Análises fora da bolha

A mente moralista brasileira


Para conectar com brasileiros de outras matrizes, urge entender sua configuração mental

Por Felipe Moura Brasil

Jonathan Haidt cresceu em família judia nos subúrbios de Nova York. Para a geração de seus avós, Franklin Roosevelt, do Partido Democrata, foi o herói que derrotou Hitler.

Haidt ainda frequentou a Universidade de Yale, onde ser de esquerda, esnobando republicanos, era moralmente correto, como admite no livro A mente moralista – Por que pessoas boas são segregadas por política e religião.

“Nós apoiávamos políticas esquerdistas porque queríamos ajudar as pessoas, mas eles apoiavam políticas direitistas por puro interesse próprio (abaixe meus impostos!) ou racismo velado (pare de financiar programas sociais para minorias!). Nunca consideramos a possibilidade de existir mundos morais alternativos nos quais reduzir os danos (ajudando as vítimas) e aumentar a justiça (buscando a igualdade de grupo) não fossem os principais objetivos.”

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Universidade de Yale; lugar onde esnobar republicanos era moralmente correto, admite Haidt. Foto: Cristopher Capozziello/The New York Times

Só na Índia, onde estudou psicologia cultural, Haidt fez de tudo para se “encaixar em outra matriz”. Quando voltou, os direitistas não lhe soaram mais “tão loucos”. Ele passou a reconhecer em cada lado “visões profundamente conflitantes, mas igualmente sinceras, de uma boa sociedade”, livrando-se da “conclusão que a raiva moralista exige: nós estamos certos, eles estão errados. Pude explorar novas matrizes morais, cada uma apoiada por suas próprias tradições intelectuais. Parecia um tipo de despertar.”

Seu segundo “despertar” foi o livro Conservatism, do historiador Jerry Muller. “Como esquerdista ao longo de toda a vida, presumi que conservadorismo = ortodoxia = religião = fé = rejeição à ciência. Portanto, como ateu e cientista, eu era obrigado a ser de esquerda.” Mas Muller quebrou seus preconceitos sobre o tema, assim como Edmund Burke, Friedrich Hayek e Thomas Sowell. “Comecei a ver que eles haviam alcançado uma visão crucial da sociologia da moralidade que eu nunca vira”, confessa Haidt, elogiando os “intelectuais conservadores, não o Partido Republicano”.

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Para o Brasil de hoje, polarizado entre populismos de esquerda e direita que emulam cartilhas partidárias americanas e desvirtuam tradições, o desprendimento do professor doutor é tão exemplar quanto sua teoria dos alicerces morais (Cuidado/dano, Liberdade/opressão, Justiça/trapaça, Lealdade/traição, Autoridade/subversão, Pureza/degradação), que mostra como esquerdistas e direitistas dão diferentes pesos a cada um.

Para estabelecer conexões com brasileiros de outras matrizes, abduzidos ou não pela propaganda de Lula e Bolsonaro, urge entender suas configurações mentais.

*Artigo publicado originalmente na edição impressa de O Estado de S. Paulo em 09/05/2022

Jonathan Haidt cresceu em família judia nos subúrbios de Nova York. Para a geração de seus avós, Franklin Roosevelt, do Partido Democrata, foi o herói que derrotou Hitler.

Haidt ainda frequentou a Universidade de Yale, onde ser de esquerda, esnobando republicanos, era moralmente correto, como admite no livro A mente moralista – Por que pessoas boas são segregadas por política e religião.

“Nós apoiávamos políticas esquerdistas porque queríamos ajudar as pessoas, mas eles apoiavam políticas direitistas por puro interesse próprio (abaixe meus impostos!) ou racismo velado (pare de financiar programas sociais para minorias!). Nunca consideramos a possibilidade de existir mundos morais alternativos nos quais reduzir os danos (ajudando as vítimas) e aumentar a justiça (buscando a igualdade de grupo) não fossem os principais objetivos.”

Universidade de Yale; lugar onde esnobar republicanos era moralmente correto, admite Haidt. Foto: Cristopher Capozziello/The New York Times

Só na Índia, onde estudou psicologia cultural, Haidt fez de tudo para se “encaixar em outra matriz”. Quando voltou, os direitistas não lhe soaram mais “tão loucos”. Ele passou a reconhecer em cada lado “visões profundamente conflitantes, mas igualmente sinceras, de uma boa sociedade”, livrando-se da “conclusão que a raiva moralista exige: nós estamos certos, eles estão errados. Pude explorar novas matrizes morais, cada uma apoiada por suas próprias tradições intelectuais. Parecia um tipo de despertar.”

