‘Faltam à esquerda líderes para dialogar com o Brasil atual’, diz cientista político sobre eleições


Para Jairo Nicolau, professor da FGV, a ausência de novas lideranças na esquerda capazes de se conectar com o novo perfil do eleitorado explica o desempenho eleitoral aquém do esperado desse campo político: ‘Eleitor vota em líderes, não em partidos’

Por Hugo Henud
Foto: MARCOS DE PAULA/ESTADÃO
Entrevista comJairo Nicolaucientista político

A esquerda brasileira enfrenta um desafio crucial: a falta de renovação de lideranças capazes de dialogar com o novo perfil do eleitorado, especialmente em um País onde as personalidades políticas têm mais peso que os programas partidários. A avaliação é do cientista político e professor da FGV, Jairo Nicolau, que aponta que o eleitor se conecta mais com figuras carismáticas capazes de traduzir seus anseios do que com ideias ou plataformas de governo. ‘O brasileiro escolhe candidatos por afinidade pessoal, não por propostas’, afirma Nicolau, destacando que, enquanto nomes à direita ocupam esse espaço, partidos como PT e PSOL vêm perdendo terreno em segmentos nos quais antes tinham força, como periferias, jovens e evangélicos — o que explica o desempenho eleitoral aquém do esperado dessas siglas nas eleições municipais.

Em entrevista ao Estadão, Nicolau avalia que, embora o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), saia fortalecido destas eleições, esse desempenho não garante, necessariamente, sucesso nas eleições majoritárias de 2026. Como exemplo, o cientista político cita João Doria, que governou São Paulo de 2019 a 2022 e chegou a lançar sua pré-candidatura à Presidência naquele ano, mas não conseguiu viabilizar-se na disputa. “Prefiro relativizar a ideia de que vitórias ou nomes fortes com articulações — como é o caso de Tarcísio — nas eleições municipais sejam preditores de sucesso nas eleições seguintes”, pontua.

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Quanto à projeção para 2026 e aos “recados” das urnas nestas eleições, Nicolau ressalta que o alto volume de recursos destinados por meio de emendas parlamentares, direcionadas por deputados federais e senadores a seus redutos eleitorais, representa um obstáculo à renovação política, ao colocar esses políticos em vantagem competitiva para a reeleição daqui a dois anos. “Nunca tivemos uma legislatura como esta, em que deputados e senadores distribuem tanto recurso para suas bases”, completa.

Jairo Nicolau, cientista político e professor da FGV. Foto: Marcos de Paula/Estadão

Confira a seguir a íntegra da entrevista concedida ao Estadão:

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A esquerda enfrentou dificuldades em várias capitais e grandes centros urbanos. Na sua avaliação, o que explica essa perda de terreno, especialmente em regiões que antes eram redutos tradicionais desse campo político?

Vou trazer um elemento que me parece crucial para a esquerda hoje: a ausência de lideranças. O que está faltando à esquerda são justamente novas lideranças, mais do que ideias, porque o Brasil não é um país onde as pessoas votam em partidos pelas ideias. Um exemplo disso são as novas lideranças da direita, como Nikolas Ferreira. São muitas lideranças de direita que estão surgindo nos últimos anos. Por outro lado, quantos jovens com menos de 40 anos existem entre as lideranças de esquerda? Quase nenhum. Veja as eleições em São Paulo: a discussão na capital paulista gira em torno de três personagens – Nunes, Boulos e Marçal. Quer dizer, quem falou em partido, quem falou em doutrina em São Paulo? Ninguém. No caso de Marçal, não é sobre suas ideias, mas sim sobre ele como figura, como pessoa física, que atraiu o eleitorado. Quem fala em partido? Quem fala em programa? São os nomes que se destacam: Lula, Jair Bolsonaro, Pablo Marçal, Ricardo Nunes, Guilherme Boulos, Nikolas. Faltam à esquerda líderes para dialogar com o Brasil atual.

E quanto ao desempenho do PT nessas eleições? Há uma percepção de que políticas públicas assistencialistas, por exemplo, já não são suficientes para assegurar a adesão eleitoral.

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Os partidos de esquerda, diante do insucesso em algumas cidades e de certo cansaço com políticas públicas do governo Lula, precisam fazer um balanço. Mas, se me perguntassem o que eu sugeriria para um partido de esquerda formar novos quadros ou discutir propostas para o Brasil, eu diria: formar novas lideranças. O eleitor vota em líderes, não em partidos.

