No dia 23 de março de 1996 o então presidente Fernando Henrique Cardoso recusou um pedido feito pelo deputado Francisco Dornelles (à época no PPB) em nome da bancada do Rio de Janeiro para que o também deputado Eduardo Cunha (PMDB), hoje presidente da Câmara, fosse nomeado diretor comercial da Petrobrás. “Imagina!”, reagiu FHC, apontando “problemas com esse nome”.
O episódio é narrado pelo próprio Fernando Henrique no livro Diários da Presidência, a ser lançado no fim deste mês pela Companhia das Letras, do qual a revista piauí publica trechos inéditos na edição que chega às livrarias nesta segunda-feira, 5.
“Na verdade o que eles (deputados do Rio) querem é nomear o Eduardo Cunha diretor comercial da Petrobras! Imagina! O Eduardo Cunha foi presidente da Telerj, nós o tiramos de lá no tempo de Itamar (Franco, ex-presidente da República) porque ele tinha trapalhadas, ele veio da época do Collor. Eu fiz sentir que conhecia a pessoa e que sabia que havia resistência, que eles estavam atribuindo ao Eduardo Jorge; eu disse que não era ele e que há, sim, problemas com esse nome. Enfim, não cedemos à nomeação", escreveu o ex-presidente.
Durante seu governo, entre 1995 e 2002, Fernando Henrique registrou de forma metódica, com ajuda de um gravador, o dia a dia da Presidência da República. As 44 fitas cassete foram transcritas pelo Instituto FHC e resultaram em cerca de 4 mil páginas. O livro que chega às bancas neste mês compreende o período entre o fim de novembro de 1995 e o fim de abril de 1996 e é o primeiro de quatro volumes que serão publicados até 2017.
No Alvorada. Nos Diários, o tucano reconstitui encontros e conversas, faz comentários sobre personagens do universo político, revela intenções e planos para o governo, avalia os principais acontecimentos do País e reflete sobre o peso do cargo e a natureza da atividade política.
Alguns trechos antecipados por piauí remetem à situação política atual, como, por exemplo, o registro de uma reunião com dirigentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), no dia 25 de abril, quando a oposição mobilizava movimentos sociais para pedir o impeachment do tucano.
“Conversamos sobre tudo, eu gosto do Vicentinho. (Em seguida) ele até me pediu para fazer a reunião deles na biblioteca, depois que eu fosse embora. Deixei, é coisa só do Brasil! Os dirigentes máximos da CUT se reúnem na biblioteca do Palácio da Alvorada. Eles vieram trazer reivindicações dos grevistas de Brasília, a questão dos sem-terra, e havia uma manifestação, dessa vez parece que grande, aqui em Brasília, porque o momento é tenso por causa dos sem-terra. E tentam aproveitar para ver se fazem algo semelhante a impeachment, sempre a mesma história.”
Em outro trecho publicado pela piauí, Fernando Henrique relata com detalhes as negociações para incluir o extinto PPB de Dornelles, Paulo Maluf (SP) e Esperidião Amin (SC) no governo e, assim, viabilizar uma maioria no Congresso que garantisse a aprovação das reformas cobradas pela sociedade.
“Parece que o PPB não aceita o Ministério da Reforma Agrária sem o Incra. Luiz Carlos (Santos, PMDB, líder do governo na Câmara) sugeriu que ampliássemos a oferta e incluíssemos o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo (MICT). Isso para mim é dolorido, por causa da Dorothea (Werneck, titular da pasta), que é uma ministra de quem eu gosto, e ela tinha que ser avisada dessa manobra”, registra o ex-presidente em 25 de abril de 1996.
O relato continua no mesmo dia. “O (Pedro) Malan (ministro da Fazenda) veio com aquela de que não quer saber do Dornelles (no MICT), eu expliquei as circunstâncias e tal, e ele disse que a Dorothea estava magoada. Claro, eu sei que ela está magoada (…) Fui à casa da Dorothea. Eu tinha que ir (…) Dorothea é uma pessoa admirável e fui ficando com raiva de mim mesmo. Porque na verdade eu fiz a escolha de Sofia, não tinha jeito, eu sei que não tem jeito, porque ou tem o PPB, ou não passam as reformas, mas justamente em cima da Dorothea é uma coisa muito pesada para ela e para mim (…) Enfim, começo a sentir o travo amargo do poder, no seu aspecto mais podre de toma lá, dá cá, porque é isto: se eu não der algum ministério, o PPB não vota; se eu não puser o Luiz Carlos Santos, o PMDB não cimenta, e muitas vezes – o que Dorothea diz tem razão – fazemos tudo isso e eles não entregam o que prometeram”.