BRASÍLIA. A três dias de passar o comando Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para o ministro Alexandre de Moraes, o presidente Edson Fachin divulgou uma carta sobre os manifestos em defesa da democracia que serão lidos nesta quinta-feira, 11, nas arcadas da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Em tom contundente, o ministro escreveu que a defesa da ordem democrática e da dignidade humana “impõe a rejeição categórica do flertar com o retrocesso”.
Num recado ao presidente Jair Bolsonaro (PL), que tem encampado discursos anti-urnas e atentatórios ao regime democrático, Fachin escreveu, sem citar o nome do chefe do Executivo, que a sociedade não pode adiar “a coibição de práticas desinformativas que pretendem, com perfumaria retórica e pretextos inventados, justificar a injustificável rejeição do julgamento popular”. A manifestação do ministro no documento ecoa discursos recentes, nos quais argumentou que políticos que colocam em xeque a confiança do sistema eleitoral, na verdade, temem a derrota nas urnas.
“Cumpre, nesse passo, reavivar a cidadania e reafirmar o compromisso democrático, evidenciando, com energia, os prejuízos sociais ocasionados por narrativas falsas que poluem o espaço cívico e semeiam o conflito, drenando a tolerância, espargindo insegurança e, desse modo, minando a estabilidade política e o clima de normalidade das eleições nacionais”, escreveu o presidente do TSE.
A carta de Fachin em apoio aos movimentos pró-democracia que ocorrem nesta quinta surge num contexto de escalada da crise com o Ministério da Defesa e o alto comando militar. Na última quarta-feira, 10, o ministro Paulo Sérgio Nogueira, que comanda a pasta da Defesa, informou ao TSE que não enviaria um substituto para o cargo do coronel Roberto Sant´Anna — expulso por Fachin e Alexandre de Moraes do grupo de trabalho militar que inspeciona os códigos-fontes das urnas eletrônicas na sede do tribunal. O oficial havia feito publicações contra o sistema eleitoral e em defesa de Bolsonaro nas redes sociais.
Diante da decisão de Fachin, a Defesa dobrou a retórica e enviou ao TSE um pedido para que autorizasse a indicação de mais nove oficiais militares para fazer a inspeção das urnas. É nessa conjuntura de crise prolongada com o Executivo que Fachin escreveu na carta ser fundamental reafirmar “o compromisso democrático, evidenciando, com energia, os prejuízos sociais ocasionados por narrativas falsas que poluem o espaço cívico e semeiam o conflito”.
Como mostrou o Estadão, os militares passaram a reproduzir o discurso bolsonarista em dezenas de questionamentos feitos ao TSE nos últimos meses. Além de ofícios com pedidos de informação, as Forças Armadas passaram a reivindicar uma atuação mais ativa no processo eleitoral, exigindo até mesmo novos métodos de realização do chamado teste de integridade e colocando em dúvida sua adesão ao processo de lacração das urnas, que demonstra a inviolabilidade dos códigos inspecionados anteriormente.
A seguir a íntegra da mensagem de Fachin:
MENSAGEM DE 11 DE AGOSTO
pelo Ministro Edson Fachin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral
Em um momento decisivo para a história da República, a preservação da paz, das instituições democráticas e do regime de liberdades endereça uma causa inapelável e urgente, a demandar uma vigilância ativa e perseverante por parte de todos os segmentos públicos e sociais.
A defesa da ordem constitucional e, consequentemente, da dignidade humana, impõe a rejeição categórica do flertar com o retrocesso e, com isso, a recusa incondicionada e a improtelável coibição de práticas desinformativas que pretendem, com perfumaria retórica e pretextos inventados, justificar a injustificável rejeição do julgamento popular.
Cumpre, nesse passo, reavivar a cidadania e reafirmar o compromisso democrático, evidenciando, com energia, os prejuízos sociais ocasionados por narrativas falsas que poluem o espaço cívico e semeiam o conflito, drenando a tolerância, espargindo insegurança e, desse modo, minando a estabilidade política e o clima de normalidade das eleições nacionais.
Ao longo de quase um século, a Justiça Eleitoral tem assegurado, com desempenho sobressalente, a integridade de mecânicas elementares para o processamento pacífico dos dissensos coletivos, permitindo a circulação do poder em estrita consonância com a vontade do povo, sem fraudes ou traumas sociais.
A inexistência de fraudes é um dado observável, facilmente constatado a partir da aplicação de procedimentos de conferência previstos em lei. Há, para tanto, ferramentas tecnológicas e jurídicas aptas à solução de dúvidas, pelo que inexistem razões lógicas, éticas ou legais para que se defenda, com malabarismos argumentativos, a falência do Estado constitucional, com a destituição, pela força bruta, do controle eleitoral atribuído às maiorias.
É preciso respeitar a história incauta dos tribunais eleitorais, demonstrada por seu longevo papel de agentes da paz e garantes fiéis do poder e da voz das cidadãs e dos cidadãos, dos tempos da urna de lona à era do voto eletrônico, referendado, reiteradamente, por especialistas independentes, como um paradigma de integridade para todo o mundo.
É necessário levar a Constituição a sério, defender, obstinadamente, a posição soberana – e sagrada – da cidadania.
Defender as eleições é preservar o cerne vital da agenda democrática, que, acima das cisões ideológicas, alinha, harmonicamente, os interesses de uma gente almeja e merece buscar a prosperidade em uma comunidade pacífica, civilizada e livre.