Quem são, hoje, os nomes do PT? Faltam às siglas de esquerda lideranças emergentes que possam se comunicar, nas cidades e nas câmaras, com um Brasil que mudou. Um país onde as pessoas são mais escolarizadas, mais religiosas; onde a elite é menos homogênea racialmente — ainda majoritariamente branca, mas em transformação. Um Brasil em que as pessoas se conectam pelas redes sociais e por novos meios. Esse novo Brasil demanda novas lideranças. Aqui, os partidos dependem de líderes mais do que em outros países, e o que falta à esquerda, mais que programas, são lideranças capazes de se conectar com o novo perfil do eleitorado. O brasileiro escolhe candidatos por afinidade pessoal, não por propostas.

Faltam às siglas de esquerda lideranças emergentes que possam se comunicar, nas cidades e nas câmaras, com um Brasil que mudou. Um país onde as pessoas são mais escolarizadas, mais religiosas; onde a elite é menos homogênea racialmente.

Jairo Nicolau

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Qual partido conseguiu, de fato, dialogar melhor com os eleitores evangélicos nessas eleições? Os resultados mostram que partidos de centro e direita tiveram mais sucesso nesse público. Quais fatores ajudam a explicar esse desempenho?

Esse é um fenômeno recente. Nem sempre a esquerda teve dificuldades. Lula já foi eleito presidente com o apoio das principais denominações evangélicas, em 2002 e 2006. O que aconteceu é que parte da agenda comportamental, antes pouco politizada, foi politizada e atraiu os evangélicos para a direita. E isso ocorreu porque a direita apresentou líderes que dialogam diretamente com esse segmento, enquanto a esquerda não apresentou quase nenhum representante no segmento. Sabe como os partidos de esquerda vão se aproximar dos evangélicos? Quando tiverem um dirigente do PT, por exemplo, que seja evangélico, carismático e que as pessoas realmente gostem. Assim, eles chegam aos evangélicos. O Brasil funciona em função de nomes.

Como o senhor avalia a atuação do governador Tarcísio de Freitas nestas eleições? Ele sai politicamente fortalecido para 2026?

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O Republicanos, partido de Tarcísio, teve um bom desempenho, o que, sem dúvida, o fortalece como uma liderança importante no Estado. No entanto, prefiro relativizar a ideia de que vitórias ou nomes fortes com articulações — como é o caso de Tarcísio — nas eleições municipais sejam, necessariamente, preditores de sucesso nas eleições seguintes. Veja o caso de Doria: enquanto prefeito e, depois, governador, muitos analistas o apontavam como um dos principais nomes para a eleição presidencial de 2022, mas isso não se concretizou. O mesmo vale para Serra, Cabral, Alckmin... Portanto, não é tão simples assim.

Olhando para o cenário nacional, os resultados municipais podem influenciar as eleições de 2026?

Os resultados municipais nunca influenciaram resultados nacionais. Resultados municipais servem para uma reconfiguração da distribuição dos partidos como as câmaras municipais, prefeitura, e essa mudança acontece de maneira tênue. Mas mostra padrões, tendências...

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Existe um “recado” das urnas que já sinaliza tendências?

Com esses resultados, acho que dificilmente a direita deixará de dominar a Câmara dos Deputados, com cerca de 60% a 70% dos assentos. Posso dizer isso com certa segurança. A direita, provavelmente, será majoritária no Senado e elegerá muitos nomes. Também está ocorrendo uma clara compactação do sistema partidário brasileiro e uma redução da dispersão, tornando a vida muito difícil para os pequenos partidos devido à reforma política e à cláusula de desempenho [medida que limita o acesso de partidos com pouca votação ao fundo partidário e tempo de propaganda em rádio e TV]. Outro ponto: um partido central da política brasileira até 2016 está em um processo contínuo de declínio preocupante, que é o PSDB. Eu diria que, se o PSDB não tivesse dois governos de Estado, hoje três, estaria uma situação ainda mais complicada. Já os partidos da esquerda precisam se movimentar.

Com esses resultados, acho que dificilmente a direita deixará de dominar a Câmara dos Deputados, com cerca de 60% a 70% dos assentos. Posso dizer isso com certa segurança. A direita, provavelmente, será majoritária no Senado e elegerá muitos nomes.

Jairo Nicolau

O senhor avalia que as emendas parlamentares tiveram um papel decisivo no apoio de lideranças locais nas campanhas municipais? Até que ponto essas emendas podem influenciar os resultados das eleições e o processo de renovação política?

O que vai começar a atrapalhar a renovação é a combinação dos recursos de financiamento público com as emendas parlamentares, que subiram a valores astronômicos. Nunca tivemos uma legislatura como esta, em que deputados e senadores distribuem tanto recurso para suas bases. Quando chegarmos a 2026, com as redes que esses políticos montaram — que já apareceram nas eleições municipais em algumas cidades — será muito difícil que um deputado ou senador não seja reeleito. Hoje, um deputado está em uma posição muito melhor do que seus colegas de 10 ou 20 anos atrás, quando as emendas ainda não eram obrigatórias. Agora, são valores de milhões, que superam até o orçamento de pequenas cidades no Brasil. Esses recursos são distribuídos a cidades, organizações da sociedade civil e entidades estatais; ou seja, todos os aliados do político. Em 2026, provavelmente veremos uma redução na renovação, porque os políticos que já ocupam cargos estão em uma situação muito mais favorável do que seus desafiadores.

