Luiz Felipe d’Avila: ‘Centrão empresarial está interessado em ganhar o governo e não o mercado’


Candidato do Novo à Presidência diz que esta eleição não pode se tornar a ‘escolha do mal menor’ e afirma que anulará o voto se segundo turno tiver Bolsonaro e Lula

Por Marcelo Godoy e Eduardo Kattah
Atualização:

Luiz Felipe d’Avila, o candidato do Novo à Presidência, afirmou que o “Centrão empresarial está interessado em ganhar o governo e não o mercado”, ao comentar subsídios a empresas nacionais. Ele tem certeza que seu correlato, o Centrão da política, estará com o governo, seja ele qual for em janeiro. D’Avila, porém, se recusa a aderir à escolha do que chama de “mal menor”. O cientista político e leitor da pensadora Hannah Arendt afirma que, em um segundo turno entre Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os dois candidatos mais bem posicionados nas pesquisas, prefere anular o voto e preparar seu partido para liderar a oposição democrática ao vitorioso. Ao Estadão, d’Avila detalhou o plano de governo. A seguir os principais trechos de sua entrevista.

O sr. luta contra o cenário de voto útil no 1º turno diante da disputa entre Lula e Bolsonaro. Qual mensagem pretende levar à campanha?

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A mensagem é clara: temos de deixar de votar no mal menor. A eleição do mal menor é, na verdade, o que criou esse desastre da polarização e do radicalismo no Brasil. Temos duas coisas que estão agravando a polarização. A primeira é o Fundo Eleitoral, que fez com que rifassem candidaturas da terceira via porque não vale a pena bancar a eleição de um cargo majoritário, se o que dá poder, dinheiro e tempo de televisão a um partido é o número de deputados federais eleitos. Candidaturas importantes foram excluídas do processo eleitoral e que, a meu ver, representavam uma parcela importante da sociedade. O Sérgio Moro era uma delas, candidato que representava o espírito da Lava Jato, e João Doria, governador de São Paulo. A segunda coisa é que o fundo dá muito poder ao presidente do partido, que tem poder discricionário de dizer quem e quanto vai receber do fundo eleitoral. O Partido Novo é o único que não usa o fundo e devolveu os R$ 90 milhões a o Tesouro. Não é à toa que o partido é o único que começou e terminou o mandato com o mesmo número de deputados e sem que ninguém tenha migrado para outro partido. O fundo eleitoral cria distorção gigantesca. Com 33 milhões de pessoas passando fome, você vai usar R$ 5 bilhões em 45 dias de campanha política? Não faz sentido nenhum. Rever o fundo é a primeira coisa que devemos fazer e a segunda tem a ver com o papel da imprensa, pois ela é o único jeito de furar a bolha do radicalismo por meio do debate de ideias e propostas. Abre-se espaço para quem está liderando as pesquisas. Mas e se quem está liderando a pesquisa não tem ideias? Aí você dá um espaço gigantesco para pessoas que causaram o mal que o Brasil está passando hoje. E você fica sem voz. Faço uma ressalva ao Estadão, cujos editoriais são extraordinários. Eles são o puxão de orelha nas pessoas. Essa devia ser a pauta do jornalismo político: o debate das ideias para zelar pelo futuro da democracia. Só tem uma forma de quebrar a polarização: dar voz a quem tem ideias e propostas a serem debatidas no País.

A mensagem é clara: temos de deixar de votar no mal menor. A eleição do mal menor é, na verdade, o que criou esse desastre da polarização e do radicalismo no Brasil.”

Felipe d’Avila, o candidato do Novo à Presidência

Felipe d’Avila diz que não está ‘do mesmo lado’ de Lula ou de Bolsonaro Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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Nas últimas semanas acompanhamos movimentos importantes de defesa da democracia compartilhados por segmentos sociais, exceto por um deles: o bolsonarismo. Neste contexto da defesa da democracia, faz sentido dizer que vivemos uma polarização entre dois candidatos?

As manifestações sobre a democracia têm um ponto fundamental, que é como a sociedade civil valoriza a democracia no Brasil. É uma forma nítida de mostrar o apreço à democracia. Agora vamos separar o joio do trigo nessa história. Muitos dos que se dizem defensores da democracia vem prejudicando a democracia, inclusive o Lula. Aí eu quero explicar por quê. Ele é o autor do maior escândalo de corrupção da história, o que corrói a credibilidade das instituições democráticas. Ele tinha um esquema de comprar votos, o que degenera a democracia em vez de fortalecê-la. Até hoje a esquerda defende o controle social da imprensa, essa barbaridade. Não vamos nos ludibriar com as aparências. Vamos entender a história de cada um e ver quem realmente está defendendo a democracia. Nesse sentido, Bolsonaro é muito mais honesto, pois mostra o repúdio à democracia que já demonstrava quando era deputado; ele nunca escondeu que preferia os regimes autoritários e os militares. O Lula não. Ele é a saúva que derrota a democracia, que vai corroendo devagarzinho, aliciando, aparelhando o Estado, comprando voto e usando estatais para debilitar as instituições. O que me espanta é a politização do movimento da democracia, é achar que essa turma está toda do mesmo lado. Não está. Eu não estou do mesmo lado que o Lula ou que o Bolsonaro. Eu estou na defesa do estado democrático de direito, na defesa da liberdade do indivíduo, na igualdade perante a lei. Essa é a nossa defesa, do que está na Constituição de 1988. Essa é a eleição do mal menor. É a eleição em que a democracia está em maior risco desde 1985. Essa lenta degeneração da democracia, o radicalismo que não aceita o resultado eleitoral vai colocar em risco a democracia e a economia. A economia não cresce sem confiança. Sem confiança não tem investimento. Teremos um problema sério pela frente e, além de tudo, essa bomba social, com o Brasil aumentando a miséria e a pobreza extrema. Vejo uma situação dramática no Brasil com a vitória do populismo, seja de direita ou de esquerda. Vamos ter de fazer muito mais que manifestos. Vamos ter de criar um movimento de defesa da democracia brasileira suprapartidário com o que restou de defensores da democracia.

Independentemente de quem vencer entre entre esses dois candidatos, o sr. estará na oposição?

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Estarei na oposição, votarei nulo (num eventual segundo turno). Estarei defendendo a democracia e juntando forças com a sociedade civil, com partidos políticos e políticos interessados no estado democrático de direito. Vamos ter de ir para a trincheira, e a trincheira é a imprensa livre, serão os governos estaduais, o Parlamento e o Judiciário. Vamos ter de respaldar essas instituições para salvar a democracia. O Novo deve liderar a oposição ao novo governo.

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O ex-presidente Lula manteve vantagem, mas Bolsonaro avançou nas intenções de voto

Estarei na oposição, votarei nulo (num eventual segundo turno). Estarei defendendo a democracia e juntando forças com a sociedade civil, com partidos políticos e políticos interessados no estado democrático de direito”

Felipe d’Avila, o candidato do Novo à Presidência

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A geopolítica internacional com a Guerra da Ucrânia cria oportunidades para o Brasil com a perspectiva de que o País passe a ser um fator de segurança alimentar e energética para as potências ocidentais. Os próximos quatro anos serão uma oportunidade para recuperação de alguns retrocessos?

Vamos olhar a situação: de 2010 a 2020, o PIB do mundo cresceu 32% e o do Brasil 2,5%. Olha o desastre que é o populismo: afeta o bolso das pessoas e afeta os negócios. Para transformar o momento atual em oportunidade econômica, precisamos restaurar duas coisas que o populismo dificilmente fará: a confiança nas leis, a segurança jurídica com previsibilidade das regras, e a ideia de que o Brasil cresceu e tomou juízo. E isso significa a pauta do meio ambiente. O Brasil pode se tornar a maior potência ambiental do mundo porque nós ingressamos na era da economia do baixo carbono e o Brasil tem capacidade de sequestrar 50% do carbono do mundo. O mundo não vai resolver a questão climática sem o Brasil. E o Brasil precisa do mundo para investir em infraestrutura. Com a Guerra da Ucrânia houve ruptura das cadeias globais de valor e o redesenho é a regionalização. Queremos ter parceiros confiáveis e, nesse sentido, o Brasil pode se tornar uma superpotência, se houver aqui estabilidade das regras do jogo. Hoje temos US$ 50 trilhões de investimentos privados carimbados como ESG (sigla em inglês para as questões do meio ambiente, social e de governança). Se o Brasil não olhar para essa pauta, nós não teremos dinheiro para resolver questões fundamentais do País. É importante abraçar o meio ambiente para reinserção do Brasil na economia global.

Como convencer setores do agronegócio que apoiam Bolsonaro de que é preciso mudar?

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O agronegócio brasileiro é o único setor de nossa economia que compete no comércio global. Se não fosse o agro brasileiro estaríamos em recessão há 10 anos. Nesse período, o PIB do agro cresceu 32% e o da indústria caiu 18%. Temos de dividir o agro em duas partes distintas. A maior parte do agro brasileiro, que é produtivo e exportador, é consciente da importância ambiental. Nenhum outro país produz soja e mantém 35% de reserva ambiental, como no serrado brasileiro; nenhum outro produz uma tonelada de cacau e mantém reserva de 80%, como na Amazônia. Lógico, tem o agro atrasado, com chapelão e arma na cintura, que é do século 19. Este agro atrapalha o outro agro, pois somos retaliados. Parte disso tem de ser quebrado. Quando olhamos para o desmatamento, que é terrível para o país e para o agronegócio e nos expõe a retaliação externa, vemos como a bandidagem tomou conta de uma área importante do território nacional. A indústria da grilagem envolve muita gente e está causando distorção no mercado. A gente é liberal, mas tem de saber em quais áreas é preciso ter mais Estado: a lei precisa ser cumprida nesses lugares. É preciso ter mais polícia. O grande desafio do agronegócio é muito mais deixar de ser exportador de commodities para ser exportador de produto com mais valor agregado. Se os chineses não embarcarem soja brasileira por três meses, quebra. O desafio é como criar mais valor agregado. Um quilo de café torrado custa R$ 20 reais; um quilo de cápsulas da Nespresso, R$ 590. A mudança que a gente tem de fazer é passar do agronegócio para a agroindústria, o que vai ajudar a reindustrialização do Brasil.

O programa do Novo defende a abertura unilateral da economia. Isso não retira poder de barganha do País em negociações com países e blocos como EUA e União Europeia?

Essa abertura econômica unilateral não é só uma questão tarifária. Você tem barreiras econômicas não tarifárias, reservas de mercado e subsídios internos. É importante ter uma data para abertura gradual da economia, para o Brasil estar entre os países emergentes mais abertos em quatro anos. Isso vai pressionar o setor privado a se mobilizar para pressionar por reformas no Congresso, pois, se tivermos a atual legislação tributária e a economia abrir, a indústria quebra em razão do sistema anacrônico. Isso vai criar um senso de urgência e de pressa, que vai levar o Congresso a andar com uma pauta que nunca andou por causa desse comodismo, pela falta de ameaça que mantém a dicotomia entre a redução do custo Brasil e a abertura econômica. Não conseguimos abrir a economia porque o custo Brasil é elevado. E aí o Brasil continua perdendo competitividade internacional e mercado. Além disso, a abertura econômica vai ajudar a reindustrialização do Brasil, pois garantirá acesso a equipamento de ponta. Hoje, se a indústria quiser comprar equipamento de ponta, vai custar duas vezes mais caro do que o concorrente internacional.

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Em relação à questão ambiental, um obstáculo é a importância atual de setores, como petróleo, gás e carvão. Como fazer a transição para economia de zero carbono e, ao mesmo tempo, abrir mão da renda gerada por esse setores?

Isso vai ser feito de forma gradual. O Brasil já é o maior produtor de energia limpa do mundo e cada vez mais vai nessa direção. Os investimentos em eólica, solar e biomassa só crescem no Brasil. Agora vai entrar a eólica offshore na costa de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que pode gerar a mesma coisa que Itaipu. Essa transição da energia fóssil para limpa já está ocorrendo. O que precisamos é mudar mais o mercado. Somos o país que menos consome energia do carvão. Temos o problema do carvão vegetal que está concentrado na região norte, para a produção de ferro gusa. O Brasil tem hoje mais de 50 milhões de hectares de terras degradadas. Se usarmos 3 milhões desses hectares para plantar árvores, o Brasil será a primeira nação de carbono neutro até 2030. E o que é muito importante: nosso programa de reflorestamento de terra degradada não retira um milímetro de terra do agro. Isso vai gerar renda para as populações pobres. Vamos pegar fazendas de um a dez hectares e financiar o plantio de árvores, o que vai gerar uma receita de R$ 500 por hectare/ano para essas famílias. Isso vai ajudar a organizar o mercado doméstico de carbono. E, quando isso acontecer, o setor privado vai investir. Hoje, existe no mundo US$ 1,5 trilhão para investir em reflorestamento. Sabe quanto o Brasil pegou disso? Zero. Olha o dinheiro que estamos deixando na mesa para transformar árvore em renda. Para financiar o plantio de árvores, vamos taxar a Petrobras, antes de privatizá-la, com o green bonds. No mundo inteiro empresas como a Petrobras são taxadas, menos no Brasil.

