Análises fora da bolha

As bolhas da estupidez


Lulistas e bolsonaristas podem aprender com a trajetória de Gilberto Freyre

Por Felipe Moura Brasil
Atualização:

“Não é nada fácil, mesmo para os mais lúcidos ou mais ousados, resistir ao canto da sereia das ideias dominantes.”

Esta foi, segundo o historiador Evaldo Cabral de Mello, a “grande lição” extraída por Maria Lúcia Pallares-Burke, “ao reconstituir” no livro Gilberto Freyre: um vitoriano nos trópicos “a trajetória tortuosa, mas corajosa (do eugenismo à valorização da mestiçagem)” que o sociólogo “teve de percorrer por sua própria conta e risco”, antes de publicar Casa-grande & senzala, em 1933.

Pallares-Burke disse em entrevista de 2018 a Bernardo Buarque de Hollanda ter “um especial interesse por estudar o período formativo, aquilo que faz alguém se tornar ou realizar aquilo pelo qual depois ficou famoso”. Seu livro sobre Freyre apurou “o que teria feito um indivíduo que, quando jovem, compartilhava com a elite os preconceitos da época contra o mestiço, vendo-o como um elemento que impedia o progresso do Brasil, mudar drasticamente de atitude” e “se impor como um defensor da mestiçagem”.

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Felipe Moura Brasil: '(Gilberto) Freyre saiu da bolha'.  Foto: Acervo Estadão

Ela verificou “que ele havia compartilhado as ideias racistas mais extremas em voga nos Estados Unidos que conheceu a partir de 1918″ e “que os preconceitos com que saíra do Brasil haviam aumentado significativamente, por algum tempo, com o que encontrou lá fora em total ebulição”: o racismo de pretensões científicas. “Ele chegou a escrever com simpatia sobre a Ku Klux Klan e outros defensores da ‘democracia branca’ nos Estados Unidos”, incluindo Tillman Benjamin, “um dos mais brutais”.

A historiadora considerou “chocante” o “elogio” de Freyre a Benjamin, bem como “sua admiração pelos programas norte-americanos para a ‘melhoria da raça’, muito inspirados na assim chamada ‘ciência da raça’ e na sinistra pseudociência da eugenia”.

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Por influência de Rudiger Bilden, amigo que conheceu no ambiente universitário, porém, Freyre descobriu o antropólogo e professor Franz Boas, raro opositor do racismo científico. “As ideias de Boas foram absorvidas e digeridas por Freyre lentamente, fruto de conversas com Bilden e de leituras feitas com mais cuidado após sair da Columbia University e voltar para o Brasil. Não foi, portanto, uma conversão imediata”.

Mas Freyre saiu da bolha.

Bolsonaristas presentes no sequestro do bicentenário da Independência por D. “Imbrochável” não são membros da KKK, como acusou Lula, agravando a estupidez eleitoral. O que falta a eles, como a lulistas, é abertura à influência de amigos e intelectuais resistentes ao “canto da sereia das ideias dominantes” de seu tempo.

“Não é nada fácil, mesmo para os mais lúcidos ou mais ousados, resistir ao canto da sereia das ideias dominantes.”

Esta foi, segundo o historiador Evaldo Cabral de Mello, a “grande lição” extraída por Maria Lúcia Pallares-Burke, “ao reconstituir” no livro Gilberto Freyre: um vitoriano nos trópicos “a trajetória tortuosa, mas corajosa (do eugenismo à valorização da mestiçagem)” que o sociólogo “teve de percorrer por sua própria conta e risco”, antes de publicar Casa-grande & senzala, em 1933.

Pallares-Burke disse em entrevista de 2018 a Bernardo Buarque de Hollanda ter “um especial interesse por estudar o período formativo, aquilo que faz alguém se tornar ou realizar aquilo pelo qual depois ficou famoso”. Seu livro sobre Freyre apurou “o que teria feito um indivíduo que, quando jovem, compartilhava com a elite os preconceitos da época contra o mestiço, vendo-o como um elemento que impedia o progresso do Brasil, mudar drasticamente de atitude” e “se impor como um defensor da mestiçagem”.

