BRASÍLIA - Em janeiro deste ano, 1.965 servidores públicos federais receberam um salário maior que o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No mesmo mês, 77 funcionários da Câmara dos Deputados tiveram um contracheque maior que o do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Também em janeiro, 15.704 juízes ganharam mais que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso.
Estas três autoridades – Lula, Barroso e Pacheco – receberam um salário de R$ 41.650,92 em janeiro. É o máximo que um servidor público poderia ganhar naquele mês no Brasil, de acordo com a Constituição. O valor é equivalente ao salário de um ministro do STF, como manda a Carta Magna. Um grupo de funcionários, porém, consegue incorporar outras vantagens e benefícios por fora, criando supersalários.
O fim dos supersalários faria com que o poder público economizasse R$ 3,75 bilhões por ano e pudesse investir o dinheiro em áreas como saúde, segurança e preservação do meio ambiente. O impacto foi calculado pelo Centro de Liderança Pública (CLP) com base no projeto de lei que acaba com os salários acima do teto permitido pela Constituição. A proposta está parada no Senado.
O valor é suficiente para bancar, por exemplo, todas as ações do Ministério do Meio Ambiente, incluindo a fiscalização ambiental nos biomas brasileiros. Com o montante, também seria possível incluir 500 mil pessoas no Bolsa Família. Além disso, a quantia equivale a quase um terço do que o Ministério dos Transportes gasta com investimentos em rodovias.
Os supersalários beneficiam diferentes profissionais. Um juiz, por exemplo, pode ganhar mais de R$ 100 mil em um único mês com os adicionais. Um auditor da Receita Federal chega a receber R$ 65 mil no contracheque. Na folha de pagamentos do governo, também existe médico com remuneração de R$ 75 mil em um mês.
O projeto de lei regulamenta os supersalários e limita o pagamento fora do teto a situações excepcionais, como auxílio-moradia para quem atua fora da comarca de origem e pagamento de férias não gozadas limitado a 30 dias e apenas se o magistrado comprovadamente não puder sair de férias. No Brasil, os juízes têm direito a 60 dias de férias, mas muitos vendem parte do período para aumentar o contracheque.
O cálculo do CLP considera tudo o que é pago fora do teto e assume que 20% desses valores poderiam ser considerados indenizatórios de fato, ou seja, pagos por fora, colocando o restante para dentro do limite constitucional, o que resultaria em uma economia de R$ 3,8 bilhões por ano.
As estimativas foram feitas pelo gerente de Inteligência Técnica do CLP e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), Daniel Duque, e pelo coordenador de Inteligência Técnica do CLP, Pedro Trippi, com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Ministério do Trabalho e Emprego.
“São recursos extremamente importantes para aplicar em áreas como saúde e educação e continuam indo para contracheques astronômicos, para uma casta muito privilegiada do setor público”, afirma o presidente do CLP, Tadeu Barros.
Supersalários são pagos mais no Judiciário e nos Estados
De acordo com o estudo, aproximadamente 6.320 servidores federais tiveram uma renda média acima do teto em 2023. A quantidade representa 0,79% dos servidores federais. Nos Estados, esse contingente é de cerca de 12.300 funcionários. Esses representam 0,41% do funcionalismo estadual. Nos municípios, aproximadamente 1.500 servidores recebem acima do teto constitucional, ou seja, 0,03% dos funcionários.
Para os pesquisadores, o baixo porcentual de servidores que recebem acima do teto reforça a percepção de que existe uma elite no funcionalismo público, com privilégios que a maioria não tem acesso.
Dados de 2021 levantados pelo CLP mostram que o Judiciário é o Poder mais privilegiado. No Executivo, 42.551 funcionários superaram o teto em algum momento do ano. No Legislativo, o número foi de 20.041. Já no Judiciário, foram 107.291 servidores que ultrapassaram o limite em algum momento, culminando nos gastos extras para a administração.
“Como diz o professor Antonio Anastasia, ministro do Tribunal de Contas da União, resolver os supersalários é o cartão de visita para a reforma administrativa. É o começo para se discutir qualidade, melhor alocação dos recursos, melhor estruturação das carreiras e gestão do desempenho”, diz o presidente do CLP.
Senado deve pautar projeto, mas discute PEC com outro benefício
O projeto que acaba com os supersalários está tramitando no Congresso desde 2016. O texto está parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, presidida pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP), desde novembro do ano passado. A proposta depende de um parecer do senador Eduardo Gomes (MDB-TO), escalado como relator. Alcolumbre e Gomes foram procurados para falar sobre o assunto, mas não responderam à reportagem.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), quer pautar o projeto no primeiro semestre deste ano, mas, em troca, aprovando uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que ressuscitaria outro benefício fora do teto para juízes e procuradores. A PEC recria o quinquênio, um bônus de 5% sobre os subsídios pago para magistrados e promotores a cada cinco anos de serviços.
O pagamento do bônus foi extinto em 2003 e aumentaria as despesas do poder público em R$ 2 bilhões por ano, de acordo com o CLP. O senador Eduardo Gomes também foi escalado para relatar a PEC. Antes mesmo da proposta ser votada, no entanto, alguns tribunais começaram a autorizar os pagamentos. O assunto foi parar no STF, que ainda julga uma ação sobre o tema.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se manifestou a favor do projeto que acaba com os supersalários. Articuladores do governo não concordam, porém, com a aprovação da PEC do quinquênio, o que manteria uma pressão sobre os gastos públicos.
“É até uma antítese acabar com os supersalários e passar a ter um penduricalho adicional que é dado por tempo de serviço. Vai contra a lógica e o melhor a fazer é aproveitar a janela de oportunidade de reforma administrativa para discutir a qualidade do gasto”, afirma Tadeu Barros.