Aprovado pelo plenário do Senado nesta terça-feira, 13, para ocupar a vaga em aberto de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro da Justiça e Segurança Pública Flávio Dino herdará a relatoria de 344 ações que estavam no gabinete da agora ministra aposentada Rosa Weber. Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dino será relator de casos de grande repercussão e envolvendo figuras políticas com quem conviveu, como o inquérito que mira o grupo ligado a seu ex-colega de Esplanada, o ministro das Comunicações do governo Lula, Juscelino Filho (UNIÃO-MA), investigado pela Polícia Federal em operação baseada em reportagens do Estadão.
Também ficarão sob sua relatoria o indulto de Natal concedido por Jair Bolsonaro (PL) no ano passado, uma ação da CPI da covid-19 contra o ex-presidente, e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1087, em que o Partido Liberal (PL) pede que a punição para abortos provocados por terceiros seja equiparada à do crime de homicídio qualificado.
Flávio Dino foi sabatinado por mais de 10 horas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que aprovou seu nome por 17 votos a 10, na maior rejeição entre atuais ministros do STF. No plenário, contou com 47 votos a favor e 31 contra, o segundo pior desempenho de um indicado ao STF na atual composição da Corte, perdendo apenas para o ministro André Mendonça, indicado por Bolsonaro.
Colega de Esplanada é um dos alvos
No caso do inquérito contra Juscelino Filho, trata-se da investigação relacionada à operação Benesse. A Polícia Federal investiga uma organização criminosa estruturada para promover fraudes licitatórias, desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro com verbas da Codevasf. Em setembro, foram cumpridos 12 mandados de busca e apreensão nas cidades de São Luís, Vitorino Freire e Bacabal, no Maranhão. Um dos alvos foi Luanna Rezende, prefeita de Vitorino Freire e irmã de Juscelino, que chegou a ser afastada temporariamente do cargo. A PF também investiga o titular das Comunicações e chegou a pedir buscas em seu endereço, o que foi negado pelo ministro Luís Roberto Barroso.
A investigação da PF foi iniciada com base na reportagem “Gerente da Codevasf é afastado por receber propina, mas continua com salário de R$ 20 mil”, publicada pelo Estadão em 30 de janeiro. A matéria mostrou que Julimar Alves da Silva Filho foi afastado do cargo de gerente da estatal após ser acusado de receber propina de um conhecido de longa de data do ministro das Comunicações, mas ainda continuava recebendo um salário pago com dinheiro público. Julimar é titular da Gerência Regional de Empreendimentos da Codevasf no Maranhão e assinou um parecer, no dia 18 de agosto de 2021, dando aval para um convênio da empresa com a prefeitura de Vitorino Freire.
O dinheiro foi parar em uma obra que beneficiou diretamente o ministro das Comunicações. Conforme revelou o Estadão, Juscelino enviou R$ 5 milhões do orçamento secreto para asfaltar uma estrada que passa em frente a fazendas da própria família, e onde o ministro construiu um heliponto e uma pista de pouso particular.
Julimar recebeu R$ 250 mil em propina da Construservice, investigada por fraudar licitações no Maranhão. A empresa foi contratada para asfaltar a estrada que beneficia o ministro. O verdadeiro sócio da Construservice, de acordo com a PF, é o empresário Eduardo Costa, chamado de “Eduardo Imperador”. Juscelino disse que ele é seu conhecido “há mais de 20 anos”. O Estadão também mostrou que ao menos quatro empresas de amigos, ex-assessoras e uma cunhada do ministro das Comunicações ganharam mais de R$ 36 milhões em contratos com a prefeitura de Vitorino Freire.
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Aliados e adversários nas mãos do futuro ministro
Além do caso de Juscelino Freire, Dino será relator também de processos contra outros aliados, como os senadores Chico Rodrigues (PSB-RR) — este do mesmo partido do novo ministro do STF — e Telmário Mota (PROS-RR). O inquérito 4.852, que vai para as mãos de Dino, apura o possível envolvimento dos dois em um esquema de fraudes e desvio de verbas federais destinadas ao combate da pandemia em Roraima.
