A política sem segredos

Opinião|Delação de Cid expõe militares e lança desafio a Lula e Forças Armadas de punir quem urdiu o golpe


Presidente até aqui tem evitado confronto com oficiais generais e prefere aparar arestas

Por Francisco Leali
Atualização:

Estava Luiz Inácio Lula da Silva já com a faixa de presidente eleito e empossado quando a turma petista passou a ecoar o grito “sem anistia!”. A palavra de ordem foi repetida pelo País e nos salões de Brasília pelos apoiadores do novo governo. Até ali, o alvo era um só: o ex-presidente Jair Bolsonaro. Agora que o tenente coronel da Mauro Cid joga na sua delação a denúncia de que fora urdida uma tentativa de golpe com apoio de parte das Forças Armadas, os petistas continuarão a entoar o mesmo coro? Vão defender que a devassa para apontar nomes e patentes que urdiram contra a democracia também paguem por seus crimes?

Manifestação em janeiro no Rio de Janeiro pede punição a família Bolsonaro. FOTO: PEDRO KIRILOS / ESTADÃO Foto: Pedro Kirilos

A história recente indica que não está no DNA de Lula fazer ajustes de contas com oficiais generais. Sindicalista de formação, parece preferir sentar na mesa para conversar, negociar até obter um resultado possível. Os embates que vez ou outra ele e o PT pregaram até o momento não se transmutaram em ações políticas de impor punições quando se trata de militares.

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O Lula 1 garantiu apoio orçamentário a projetos milionários de Exército, Marinha e Aeronáutica. O Lula 2 não foi diferente e um caso exemplifica como o petista prefere aparar arestas do que afiar lanças.

Nos idos de 2007, quando o presidente se propôs a criar uma lei que obrigava todo o governo a abrir seus arquivos, os militares torceram o nariz. Reclamaram que o texto que estava sendo preparado pela então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff não tinha sido compartilhado com as três Forças. Lula ouviu o reclamo e o tal projeto ficou de molho.

O Exército chegou a emitir uma nota interna recomendando que o governo não enviasse ao Congresso uma proposta que obrigaria o Estado brasileiro a revelar seus segredos. De tanto reclamarem que não era possível abrir tudo, mostrar tudo o que por anos ficou guardado com carimbos de ultrassecreto que Lula optou por uma composição. O projeto final enviado ao Legislativo pela gestão petista abria a possibilidade de qualquer cidadão pedir acesso ao documento que quisesse, mas mantinha a previsão de preservar o sigilo eterno se o governo assim entendesse.

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Lula deixou o cargo e Dilma, já presidente, tirou partido do Congresso para por fim ao sigilo eterno e impôs aos militares uma lei de transparência, a chamada Lei de Acesso à Informação. Junto ainda criou uma comissão da verdade.

Mas ficou por ai. A bandeira de punir culpados pela tortura durante a ditadura militar nunca apareceu como assunto no Palácio do Planalto nas gestões petistas. Se apareceu, de lá nunca saiu.

O tempo voou em direção à escolha de um ex-capitão como presidente da República. Os militares que lá atrás foram desprezados por Dilma subiram a rampa abraçados com o mesmo Bolsonaro que um dia o Exército chegou a classificar como pessoa que não honrava a farda que vestia.

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Quando o vento virou de novo na direção dos petistas, os bolsonaristas correram para a porta dos quarteis. Os militares deram guarida para assegurar o livre direito de manifestar. Ainda que ali estivessem estiradas faixas de pedido de golpe na linha de ‘militares venham nos salvar’.

No caos do 8 de janeiro, onde estavam as Forças Armadas? Aquarteladas. A Polícia Militar de Brasília, recheada de oficiais simpáticos ao presidente derrotado nas urnas, apareceu quando o caldo já tinha entornado e os prédios da Praça dos Três Poderes invadidos.

Blindados isolam acesso ao QG onde está o acampamento dos extremistas Foto: Reprodução
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Numa cena ainda dissonante para um regime democrático, o presidente da República tem ligar para um comandante de Exército para avisar que era para prender todo mundo. Sob o argumento de que poderia haver banho de sangue, as prisões foram adiadas. Contam-se que a noite que ficou no meio entre a ordem do presidente e a prisão de fato serviu para retirar do acampamento do QG mulheres de oficiais e outros parentes que estariam ali e poderiam trazer problemas para dentro dos quarteis.

Assim, boa parte da cúpula militar que batia palma para Jair como se Messias fosse, ou chorava com ele após a derrota ou contribuiu, ou fez ouvidos moucos a quem tentou dar o golpe. Na letra da lei, omissão também pode ser crime. Se o Lula 3 vai seguir sendo o conciliador ou vai cobrar punição exemplar até o topo da pirâmide militar são outros 500.