Vender a Petrobras não é abrir mão de bilhões que o governo recebe hoje como acionista da empresa?

Não porque a energia fóssil perde valor a cada ano que passa. É bom vender a empresa rápido, pois cada vez mais ela vai valer menos. Além disso, estatais no Brasil são cabides de emprego e são usadas politicamente. Bolsonaro mudou quatro vezes o presidente da Petrobras porque acha que, mudando o presidente da empresa, vai mudar o preço da gasolina. Sabe quantas estatais tem nos EUA? Dezesseis. E sabe quantas têm no Brasil? Quatrocentos e cinquenta. Se você vender os quatro grandes grupos – Eletrobras, Petrobras, Correios e Caixa Econômica –, atinge 200 das estatais, que são subsidiárias das quatro grandes. Tem de vender a holding, pois a função da privatização é aumentar a concorrência e competição. Não é transferir o monopólio público para o privado. É preciso quebrar e vender em partes para aumentar a concorrência e a competição. O exemplo melhor disso é a telefonia. E precisa tomar cuidado em algumas áreas em que, se isso for malfeito, vai causar problemas no Brasil. Portos é uma delas. A privatização é importante para aumentar a concorrência e para despolitizar. De 2012 a 2021, o governo federal teve de injetar R$ 160 bilhões para cobrir prejuízo das estatais. Isso é praticamente o orçamento anual da Saúde. É o desperdício absoluto do dinheiro público quando temos outras prioridades para gastar esses recursos.

Felipe d'Avila, candidato do Novo à Presidência, acredita que o Brasil pode se destacar no mercado de carbono.  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Como passar a mensagem em uma eleição que está sendo marcada pela questão dos auxílios emergenciais com apenas 19 segundos na TV?

A primeira coisa é mostrar que o PT gosta tanto do pobre que quer aumentar o número de pobres no Brasil. Nós queremos acabar com a pobreza extrema. Não tem nenhum milagre. Se você usar o que se gasta hoje com planos sociais, como auxílio emergencial, mas focalizar nas famílias mais pobres, você resolve o problema. O que é focalizar? Um jovem de 20 anos desempregado vai receber os mesmos R$ 400 de uma mãe com duas crianças pequenas? Isso não é focalização. Todos os estudos comprovam que combater à miséria infantil é o maior retorno social que você tem com programas públicos. Vamos criar um indicador para cada item, como acabar com pobreza infantil. Vamos nos comprometer em reduzir pobreza extrema em quatro anos. Os partidos que dizem combatê-la nunca tiveram uma meta de reduzir a pobreza extrema no Brasil porque não têm programa focalizado e política pública baseada em dado e evidência. Hoje, a política pública é feita com visão eleitoreira, para manter reduto eleitoral. O melhor programa que temos hoje é o Bolsa Família. O que falta nele é a porta de saída, cria-se desestímulo para a formalização do trabalho.

O sr. defende uma nova reforma trabalhista, mas a esquerda diz que ela foi feita e hoje temos um mercado uberizado, onde predomina não o século 21, mas o 19, com a extrema exploração do trabalho. Ela vê um certo cinismo ao exigir que o trabalhador seja empreendedor, uma forma de instaurar o cada um por si. Como fazer a reforma sem que ela seja o ‘conto da Cinderela’, em que só alguns vão encontrar o sapatinho que cabe no seu pé?

Vou contar o conto do pesadelo. O Brasil tem 40 milhões de pessoas com carteira assinada e mais de 70 milhões na informalidade ou como MEI. Se tivéssemos uma boa legislação trabalhista, teríamos 100 milhões de brasileiros na formalidade. Precisamos democratizar a CLT, formalizar o trabalho e privilegiar o negociado sobre o legislado.

Isso não passa por um aperto contra quem comete fraudes?

Com certeza, o aperto em quem frauda a lei. Mas vamos pensar que no trabalho do século 21, a criação de emprego vai acontecer em quatro áreas. A primeira é a área digital. A segunda é a economia do entretenimento, com produção de conteúdo em rede social. A terceira área é a de serviços ambientais e a quarta é economia do cuidado, a de uma população que envelhece e que precisa de tudo calibrado para ela, uma população que, às vezes, é a que tem a renda mais alta da sociedade. Esses quatro setores, com a CLT não funcionam. Na economia do conhecimento, se você começa a criar burocracia, a pessoa vai criar sua empresa em outro lugar e vou trabalhar lá. O capital intelectual é a coisa de mais fácil mobilidade. Vão criar MEI no Uruguai e na Europa e vamos perder a mão de obra mais qualificada do Brasil. Não podemos deixar a CLT ser uma ancora contra o desenvolvimento. Aqui se trabalha seis meses por ano para pagar impostos do governo e outros cinco para comprar serviços privados porque os do governo não funcionam: tem de ter plano de saúde, pôr o filho em escola privada e pagar mais caro o condomínio por causa da segurança.

O sr. fala em estimular o federalismo. Como isso pode levar a políticas públicas eficientes, que possam ser replicadas no País?

Há 14 anos eu fundei e liderei o Centro de Liderança Pública. O que o CLP mostra é que as políticas de sucesso no Brasil estão em Estados e municípios. São políticas focadas em resolver problemas de acordo com o contexto local. Portanto, a descentralização do poder é algo vital para testarmos políticas públicas e dar autonomia e dinheiro para resolver problemas locais, além de diminuir a romaria à Brasília, que é a maior fonte de corrupção no gasto público. Por isso, é importante fazer valer o verdadeiro federalismo. A descentralização é fundamental para o combate à corrupção e para o aumento da eficiência do governo e da cobrança da população para a resolução dos problemas das comunidades.

O sr. fala no combate aos privilégios das corporações e do setor privado parasitário. O sr. poderia dar um exemplo do que seriam essas corporações e quais os setores privados são parasitários? E quais desses privilégios devem ser removidos da Constituição?

No Brasil a gente tem dois grandes problemas: o centrão político, que é esse do fisiologismo, do corporativismo, e o centrão empresarial. O centrão empresarial não está interessado em ganhar o mercado; ele está interessado em ganhar o governo para conseguir mais subsídios, mais reservas de mercado e mais privilégios. Temos hoje R$ 450 bilhões sendo gastos com subsídios. Muitas empresas fazem seu plano de negócios levando em conta, na margem de lucro, o subsídio que vão receber do governo. Um desastre. Você precisa ter empresa para ganhar o mercado e não para ganhar Brasília a fim de se tornar lucrativa. Vamos colocar no orçamento da Nação um mecanismo de avaliação do recurso público. Nós precisamos saber se o subsídio está tendo impacto ou não. Se não tiver, tem de acabar. A segunda coisa é ter uma cláusula que determine o tempo do subsídio. Por exemplo, se em seis anos a empresa que recebe o subsídio não se tornar competitiva internacionalmente, acaba. Todo subsídio tem de ter prazo de validade para não viciar o setor em subsídio.

No Brasil a gente tem dois grandes problemas: o centrão político, que é esse do fisiologismo, do corporativismo, e o centrão empresarial.”

Felipe d’Avila, o candidato do Novo à Presidência

Onde está concentrado esse centrão empresarial?

Essa cadeia está desde a matéria-prima. O que precisamos fazer com a abertura econômica é uma padronização de regras. No Brasil, você pega qualquer produto e, para produzir com conteúdo nacional, ele fica 30% mais caro. A gente tem de olhar a cadeia como um todo e entender o que derruba a competitividade da indústria brasileira. Por isso é que não pode ser só abertura tarifária.

Eleito, como o sr. vai fazer para conseguir governar com essa quantidade de partidos e com o orçamento cada vez mais capturado pelo Congresso?

Como se cria consenso em política? A regra é impacto da política versus custo político. Você precisa saber qual o custo político porque se não todo mundo fica olhando o impacto e deixa de ver o quanto aquilo vai lhe render em votos. Se você pegar uma pauta, que é a retomada do crescimento econômico com geração de renda e emprego, você vai dizer: quem vai ser contra isso hoje? Você vai gerar mais dinheiro para economia legal e vai se reeleger mais fácil. Quem é que vai votar contra? Tem de criar um custo, pois quem vai votar contra são os que não representam o povo brasileiro, mas as corporações. Essa é a turma que vai sabotar. Mas quem é a favor do eleitor vai falar que isso aqui é positivo. É semelhante com a questão da reforma previdenciária. Quando ela recebeu apoio? Quando se criou uma narrativa que ela ia acabar com privilégios.

Mas acabou com privilégios? Não temos regimes diferentes de previdência mantidos, como a dos militares e do alto funcionalismo público? Isso não é uma deficiência do sistema?

Continua. Nós fizemos a reforma da previdência parcialmente. Uma das coisas centrais para resgatarmos a credibilidade do estado democrático de direito é a lei ser igual para todos. Nós temos uma enorme dificuldade com esse princípio do liberalismo porque todo mundo acha que a lei é igual para os outros, mas para ele é diferente. E aí temos essa República dos privilégios. A previdência oficial tem de ser igual para todos.

E por que isso não está no programa de vocês?

Temos de enumerar agora prioridades. E a prioridade agora é a retomada do crescimento econômico. Mas isso não significa que não vamos avançar com outras reformas. O importante hoje é: se o Brasil não voltar a crescer, não vamos resolver os problemas sociais. Nosso problema é ter um País que não cresce e envelhece rápido.

Um ponto polêmico de seu programa de governo é pôr dinheiro do Fundeb nas escolas charter. Pôr dinheiro público nas OSs que administram essas escolas não seria abrir a possibilidade de que essa verba seja capturada por máfias, como a das OSs da Saúde?

Temos de separar o joio do trigo, criando indicadores. Qual a história da Educação? Tudo o que aumentar a concorrência do mercado é melhor para a Educação. Não é que a escola charter resolva o problema da Educação. O que vai resolver é aumentar a oferta da educação de qualidade. É ter mecanismos para algumas escolas poderem comprar um sistema de ensino que funcione, mas que hoje não podem pela lei de licitação. Você tem produtos de prateleiras que você quer comprar e não pode. O engessamento da lei não permite adquirir algo com eficiência comprovada. A escola charter dá uma flexibilidade que não existe no Estado.

Mas o caminho não seria reformar o Estado do que abrir esse precedente?

A primeira coisa é aumentar a concorrência, mas com métrica. A reforma do Estado não dá para fazer a curto prazo, e não podemos esperá-la para resolver problemas, como a baixa alfabetização das crianças, pois, se não, perdemos uma geração. Há um senso de urgência que temos de resolver. Tem de ter métrica. Nós temos de mensurar a qualidade do serviço prestado para o usuário. Eu não quero saber se estou gastando 5% do PIB com a Educação, quero saber se as crianças estão aprendendo. Só um em cada dez alunos, ao terminar o ensino médio, sabe o conteúdo devido em matemática e português. A nossa métrica não é o aprendizado do aluno, mas o custo da máquina da Educação. Temos de mudar essa mentalidade. O Estado tem de servir o cidadão. No Brasil, o Estado se serve do cidadão para alimentar a máquina pública. Uma das formas de acelerar essa mudança é parceria público-privada e escolas charter. Veja a lei que aprovaram do piso para os enfermeiros. Isso está fechando leitos. Ela não foi feita pensando no usuário, mas no corporativismo da Saúde.

E aí tem outro ponto polêmico do programa: estabelecer mandato para o diretor da Polícia Federal. Isso não faz o governo perder o controle sobre esse setor da burocracia estatal e, portanto, de sua capacidade de criar políticas públicas, deixando esse setor livre de prestar contas à sociedade? Isso não pode levar esse corpo a atuar segundo seus interesses, tornando o governo refém? Não se arrisca criar um Estado capturado pela polícia? E se as polícias estaduais e o Exército exigirem a mesma autonomia em relação ao Poder Civil?

Para aumentar a credibilidade da polícia, o que precisamos é aumentar a digitalização de bancos de dados e compartilhamento de dados, pois o combate ao crime é um combate com inteligência. É preciso unificar dados e ter transparência. Voltando à questão do mandato. Ora, nós não acabamos de dar independência ao presidente do Banco Central? O presidente do BC tem mandato descasado do presidente da República justamente para não ser usado politicamente. Se não tivesse sido aprovada a independência do Banco Central, o Roberto Campos estava na rua, pois na hora de aumentar a taxa de juros em ano eleitoral, o presidente do Banco Central seria demitido. Bolsonaro já removeu vários diretores da PF porque cada vez que uma investigação chega perto de alguém da família, ele manda o cara embora. A ideia não é tirar o poder do presidente, o diretor será escolha do presidente, mas o mandato não pode coincidir com o do presidente da República para dar à PF autonomia para investigar escândalos de corrupção.

PMs querem aprovar a mesma coisa no Congresso. E isso está sendo combatido por todos os governadores. Dar esse poder ao aparelho policial não é perigoso? E se o diretor da PF se revelar uma pessoa ruim? Não seria melhor garantir a independência do Ministério Público Federal, constitucionalizando a lista tríplice para a escolha do procurador-geral, como ocorre nos Estados, em vez deixar isso ao arbítrio do presidente da República?