A esquerda brasileira enfrenta um desafio crucial: a falta de renovação de lideranças capazes de dialogar com o novo perfil do eleitorado, especialmente em um País onde as personalidades políticas têm mais peso que os programas partidários. A avaliação é do cientista político e professor da FGV, Jairo Nicolau, que aponta que o eleitor se conecta mais com figuras carismáticas capazes de traduzir seus anseios do que com ideias ou plataformas de governo. ‘O brasileiro escolhe candidatos por afinidade pessoal, não por propostas’, afirma Nicolau, destacando que, enquanto nomes à direita ocupam esse espaço, partidos como PT e PSOL vêm perdendo terreno em segmentos nos quais antes tinham força, como periferias, jovens e evangélicos — o que explica o desempenho eleitoral aquém do esperado dessas siglas nas eleições municipais.

Em entrevista ao Estadão, Nicolau avalia que, embora o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), saia fortalecido destas eleições, esse desempenho não garante, necessariamente, sucesso nas eleições majoritárias de 2026. Como exemplo, o cientista político cita João Doria, que governou São Paulo de 2019 a 2022 e chegou a lançar sua pré-candidatura à Presidência naquele ano, mas não conseguiu viabilizar-se na disputa. “Prefiro relativizar a ideia de que vitórias ou nomes fortes com articulações — como é o caso de Tarcísio — nas eleições municipais sejam preditores de sucesso nas eleições seguintes”, pontua.

Quanto à projeção para 2026 e aos “recados” das urnas nestas eleições, Nicolau ressalta que o alto volume de recursos destinados por meio de emendas parlamentares, direcionadas por deputados federais e senadores a seus redutos eleitorais, representa um obstáculo à renovação política, ao colocar esses políticos em vantagem competitiva para a reeleição daqui a dois anos. “Nunca tivemos uma legislatura como esta, em que deputados e senadores distribuem tanto recurso para suas bases”, completa.

Jairo Nicolau, cientista político e professor da FGV. Foto: Marcos de Paula/Estadão

Confira a seguir a íntegra da entrevista concedida ao Estadão:

A esquerda enfrentou dificuldades em várias capitais e grandes centros urbanos. Na sua avaliação, o que explica essa perda de terreno, especialmente em regiões que antes eram redutos tradicionais desse campo político?

Vou trazer um elemento que me parece crucial para a esquerda hoje: a ausência de lideranças. O que está faltando à esquerda são justamente novas lideranças, mais do que ideias, porque o Brasil não é um país onde as pessoas votam em partidos pelas ideias. Um exemplo disso são as novas lideranças da direita, como Nikolas Ferreira. São muitas lideranças de direita que estão surgindo nos últimos anos. Por outro lado, quantos jovens com menos de 40 anos existem entre as lideranças de esquerda? Quase nenhum. Veja as eleições em São Paulo: a discussão na capital paulista gira em torno de três personagens – Nunes, Boulos e Marçal. Quer dizer, quem falou em partido, quem falou em doutrina em São Paulo? Ninguém. No caso de Marçal, não é sobre suas ideias, mas sim sobre ele como figura, como pessoa física, que atraiu o eleitorado. Quem fala em partido? Quem fala em programa? São os nomes que se destacam: Lula, Jair Bolsonaro, Pablo Marçal, Ricardo Nunes, Guilherme Boulos, Nikolas. Faltam à esquerda líderes para dialogar com o Brasil atual.

E quanto ao desempenho do PT nessas eleições? Há uma percepção de que políticas públicas assistencialistas, por exemplo, já não são suficientes para assegurar a adesão eleitoral.

Os partidos de esquerda, diante do insucesso em algumas cidades e de certo cansaço com políticas públicas do governo Lula, precisam fazer um balanço. Mas, se me perguntassem o que eu sugeriria para um partido de esquerda formar novos quadros ou discutir propostas para o Brasil, eu diria: formar novas lideranças. O eleitor vota em líderes, não em partidos.

Quem são, hoje, os nomes do PT? Faltam às siglas de esquerda lideranças emergentes que possam se comunicar, nas cidades e nas câmaras, com um Brasil que mudou. Um país onde as pessoas são mais escolarizadas, mais religiosas; onde a elite é menos homogênea racialmente — ainda majoritariamente branca, mas em transformação. Um Brasil em que as pessoas se conectam pelas redes sociais e por novos meios. Esse novo Brasil demanda novas lideranças. Aqui, os partidos dependem de líderes mais do que em outros países, e o que falta à esquerda, mais que programas, são lideranças capazes de se conectar com o novo perfil do eleitorado. O brasileiro escolhe candidatos por afinidade pessoal, não por propostas.

