De camiseta e shorts sentado à cabeceira da mesa como o senhor do pedaço, Jair Bolsonaro fez pose de despojado ex-presidente. Fala mansa, pregou aos que o cercavam ali num botequim de Mambucaba, distrito de Angra dos Reis, litoral sul do Rio de Janeiro. No encontro, o próprio admite-se como o “horrível”, mas emenda que o “outro cara”, codinome para o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é pior e “não tem como dar certo”. A aparente confissão do ex-presidente não está restrita ao grupinho de uns 30 ali ao seu redor. Foi gravada e distribuída nas redes sociais de Bolsonaro para se espalhar pelo País.
Inelegível por ordem do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), está em casa no microuniverso da Vila Histórica de Mambucaba. No segundo turno de 2022, a zona eleitoral que reúne os eleitores dali de boa parte de Angra deu a ele 68% dos votos. Para o petista, foram apenas 32%.
Entre os seus, o que Bolsonaro fala deve soar como sinfonia. No litoral fluminense, a cena toda repete a receita de sucesso do ex-presidente tanto na sua primeira campanha em 2018, como no exercício da presidência da República: tudo tem um que de improviso e simplicidade. Braços cruzados com jeito de o pai da família que ensina como ver o mundo lá fora, Bolsonaro aparece falando que a economia vai mal, que pequenos empresários lucram menos enquanto o governo ajuda nações amigas do PT. O ex-presidente ainda fala de política internacional, mencionando ligações do partido de Lula com Hamas e Hezbollah.
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Mais do mesmo? O que Bolsonaro levou à mesa do botequim mambucabense é o extrato do discurso que deve repetir na disputa municipal deste ano. Para todo canto que vá, ainda que apresentando-se no estilo bermudão de férias, lança a palavra do enfrentamento à esquerda e aos candidatos que estejam com o atual presidente. Sabe ele que sua pregação ainda ecoa em boa parte dos eleitores, principalmente nos setores onde o PT, como já disse o próprio Lula, não sabe fazer-se ouvir.
O ex e o atual presidente podem até, como andaram dizendo, forçar que o pleito municipal seja contaminado pela polarização federal que coloca um e outro como inimigos políticos. Mas em centros urbanos como São Paulo, onde a cracolândia se expandiu, e no Rio de Janeiro, onde o crime organizado segue dando as cartas em várias localidades, o eleitor pode esperar que o candidato à prefeito fale do problema da esquina ao invés de reproduzir o embate entre petistas e bolsonaristas que se engalfinham nas redes.