Primeiro lugar. Isso é restrito à Polícia Federal e não deve acontecer com as polícias estaduais. Nas Polícias Militar e Civil o comando tem de ser do governador e não tem de ter essa independência. Por que no caso da PF? Por duas coisas. Primeiro, se você escolher de forma não criteriosa ou corporativista o diretor da PF, você vai criar um problema para você mesmo, como no caso do presidente do Banco Central. Se você escolher um amigão ele vai arruinar o seu governo e o próximo. A verdade é que isso dá mais responsabilidade na escolha, mas essa independência da PF não se estende às polícias estaduais. A autonomia da PF é importante para combater a corrupção, se não todo escândalo estará atrelado ao querer e ao não querer da política e cada vez mais a política quer menos.

Em outro ponto do programa, o sr. defende mudança nas normas para a escolha dos reitores das universidades públicas. Isso não atenta contra a autonomia universitária e não replica de certo modo um ressentimento presente em setores da direita contra as universidades, a exemplo do que ocorre no atual governo?

Como é que Harvard escolhe seu reitor? Tem um headhunter, um comitê que faz triagem e escolhe o reitor. Como o Impa e o ITA escolhem? Como se escolhe um CEO de uma empresa? Se tem algo que funciona, por que não fazemos o mesmo no setor público? Veja só o que gastamos de dinheiro. Esse corporativismo tomou conta da universidade, que sorve dinheiro e não produz absolutamente nada. As universidades brasileiras são uma vergonha. Nenhuma delas está entre as 50 melhores do mundo. É preciso melhorar a governança, e a melhora dela começa pela escolha da reitoria.

Para muitos o novo mandato será de transição. Caso isso prevaleça, não teria de haver uma aliança programática em busca de consensos. O sr. estaria disposto?

Não tem a menor chance de ter plano programático com os dois líderes das pesquisas. Vou lembrar o Churchill. Em 1938, a Inglaterra tinha a opção da honra ou da guerra e teve a desonra (com o Pacto de Munique, entregando a Checoslováquia a Hitler) e a guerra. E é o que vai acontecer no Brasil se nós desonrarmos o nosso voto nessa eleição. Nós vamos ter a guerra, vamos ter uma crise política e social no Brasil nunca vista. Aí sim, nós vamos para trincheira defender a democracia. Achar que dá para fazer acordo com Lula e Bolsonaro é óbvio que não dá. Esses caras estão no poder há 20 anos e não fizeram nada. Por que vão fazer agora? É o autoengano com o Bolsonaro. Sempre votou contra as pautas liberais, daí descobre o Posto Ipiranga e diz que vai ser liberal do dia para a noite. O maior risco da eleição é continuarmos o autoengano e escolher o mal menor, cujo risco, como disse Hannah Arendt, é esquecer rapidamente que você escolheu o mal. Não tem como compactuar com essa turma. Não tem acordo. Por isso voto nulo.

Como o Novo vai se comportar diante da revisão de cotas raciais? É uma questão sobre impacto da política e custo político?

A primeira coisa que precisamos ter é igualdade perante a lei e nós não temos isso. Quando você começa a apelar para o sistema de cotas antes de ter igualdade perante a lei, o que você está fazendo é criando outro feudo, que vai viver cada vez mais de privilégio. Primeiro vamos fazer a igualdade perante a lei e, depois, ver onde há distorções. Onde há distorções, se precisar haver alguma política de cotas para corrigir a distorção e de forma temporária, pode ser discutida. Mas, discutir isso antes de fazer valer a igualdade perante a lei, não. Se não tiver educação pública de qualidade e oportunidades iguais, você sempre vai ter distorção. Mas aí é por questão de cota ou por não ter acesso?

No Brasil, diz-se que essas coisas se sobrepõem: a questão racial e a questão social. Os negros e pardos são mais pobres que os pobres brancos. Aqui eles são 54% da população; nos EUA, 15%. Lá criaram cotas. Os defensores dessa política dizem que ela aqui é ainda mais urgente...

Qual é o dado e evidência de que a política de cotas funciona? Não tem nenhum.

Os defensores da medida dizem que nas universidades públicas ela modificou o perfil de alunos das instituições, aumentando o total de alunos de escolas públicas, de negros e de pardos sem redução do rendimento dos alunos. Isso já não seria um efeito importante da política?

Para mim não é, pois a questão não é quantas pessoas estão nas universidades, mas quantas assumiram cargos de comando em empresas, quanto dessa turma de cota virou diretor de empresa. Porque se não você vai ter gente com diploma motorista de Uber. Você tá dando diploma sem melhorar a vida dela. E essa ascensão social não aconteceu com o regime de cota. Duas coisas importantes: a sociedade já comprou a pauta de que diversidade é um grande ativo para uma empresa ou para uma universidade. Mesmo que não tenha regime de cotas, como em algumas universidades americanas não tem, na escolha dos alunos, elas procuram pessoas de diferentes raças, etnias e religiões porque entendem que a pluralidade é o que faz a riqueza das universidades. Quando a sociedade abraça uma causa, por que o Estado vai se meter? Se uma empresa não tiver diversidade, ela vai sofrer na ponta porque o consumidor não vai comprar o produto dela. O Estado atrapalha quando inventa políticas públicas onde a sociedade comprou a ideia. Então, vamos fazer com que a lei seja para todos e fazer com que a sociedade pressione cada vez mais as universidades e as empresas a ter diversidade e daí vamos analisar para ver se é preciso ter cota em algum setor durante um tempo para resolver uma desigualdade brutal.

O maior risco da eleição é continuarmos o autoengano e escolher o mal menor, cujo risco, como disse Hannah Arendt, é esquecer rapidamente que você escolheu o mal.”

Felipe d’Avila, o candidato do Novo à Presidência

Você seriam favoráveis à revisão da política de cotas com o fim das atuais cotas?

Sim. Exatamente.

O sr. está prevendo quanto terá de gastos da campanha?

Nossa campanha para presidente da República custa menos do que uma campanha para deputado federal para o União Brasil. Por que a campanha fica barata? Oitenta por cento do dinheiro da campanha são gastos de três formas: primeiro é o marketing e produção de TV. Eu tenho só 19 segundos. Não tenho como gastar. O segundo é transporte. Nossos homens do povo adoram andar de jatinho, eu só viajo em voo comercial. E o terceiro é gráfica. Nós só usamos meios eletrônicos. Então, se você pega esses itens, reduz muito o custo de campanha. Eu asseguro que vamos gastar menos de R$ 2 milhões. Vai ter campanha que vai gastar R$ 80 milhões. Nossa campanha será com dinheiro de nossos filiados e de nossos apoiadores.

Na meta 8 do programa, o Novo trata da Defesa. Mas não menciona reforma da estrutura das Forças Armadas, que consomem a maioria de seus recursos com salários e pensões e pouco com Ciência e Tecnologia que são alavancas de desenvolvimento em outros países. Por que mexer com os militares ainda é um tabu na nossa República?

O que as Forças Armadas têm de fazer é gastar muito menos com pessoal e mais com tecnologia e desenvolvimento. Eu gosto de dar o exemplo do programa do Reagan, o Guerra nas Estrelas. Ele teve uma importância gigantesca para a sociedade civil, em satélites, em ótica e computação. Entendo que as Forças Armadas devem fazer parte do desenvolvimento tecnológico do Brasil e não serem tratadas como uma caixinha separada. Nós imaginamos que isso deve ser feito em parte pelas universidades e em parte pelas Forças Armadas. Isso é difícil pôr em um plano de governo, pois temos o Livro Branco da Defesa. Mas vamos abrir um diálogo, que é como gastar menos com pessoal e aumentar gastos com pesquisa e desenvolvimento, que exige dotação orçamentária constante. E temos de trazer o setor privado para isso.

A meta 10 do Novo é voltada à defesa dos direitos humanos e das minorias, o que aproximaria mais o Novo de partidos mais à esquerda do que do bolsonarismo. Há pontos no programa que não são tão diferentes dos defendidos por candidatos como Lula da Silva. Apesar de o Novo se pôr na oposição, pode haver pontos de consenso com futuros governos?

Tudo o que é pauta que vai aumentar competitividade do Brasil e sua participação no comércio internacional e estimular o crescimento econômico sustentável, nós vamos apoiar, como apoiamos no governo Bolsonaro. Apoiamos a reforma previdenciária, a independência do Banco Central, o novo Marco das Startups e a nova lei do gás. Votamos com o governo em todas as pautas que melhoram o ambiente de negócios do Brasil e, se o PT apresentar pautas que melhorarem o ambiente de negócios, nós vamos votar. Agora, eu digo o seguinte: em governo populista tudo de bom que é aprovado é por desconhecimento do governo, pois se ele entendesse que é importante não aprovaria. O que o Marcos Lisboa aprovou com o Palocci nos primeiros meses do governo Lula é porque o Lula não tinha noção do que estava sendo feito. O problema é que se você quiser apostar na aprovação de pautas boas para o Brasil é fundamental que elas passem debaixo do radar dos populistas, se não elas não serão aprovadas. Se o Bolsonaro soubesse o que é a independência do Banco Central, ele não aprovava.

Luiz Felipe d’Avila, o candidato do Novo à Presidência, afirmou que o “Centrão empresarial está interessado em ganhar o governo e não o mercado”, ao comentar subsídios a empresas nacionais. Ele tem certeza que seu correlato, o Centrão da política, estará com o governo, seja ele qual for em janeiro. D’Avila, porém, se recusa a aderir à escolha do que chama de “mal menor”. O cientista político e leitor da pensadora Hannah Arendt afirma que, em um segundo turno entre Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os dois candidatos mais bem posicionados nas pesquisas, prefere anular o voto e preparar seu partido para liderar a oposição democrática ao vitorioso. Ao Estadão, d’Avila detalhou o plano de governo. A seguir os principais trechos de sua entrevista.

O sr. luta contra o cenário de voto útil no 1º turno diante da disputa entre Lula e Bolsonaro. Qual mensagem pretende levar à campanha?

A mensagem é clara: temos de deixar de votar no mal menor. A eleição do mal menor é, na verdade, o que criou esse desastre da polarização e do radicalismo no Brasil. Temos duas coisas que estão agravando a polarização. A primeira é o Fundo Eleitoral, que fez com que rifassem candidaturas da terceira via porque não vale a pena bancar a eleição de um cargo majoritário, se o que dá poder, dinheiro e tempo de televisão a um partido é o número de deputados federais eleitos. Candidaturas importantes foram excluídas do processo eleitoral e que, a meu ver, representavam uma parcela importante da sociedade. O Sérgio Moro era uma delas, candidato que representava o espírito da Lava Jato, e João Doria, governador de São Paulo. A segunda coisa é que o fundo dá muito poder ao presidente do partido, que tem poder discricionário de dizer quem e quanto vai receber do fundo eleitoral. O Partido Novo é o único que não usa o fundo e devolveu os R$ 90 milhões a o Tesouro. Não é à toa que o partido é o único que começou e terminou o mandato com o mesmo número de deputados e sem que ninguém tenha migrado para outro partido. O fundo eleitoral cria distorção gigantesca. Com 33 milhões de pessoas passando fome, você vai usar R$ 5 bilhões em 45 dias de campanha política? Não faz sentido nenhum. Rever o fundo é a primeira coisa que devemos fazer e a segunda tem a ver com o papel da imprensa, pois ela é o único jeito de furar a bolha do radicalismo por meio do debate de ideias e propostas. Abre-se espaço para quem está liderando as pesquisas. Mas e se quem está liderando a pesquisa não tem ideias? Aí você dá um espaço gigantesco para pessoas que causaram o mal que o Brasil está passando hoje. E você fica sem voz. Faço uma ressalva ao Estadão, cujos editoriais são extraordinários. Eles são o puxão de orelha nas pessoas. Essa devia ser a pauta do jornalismo político: o debate das ideias para zelar pelo futuro da democracia. Só tem uma forma de quebrar a polarização: dar voz a quem tem ideias e propostas a serem debatidas no País.

A mensagem é clara: temos de deixar de votar no mal menor. A eleição do mal menor é, na verdade, o que criou esse desastre da polarização e do radicalismo no Brasil.”

Felipe d’Avila, o candidato do Novo à Presidência

Felipe d’Avila diz que não está ‘do mesmo lado’ de Lula ou de Bolsonaro Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Nas últimas semanas acompanhamos movimentos importantes de defesa da democracia compartilhados por segmentos sociais, exceto por um deles: o bolsonarismo. Neste contexto da defesa da democracia, faz sentido dizer que vivemos uma polarização entre dois candidatos?