Faltam às siglas de esquerda lideranças emergentes que possam se comunicar, nas cidades e nas câmaras, com um Brasil que mudou. Um país onde as pessoas são mais escolarizadas, mais religiosas; onde a elite é menos homogênea racialmente.

Jairo Nicolau

Qual partido conseguiu, de fato, dialogar melhor com os eleitores evangélicos nessas eleições? Os resultados mostram que partidos de centro e direita tiveram mais sucesso nesse público. Quais fatores ajudam a explicar esse desempenho?

Esse é um fenômeno recente. Nem sempre a esquerda teve dificuldades. Lula já foi eleito presidente com o apoio das principais denominações evangélicas, em 2002 e 2006. O que aconteceu é que parte da agenda comportamental, antes pouco politizada, foi politizada e atraiu os evangélicos para a direita. E isso ocorreu porque a direita apresentou líderes que dialogam diretamente com esse segmento, enquanto a esquerda não apresentou quase nenhum representante no segmento. Sabe como os partidos de esquerda vão se aproximar dos evangélicos? Quando tiverem um dirigente do PT, por exemplo, que seja evangélico, carismático e que as pessoas realmente gostem. Assim, eles chegam aos evangélicos. O Brasil funciona em função de nomes.

Como o senhor avalia a atuação do governador Tarcísio de Freitas nestas eleições? Ele sai politicamente fortalecido para 2026?

O Republicanos, partido de Tarcísio, teve um bom desempenho, o que, sem dúvida, o fortalece como uma liderança importante no Estado. No entanto, prefiro relativizar a ideia de que vitórias ou nomes fortes com articulações — como é o caso de Tarcísio — nas eleições municipais sejam, necessariamente, preditores de sucesso nas eleições seguintes. Veja o caso de Doria: enquanto prefeito e, depois, governador, muitos analistas o apontavam como um dos principais nomes para a eleição presidencial de 2022, mas isso não se concretizou. O mesmo vale para Serra, Cabral, Alckmin... Portanto, não é tão simples assim.

Olhando para o cenário nacional, os resultados municipais podem influenciar as eleições de 2026?

Os resultados municipais nunca influenciaram resultados nacionais. Resultados municipais servem para uma reconfiguração da distribuição dos partidos como as câmaras municipais, prefeitura, e essa mudança acontece de maneira tênue. Mas mostra padrões, tendências...

Existe um “recado” das urnas que já sinaliza tendências?

Com esses resultados, acho que dificilmente a direita deixará de dominar a Câmara dos Deputados, com cerca de 60% a 70% dos assentos. Posso dizer isso com certa segurança. A direita, provavelmente, será majoritária no Senado e elegerá muitos nomes. Também está ocorrendo uma clara compactação do sistema partidário brasileiro e uma redução da dispersão, tornando a vida muito difícil para os pequenos partidos devido à reforma política e à cláusula de desempenho [medida que limita o acesso de partidos com pouca votação ao fundo partidário e tempo de propaganda em rádio e TV]. Outro ponto: um partido central da política brasileira até 2016 está em um processo contínuo de declínio preocupante, que é o PSDB. Eu diria que, se o PSDB não tivesse dois governos de Estado, hoje três, estaria uma situação ainda mais complicada. Já os partidos da esquerda precisam se movimentar.

Com esses resultados, acho que dificilmente a direita deixará de dominar a Câmara dos Deputados, com cerca de 60% a 70% dos assentos. Posso dizer isso com certa segurança. A direita, provavelmente, será majoritária no Senado e elegerá muitos nomes.

Jairo Nicolau

O senhor avalia que as emendas parlamentares tiveram um papel decisivo no apoio de lideranças locais nas campanhas municipais? Até que ponto essas emendas podem influenciar os resultados das eleições e o processo de renovação política?

O que vai começar a atrapalhar a renovação é a combinação dos recursos de financiamento público com as emendas parlamentares, que subiram a valores astronômicos. Nunca tivemos uma legislatura como esta, em que deputados e senadores distribuem tanto recurso para suas bases. Quando chegarmos a 2026, com as redes que esses políticos montaram — que já apareceram nas eleições municipais em algumas cidades — será muito difícil que um deputado ou senador não seja reeleito. Hoje, um deputado está em uma posição muito melhor do que seus colegas de 10 ou 20 anos atrás, quando as emendas ainda não eram obrigatórias. Agora, são valores de milhões, que superam até o orçamento de pequenas cidades no Brasil. Esses recursos são distribuídos a cidades, organizações da sociedade civil e entidades estatais; ou seja, todos os aliados do político. Em 2026, provavelmente veremos uma redução na renovação, porque os políticos que já ocupam cargos estão em uma situação muito mais favorável do que seus desafiadores.