Que se diga o mesmo das Forças Armadas. O livrinho de regras de conduta militar ensina hierarquia acima de tudo. Se o presidente Bolsonaro põe na mesa uma proposta de violar o resultado das urnas e prender adversários, o papel de quem carrega nos ombros estrelas por anos de comando seria qual? Até onde se sabe, a versão contada na delação de Mauro Cid pinta parte do oficialato como arautos da democracia. Embora não se tenha notícia de que nenhum dos que receberam o convite para um golpe tenha deixado a sala, entregado o posto ou mesmo denunciado a conspirata.

Estava Luiz Inácio Lula da Silva já com a faixa de presidente eleito e empossado quando a turma petista passou a ecoar o grito “sem anistia!”. A palavra de ordem foi repetida pelo País e nos salões de Brasília pelos apoiadores do novo governo. Até ali, o alvo era um só: o ex-presidente Jair Bolsonaro. Agora que o tenente coronel da Mauro Cid joga na sua delação a denúncia de que fora urdida uma tentativa de golpe com apoio de parte das Forças Armadas, os petistas continuarão a entoar o mesmo coro? Vão defender que a devassa para apontar nomes e patentes que urdiram contra a democracia também paguem por seus crimes?

Manifestação em janeiro no Rio de Janeiro pede punição a família Bolsonaro. FOTO: PEDRO KIRILOS / ESTADÃO Foto: Pedro Kirilos

A história recente indica que não está no DNA de Lula fazer ajustes de contas com oficiais generais. Sindicalista de formação, parece preferir sentar na mesa para conversar, negociar até obter um resultado possível. Os embates que vez ou outra ele e o PT pregaram até o momento não se transmutaram em ações políticas de impor punições quando se trata de militares.

O Lula 1 garantiu apoio orçamentário a projetos milionários de Exército, Marinha e Aeronáutica. O Lula 2 não foi diferente e um caso exemplifica como o petista prefere aparar arestas do que afiar lanças.

Nos idos de 2007, quando o presidente se propôs a criar uma lei que obrigava todo o governo a abrir seus arquivos, os militares torceram o nariz. Reclamaram que o texto que estava sendo preparado pela então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff não tinha sido compartilhado com as três Forças. Lula ouviu o reclamo e o tal projeto ficou de molho.

O Exército chegou a emitir uma nota interna recomendando que o governo não enviasse ao Congresso uma proposta que obrigaria o Estado brasileiro a revelar seus segredos. De tanto reclamarem que não era possível abrir tudo, mostrar tudo o que por anos ficou guardado com carimbos de ultrassecreto que Lula optou por uma composição. O projeto final enviado ao Legislativo pela gestão petista abria a possibilidade de qualquer cidadão pedir acesso ao documento que quisesse, mas mantinha a previsão de preservar o sigilo eterno se o governo assim entendesse.

Lula deixou o cargo e Dilma, já presidente, tirou partido do Congresso para por fim ao sigilo eterno e impôs aos militares uma lei de transparência, a chamada Lei de Acesso à Informação. Junto ainda criou uma comissão da verdade.

Mas ficou por ai. A bandeira de punir culpados pela tortura durante a ditadura militar nunca apareceu como assunto no Palácio do Planalto nas gestões petistas. Se apareceu, de lá nunca saiu.

O tempo voou em direção à escolha de um ex-capitão como presidente da República. Os militares que lá atrás foram desprezados por Dilma subiram a rampa abraçados com o mesmo Bolsonaro que um dia o Exército chegou a classificar como pessoa que não honrava a farda que vestia.

Quando o vento virou de novo na direção dos petistas, os bolsonaristas correram para a porta dos quarteis. Os militares deram guarida para assegurar o livre direito de manifestar. Ainda que ali estivessem estiradas faixas de pedido de golpe na linha de ‘militares venham nos salvar’.

No caos do 8 de janeiro, onde estavam as Forças Armadas? Aquarteladas. A Polícia Militar de Brasília, recheada de oficiais simpáticos ao presidente derrotado nas urnas, apareceu quando o caldo já tinha entornado e os prédios da Praça dos Três Poderes invadidos.

Blindados isolam acesso ao QG onde está o acampamento dos extremistas Foto: Reprodução

Numa cena ainda dissonante para um regime democrático, o presidente da República tem ligar para um comandante de Exército para avisar que era para prender todo mundo. Sob o argumento de que poderia haver banho de sangue, as prisões foram adiadas. Contam-se que a noite que ficou no meio entre a ordem do presidente e a prisão de fato serviu para retirar do acampamento do QG mulheres de oficiais e outros parentes que estariam ali e poderiam trazer problemas para dentro dos quarteis.