As manifestações sobre a democracia têm um ponto fundamental, que é como a sociedade civil valoriza a democracia no Brasil. É uma forma nítida de mostrar o apreço à democracia. Agora vamos separar o joio do trigo nessa história. Muitos dos que se dizem defensores da democracia vem prejudicando a democracia, inclusive o Lula. Aí eu quero explicar por quê. Ele é o autor do maior escândalo de corrupção da história, o que corrói a credibilidade das instituições democráticas. Ele tinha um esquema de comprar votos, o que degenera a democracia em vez de fortalecê-la. Até hoje a esquerda defende o controle social da imprensa, essa barbaridade. Não vamos nos ludibriar com as aparências. Vamos entender a história de cada um e ver quem realmente está defendendo a democracia. Nesse sentido, Bolsonaro é muito mais honesto, pois mostra o repúdio à democracia que já demonstrava quando era deputado; ele nunca escondeu que preferia os regimes autoritários e os militares. O Lula não. Ele é a saúva que derrota a democracia, que vai corroendo devagarzinho, aliciando, aparelhando o Estado, comprando voto e usando estatais para debilitar as instituições. O que me espanta é a politização do movimento da democracia, é achar que essa turma está toda do mesmo lado. Não está. Eu não estou do mesmo lado que o Lula ou que o Bolsonaro. Eu estou na defesa do estado democrático de direito, na defesa da liberdade do indivíduo, na igualdade perante a lei. Essa é a nossa defesa, do que está na Constituição de 1988. Essa é a eleição do mal menor. É a eleição em que a democracia está em maior risco desde 1985. Essa lenta degeneração da democracia, o radicalismo que não aceita o resultado eleitoral vai colocar em risco a democracia e a economia. A economia não cresce sem confiança. Sem confiança não tem investimento. Teremos um problema sério pela frente e, além de tudo, essa bomba social, com o Brasil aumentando a miséria e a pobreza extrema. Vejo uma situação dramática no Brasil com a vitória do populismo, seja de direita ou de esquerda. Vamos ter de fazer muito mais que manifestos. Vamos ter de criar um movimento de defesa da democracia brasileira suprapartidário com o que restou de defensores da democracia.

Independentemente de quem vencer entre entre esses dois candidatos, o sr. estará na oposição?

Estarei na oposição, votarei nulo (num eventual segundo turno). Estarei defendendo a democracia e juntando forças com a sociedade civil, com partidos políticos e políticos interessados no estado democrático de direito. Vamos ter de ir para a trincheira, e a trincheira é a imprensa livre, serão os governos estaduais, o Parlamento e o Judiciário. Vamos ter de respaldar essas instituições para salvar a democracia. O Novo deve liderar a oposição ao novo governo.

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O ex-presidente Lula manteve vantagem, mas Bolsonaro avançou nas intenções de voto

Estarei na oposição, votarei nulo (num eventual segundo turno). Estarei defendendo a democracia e juntando forças com a sociedade civil, com partidos políticos e políticos interessados no estado democrático de direito”

Felipe d’Avila, o candidato do Novo à Presidência

A geopolítica internacional com a Guerra da Ucrânia cria oportunidades para o Brasil com a perspectiva de que o País passe a ser um fator de segurança alimentar e energética para as potências ocidentais. Os próximos quatro anos serão uma oportunidade para recuperação de alguns retrocessos?

Vamos olhar a situação: de 2010 a 2020, o PIB do mundo cresceu 32% e o do Brasil 2,5%. Olha o desastre que é o populismo: afeta o bolso das pessoas e afeta os negócios. Para transformar o momento atual em oportunidade econômica, precisamos restaurar duas coisas que o populismo dificilmente fará: a confiança nas leis, a segurança jurídica com previsibilidade das regras, e a ideia de que o Brasil cresceu e tomou juízo. E isso significa a pauta do meio ambiente. O Brasil pode se tornar a maior potência ambiental do mundo porque nós ingressamos na era da economia do baixo carbono e o Brasil tem capacidade de sequestrar 50% do carbono do mundo. O mundo não vai resolver a questão climática sem o Brasil. E o Brasil precisa do mundo para investir em infraestrutura. Com a Guerra da Ucrânia houve ruptura das cadeias globais de valor e o redesenho é a regionalização. Queremos ter parceiros confiáveis e, nesse sentido, o Brasil pode se tornar uma superpotência, se houver aqui estabilidade das regras do jogo. Hoje temos US$ 50 trilhões de investimentos privados carimbados como ESG (sigla em inglês para as questões do meio ambiente, social e de governança). Se o Brasil não olhar para essa pauta, nós não teremos dinheiro para resolver questões fundamentais do País. É importante abraçar o meio ambiente para reinserção do Brasil na economia global.

Como convencer setores do agronegócio que apoiam Bolsonaro de que é preciso mudar?

O agronegócio brasileiro é o único setor de nossa economia que compete no comércio global. Se não fosse o agro brasileiro estaríamos em recessão há 10 anos. Nesse período, o PIB do agro cresceu 32% e o da indústria caiu 18%. Temos de dividir o agro em duas partes distintas. A maior parte do agro brasileiro, que é produtivo e exportador, é consciente da importância ambiental. Nenhum outro país produz soja e mantém 35% de reserva ambiental, como no serrado brasileiro; nenhum outro produz uma tonelada de cacau e mantém reserva de 80%, como na Amazônia. Lógico, tem o agro atrasado, com chapelão e arma na cintura, que é do século 19. Este agro atrapalha o outro agro, pois somos retaliados. Parte disso tem de ser quebrado. Quando olhamos para o desmatamento, que é terrível para o país e para o agronegócio e nos expõe a retaliação externa, vemos como a bandidagem tomou conta de uma área importante do território nacional. A indústria da grilagem envolve muita gente e está causando distorção no mercado. A gente é liberal, mas tem de saber em quais áreas é preciso ter mais Estado: a lei precisa ser cumprida nesses lugares. É preciso ter mais polícia. O grande desafio do agronegócio é muito mais deixar de ser exportador de commodities para ser exportador de produto com mais valor agregado. Se os chineses não embarcarem soja brasileira por três meses, quebra. O desafio é como criar mais valor agregado. Um quilo de café torrado custa R$ 20 reais; um quilo de cápsulas da Nespresso, R$ 590. A mudança que a gente tem de fazer é passar do agronegócio para a agroindústria, o que vai ajudar a reindustrialização do Brasil.

O programa do Novo defende a abertura unilateral da economia. Isso não retira poder de barganha do País em negociações com países e blocos como EUA e União Europeia?

Essa abertura econômica unilateral não é só uma questão tarifária. Você tem barreiras econômicas não tarifárias, reservas de mercado e subsídios internos. É importante ter uma data para abertura gradual da economia, para o Brasil estar entre os países emergentes mais abertos em quatro anos. Isso vai pressionar o setor privado a se mobilizar para pressionar por reformas no Congresso, pois, se tivermos a atual legislação tributária e a economia abrir, a indústria quebra em razão do sistema anacrônico. Isso vai criar um senso de urgência e de pressa, que vai levar o Congresso a andar com uma pauta que nunca andou por causa desse comodismo, pela falta de ameaça que mantém a dicotomia entre a redução do custo Brasil e a abertura econômica. Não conseguimos abrir a economia porque o custo Brasil é elevado. E aí o Brasil continua perdendo competitividade internacional e mercado. Além disso, a abertura econômica vai ajudar a reindustrialização do Brasil, pois garantirá acesso a equipamento de ponta. Hoje, se a indústria quiser comprar equipamento de ponta, vai custar duas vezes mais caro do que o concorrente internacional.

Em relação à questão ambiental, um obstáculo é a importância atual de setores, como petróleo, gás e carvão. Como fazer a transição para economia de zero carbono e, ao mesmo tempo, abrir mão da renda gerada por esse setores?

Isso vai ser feito de forma gradual. O Brasil já é o maior produtor de energia limpa do mundo e cada vez mais vai nessa direção. Os investimentos em eólica, solar e biomassa só crescem no Brasil. Agora vai entrar a eólica offshore na costa de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que pode gerar a mesma coisa que Itaipu. Essa transição da energia fóssil para limpa já está ocorrendo. O que precisamos é mudar mais o mercado. Somos o país que menos consome energia do carvão. Temos o problema do carvão vegetal que está concentrado na região norte, para a produção de ferro gusa. O Brasil tem hoje mais de 50 milhões de hectares de terras degradadas. Se usarmos 3 milhões desses hectares para plantar árvores, o Brasil será a primeira nação de carbono neutro até 2030. E o que é muito importante: nosso programa de reflorestamento de terra degradada não retira um milímetro de terra do agro. Isso vai gerar renda para as populações pobres. Vamos pegar fazendas de um a dez hectares e financiar o plantio de árvores, o que vai gerar uma receita de R$ 500 por hectare/ano para essas famílias. Isso vai ajudar a organizar o mercado doméstico de carbono. E, quando isso acontecer, o setor privado vai investir. Hoje, existe no mundo US$ 1,5 trilhão para investir em reflorestamento. Sabe quanto o Brasil pegou disso? Zero. Olha o dinheiro que estamos deixando na mesa para transformar árvore em renda. Para financiar o plantio de árvores, vamos taxar a Petrobras, antes de privatizá-la, com o green bonds. No mundo inteiro empresas como a Petrobras são taxadas, menos no Brasil.

Vender a Petrobras não é abrir mão de bilhões que o governo recebe hoje como acionista da empresa?

Não porque a energia fóssil perde valor a cada ano que passa. É bom vender a empresa rápido, pois cada vez mais ela vai valer menos. Além disso, estatais no Brasil são cabides de emprego e são usadas politicamente. Bolsonaro mudou quatro vezes o presidente da Petrobras porque acha que, mudando o presidente da empresa, vai mudar o preço da gasolina. Sabe quantas estatais tem nos EUA? Dezesseis. E sabe quantas têm no Brasil? Quatrocentos e cinquenta. Se você vender os quatro grandes grupos – Eletrobras, Petrobras, Correios e Caixa Econômica –, atinge 200 das estatais, que são subsidiárias das quatro grandes. Tem de vender a holding, pois a função da privatização é aumentar a concorrência e competição. Não é transferir o monopólio público para o privado. É preciso quebrar e vender em partes para aumentar a concorrência e a competição. O exemplo melhor disso é a telefonia. E precisa tomar cuidado em algumas áreas em que, se isso for malfeito, vai causar problemas no Brasil. Portos é uma delas. A privatização é importante para aumentar a concorrência e para despolitizar. De 2012 a 2021, o governo federal teve de injetar R$ 160 bilhões para cobrir prejuízo das estatais. Isso é praticamente o orçamento anual da Saúde. É o desperdício absoluto do dinheiro público quando temos outras prioridades para gastar esses recursos.

Felipe d'Avila, candidato do Novo à Presidência, acredita que o Brasil pode se destacar no mercado de carbono.  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Como passar a mensagem em uma eleição que está sendo marcada pela questão dos auxílios emergenciais com apenas 19 segundos na TV?

A primeira coisa é mostrar que o PT gosta tanto do pobre que quer aumentar o número de pobres no Brasil. Nós queremos acabar com a pobreza extrema. Não tem nenhum milagre. Se você usar o que se gasta hoje com planos sociais, como auxílio emergencial, mas focalizar nas famílias mais pobres, você resolve o problema. O que é focalizar? Um jovem de 20 anos desempregado vai receber os mesmos R$ 400 de uma mãe com duas crianças pequenas? Isso não é focalização. Todos os estudos comprovam que combater à miséria infantil é o maior retorno social que você tem com programas públicos. Vamos criar um indicador para cada item, como acabar com pobreza infantil. Vamos nos comprometer em reduzir pobreza extrema em quatro anos. Os partidos que dizem combatê-la nunca tiveram uma meta de reduzir a pobreza extrema no Brasil porque não têm programa focalizado e política pública baseada em dado e evidência. Hoje, a política pública é feita com visão eleitoreira, para manter reduto eleitoral. O melhor programa que temos hoje é o Bolsa Família. O que falta nele é a porta de saída, cria-se desestímulo para a formalização do trabalho.

O sr. defende uma nova reforma trabalhista, mas a esquerda diz que ela foi feita e hoje temos um mercado uberizado, onde predomina não o século 21, mas o 19, com a extrema exploração do trabalho. Ela vê um certo cinismo ao exigir que o trabalhador seja empreendedor, uma forma de instaurar o cada um por si. Como fazer a reforma sem que ela seja o ‘conto da Cinderela’, em que só alguns vão encontrar o sapatinho que cabe no seu pé?

Vou contar o conto do pesadelo. O Brasil tem 40 milhões de pessoas com carteira assinada e mais de 70 milhões na informalidade ou como MEI. Se tivéssemos uma boa legislação trabalhista, teríamos 100 milhões de brasileiros na formalidade. Precisamos democratizar a CLT, formalizar o trabalho e privilegiar o negociado sobre o legislado.

Isso não passa por um aperto contra quem comete fraudes?

Com certeza, o aperto em quem frauda a lei. Mas vamos pensar que no trabalho do século 21, a criação de emprego vai acontecer em quatro áreas. A primeira é a área digital. A segunda é a economia do entretenimento, com produção de conteúdo em rede social. A terceira área é a de serviços ambientais e a quarta é economia do cuidado, a de uma população que envelhece e que precisa de tudo calibrado para ela, uma população que, às vezes, é a que tem a renda mais alta da sociedade. Esses quatro setores, com a CLT não funcionam. Na economia do conhecimento, se você começa a criar burocracia, a pessoa vai criar sua empresa em outro lugar e vou trabalhar lá. O capital intelectual é a coisa de mais fácil mobilidade. Vão criar MEI no Uruguai e na Europa e vamos perder a mão de obra mais qualificada do Brasil. Não podemos deixar a CLT ser uma ancora contra o desenvolvimento. Aqui se trabalha seis meses por ano para pagar impostos do governo e outros cinco para comprar serviços privados porque os do governo não funcionam: tem de ter plano de saúde, pôr o filho em escola privada e pagar mais caro o condomínio por causa da segurança.