A esquerda brasileira enfrenta um desafio crucial: a falta de renovação de lideranças capazes de dialogar com o novo perfil do eleitorado, especialmente em um País onde as personalidades políticas têm mais peso que os programas partidários. A avaliação é do cientista político e professor da FGV, Jairo Nicolau, que aponta que o eleitor se conecta mais com figuras carismáticas capazes de traduzir seus anseios do que com ideias ou plataformas de governo. ‘O brasileiro escolhe candidatos por afinidade pessoal, não por propostas’, afirma Nicolau, destacando que, enquanto nomes à direita ocupam esse espaço, partidos como PT e PSOL vêm perdendo terreno em segmentos nos quais antes tinham força, como periferias, jovens e evangélicos — o que explica o desempenho eleitoral aquém do esperado dessas siglas nas eleições municipais.

Em entrevista ao Estadão, Nicolau avalia que, embora o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), saia fortalecido destas eleições, esse desempenho não garante, necessariamente, sucesso nas eleições majoritárias de 2026. Como exemplo, o cientista político cita João Doria, que governou São Paulo de 2019 a 2022 e chegou a lançar sua pré-candidatura à Presidência naquele ano, mas não conseguiu viabilizar-se na disputa. “Prefiro relativizar a ideia de que vitórias ou nomes fortes com articulações — como é o caso de Tarcísio — nas eleições municipais sejam preditores de sucesso nas eleições seguintes”, pontua.

Quanto à projeção para 2026 e aos “recados” das urnas nestas eleições, Nicolau ressalta que o alto volume de recursos destinados por meio de emendas parlamentares, direcionadas por deputados federais e senadores a seus redutos eleitorais, representa um obstáculo à renovação política, ao colocar esses políticos em vantagem competitiva para a reeleição daqui a dois anos. “Nunca tivemos uma legislatura como esta, em que deputados e senadores distribuem tanto recurso para suas bases”, completa.

Jairo Nicolau, cientista político e professor da FGV. Foto: Marcos de Paula/Estadão

Confira a seguir a íntegra da entrevista concedida ao Estadão:

A esquerda enfrentou dificuldades em várias capitais e grandes centros urbanos. Na sua avaliação, o que explica essa perda de terreno, especialmente em regiões que antes eram redutos tradicionais desse campo político?

Vou trazer um elemento que me parece crucial para a esquerda hoje: a ausência de lideranças. O que está faltando à esquerda são justamente novas lideranças, mais do que ideias, porque o Brasil não é um país onde as pessoas votam em partidos pelas ideias. Um exemplo disso são as novas lideranças da direita, como Nikolas Ferreira. São muitas lideranças de direita que estão surgindo nos últimos anos. Por outro lado, quantos jovens com menos de 40 anos existem entre as lideranças de esquerda? Quase nenhum. Veja as eleições em São Paulo: a discussão na capital paulista gira em torno de três personagens – Nunes, Boulos e Marçal. Quer dizer, quem falou em partido, quem falou em doutrina em São Paulo? Ninguém. No caso de Marçal, não é sobre suas ideias, mas sim sobre ele como figura, como pessoa física, que atraiu o eleitorado. Quem fala em partido? Quem fala em programa? São os nomes que se destacam: Lula, Jair Bolsonaro, Pablo Marçal, Ricardo Nunes, Guilherme Boulos, Nikolas. Faltam à esquerda líderes para dialogar com o Brasil atual.

E quanto ao desempenho do PT nessas eleições? Há uma percepção de que políticas públicas assistencialistas, por exemplo, já não são suficientes para assegurar a adesão eleitoral.

Os partidos de esquerda, diante do insucesso em algumas cidades e de certo cansaço com políticas públicas do governo Lula, precisam fazer um balanço. Mas, se me perguntassem o que eu sugeriria para um partido de esquerda formar novos quadros ou discutir propostas para o Brasil, eu diria: formar novas lideranças. O eleitor vota em líderes, não em partidos.

Quem são, hoje, os nomes do PT? Faltam às siglas de esquerda lideranças emergentes que possam se comunicar, nas cidades e nas câmaras, com um Brasil que mudou. Um país onde as pessoas são mais escolarizadas, mais religiosas; onde a elite é menos homogênea racialmente — ainda majoritariamente branca, mas em transformação. Um Brasil em que as pessoas se conectam pelas redes sociais e por novos meios. Esse novo Brasil demanda novas lideranças. Aqui, os partidos dependem de líderes mais do que em outros países, e o que falta à esquerda, mais que programas, são lideranças capazes de se conectar com o novo perfil do eleitorado. O brasileiro escolhe candidatos por afinidade pessoal, não por propostas.