Felipe Moura Brasil: '(Gilberto) Freyre saiu da bolha'.  Foto: Acervo Estadão

Ela verificou “que ele havia compartilhado as ideias racistas mais extremas em voga nos Estados Unidos que conheceu a partir de 1918″ e “que os preconceitos com que saíra do Brasil haviam aumentado significativamente, por algum tempo, com o que encontrou lá fora em total ebulição”: o racismo de pretensões científicas. “Ele chegou a escrever com simpatia sobre a Ku Klux Klan e outros defensores da ‘democracia branca’ nos Estados Unidos”, incluindo Tillman Benjamin, “um dos mais brutais”.

A historiadora considerou “chocante” o “elogio” de Freyre a Benjamin, bem como “sua admiração pelos programas norte-americanos para a ‘melhoria da raça’, muito inspirados na assim chamada ‘ciência da raça’ e na sinistra pseudociência da eugenia”.

Por influência de Rudiger Bilden, amigo que conheceu no ambiente universitário, porém, Freyre descobriu o antropólogo e professor Franz Boas, raro opositor do racismo científico. “As ideias de Boas foram absorvidas e digeridas por Freyre lentamente, fruto de conversas com Bilden e de leituras feitas com mais cuidado após sair da Columbia University e voltar para o Brasil. Não foi, portanto, uma conversão imediata”.

Mas Freyre saiu da bolha.

Bolsonaristas presentes no sequestro do bicentenário da Independência por D. “Imbrochável” não são membros da KKK, como acusou Lula, agravando a estupidez eleitoral. O que falta a eles, como a lulistas, é abertura à influência de amigos e intelectuais resistentes ao “canto da sereia das ideias dominantes” de seu tempo.

“Não é nada fácil, mesmo para os mais lúcidos ou mais ousados, resistir ao canto da sereia das ideias dominantes.”

Esta foi, segundo o historiador Evaldo Cabral de Mello, a “grande lição” extraída por Maria Lúcia Pallares-Burke, “ao reconstituir” no livro Gilberto Freyre: um vitoriano nos trópicos “a trajetória tortuosa, mas corajosa (do eugenismo à valorização da mestiçagem)” que o sociólogo “teve de percorrer por sua própria conta e risco”, antes de publicar Casa-grande & senzala, em 1933.

Pallares-Burke disse em entrevista de 2018 a Bernardo Buarque de Hollanda ter “um especial interesse por estudar o período formativo, aquilo que faz alguém se tornar ou realizar aquilo pelo qual depois ficou famoso”. Seu livro sobre Freyre apurou “o que teria feito um indivíduo que, quando jovem, compartilhava com a elite os preconceitos da época contra o mestiço, vendo-o como um elemento que impedia o progresso do Brasil, mudar drasticamente de atitude” e “se impor como um defensor da mestiçagem”.

Felipe Moura Brasil: '(Gilberto) Freyre saiu da bolha'.  Foto: Acervo Estadão

Ela verificou “que ele havia compartilhado as ideias racistas mais extremas em voga nos Estados Unidos que conheceu a partir de 1918″ e “que os preconceitos com que saíra do Brasil haviam aumentado significativamente, por algum tempo, com o que encontrou lá fora em total ebulição”: o racismo de pretensões científicas. “Ele chegou a escrever com simpatia sobre a Ku Klux Klan e outros defensores da ‘democracia branca’ nos Estados Unidos”, incluindo Tillman Benjamin, “um dos mais brutais”.

A historiadora considerou “chocante” o “elogio” de Freyre a Benjamin, bem como “sua admiração pelos programas norte-americanos para a ‘melhoria da raça’, muito inspirados na assim chamada ‘ciência da raça’ e na sinistra pseudociência da eugenia”.

Por influência de Rudiger Bilden, amigo que conheceu no ambiente universitário, porém, Freyre descobriu o antropólogo e professor Franz Boas, raro opositor do racismo científico. “As ideias de Boas foram absorvidas e digeridas por Freyre lentamente, fruto de conversas com Bilden e de leituras feitas com mais cuidado após sair da Columbia University e voltar para o Brasil. Não foi, portanto, uma conversão imediata”.

Mas Freyre saiu da bolha.

Bolsonaristas presentes no sequestro do bicentenário da Independência por D. “Imbrochável” não são membros da KKK, como acusou Lula, agravando a estupidez eleitoral. O que falta a eles, como a lulistas, é abertura à influência de amigos e intelectuais resistentes ao “canto da sereia das ideias dominantes” de seu tempo.

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