O sr. fala em estimular o federalismo. Como isso pode levar a políticas públicas eficientes, que possam ser replicadas no País?

Há 14 anos eu fundei e liderei o Centro de Liderança Pública. O que o CLP mostra é que as políticas de sucesso no Brasil estão em Estados e municípios. São políticas focadas em resolver problemas de acordo com o contexto local. Portanto, a descentralização do poder é algo vital para testarmos políticas públicas e dar autonomia e dinheiro para resolver problemas locais, além de diminuir a romaria à Brasília, que é a maior fonte de corrupção no gasto público. Por isso, é importante fazer valer o verdadeiro federalismo. A descentralização é fundamental para o combate à corrupção e para o aumento da eficiência do governo e da cobrança da população para a resolução dos problemas das comunidades.

O sr. fala no combate aos privilégios das corporações e do setor privado parasitário. O sr. poderia dar um exemplo do que seriam essas corporações e quais os setores privados são parasitários? E quais desses privilégios devem ser removidos da Constituição?

No Brasil a gente tem dois grandes problemas: o centrão político, que é esse do fisiologismo, do corporativismo, e o centrão empresarial. O centrão empresarial não está interessado em ganhar o mercado; ele está interessado em ganhar o governo para conseguir mais subsídios, mais reservas de mercado e mais privilégios. Temos hoje R$ 450 bilhões sendo gastos com subsídios. Muitas empresas fazem seu plano de negócios levando em conta, na margem de lucro, o subsídio que vão receber do governo. Um desastre. Você precisa ter empresa para ganhar o mercado e não para ganhar Brasília a fim de se tornar lucrativa. Vamos colocar no orçamento da Nação um mecanismo de avaliação do recurso público. Nós precisamos saber se o subsídio está tendo impacto ou não. Se não tiver, tem de acabar. A segunda coisa é ter uma cláusula que determine o tempo do subsídio. Por exemplo, se em seis anos a empresa que recebe o subsídio não se tornar competitiva internacionalmente, acaba. Todo subsídio tem de ter prazo de validade para não viciar o setor em subsídio.

No Brasil a gente tem dois grandes problemas: o centrão político, que é esse do fisiologismo, do corporativismo, e o centrão empresarial.”

Felipe d’Avila, o candidato do Novo à Presidência

Onde está concentrado esse centrão empresarial?

Essa cadeia está desde a matéria-prima. O que precisamos fazer com a abertura econômica é uma padronização de regras. No Brasil, você pega qualquer produto e, para produzir com conteúdo nacional, ele fica 30% mais caro. A gente tem de olhar a cadeia como um todo e entender o que derruba a competitividade da indústria brasileira. Por isso é que não pode ser só abertura tarifária.

Eleito, como o sr. vai fazer para conseguir governar com essa quantidade de partidos e com o orçamento cada vez mais capturado pelo Congresso?

Como se cria consenso em política? A regra é impacto da política versus custo político. Você precisa saber qual o custo político porque se não todo mundo fica olhando o impacto e deixa de ver o quanto aquilo vai lhe render em votos. Se você pegar uma pauta, que é a retomada do crescimento econômico com geração de renda e emprego, você vai dizer: quem vai ser contra isso hoje? Você vai gerar mais dinheiro para economia legal e vai se reeleger mais fácil. Quem é que vai votar contra? Tem de criar um custo, pois quem vai votar contra são os que não representam o povo brasileiro, mas as corporações. Essa é a turma que vai sabotar. Mas quem é a favor do eleitor vai falar que isso aqui é positivo. É semelhante com a questão da reforma previdenciária. Quando ela recebeu apoio? Quando se criou uma narrativa que ela ia acabar com privilégios.

Mas acabou com privilégios? Não temos regimes diferentes de previdência mantidos, como a dos militares e do alto funcionalismo público? Isso não é uma deficiência do sistema?

Continua. Nós fizemos a reforma da previdência parcialmente. Uma das coisas centrais para resgatarmos a credibilidade do estado democrático de direito é a lei ser igual para todos. Nós temos uma enorme dificuldade com esse princípio do liberalismo porque todo mundo acha que a lei é igual para os outros, mas para ele é diferente. E aí temos essa República dos privilégios. A previdência oficial tem de ser igual para todos.

E por que isso não está no programa de vocês?

Temos de enumerar agora prioridades. E a prioridade agora é a retomada do crescimento econômico. Mas isso não significa que não vamos avançar com outras reformas. O importante hoje é: se o Brasil não voltar a crescer, não vamos resolver os problemas sociais. Nosso problema é ter um País que não cresce e envelhece rápido.

Um ponto polêmico de seu programa de governo é pôr dinheiro do Fundeb nas escolas charter. Pôr dinheiro público nas OSs que administram essas escolas não seria abrir a possibilidade de que essa verba seja capturada por máfias, como a das OSs da Saúde?

Temos de separar o joio do trigo, criando indicadores. Qual a história da Educação? Tudo o que aumentar a concorrência do mercado é melhor para a Educação. Não é que a escola charter resolva o problema da Educação. O que vai resolver é aumentar a oferta da educação de qualidade. É ter mecanismos para algumas escolas poderem comprar um sistema de ensino que funcione, mas que hoje não podem pela lei de licitação. Você tem produtos de prateleiras que você quer comprar e não pode. O engessamento da lei não permite adquirir algo com eficiência comprovada. A escola charter dá uma flexibilidade que não existe no Estado.

Mas o caminho não seria reformar o Estado do que abrir esse precedente?

A primeira coisa é aumentar a concorrência, mas com métrica. A reforma do Estado não dá para fazer a curto prazo, e não podemos esperá-la para resolver problemas, como a baixa alfabetização das crianças, pois, se não, perdemos uma geração. Há um senso de urgência que temos de resolver. Tem de ter métrica. Nós temos de mensurar a qualidade do serviço prestado para o usuário. Eu não quero saber se estou gastando 5% do PIB com a Educação, quero saber se as crianças estão aprendendo. Só um em cada dez alunos, ao terminar o ensino médio, sabe o conteúdo devido em matemática e português. A nossa métrica não é o aprendizado do aluno, mas o custo da máquina da Educação. Temos de mudar essa mentalidade. O Estado tem de servir o cidadão. No Brasil, o Estado se serve do cidadão para alimentar a máquina pública. Uma das formas de acelerar essa mudança é parceria público-privada e escolas charter. Veja a lei que aprovaram do piso para os enfermeiros. Isso está fechando leitos. Ela não foi feita pensando no usuário, mas no corporativismo da Saúde.

E aí tem outro ponto polêmico do programa: estabelecer mandato para o diretor da Polícia Federal. Isso não faz o governo perder o controle sobre esse setor da burocracia estatal e, portanto, de sua capacidade de criar políticas públicas, deixando esse setor livre de prestar contas à sociedade? Isso não pode levar esse corpo a atuar segundo seus interesses, tornando o governo refém? Não se arrisca criar um Estado capturado pela polícia? E se as polícias estaduais e o Exército exigirem a mesma autonomia em relação ao Poder Civil?

Para aumentar a credibilidade da polícia, o que precisamos é aumentar a digitalização de bancos de dados e compartilhamento de dados, pois o combate ao crime é um combate com inteligência. É preciso unificar dados e ter transparência. Voltando à questão do mandato. Ora, nós não acabamos de dar independência ao presidente do Banco Central? O presidente do BC tem mandato descasado do presidente da República justamente para não ser usado politicamente. Se não tivesse sido aprovada a independência do Banco Central, o Roberto Campos estava na rua, pois na hora de aumentar a taxa de juros em ano eleitoral, o presidente do Banco Central seria demitido. Bolsonaro já removeu vários diretores da PF porque cada vez que uma investigação chega perto de alguém da família, ele manda o cara embora. A ideia não é tirar o poder do presidente, o diretor será escolha do presidente, mas o mandato não pode coincidir com o do presidente da República para dar à PF autonomia para investigar escândalos de corrupção.

PMs querem aprovar a mesma coisa no Congresso. E isso está sendo combatido por todos os governadores. Dar esse poder ao aparelho policial não é perigoso? E se o diretor da PF se revelar uma pessoa ruim? Não seria melhor garantir a independência do Ministério Público Federal, constitucionalizando a lista tríplice para a escolha do procurador-geral, como ocorre nos Estados, em vez deixar isso ao arbítrio do presidente da República?

Primeiro lugar. Isso é restrito à Polícia Federal e não deve acontecer com as polícias estaduais. Nas Polícias Militar e Civil o comando tem de ser do governador e não tem de ter essa independência. Por que no caso da PF? Por duas coisas. Primeiro, se você escolher de forma não criteriosa ou corporativista o diretor da PF, você vai criar um problema para você mesmo, como no caso do presidente do Banco Central. Se você escolher um amigão ele vai arruinar o seu governo e o próximo. A verdade é que isso dá mais responsabilidade na escolha, mas essa independência da PF não se estende às polícias estaduais. A autonomia da PF é importante para combater a corrupção, se não todo escândalo estará atrelado ao querer e ao não querer da política e cada vez mais a política quer menos.

Em outro ponto do programa, o sr. defende mudança nas normas para a escolha dos reitores das universidades públicas. Isso não atenta contra a autonomia universitária e não replica de certo modo um ressentimento presente em setores da direita contra as universidades, a exemplo do que ocorre no atual governo?

Como é que Harvard escolhe seu reitor? Tem um headhunter, um comitê que faz triagem e escolhe o reitor. Como o Impa e o ITA escolhem? Como se escolhe um CEO de uma empresa? Se tem algo que funciona, por que não fazemos o mesmo no setor público? Veja só o que gastamos de dinheiro. Esse corporativismo tomou conta da universidade, que sorve dinheiro e não produz absolutamente nada. As universidades brasileiras são uma vergonha. Nenhuma delas está entre as 50 melhores do mundo. É preciso melhorar a governança, e a melhora dela começa pela escolha da reitoria.

Para muitos o novo mandato será de transição. Caso isso prevaleça, não teria de haver uma aliança programática em busca de consensos. O sr. estaria disposto?

Não tem a menor chance de ter plano programático com os dois líderes das pesquisas. Vou lembrar o Churchill. Em 1938, a Inglaterra tinha a opção da honra ou da guerra e teve a desonra (com o Pacto de Munique, entregando a Checoslováquia a Hitler) e a guerra. E é o que vai acontecer no Brasil se nós desonrarmos o nosso voto nessa eleição. Nós vamos ter a guerra, vamos ter uma crise política e social no Brasil nunca vista. Aí sim, nós vamos para trincheira defender a democracia. Achar que dá para fazer acordo com Lula e Bolsonaro é óbvio que não dá. Esses caras estão no poder há 20 anos e não fizeram nada. Por que vão fazer agora? É o autoengano com o Bolsonaro. Sempre votou contra as pautas liberais, daí descobre o Posto Ipiranga e diz que vai ser liberal do dia para a noite. O maior risco da eleição é continuarmos o autoengano e escolher o mal menor, cujo risco, como disse Hannah Arendt, é esquecer rapidamente que você escolheu o mal. Não tem como compactuar com essa turma. Não tem acordo. Por isso voto nulo.

Como o Novo vai se comportar diante da revisão de cotas raciais? É uma questão sobre impacto da política e custo político?

A primeira coisa que precisamos ter é igualdade perante a lei e nós não temos isso. Quando você começa a apelar para o sistema de cotas antes de ter igualdade perante a lei, o que você está fazendo é criando outro feudo, que vai viver cada vez mais de privilégio. Primeiro vamos fazer a igualdade perante a lei e, depois, ver onde há distorções. Onde há distorções, se precisar haver alguma política de cotas para corrigir a distorção e de forma temporária, pode ser discutida. Mas, discutir isso antes de fazer valer a igualdade perante a lei, não. Se não tiver educação pública de qualidade e oportunidades iguais, você sempre vai ter distorção. Mas aí é por questão de cota ou por não ter acesso?

No Brasil, diz-se que essas coisas se sobrepõem: a questão racial e a questão social. Os negros e pardos são mais pobres que os pobres brancos. Aqui eles são 54% da população; nos EUA, 15%. Lá criaram cotas. Os defensores dessa política dizem que ela aqui é ainda mais urgente...

Qual é o dado e evidência de que a política de cotas funciona? Não tem nenhum.

Os defensores da medida dizem que nas universidades públicas ela modificou o perfil de alunos das instituições, aumentando o total de alunos de escolas públicas, de negros e de pardos sem redução do rendimento dos alunos. Isso já não seria um efeito importante da política?