Faltam às siglas de esquerda lideranças emergentes que possam se comunicar, nas cidades e nas câmaras, com um Brasil que mudou. Um país onde as pessoas são mais escolarizadas, mais religiosas; onde a elite é menos homogênea racialmente.

Jairo Nicolau

Qual partido conseguiu, de fato, dialogar melhor com os eleitores evangélicos nessas eleições? Os resultados mostram que partidos de centro e direita tiveram mais sucesso nesse público. Quais fatores ajudam a explicar esse desempenho?

Esse é um fenômeno recente. Nem sempre a esquerda teve dificuldades. Lula já foi eleito presidente com o apoio das principais denominações evangélicas, em 2002 e 2006. O que aconteceu é que parte da agenda comportamental, antes pouco politizada, foi politizada e atraiu os evangélicos para a direita. E isso ocorreu porque a direita apresentou líderes que dialogam diretamente com esse segmento, enquanto a esquerda não apresentou quase nenhum representante no segmento. Sabe como os partidos de esquerda vão se aproximar dos evangélicos? Quando tiverem um dirigente do PT, por exemplo, que seja evangélico, carismático e que as pessoas realmente gostem. Assim, eles chegam aos evangélicos. O Brasil funciona em função de nomes.

Como o senhor avalia a atuação do governador Tarcísio de Freitas nestas eleições? Ele sai politicamente fortalecido para 2026?

O Republicanos, partido de Tarcísio, teve um bom desempenho, o que, sem dúvida, o fortalece como uma liderança importante no Estado. No entanto, prefiro relativizar a ideia de que vitórias ou nomes fortes com articulações — como é o caso de Tarcísio — nas eleições municipais sejam, necessariamente, preditores de sucesso nas eleições seguintes. Veja o caso de Doria: enquanto prefeito e, depois, governador, muitos analistas o apontavam como um dos principais nomes para a eleição presidencial de 2022, mas isso não se concretizou. O mesmo vale para Serra, Cabral, Alckmin... Portanto, não é tão simples assim.

Olhando para o cenário nacional, os resultados municipais podem influenciar as eleições de 2026?

Os resultados municipais nunca influenciaram resultados nacionais. Resultados municipais servem para uma reconfiguração da distribuição dos partidos como as câmaras municipais, prefeitura, e essa mudança acontece de maneira tênue. Mas mostra padrões, tendências...

Existe um “recado” das urnas que já sinaliza tendências?

Com esses resultados, acho que dificilmente a direita deixará de dominar a Câmara dos Deputados, com cerca de 60% a 70% dos assentos. Posso dizer isso com certa segurança. A direita, provavelmente, será majoritária no Senado e elegerá muitos nomes. Também está ocorrendo uma clara compactação do sistema partidário brasileiro e uma redução da dispersão, tornando a vida muito difícil para os pequenos partidos devido à reforma política e à cláusula de desempenho [medida que limita o acesso de partidos com pouca votação ao fundo partidário e tempo de propaganda em rádio e TV]. Outro ponto: um partido central da política brasileira até 2016 está em um processo contínuo de declínio preocupante, que é o PSDB. Eu diria que, se o PSDB não tivesse dois governos de Estado, hoje três, estaria uma situação ainda mais complicada. Já os partidos da esquerda precisam se movimentar.

Com esses resultados, acho que dificilmente a direita deixará de dominar a Câmara dos Deputados, com cerca de 60% a 70% dos assentos. Posso dizer isso com certa segurança. A direita, provavelmente, será majoritária no Senado e elegerá muitos nomes.

Jairo Nicolau

O senhor avalia que as emendas parlamentares tiveram um papel decisivo no apoio de lideranças locais nas campanhas municipais? Até que ponto essas emendas podem influenciar os resultados das eleições e o processo de renovação política?

O que vai começar a atrapalhar a renovação é a combinação dos recursos de financiamento público com as emendas parlamentares, que subiram a valores astronômicos. Nunca tivemos uma legislatura como esta, em que deputados e senadores distribuem tanto recurso para suas bases. Quando chegarmos a 2026, com as redes que esses políticos montaram — que já apareceram nas eleições municipais em algumas cidades — será muito difícil que um deputado ou senador não seja reeleito. Hoje, um deputado está em uma posição muito melhor do que seus colegas de 10 ou 20 anos atrás, quando as emendas ainda não eram obrigatórias. Agora, são valores de milhões, que superam até o orçamento de pequenas cidades no Brasil. Esses recursos são distribuídos a cidades, organizações da sociedade civil e entidades estatais; ou seja, todos os aliados do político. Em 2026, provavelmente veremos uma redução na renovação, porque os políticos que já ocupam cargos estão em uma situação muito mais favorável do que seus desafiadores.