Seu segundo “despertar” foi o livro Conservatism, do historiador Jerry Muller. “Como esquerdista ao longo de toda a vida, presumi que conservadorismo = ortodoxia = religião = fé = rejeição à ciência. Portanto, como ateu e cientista, eu era obrigado a ser de esquerda.” Mas Muller quebrou seus preconceitos sobre o tema, assim como Edmund Burke, Friedrich Hayek e Thomas Sowell. “Comecei a ver que eles haviam alcançado uma visão crucial da sociologia da moralidade que eu nunca vira”, confessa Haidt, elogiando os “intelectuais conservadores, não o Partido Republicano”.

Para o Brasil de hoje, polarizado entre populismos de esquerda e direita que emulam cartilhas partidárias americanas e desvirtuam tradições, o desprendimento do professor doutor é tão exemplar quanto sua teoria dos alicerces morais (Cuidado/dano, Liberdade/opressão, Justiça/trapaça, Lealdade/traição, Autoridade/subversão, Pureza/degradação), que mostra como esquerdistas e direitistas dão diferentes pesos a cada um.

Para estabelecer conexões com brasileiros de outras matrizes, abduzidos ou não pela propaganda de Lula e Bolsonaro, urge entender suas configurações mentais.

*Artigo publicado originalmente na edição impressa de O Estado de S. Paulo em 09/05/2022

Jonathan Haidt cresceu em família judia nos subúrbios de Nova York. Para a geração de seus avós, Franklin Roosevelt, do Partido Democrata, foi o herói que derrotou Hitler.

Haidt ainda frequentou a Universidade de Yale, onde ser de esquerda, esnobando republicanos, era moralmente correto, como admite no livro A mente moralista – Por que pessoas boas são segregadas por política e religião.

“Nós apoiávamos políticas esquerdistas porque queríamos ajudar as pessoas, mas eles apoiavam políticas direitistas por puro interesse próprio (abaixe meus impostos!) ou racismo velado (pare de financiar programas sociais para minorias!). Nunca consideramos a possibilidade de existir mundos morais alternativos nos quais reduzir os danos (ajudando as vítimas) e aumentar a justiça (buscando a igualdade de grupo) não fossem os principais objetivos.”

Universidade de Yale; lugar onde esnobar republicanos era moralmente correto, admite Haidt. Foto: Cristopher Capozziello/The New York Times

Só na Índia, onde estudou psicologia cultural, Haidt fez de tudo para se “encaixar em outra matriz”. Quando voltou, os direitistas não lhe soaram mais “tão loucos”. Ele passou a reconhecer em cada lado “visões profundamente conflitantes, mas igualmente sinceras, de uma boa sociedade”, livrando-se da “conclusão que a raiva moralista exige: nós estamos certos, eles estão errados. Pude explorar novas matrizes morais, cada uma apoiada por suas próprias tradições intelectuais. Parecia um tipo de despertar.”

Seu segundo “despertar” foi o livro Conservatism, do historiador Jerry Muller. “Como esquerdista ao longo de toda a vida, presumi que conservadorismo = ortodoxia = religião = fé = rejeição à ciência. Portanto, como ateu e cientista, eu era obrigado a ser de esquerda.” Mas Muller quebrou seus preconceitos sobre o tema, assim como Edmund Burke, Friedrich Hayek e Thomas Sowell. “Comecei a ver que eles haviam alcançado uma visão crucial da sociologia da moralidade que eu nunca vira”, confessa Haidt, elogiando os “intelectuais conservadores, não o Partido Republicano”.

Para o Brasil de hoje, polarizado entre populismos de esquerda e direita que emulam cartilhas partidárias americanas e desvirtuam tradições, o desprendimento do professor doutor é tão exemplar quanto sua teoria dos alicerces morais (Cuidado/dano, Liberdade/opressão, Justiça/trapaça, Lealdade/traição, Autoridade/subversão, Pureza/degradação), que mostra como esquerdistas e direitistas dão diferentes pesos a cada um.

Para estabelecer conexões com brasileiros de outras matrizes, abduzidos ou não pela propaganda de Lula e Bolsonaro, urge entender suas configurações mentais.

*Artigo publicado originalmente na edição impressa de O Estado de S. Paulo em 09/05/2022

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