Para mim não é, pois a questão não é quantas pessoas estão nas universidades, mas quantas assumiram cargos de comando em empresas, quanto dessa turma de cota virou diretor de empresa. Porque se não você vai ter gente com diploma motorista de Uber. Você tá dando diploma sem melhorar a vida dela. E essa ascensão social não aconteceu com o regime de cota. Duas coisas importantes: a sociedade já comprou a pauta de que diversidade é um grande ativo para uma empresa ou para uma universidade. Mesmo que não tenha regime de cotas, como em algumas universidades americanas não tem, na escolha dos alunos, elas procuram pessoas de diferentes raças, etnias e religiões porque entendem que a pluralidade é o que faz a riqueza das universidades. Quando a sociedade abraça uma causa, por que o Estado vai se meter? Se uma empresa não tiver diversidade, ela vai sofrer na ponta porque o consumidor não vai comprar o produto dela. O Estado atrapalha quando inventa políticas públicas onde a sociedade comprou a ideia. Então, vamos fazer com que a lei seja para todos e fazer com que a sociedade pressione cada vez mais as universidades e as empresas a ter diversidade e daí vamos analisar para ver se é preciso ter cota em algum setor durante um tempo para resolver uma desigualdade brutal.

O maior risco da eleição é continuarmos o autoengano e escolher o mal menor, cujo risco, como disse Hannah Arendt, é esquecer rapidamente que você escolheu o mal.”

Felipe d’Avila, o candidato do Novo à Presidência

Você seriam favoráveis à revisão da política de cotas com o fim das atuais cotas?

Sim. Exatamente.

O sr. está prevendo quanto terá de gastos da campanha?

Nossa campanha para presidente da República custa menos do que uma campanha para deputado federal para o União Brasil. Por que a campanha fica barata? Oitenta por cento do dinheiro da campanha são gastos de três formas: primeiro é o marketing e produção de TV. Eu tenho só 19 segundos. Não tenho como gastar. O segundo é transporte. Nossos homens do povo adoram andar de jatinho, eu só viajo em voo comercial. E o terceiro é gráfica. Nós só usamos meios eletrônicos. Então, se você pega esses itens, reduz muito o custo de campanha. Eu asseguro que vamos gastar menos de R$ 2 milhões. Vai ter campanha que vai gastar R$ 80 milhões. Nossa campanha será com dinheiro de nossos filiados e de nossos apoiadores.

Na meta 8 do programa, o Novo trata da Defesa. Mas não menciona reforma da estrutura das Forças Armadas, que consomem a maioria de seus recursos com salários e pensões e pouco com Ciência e Tecnologia que são alavancas de desenvolvimento em outros países. Por que mexer com os militares ainda é um tabu na nossa República?

O que as Forças Armadas têm de fazer é gastar muito menos com pessoal e mais com tecnologia e desenvolvimento. Eu gosto de dar o exemplo do programa do Reagan, o Guerra nas Estrelas. Ele teve uma importância gigantesca para a sociedade civil, em satélites, em ótica e computação. Entendo que as Forças Armadas devem fazer parte do desenvolvimento tecnológico do Brasil e não serem tratadas como uma caixinha separada. Nós imaginamos que isso deve ser feito em parte pelas universidades e em parte pelas Forças Armadas. Isso é difícil pôr em um plano de governo, pois temos o Livro Branco da Defesa. Mas vamos abrir um diálogo, que é como gastar menos com pessoal e aumentar gastos com pesquisa e desenvolvimento, que exige dotação orçamentária constante. E temos de trazer o setor privado para isso.

A meta 10 do Novo é voltada à defesa dos direitos humanos e das minorias, o que aproximaria mais o Novo de partidos mais à esquerda do que do bolsonarismo. Há pontos no programa que não são tão diferentes dos defendidos por candidatos como Lula da Silva. Apesar de o Novo se pôr na oposição, pode haver pontos de consenso com futuros governos?

Tudo o que é pauta que vai aumentar competitividade do Brasil e sua participação no comércio internacional e estimular o crescimento econômico sustentável, nós vamos apoiar, como apoiamos no governo Bolsonaro. Apoiamos a reforma previdenciária, a independência do Banco Central, o novo Marco das Startups e a nova lei do gás. Votamos com o governo em todas as pautas que melhoram o ambiente de negócios do Brasil e, se o PT apresentar pautas que melhorarem o ambiente de negócios, nós vamos votar. Agora, eu digo o seguinte: em governo populista tudo de bom que é aprovado é por desconhecimento do governo, pois se ele entendesse que é importante não aprovaria. O que o Marcos Lisboa aprovou com o Palocci nos primeiros meses do governo Lula é porque o Lula não tinha noção do que estava sendo feito. O problema é que se você quiser apostar na aprovação de pautas boas para o Brasil é fundamental que elas passem debaixo do radar dos populistas, se não elas não serão aprovadas. Se o Bolsonaro soubesse o que é a independência do Banco Central, ele não aprovava.

Luiz Felipe d’Avila, o candidato do Novo à Presidência, afirmou que o “Centrão empresarial está interessado em ganhar o governo e não o mercado”, ao comentar subsídios a empresas nacionais. Ele tem certeza que seu correlato, o Centrão da política, estará com o governo, seja ele qual for em janeiro. D’Avila, porém, se recusa a aderir à escolha do que chama de “mal menor”. O cientista político e leitor da pensadora Hannah Arendt afirma que, em um segundo turno entre Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os dois candidatos mais bem posicionados nas pesquisas, prefere anular o voto e preparar seu partido para liderar a oposição democrática ao vitorioso. Ao Estadão, d’Avila detalhou o plano de governo. A seguir os principais trechos de sua entrevista.

O sr. luta contra o cenário de voto útil no 1º turno diante da disputa entre Lula e Bolsonaro. Qual mensagem pretende levar à campanha?

A mensagem é clara: temos de deixar de votar no mal menor. A eleição do mal menor é, na verdade, o que criou esse desastre da polarização e do radicalismo no Brasil. Temos duas coisas que estão agravando a polarização. A primeira é o Fundo Eleitoral, que fez com que rifassem candidaturas da terceira via porque não vale a pena bancar a eleição de um cargo majoritário, se o que dá poder, dinheiro e tempo de televisão a um partido é o número de deputados federais eleitos. Candidaturas importantes foram excluídas do processo eleitoral e que, a meu ver, representavam uma parcela importante da sociedade. O Sérgio Moro era uma delas, candidato que representava o espírito da Lava Jato, e João Doria, governador de São Paulo. A segunda coisa é que o fundo dá muito poder ao presidente do partido, que tem poder discricionário de dizer quem e quanto vai receber do fundo eleitoral. O Partido Novo é o único que não usa o fundo e devolveu os R$ 90 milhões a o Tesouro. Não é à toa que o partido é o único que começou e terminou o mandato com o mesmo número de deputados e sem que ninguém tenha migrado para outro partido. O fundo eleitoral cria distorção gigantesca. Com 33 milhões de pessoas passando fome, você vai usar R$ 5 bilhões em 45 dias de campanha política? Não faz sentido nenhum. Rever o fundo é a primeira coisa que devemos fazer e a segunda tem a ver com o papel da imprensa, pois ela é o único jeito de furar a bolha do radicalismo por meio do debate de ideias e propostas. Abre-se espaço para quem está liderando as pesquisas. Mas e se quem está liderando a pesquisa não tem ideias? Aí você dá um espaço gigantesco para pessoas que causaram o mal que o Brasil está passando hoje. E você fica sem voz. Faço uma ressalva ao Estadão, cujos editoriais são extraordinários. Eles são o puxão de orelha nas pessoas. Essa devia ser a pauta do jornalismo político: o debate das ideias para zelar pelo futuro da democracia. Só tem uma forma de quebrar a polarização: dar voz a quem tem ideias e propostas a serem debatidas no País.

A mensagem é clara: temos de deixar de votar no mal menor. A eleição do mal menor é, na verdade, o que criou esse desastre da polarização e do radicalismo no Brasil.”

Felipe d’Avila, o candidato do Novo à Presidência

Felipe d’Avila diz que não está ‘do mesmo lado’ de Lula ou de Bolsonaro Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Nas últimas semanas acompanhamos movimentos importantes de defesa da democracia compartilhados por segmentos sociais, exceto por um deles: o bolsonarismo. Neste contexto da defesa da democracia, faz sentido dizer que vivemos uma polarização entre dois candidatos?

As manifestações sobre a democracia têm um ponto fundamental, que é como a sociedade civil valoriza a democracia no Brasil. É uma forma nítida de mostrar o apreço à democracia. Agora vamos separar o joio do trigo nessa história. Muitos dos que se dizem defensores da democracia vem prejudicando a democracia, inclusive o Lula. Aí eu quero explicar por quê. Ele é o autor do maior escândalo de corrupção da história, o que corrói a credibilidade das instituições democráticas. Ele tinha um esquema de comprar votos, o que degenera a democracia em vez de fortalecê-la. Até hoje a esquerda defende o controle social da imprensa, essa barbaridade. Não vamos nos ludibriar com as aparências. Vamos entender a história de cada um e ver quem realmente está defendendo a democracia. Nesse sentido, Bolsonaro é muito mais honesto, pois mostra o repúdio à democracia que já demonstrava quando era deputado; ele nunca escondeu que preferia os regimes autoritários e os militares. O Lula não. Ele é a saúva que derrota a democracia, que vai corroendo devagarzinho, aliciando, aparelhando o Estado, comprando voto e usando estatais para debilitar as instituições. O que me espanta é a politização do movimento da democracia, é achar que essa turma está toda do mesmo lado. Não está. Eu não estou do mesmo lado que o Lula ou que o Bolsonaro. Eu estou na defesa do estado democrático de direito, na defesa da liberdade do indivíduo, na igualdade perante a lei. Essa é a nossa defesa, do que está na Constituição de 1988. Essa é a eleição do mal menor. É a eleição em que a democracia está em maior risco desde 1985. Essa lenta degeneração da democracia, o radicalismo que não aceita o resultado eleitoral vai colocar em risco a democracia e a economia. A economia não cresce sem confiança. Sem confiança não tem investimento. Teremos um problema sério pela frente e, além de tudo, essa bomba social, com o Brasil aumentando a miséria e a pobreza extrema. Vejo uma situação dramática no Brasil com a vitória do populismo, seja de direita ou de esquerda. Vamos ter de fazer muito mais que manifestos. Vamos ter de criar um movimento de defesa da democracia brasileira suprapartidário com o que restou de defensores da democracia.

Independentemente de quem vencer entre entre esses dois candidatos, o sr. estará na oposição?

Estarei na oposição, votarei nulo (num eventual segundo turno). Estarei defendendo a democracia e juntando forças com a sociedade civil, com partidos políticos e políticos interessados no estado democrático de direito. Vamos ter de ir para a trincheira, e a trincheira é a imprensa livre, serão os governos estaduais, o Parlamento e o Judiciário. Vamos ter de respaldar essas instituições para salvar a democracia. O Novo deve liderar a oposição ao novo governo.

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O ex-presidente Lula manteve vantagem, mas Bolsonaro avançou nas intenções de voto

Estarei na oposição, votarei nulo (num eventual segundo turno). Estarei defendendo a democracia e juntando forças com a sociedade civil, com partidos políticos e políticos interessados no estado democrático de direito”

Felipe d’Avila, o candidato do Novo à Presidência

A geopolítica internacional com a Guerra da Ucrânia cria oportunidades para o Brasil com a perspectiva de que o País passe a ser um fator de segurança alimentar e energética para as potências ocidentais. Os próximos quatro anos serão uma oportunidade para recuperação de alguns retrocessos?

Vamos olhar a situação: de 2010 a 2020, o PIB do mundo cresceu 32% e o do Brasil 2,5%. Olha o desastre que é o populismo: afeta o bolso das pessoas e afeta os negócios. Para transformar o momento atual em oportunidade econômica, precisamos restaurar duas coisas que o populismo dificilmente fará: a confiança nas leis, a segurança jurídica com previsibilidade das regras, e a ideia de que o Brasil cresceu e tomou juízo. E isso significa a pauta do meio ambiente. O Brasil pode se tornar a maior potência ambiental do mundo porque nós ingressamos na era da economia do baixo carbono e o Brasil tem capacidade de sequestrar 50% do carbono do mundo. O mundo não vai resolver a questão climática sem o Brasil. E o Brasil precisa do mundo para investir em infraestrutura. Com a Guerra da Ucrânia houve ruptura das cadeias globais de valor e o redesenho é a regionalização. Queremos ter parceiros confiáveis e, nesse sentido, o Brasil pode se tornar uma superpotência, se houver aqui estabilidade das regras do jogo. Hoje temos US$ 50 trilhões de investimentos privados carimbados como ESG (sigla em inglês para as questões do meio ambiente, social e de governança). Se o Brasil não olhar para essa pauta, nós não teremos dinheiro para resolver questões fundamentais do País. É importante abraçar o meio ambiente para reinserção do Brasil na economia global.

Como convencer setores do agronegócio que apoiam Bolsonaro de que é preciso mudar?