A esquerda brasileira enfrenta um desafio crucial: a falta de renovação de lideranças capazes de dialogar com o novo perfil do eleitorado, especialmente em um País onde as personalidades políticas têm mais peso que os programas partidários. A avaliação é do cientista político e professor da FGV, Jairo Nicolau, que aponta que o eleitor se conecta mais com figuras carismáticas capazes de traduzir seus anseios do que com ideias ou plataformas de governo. ‘O brasileiro escolhe candidatos por afinidade pessoal, não por propostas’, afirma Nicolau, destacando que, enquanto nomes à direita ocupam esse espaço, partidos como PT e PSOL vêm perdendo terreno em segmentos nos quais antes tinham força, como periferias, jovens e evangélicos — o que explica o desempenho eleitoral aquém do esperado dessas siglas nas eleições municipais.

Em entrevista ao Estadão, Nicolau avalia que, embora o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), saia fortalecido destas eleições, esse desempenho não garante, necessariamente, sucesso nas eleições majoritárias de 2026. Como exemplo, o cientista político cita João Doria, que governou São Paulo de 2019 a 2022 e chegou a lançar sua pré-candidatura à Presidência naquele ano, mas não conseguiu viabilizar-se na disputa. “Prefiro relativizar a ideia de que vitórias ou nomes fortes com articulações — como é o caso de Tarcísio — nas eleições municipais sejam preditores de sucesso nas eleições seguintes”, pontua.

Quanto à projeção para 2026 e aos “recados” das urnas nestas eleições, Nicolau ressalta que o alto volume de recursos destinados por meio de emendas parlamentares, direcionadas por deputados federais e senadores a seus redutos eleitorais, representa um obstáculo à renovação política, ao colocar esses políticos em vantagem competitiva para a reeleição daqui a dois anos. “Nunca tivemos uma legislatura como esta, em que deputados e senadores distribuem tanto recurso para suas bases”, completa.

Jairo Nicolau, cientista político e professor da FGV. Foto: Marcos de Paula/Estadão

Confira a seguir a íntegra da entrevista concedida ao Estadão:

A esquerda enfrentou dificuldades em várias capitais e grandes centros urbanos. Na sua avaliação, o que explica essa perda de terreno, especialmente em regiões que antes eram redutos tradicionais desse campo político?

Vou trazer um elemento que me parece crucial para a esquerda hoje: a ausência de lideranças. O que está faltando à esquerda são justamente novas lideranças, mais do que ideias, porque o Brasil não é um país onde as pessoas votam em partidos pelas ideias. Um exemplo disso são as novas lideranças da direita, como Nikolas Ferreira. São muitas lideranças de direita que estão surgindo nos últimos anos. Por outro lado, quantos jovens com menos de 40 anos existem entre as lideranças de esquerda? Quase nenhum. Veja as eleições em São Paulo: a discussão na capital paulista gira em torno de três personagens – Nunes, Boulos e Marçal. Quer dizer, quem falou em partido, quem falou em doutrina em São Paulo? Ninguém. No caso de Marçal, não é sobre suas ideias, mas sim sobre ele como figura, como pessoa física, que atraiu o eleitorado. Quem fala em partido? Quem fala em programa? São os nomes que se destacam: Lula, Jair Bolsonaro, Pablo Marçal, Ricardo Nunes, Guilherme Boulos, Nikolas. Faltam à esquerda líderes para dialogar com o Brasil atual.

E quanto ao desempenho do PT nessas eleições? Há uma percepção de que políticas públicas assistencialistas, por exemplo, já não são suficientes para assegurar a adesão eleitoral.

Os partidos de esquerda, diante do insucesso em algumas cidades e de certo cansaço com políticas públicas do governo Lula, precisam fazer um balanço. Mas, se me perguntassem o que eu sugeriria para um partido de esquerda formar novos quadros ou discutir propostas para o Brasil, eu diria: formar novas lideranças. O eleitor vota em líderes, não em partidos.

Quem são, hoje, os nomes do PT? Faltam às siglas de esquerda lideranças emergentes que possam se comunicar, nas cidades e nas câmaras, com um Brasil que mudou. Um país onde as pessoas são mais escolarizadas, mais religiosas; onde a elite é menos homogênea racialmente — ainda majoritariamente branca, mas em transformação. Um Brasil em que as pessoas se conectam pelas redes sociais e por novos meios. Esse novo Brasil demanda novas lideranças. Aqui, os partidos dependem de líderes mais do que em outros países, e o que falta à esquerda, mais que programas, são lideranças capazes de se conectar com o novo perfil do eleitorado. O brasileiro escolhe candidatos por afinidade pessoal, não por propostas.

