamente reconheceu a vitória de Maduro.
Por sorte de Lula, Pacaraima é uma cidade remota até mesmo para os padrões de Roraima. Os últimos quilômetros da estrada federal para chegar até lá, a BR-174, partindo de Boa Vista, estão arruinados, tomados pelos buracos. Daí as famílias que descem carregando crianças, com sacolas, com os homens sem camisa para enfrentar o calor, sejam na prática invisíveis para a maioria dos brasileiros, sobretudo os de Brasília e os do Sudeste.
Em Boa Vista, os venezuelanos são acolhidos pela população e ocupam vagas como as de atendente de farmácia, de garçons, de recepcionistas de hotel, de cabelereiros — algumas vezes com qualificação para serem médicos, engenheiros ou advogados em seu país de origem. Hoje, estima-se que Boa Vista tenha 60 mil venezuelanos, o que pressiona os sistemas de saúde e educação da capital — sem a ajuda devida nem do governo federal nem de organizações internacionais.
O discurso de Lula nas Nações Unidas, com seu silêncio sobre a Venezuela, revela uma hipocrisia. Que não se importa de verdade com os que mais sofrem. Porque, ao condenar guerras, genocídios e injustiças ao redor do mundo, deliberadamente deixou de falar sobre o que ocorre em seu quintal.