O agronegócio brasileiro é o único setor de nossa economia que compete no comércio global. Se não fosse o agro brasileiro estaríamos em recessão há 10 anos. Nesse período, o PIB do agro cresceu 32% e o da indústria caiu 18%. Temos de dividir o agro em duas partes distintas. A maior parte do agro brasileiro, que é produtivo e exportador, é consciente da importância ambiental. Nenhum outro país produz soja e mantém 35% de reserva ambiental, como no serrado brasileiro; nenhum outro produz uma tonelada de cacau e mantém reserva de 80%, como na Amazônia. Lógico, tem o agro atrasado, com chapelão e arma na cintura, que é do século 19. Este agro atrapalha o outro agro, pois somos retaliados. Parte disso tem de ser quebrado. Quando olhamos para o desmatamento, que é terrível para o país e para o agronegócio e nos expõe a retaliação externa, vemos como a bandidagem tomou conta de uma área importante do território nacional. A indústria da grilagem envolve muita gente e está causando distorção no mercado. A gente é liberal, mas tem de saber em quais áreas é preciso ter mais Estado: a lei precisa ser cumprida nesses lugares. É preciso ter mais polícia. O grande desafio do agronegócio é muito mais deixar de ser exportador de commodities para ser exportador de produto com mais valor agregado. Se os chineses não embarcarem soja brasileira por três meses, quebra. O desafio é como criar mais valor agregado. Um quilo de café torrado custa R$ 20 reais; um quilo de cápsulas da Nespresso, R$ 590. A mudança que a gente tem de fazer é passar do agronegócio para a agroindústria, o que vai ajudar a reindustrialização do Brasil.

O programa do Novo defende a abertura unilateral da economia. Isso não retira poder de barganha do País em negociações com países e blocos como EUA e União Europeia?

Essa abertura econômica unilateral não é só uma questão tarifária. Você tem barreiras econômicas não tarifárias, reservas de mercado e subsídios internos. É importante ter uma data para abertura gradual da economia, para o Brasil estar entre os países emergentes mais abertos em quatro anos. Isso vai pressionar o setor privado a se mobilizar para pressionar por reformas no Congresso, pois, se tivermos a atual legislação tributária e a economia abrir, a indústria quebra em razão do sistema anacrônico. Isso vai criar um senso de urgência e de pressa, que vai levar o Congresso a andar com uma pauta que nunca andou por causa desse comodismo, pela falta de ameaça que mantém a dicotomia entre a redução do custo Brasil e a abertura econômica. Não conseguimos abrir a economia porque o custo Brasil é elevado. E aí o Brasil continua perdendo competitividade internacional e mercado. Além disso, a abertura econômica vai ajudar a reindustrialização do Brasil, pois garantirá acesso a equipamento de ponta. Hoje, se a indústria quiser comprar equipamento de ponta, vai custar duas vezes mais caro do que o concorrente internacional.

Em relação à questão ambiental, um obstáculo é a importância atual de setores, como petróleo, gás e carvão. Como fazer a transição para economia de zero carbono e, ao mesmo tempo, abrir mão da renda gerada por esse setores?

Isso vai ser feito de forma gradual. O Brasil já é o maior produtor de energia limpa do mundo e cada vez mais vai nessa direção. Os investimentos em eólica, solar e biomassa só crescem no Brasil. Agora vai entrar a eólica offshore na costa de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que pode gerar a mesma coisa que Itaipu. Essa transição da energia fóssil para limpa já está ocorrendo. O que precisamos é mudar mais o mercado. Somos o país que menos consome energia do carvão. Temos o problema do carvão vegetal que está concentrado na região norte, para a produção de ferro gusa. O Brasil tem hoje mais de 50 milhões de hectares de terras degradadas. Se usarmos 3 milhões desses hectares para plantar árvores, o Brasil será a primeira nação de carbono neutro até 2030. E o que é muito importante: nosso programa de reflorestamento de terra degradada não retira um milímetro de terra do agro. Isso vai gerar renda para as populações pobres. Vamos pegar fazendas de um a dez hectares e financiar o plantio de árvores, o que vai gerar uma receita de R$ 500 por hectare/ano para essas famílias. Isso vai ajudar a organizar o mercado doméstico de carbono. E, quando isso acontecer, o setor privado vai investir. Hoje, existe no mundo US$ 1,5 trilhão para investir em reflorestamento. Sabe quanto o Brasil pegou disso? Zero. Olha o dinheiro que estamos deixando na mesa para transformar árvore em renda. Para financiar o plantio de árvores, vamos taxar a Petrobras, antes de privatizá-la, com o green bonds. No mundo inteiro empresas como a Petrobras são taxadas, menos no Brasil.

Vender a Petrobras não é abrir mão de bilhões que o governo recebe hoje como acionista da empresa?

Não porque a energia fóssil perde valor a cada ano que passa. É bom vender a empresa rápido, pois cada vez mais ela vai valer menos. Além disso, estatais no Brasil são cabides de emprego e são usadas politicamente. Bolsonaro mudou quatro vezes o presidente da Petrobras porque acha que, mudando o presidente da empresa, vai mudar o preço da gasolina. Sabe quantas estatais tem nos EUA? Dezesseis. E sabe quantas têm no Brasil? Quatrocentos e cinquenta. Se você vender os quatro grandes grupos – Eletrobras, Petrobras, Correios e Caixa Econômica –, atinge 200 das estatais, que são subsidiárias das quatro grandes. Tem de vender a holding, pois a função da privatização é aumentar a concorrência e competição. Não é transferir o monopólio público para o privado. É preciso quebrar e vender em partes para aumentar a concorrência e a competição. O exemplo melhor disso é a telefonia. E precisa tomar cuidado em algumas áreas em que, se isso for malfeito, vai causar problemas no Brasil. Portos é uma delas. A privatização é importante para aumentar a concorrência e para despolitizar. De 2012 a 2021, o governo federal teve de injetar R$ 160 bilhões para cobrir prejuízo das estatais. Isso é praticamente o orçamento anual da Saúde. É o desperdício absoluto do dinheiro público quando temos outras prioridades para gastar esses recursos.

Felipe d'Avila, candidato do Novo à Presidência, acredita que o Brasil pode se destacar no mercado de carbono.  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Como passar a mensagem em uma eleição que está sendo marcada pela questão dos auxílios emergenciais com apenas 19 segundos na TV?

A primeira coisa é mostrar que o PT gosta tanto do pobre que quer aumentar o número de pobres no Brasil. Nós queremos acabar com a pobreza extrema. Não tem nenhum milagre. Se você usar o que se gasta hoje com planos sociais, como auxílio emergencial, mas focalizar nas famílias mais pobres, você resolve o problema. O que é focalizar? Um jovem de 20 anos desempregado vai receber os mesmos R$ 400 de uma mãe com duas crianças pequenas? Isso não é focalização. Todos os estudos comprovam que combater à miséria infantil é o maior retorno social que você tem com programas públicos. Vamos criar um indicador para cada item, como acabar com pobreza infantil. Vamos nos comprometer em reduzir pobreza extrema em quatro anos. Os partidos que dizem combatê-la nunca tiveram uma meta de reduzir a pobreza extrema no Brasil porque não têm programa focalizado e política pública baseada em dado e evidência. Hoje, a política pública é feita com visão eleitoreira, para manter reduto eleitoral. O melhor programa que temos hoje é o Bolsa Família. O que falta nele é a porta de saída, cria-se desestímulo para a formalização do trabalho.

O sr. defende uma nova reforma trabalhista, mas a esquerda diz que ela foi feita e hoje temos um mercado uberizado, onde predomina não o século 21, mas o 19, com a extrema exploração do trabalho. Ela vê um certo cinismo ao exigir que o trabalhador seja empreendedor, uma forma de instaurar o cada um por si. Como fazer a reforma sem que ela seja o ‘conto da Cinderela’, em que só alguns vão encontrar o sapatinho que cabe no seu pé?

Vou contar o conto do pesadelo. O Brasil tem 40 milhões de pessoas com carteira assinada e mais de 70 milhões na informalidade ou como MEI. Se tivéssemos uma boa legislação trabalhista, teríamos 100 milhões de brasileiros na formalidade. Precisamos democratizar a CLT, formalizar o trabalho e privilegiar o negociado sobre o legislado.

Isso não passa por um aperto contra quem comete fraudes?

Com certeza, o aperto em quem frauda a lei. Mas vamos pensar que no trabalho do século 21, a criação de emprego vai acontecer em quatro áreas. A primeira é a área digital. A segunda é a economia do entretenimento, com produção de conteúdo em rede social. A terceira área é a de serviços ambientais e a quarta é economia do cuidado, a de uma população que envelhece e que precisa de tudo calibrado para ela, uma população que, às vezes, é a que tem a renda mais alta da sociedade. Esses quatro setores, com a CLT não funcionam. Na economia do conhecimento, se você começa a criar burocracia, a pessoa vai criar sua empresa em outro lugar e vou trabalhar lá. O capital intelectual é a coisa de mais fácil mobilidade. Vão criar MEI no Uruguai e na Europa e vamos perder a mão de obra mais qualificada do Brasil. Não podemos deixar a CLT ser uma ancora contra o desenvolvimento. Aqui se trabalha seis meses por ano para pagar impostos do governo e outros cinco para comprar serviços privados porque os do governo não funcionam: tem de ter plano de saúde, pôr o filho em escola privada e pagar mais caro o condomínio por causa da segurança.

O sr. fala em estimular o federalismo. Como isso pode levar a políticas públicas eficientes, que possam ser replicadas no País?

Há 14 anos eu fundei e liderei o Centro de Liderança Pública. O que o CLP mostra é que as políticas de sucesso no Brasil estão em Estados e municípios. São políticas focadas em resolver problemas de acordo com o contexto local. Portanto, a descentralização do poder é algo vital para testarmos políticas públicas e dar autonomia e dinheiro para resolver problemas locais, além de diminuir a romaria à Brasília, que é a maior fonte de corrupção no gasto público. Por isso, é importante fazer valer o verdadeiro federalismo. A descentralização é fundamental para o combate à corrupção e para o aumento da eficiência do governo e da cobrança da população para a resolução dos problemas das comunidades.

O sr. fala no combate aos privilégios das corporações e do setor privado parasitário. O sr. poderia dar um exemplo do que seriam essas corporações e quais os setores privados são parasitários? E quais desses privilégios devem ser removidos da Constituição?

No Brasil a gente tem dois grandes problemas: o centrão político, que é esse do fisiologismo, do corporativismo, e o centrão empresarial. O centrão empresarial não está interessado em ganhar o mercado; ele está interessado em ganhar o governo para conseguir mais subsídios, mais reservas de mercado e mais privilégios. Temos hoje R$ 450 bilhões sendo gastos com subsídios. Muitas empresas fazem seu plano de negócios levando em conta, na margem de lucro, o subsídio que vão receber do governo. Um desastre. Você precisa ter empresa para ganhar o mercado e não para ganhar Brasília a fim de se tornar lucrativa. Vamos colocar no orçamento da Nação um mecanismo de avaliação do recurso público. Nós precisamos saber se o subsídio está tendo impacto ou não. Se não tiver, tem de acabar. A segunda coisa é ter uma cláusula que determine o tempo do subsídio. Por exemplo, se em seis anos a empresa que recebe o subsídio não se tornar competitiva internacionalmente, acaba. Todo subsídio tem de ter prazo de validade para não viciar o setor em subsídio.

No Brasil a gente tem dois grandes problemas: o centrão político, que é esse do fisiologismo, do corporativismo, e o centrão empresarial.”

Felipe d’Avila, o candidato do Novo à Presidência

Onde está concentrado esse centrão empresarial?

Essa cadeia está desde a matéria-prima. O que precisamos fazer com a abertura econômica é uma padronização de regras. No Brasil, você pega qualquer produto e, para produzir com conteúdo nacional, ele fica 30% mais caro. A gente tem de olhar a cadeia como um todo e entender o que derruba a competitividade da indústria brasileira. Por isso é que não pode ser só abertura tarifária.

Eleito, como o sr. vai fazer para conseguir governar com essa quantidade de partidos e com o orçamento cada vez mais capturado pelo Congresso?

Como se cria consenso em política? A regra é impacto da política versus custo político. Você precisa saber qual o custo político porque se não todo mundo fica olhando o impacto e deixa de ver o quanto aquilo vai lhe render em votos. Se você pegar uma pauta, que é a retomada do crescimento econômico com geração de renda e emprego, você vai dizer: quem vai ser contra isso hoje? Você vai gerar mais dinheiro para economia legal e vai se reeleger mais fácil. Quem é que vai votar contra? Tem de criar um custo, pois quem vai votar contra são os que não representam o povo brasileiro, mas as corporações. Essa é a turma que vai sabotar. Mas quem é a favor do eleitor vai falar que isso aqui é positivo. É semelhante com a questão da reforma previdenciária. Quando ela recebeu apoio? Quando se criou uma narrativa que ela ia acabar com privilégios.

Mas acabou com privilégios? Não temos regimes diferentes de previdência mantidos, como a dos militares e do alto funcionalismo público? Isso não é uma deficiência do sistema?

Continua. Nós fizemos a reforma da previdência parcialmente. Uma das coisas centrais para resgatarmos a credibilidade do estado democrático de direito é a lei ser igual para todos. Nós temos uma enorme dificuldade com esse princípio do liberalismo porque todo mundo acha que a lei é igual para os outros, mas para ele é diferente. E aí temos essa República dos privilégios. A previdência oficial tem de ser igual para todos.

E por que isso não está no programa de vocês?