Faltam às siglas de esquerda lideranças emergentes que possam se comunicar, nas cidades e nas câmaras, com um Brasil que mudou. Um país onde as pessoas são mais escolarizadas, mais religiosas; onde a elite é menos homogênea racialmente.

Jairo Nicolau

Qual partido conseguiu, de fato, dialogar melhor com os eleitores evangélicos nessas eleições? Os resultados mostram que partidos de centro e direita tiveram mais sucesso nesse público. Quais fatores ajudam a explicar esse desempenho?

Esse é um fenômeno recente. Nem sempre a esquerda teve dificuldades. Lula já foi eleito presidente com o apoio das principais denominações evangélicas, em 2002 e 2006. O que aconteceu é que parte da agenda comportamental, antes pouco politizada, foi politizada e atraiu os evangélicos para a direita. E isso ocorreu porque a direita apresentou líderes que dialogam diretamente com esse segmento, enquanto a esquerda não apresentou quase nenhum representante no segmento. Sabe como os partidos de esquerda vão se aproximar dos evangélicos? Quando tiverem um dirigente do PT, por exemplo, que seja evangélico, carismático e que as pessoas realmente gostem. Assim, eles chegam aos evangélicos. O Brasil funciona em função de nomes.

Como o senhor avalia a atuação do governador Tarcísio de Freitas nestas eleições? Ele sai politicamente fortalecido para 2026?

O Republicanos, partido de Tarcísio, teve um bom desempenho, o que, sem dúvida, o fortalece como uma liderança importante no Estado. No entanto, prefiro relativizar a ideia de que vitórias ou nomes fortes com articulações — como é o caso de Tarcísio — nas eleições municipais sejam, necessariamente, preditores de sucesso nas eleições seguintes. Veja o caso de Doria: enquanto prefeito e, depois, governador, muitos analistas o apontavam como um dos principais nomes para a eleição presidencial de 2022, mas isso não se concretizou. O mesmo vale para Serra, Cabral, Alckmin... Portanto, não é tão simples assim.

Olhando para o cenário nacional, os resultados municipais podem influenciar as eleições de 2026?

Os resultados municipais nunca influenciaram resultados nacionais. Resultados municipais servem para uma reconfiguração da distribuição dos partidos como as câmaras municipais, prefeitura, e essa mudança acontece de maneira tênue. Mas mostra padrões, tendências...

Existe um “recado” das urnas que já sinaliza tendências?

Com esses resultados, acho que dificilmente a direita deixará de dominar a Câmara dos Deputados, com cerca de 60% a 70% dos assentos. Posso dizer isso com certa segurança. A direita, provavelmente, será majoritária no Senado e elegerá muitos nomes. Também está ocorrendo uma clara compactação do sistema partidário brasileiro e uma redução da dispersão, tornando a vida muito difícil para os pequenos partidos devido à reforma política e à cláusula de desempenho [medida que limita o acesso de partidos com pouca votação ao fundo partidário e tempo de propaganda em rádio e TV]. Outro ponto: um partido central da política brasileira até 2016 está em um processo contínuo de declínio preocupante, que é o PSDB. Eu diria que, se o PSDB não tivesse dois governos de Estado, hoje três, estaria uma situação ainda mais complicada. Já os partidos da esquerda precisam se movimentar.

Com esses resultados, acho que dificilmente a direita deixará de dominar a Câmara dos Deputados, com cerca de 60% a 70% dos assentos. Posso dizer isso com certa segurança. A direita, provavelmente, será majoritária no Senado e elegerá muitos nomes.

Jairo Nicolau

O senhor avalia que as emendas parlamentares tiveram um papel decisivo no apoio de lideranças locais nas campanhas municipais? Até que ponto essas emendas podem influenciar os resultados das eleições e o processo de renovação política?

O que vai começar a atrapalhar a renovação é a combinação dos recursos de financiamento público com as emendas parlamentares, que subiram a valores astronômicos. Nunca tivemos uma legislatura como esta, em que deputados e senadores distribuem tanto recurso para suas bases. Quando chegarmos a 2026, com as redes que esses políticos montaram — que já apareceram nas eleições municipais em algumas cidades — será muito difícil que um deputado ou senador não seja reeleito. Hoje, um deputado está em uma posição muito melhor do que seus colegas de 10 ou 20 anos atrás, quando as emendas ainda não eram obrigatórias. Agora, são valores de milhões, que superam até o orçamento de pequenas cidades no Brasil. Esses recursos são distribuídos a cidades, organizações da sociedade civil e entidades estatais; ou seja, todos os aliados do político. Em 2026, provavelmente veremos uma redução na renovação, porque os políticos que já ocupam cargos estão em uma situação muito mais favorável do que seus desafiadores.

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