É desafiador essa atividade de primeira-dama, em qualquer lugar do mundo. É um espaço social em que algumas mulheres chegam não exatamente por seus próprios méritos – não envolve escolha popular direta. Por outro, lhe permite não só o acesso ao poder, mas também exercer invejável autoridade. E, vamos ser francos: é uma força que se conquista pela posição do marido (para ir ao identitarês, em geral um homem rico e branco). Nossas sociedades concederem uma enorme influência às primeiras-damas ainda hoje, não por suas trajetórias, mas por quem são casadas, é uma evidência de que o machismo continua presente e atuante nas relações cotidianas.
É nessa posição difícil que a nossa atual primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, precisa atuar. Ela recusou o papel tradicional destinado a essas mulheres, de ser responsável pelos programas assistencialistas, e decidiu, certamente de maneira conjunta com o atual presidente, ser uma espécie de comandatária da nação brasileira. Sua missão autoconcedida foi “ressignificar” a função, o que não se sabe exatamente o que significa – fora aproximar Lula do mundo dos influencers e das redes sociais. Consta até que atende o telefone pessoal do titular do Palácio do Planalto, para aflição dos velhos amigos sindicalistas.
Rosângela optou por uma função diferente de Michelle Bolsonaro, que talvez tenha tentado fazer uma ponte entre o ex-presidente e o público evangélico – o que significou até uma aspiração por uma nação teocrática. A anterior, Marcella Temer, resolveu de fato abraçar o discreto papel de bela, recatada e “do lar”, o que certamente lhe poupou de muitos problemas, mas não das maledicências.
Marisa Letícia, ao que consta, sempre exerceu o poder, mas longe dos holofotes – pode ser até que tenha nomeado um ministro do Supremo. Ruth Cardoso, que foi além da assistência social e implantou os programas de transferência direta de renda no governo federal que resultaram no Bolsa Família, tinha uma formação intelectual que a ombreava com FHC. Temos ainda o caso de Rosanne Collor, humilhada publicamente pelo marido quando os órgãos assistenciais que comandava se envolveram em atividades suspeitas.
Não temos na nossa história, por outro lado, uma experiência de primeiro-marido para fazermos uma comparação. Ao redor do mundo, quando uma mulher chega ao poder, esse homem não costuma ser levado muito em conta politicamente. Aliás, quem foi o marido da ex-primeira-dama da Alemanha, Angela Merkel, mesmo? Que papel teve em seu longo governo? Qual o papel do homem casado com a pessoa mais poderosa de uma nação? O que ele adquire? Uma chefe de Estado mulher não tem o poder de tornar o marido também uma autoridade? Também machismo.
Por ter sua força escorada não em si mesma, mas num marido, é mais ou menos previsível que tudo que saia da boca de Janja será submetido a forte escrutínio. Soma-se a isso que pode ser que a nossa primeira-dama seja, sim, viciada em holofotes (estaria esse autor indo além da conta ao sugerir que ela parece se mostrar deslumbrada com o que vive?). Tome-se como tempero que palácios de governo são lugares de ciúme e intriga, e quanto mais próximo do presidente mais alvo se torna.
Tudo isso aí se torna uma receita perfeita para derrapagens como a tal ofensa de Janja ao empresário Elon Musk. A rebordosa será imensa e o ambiente de paranoia irá prevalecer. Sobre todos os ministros e palacianos que a defenderem, na verdade, pesará a suspeita de que queriam bajular Lula (já que a primeira-dama, na verdade, numa sociedade preconceituosa, não existe por si mesma). E, por óbvio, a oposição vai partir para cima com sangue nos olhos.
Logo, quando se tem muito poder, quando essa mesma força não é considerada legítima (por se basear em premissas machistas e não de trajetória), só haveria um conselho a ser dado a uma primeira-dama: use seu arbítrio com sabedoria e moderação.