Inflar preços de equipamentos essenciais para a população, como tratores, ônibus escolares e caminhões de lixo, é uma forma perversa de desviar dinheiro dos pagadores de impostos, sob a falsa aparência de compromisso com o bem-estar da sociedade.
Governo, senadores e deputados ganham apoio local com a propaganda das entregas para prefeitos, enquanto escoam por empresas suspeitas a diferença entre o preço inflado pago pelo poder público e o valor de tabela de cada unidade comprada – ou da que deveria ter sido comprada em lugar da que acabou sendo.
O Estadão tem apontado indícios de superfaturamento, fantasmas e laranjas nessas negociatas federais. Caberia ao Ministério Público denunciar eventuais corruptos, verificando ainda se o dinheiro escoado vai parar em seus bolsos e campanhas.
A reportagem sobre caminhões comprados pelo governo Bolsonaro para atender sua base no Congresso – escândalo batizado nas redes sociais de “bolsolixo” – “identificou pagamentos inflados de R$ 109 milhões”. “A diferença dos preços de compra de modelos idênticos, em alguns casos, chegou a 30%. Em outubro passado, por exemplo, o governo adquiriu um modelo de caminhão por R$ 391 mil. Menos de um mês depois, aceitou pagar R$ 505 mil pelo mesmo veículo. Há casos também em que o governo recebeu veículos menores do que o comprado sem reaver a diferença de preço.”
Com R$ 114 mil de diferença entre o preço inflado do caminhão e o valor da unidade em compras anteriores, chega-se a mais de R$ 3,6 milhões em gastos extras na compra de 32 veículos pela Codevasf, a “estatal do Centrão”.
Do mesmo modo, pagar por cada caminhão, dos 18 comprados pela superintendência da Codevasf em Pernambuco, R$ 85.682,42 a mais que o valor pago dois meses antes pelo braço da estatal em Brasília resulta em R$ 1,5 milhão de excesso, escoado por fornecedora registrada em nome de beneficiário do auxílio emergencial.
Quem comanda o braço pernambucano da Codevasf é um apadrinhado de Fernando Bezerra Coelho, o mesmo ex-líder do governo Bolsonaro no Senado que destinou à cidade então administrada por seu filho R$ 13 milhões do orçamento secreto, parte dos quais ao hospital gerido por uma entidade comandada por outro familiar.
Pelo mesmo duto do Fundo Nacional da Saúde, o senador Márcio Bittar, relator do Orçamento em 2021, enviou R$ 11 milhões a um hospital gerido por amigo dele e acusado de cometer fraude para receber os recursos. Neste caso, pelo menos, o MPF agiu. Precisa, agora, correr atrás da imprensa nos outros.
*Artigo publicado originalmente na edição impressa de O Estado de S. Paulo em 23/05/2022