Também ficará sob a relatoria de Dino a petição 10.064, na qual a CPI da Pandemia pediu para que se apure se o então presidente da República Jair Bolsonaro e outros agentes públicos, incitaram a população a adotar comportamentos supostamente inadequados para o combate à covid-19. Ainda sobre Bolsonaro pesa outro questionamento no STF que, a partir de agora, está sob gerência de Dino. Trata-se de um recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida que decidirá se é constitucional o indulto natalino concedido pelo ex-chefe do Executivo a pessoas condenadas por crime com pena privativa de liberdade máxima não superior a cinco anos.
Dino também será o responsável pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.055, que discute a existência de assédio judicial contra a imprensa no caso da pulverização da distribuição de diversas ações de reparação de danos contra um mesmo jornalista.
O controvertido tema do aborto também estará no gabinete de Flávio Dino. Ele relatará a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.087. Nela, o PL, partido de Bolsonaro e principal sigla da oposição ao governo Lula, pede que a punição para abortos provocados por terceiros seja equiparada à do crime de homicídio qualificado.
Dino não votará, contudo, no caso da ADPF 442, que trata da descriminalização da interrupção voluntária da gravidez e também estava sob relatoria de Rosa Weber. Isso porque a ex-ministra já colocou sua posição na sessão virtual de julgamento, que foi suspenso por pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso.
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O regimento interno do STF aponta que, quando um ministro vira presidente da Corte, ele pode optar por manter a relatoria de processos que já estejam prontos para julgamento. Os demais, vão para o gabinete do ministro que deixou a Presidência. Como Barroso assumiu o Supremo, esses processos iriam para o gabinete de Rosa Weber, que agora passa a ser o de Flávio Dino. Assim, casos como a discussão sobre o piso da enfermagem e o reajuste do FGTS, por exemplo, que Barroso decidiu manter com ele, não vão para as mãos do indicado por Lula.
Quem é Flávio Dino?
Maranhense e filho de advogados, Dino começou a carreira no Judiciário e foi juiz federal da 1ª Região entre 1994 e 2006, quando decidiu ingressar na política. Filiado ao PCdoB, foi deputado federal pelo Maranhão entre 2007 e 2010. Em 2008, na primeira disputa por um cargo no Executivo, foi derrotado na eleição para a Prefeitura de São Luís.
Entre os anos de 2011 e 2014, Flávio Dino atuou como presidente do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), no primeiro governo Dilma Rousseff (PT). Em 2014, se elegeu governador do Maranhão no primeiro turno, com 63% dos votos válidos. Quatro anos depois, em 2018, se reelegeu também no primeiro turno, com 59% dos votos válidos.
No ano passado, filiado ao PSB, conquistou uma cadeira no Senado, com mandato até 2031. Ainda em dezembro, foi anunciado por Lula para comandar a Justiça e Segurança Pública, com o objetivo de “desbolsonarizar” a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Nos últimos meses à frente da pasta, Dino vem sendo criticado pela falta de um projeto mais robusto na segurança pública. O Rio de Janeiro bateu recorde de ônibus queimados – foram 36 veículos incendiados em um único dia, depois que uma operação policial resultou na morte do sobrinho de um miliciano. Já na Bahia, operações policiais deixaram mais de 70 mortos no mês de setembro. Em seu tempo no comando do Ministério, Dino também não conseguiu resolver uma demanda que ele próprio identificou como “questão de honra”: o assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes.
Em outubro, o governo decretou uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) em portos e aeroportos no Rio e em São Paulo e lançou um pacote de ações para enfrentar o crime organizado.
Indicado por Lula ao STF e aprovado pelo Senado, Dino assumirá uma das cadeiras no Supremo, onde poderá ficar até 2043, quando completa 75 anos, idade para aposentadoria compulsória.