Temos de enumerar agora prioridades. E a prioridade agora é a retomada do crescimento econômico. Mas isso não significa que não vamos avançar com outras reformas. O importante hoje é: se o Brasil não voltar a crescer, não vamos resolver os problemas sociais. Nosso problema é ter um País que não cresce e envelhece rápido.

Um ponto polêmico de seu programa de governo é pôr dinheiro do Fundeb nas escolas charter. Pôr dinheiro público nas OSs que administram essas escolas não seria abrir a possibilidade de que essa verba seja capturada por máfias, como a das OSs da Saúde?

Temos de separar o joio do trigo, criando indicadores. Qual a história da Educação? Tudo o que aumentar a concorrência do mercado é melhor para a Educação. Não é que a escola charter resolva o problema da Educação. O que vai resolver é aumentar a oferta da educação de qualidade. É ter mecanismos para algumas escolas poderem comprar um sistema de ensino que funcione, mas que hoje não podem pela lei de licitação. Você tem produtos de prateleiras que você quer comprar e não pode. O engessamento da lei não permite adquirir algo com eficiência comprovada. A escola charter dá uma flexibilidade que não existe no Estado.

Mas o caminho não seria reformar o Estado do que abrir esse precedente?

A primeira coisa é aumentar a concorrência, mas com métrica. A reforma do Estado não dá para fazer a curto prazo, e não podemos esperá-la para resolver problemas, como a baixa alfabetização das crianças, pois, se não, perdemos uma geração. Há um senso de urgência que temos de resolver. Tem de ter métrica. Nós temos de mensurar a qualidade do serviço prestado para o usuário. Eu não quero saber se estou gastando 5% do PIB com a Educação, quero saber se as crianças estão aprendendo. Só um em cada dez alunos, ao terminar o ensino médio, sabe o conteúdo devido em matemática e português. A nossa métrica não é o aprendizado do aluno, mas o custo da máquina da Educação. Temos de mudar essa mentalidade. O Estado tem de servir o cidadão. No Brasil, o Estado se serve do cidadão para alimentar a máquina pública. Uma das formas de acelerar essa mudança é parceria público-privada e escolas charter. Veja a lei que aprovaram do piso para os enfermeiros. Isso está fechando leitos. Ela não foi feita pensando no usuário, mas no corporativismo da Saúde.

E aí tem outro ponto polêmico do programa: estabelecer mandato para o diretor da Polícia Federal. Isso não faz o governo perder o controle sobre esse setor da burocracia estatal e, portanto, de sua capacidade de criar políticas públicas, deixando esse setor livre de prestar contas à sociedade? Isso não pode levar esse corpo a atuar segundo seus interesses, tornando o governo refém? Não se arrisca criar um Estado capturado pela polícia? E se as polícias estaduais e o Exército exigirem a mesma autonomia em relação ao Poder Civil?

Para aumentar a credibilidade da polícia, o que precisamos é aumentar a digitalização de bancos de dados e compartilhamento de dados, pois o combate ao crime é um combate com inteligência. É preciso unificar dados e ter transparência. Voltando à questão do mandato. Ora, nós não acabamos de dar independência ao presidente do Banco Central? O presidente do BC tem mandato descasado do presidente da República justamente para não ser usado politicamente. Se não tivesse sido aprovada a independência do Banco Central, o Roberto Campos estava na rua, pois na hora de aumentar a taxa de juros em ano eleitoral, o presidente do Banco Central seria demitido. Bolsonaro já removeu vários diretores da PF porque cada vez que uma investigação chega perto de alguém da família, ele manda o cara embora. A ideia não é tirar o poder do presidente, o diretor será escolha do presidente, mas o mandato não pode coincidir com o do presidente da República para dar à PF autonomia para investigar escândalos de corrupção.

PMs querem aprovar a mesma coisa no Congresso. E isso está sendo combatido por todos os governadores. Dar esse poder ao aparelho policial não é perigoso? E se o diretor da PF se revelar uma pessoa ruim? Não seria melhor garantir a independência do Ministério Público Federal, constitucionalizando a lista tríplice para a escolha do procurador-geral, como ocorre nos Estados, em vez deixar isso ao arbítrio do presidente da República?

Primeiro lugar. Isso é restrito à Polícia Federal e não deve acontecer com as polícias estaduais. Nas Polícias Militar e Civil o comando tem de ser do governador e não tem de ter essa independência. Por que no caso da PF? Por duas coisas. Primeiro, se você escolher de forma não criteriosa ou corporativista o diretor da PF, você vai criar um problema para você mesmo, como no caso do presidente do Banco Central. Se você escolher um amigão ele vai arruinar o seu governo e o próximo. A verdade é que isso dá mais responsabilidade na escolha, mas essa independência da PF não se estende às polícias estaduais. A autonomia da PF é importante para combater a corrupção, se não todo escândalo estará atrelado ao querer e ao não querer da política e cada vez mais a política quer menos.

Em outro ponto do programa, o sr. defende mudança nas normas para a escolha dos reitores das universidades públicas. Isso não atenta contra a autonomia universitária e não replica de certo modo um ressentimento presente em setores da direita contra as universidades, a exemplo do que ocorre no atual governo?

Como é que Harvard escolhe seu reitor? Tem um headhunter, um comitê que faz triagem e escolhe o reitor. Como o Impa e o ITA escolhem? Como se escolhe um CEO de uma empresa? Se tem algo que funciona, por que não fazemos o mesmo no setor público? Veja só o que gastamos de dinheiro. Esse corporativismo tomou conta da universidade, que sorve dinheiro e não produz absolutamente nada. As universidades brasileiras são uma vergonha. Nenhuma delas está entre as 50 melhores do mundo. É preciso melhorar a governança, e a melhora dela começa pela escolha da reitoria.

Para muitos o novo mandato será de transição. Caso isso prevaleça, não teria de haver uma aliança programática em busca de consensos. O sr. estaria disposto?

Não tem a menor chance de ter plano programático com os dois líderes das pesquisas. Vou lembrar o Churchill. Em 1938, a Inglaterra tinha a opção da honra ou da guerra e teve a desonra (com o Pacto de Munique, entregando a Checoslováquia a Hitler) e a guerra. E é o que vai acontecer no Brasil se nós desonrarmos o nosso voto nessa eleição. Nós vamos ter a guerra, vamos ter uma crise política e social no Brasil nunca vista. Aí sim, nós vamos para trincheira defender a democracia. Achar que dá para fazer acordo com Lula e Bolsonaro é óbvio que não dá. Esses caras estão no poder há 20 anos e não fizeram nada. Por que vão fazer agora? É o autoengano com o Bolsonaro. Sempre votou contra as pautas liberais, daí descobre o Posto Ipiranga e diz que vai ser liberal do dia para a noite. O maior risco da eleição é continuarmos o autoengano e escolher o mal menor, cujo risco, como disse Hannah Arendt, é esquecer rapidamente que você escolheu o mal. Não tem como compactuar com essa turma. Não tem acordo. Por isso voto nulo.

Como o Novo vai se comportar diante da revisão de cotas raciais? É uma questão sobre impacto da política e custo político?

A primeira coisa que precisamos ter é igualdade perante a lei e nós não temos isso. Quando você começa a apelar para o sistema de cotas antes de ter igualdade perante a lei, o que você está fazendo é criando outro feudo, que vai viver cada vez mais de privilégio. Primeiro vamos fazer a igualdade perante a lei e, depois, ver onde há distorções. Onde há distorções, se precisar haver alguma política de cotas para corrigir a distorção e de forma temporária, pode ser discutida. Mas, discutir isso antes de fazer valer a igualdade perante a lei, não. Se não tiver educação pública de qualidade e oportunidades iguais, você sempre vai ter distorção. Mas aí é por questão de cota ou por não ter acesso?

No Brasil, diz-se que essas coisas se sobrepõem: a questão racial e a questão social. Os negros e pardos são mais pobres que os pobres brancos. Aqui eles são 54% da população; nos EUA, 15%. Lá criaram cotas. Os defensores dessa política dizem que ela aqui é ainda mais urgente...

Qual é o dado e evidência de que a política de cotas funciona? Não tem nenhum.

Os defensores da medida dizem que nas universidades públicas ela modificou o perfil de alunos das instituições, aumentando o total de alunos de escolas públicas, de negros e de pardos sem redução do rendimento dos alunos. Isso já não seria um efeito importante da política?

Para mim não é, pois a questão não é quantas pessoas estão nas universidades, mas quantas assumiram cargos de comando em empresas, quanto dessa turma de cota virou diretor de empresa. Porque se não você vai ter gente com diploma motorista de Uber. Você tá dando diploma sem melhorar a vida dela. E essa ascensão social não aconteceu com o regime de cota. Duas coisas importantes: a sociedade já comprou a pauta de que diversidade é um grande ativo para uma empresa ou para uma universidade. Mesmo que não tenha regime de cotas, como em algumas universidades americanas não tem, na escolha dos alunos, elas procuram pessoas de diferentes raças, etnias e religiões porque entendem que a pluralidade é o que faz a riqueza das universidades. Quando a sociedade abraça uma causa, por que o Estado vai se meter? Se uma empresa não tiver diversidade, ela vai sofrer na ponta porque o consumidor não vai comprar o produto dela. O Estado atrapalha quando inventa políticas públicas onde a sociedade comprou a ideia. Então, vamos fazer com que a lei seja para todos e fazer com que a sociedade pressione cada vez mais as universidades e as empresas a ter diversidade e daí vamos analisar para ver se é preciso ter cota em algum setor durante um tempo para resolver uma desigualdade brutal.

O maior risco da eleição é continuarmos o autoengano e escolher o mal menor, cujo risco, como disse Hannah Arendt, é esquecer rapidamente que você escolheu o mal.”

Felipe d’Avila, o candidato do Novo à Presidência

Você seriam favoráveis à revisão da política de cotas com o fim das atuais cotas?

Sim. Exatamente.

O sr. está prevendo quanto terá de gastos da campanha?

Nossa campanha para presidente da República custa menos do que uma campanha para deputado federal para o União Brasil. Por que a campanha fica barata? Oitenta por cento do dinheiro da campanha são gastos de três formas: primeiro é o marketing e produção de TV. Eu tenho só 19 segundos. Não tenho como gastar. O segundo é transporte. Nossos homens do povo adoram andar de jatinho, eu só viajo em voo comercial. E o terceiro é gráfica. Nós só usamos meios eletrônicos. Então, se você pega esses itens, reduz muito o custo de campanha. Eu asseguro que vamos gastar menos de R$ 2 milhões. Vai ter campanha que vai gastar R$ 80 milhões. Nossa campanha será com dinheiro de nossos filiados e de nossos apoiadores.

Na meta 8 do programa, o Novo trata da Defesa. Mas não menciona reforma da estrutura das Forças Armadas, que consomem a maioria de seus recursos com salários e pensões e pouco com Ciência e Tecnologia que são alavancas de desenvolvimento em outros países. Por que mexer com os militares ainda é um tabu na nossa República?

O que as Forças Armadas têm de fazer é gastar muito menos com pessoal e mais com tecnologia e desenvolvimento. Eu gosto de dar o exemplo do programa do Reagan, o Guerra nas Estrelas. Ele teve uma importância gigantesca para a sociedade civil, em satélites, em ótica e computação. Entendo que as Forças Armadas devem fazer parte do desenvolvimento tecnológico do Brasil e não serem tratadas como uma caixinha separada. Nós imaginamos que isso deve ser feito em parte pelas universidades e em parte pelas Forças Armadas. Isso é difícil pôr em um plano de governo, pois temos o Livro Branco da Defesa. Mas vamos abrir um diálogo, que é como gastar menos com pessoal e aumentar gastos com pesquisa e desenvolvimento, que exige dotação orçamentária constante. E temos de trazer o setor privado para isso.

A meta 10 do Novo é voltada à defesa dos direitos humanos e das minorias, o que aproximaria mais o Novo de partidos mais à esquerda do que do bolsonarismo. Há pontos no programa que não são tão diferentes dos defendidos por candidatos como Lula da Silva. Apesar de o Novo se pôr na oposição, pode haver pontos de consenso com futuros governos?

Tudo o que é pauta que vai aumentar competitividade do Brasil e sua participação no comércio internacional e estimular o crescimento econômico sustentável, nós vamos apoiar, como apoiamos no governo Bolsonaro. Apoiamos a reforma previdenciária, a independência do Banco Central, o novo Marco das Startups e a nova lei do gás. Votamos com o governo em todas as pautas que melhoram o ambiente de negócios do Brasil e, se o PT apresentar pautas que melhorarem o ambiente de negócios, nós vamos votar. Agora, eu digo o seguinte: em governo populista tudo de bom que é aprovado é por desconhecimento do governo, pois se ele entendesse que é importante não aprovaria. O que o Marcos Lisboa aprovou com o Palocci nos primeiros meses do governo Lula é porque o Lula não tinha noção do que estava sendo feito. O problema é que se você quiser apostar na aprovação de pautas boas para o Brasil é fundamental que elas passem debaixo do radar dos populistas, se não elas não serão aprovadas. Se o Bolsonaro soubesse o que é a independência do Banco Central, ele não aprovava.

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