Assim, boa parte da cúpula militar que batia palma para Jair como se Messias fosse, ou chorava com ele após a derrota ou contribuiu, ou fez ouvidos moucos a quem tentou dar o golpe. Na letra da lei, omissão também pode ser crime. Se o Lula 3 vai seguir sendo o conciliador ou vai cobrar punição exemplar até o topo da pirâmide militar são outros 500.

Que se diga o mesmo das Forças Armadas. O livrinho de regras de conduta militar ensina hierarquia acima de tudo. Se o presidente Bolsonaro põe na mesa uma proposta de violar o resultado das urnas e prender adversários, o papel de quem carrega nos ombros estrelas por anos de comando seria qual? Até onde se sabe, a versão contada na delação de Mauro Cid pinta parte do oficialato como arautos da democracia. Embora não se tenha notícia de que nenhum dos que receberam o convite para um golpe tenha deixado a sala, entregado o posto ou mesmo denunciado a conspirata.

Estava Luiz Inácio Lula da Silva já com a faixa de presidente eleito e empossado quando a turma petista passou a ecoar o grito “sem anistia!”. A palavra de ordem foi repetida pelo País e nos salões de Brasília pelos apoiadores do novo governo. Até ali, o alvo era um só: o ex-presidente Jair Bolsonaro. Agora que o tenente coronel da Mauro Cid joga na sua delação a denúncia de que fora urdida uma tentativa de golpe com apoio de parte das Forças Armadas, os petistas continuarão a entoar o mesmo coro? Vão defender que a devassa para apontar nomes e patentes que urdiram contra a democracia também paguem por seus crimes?

Manifestação em janeiro no Rio de Janeiro pede punição a família Bolsonaro. FOTO: PEDRO KIRILOS / ESTADÃO Foto: Pedro Kirilos

A história recente indica que não está no DNA de Lula fazer ajustes de contas com oficiais generais. Sindicalista de formação, parece preferir sentar na mesa para conversar, negociar até obter um resultado possível. Os embates que vez ou outra ele e o PT pregaram até o momento não se transmutaram em ações políticas de impor punições quando se trata de militares.

O Lula 1 garantiu apoio orçamentário a projetos milionários de Exército, Marinha e Aeronáutica. O Lula 2 não foi diferente e um caso exemplifica como o petista prefere aparar arestas do que afiar lanças.

Nos idos de 2007, quando o presidente se propôs a criar uma lei que obrigava todo o governo a abrir seus arquivos, os militares torceram o nariz. Reclamaram que o texto que estava sendo preparado pela então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff não tinha sido compartilhado com as três Forças. Lula ouviu o reclamo e o tal projeto ficou de molho.

O Exército chegou a emitir uma nota interna recomendando que o governo não enviasse ao Congresso uma proposta que obrigaria o Estado brasileiro a revelar seus segredos. De tanto reclamarem que não era possível abrir tudo, mostrar tudo o que por anos ficou guardado com carimbos de ultrassecreto que Lula optou por uma composição. O projeto final enviado ao Legislativo pela gestão petista abria a possibilidade de qualquer cidadão pedir acesso ao documento que quisesse, mas mantinha a previsão de preservar o sigilo eterno se o governo assim entendesse.

Lula deixou o cargo e Dilma, já presidente, tirou partido do Congresso para por fim ao sigilo eterno e impôs aos militares uma lei de transparência, a chamada Lei de Acesso à Informação. Junto ainda criou uma comissão da verdade.

Mas ficou por ai. A bandeira de punir culpados pela tortura durante a ditadura militar nunca apareceu como assunto no Palácio do Planalto nas gestões petistas. Se apareceu, de lá nunca saiu.

O tempo voou em direção à escolha de um ex-capitão como presidente da República. Os militares que lá atrás foram desprezados por Dilma subiram a rampa abraçados com o mesmo Bolsonaro que um dia o Exército chegou a classificar como pessoa que não honrava a farda que vestia.

Quando o vento virou de novo na direção dos petistas, os bolsonaristas correram para a porta dos quarteis. Os militares deram guarida para assegurar o livre direito de manifestar. Ainda que ali estivessem estiradas faixas de pedido de golpe na linha de ‘militares venham nos salvar’.

No caos do 8 de janeiro, onde estavam as Forças Armadas? Aquarteladas. A Polícia Militar de Brasília, recheada de oficiais simpáticos ao presidente derrotado nas urnas, apareceu quando o caldo já tinha entornado e os prédios da Praça dos Três Poderes invadidos.

Blindados isolam acesso ao QG onde está o acampamento dos extremistas Foto: Reprodução

Numa cena ainda dissonante para um regime democrático, o presidente da República tem ligar para um comandante de Exército para avisar que era para prender todo mundo. Sob o argumento de que poderia haver banho de sangue, as prisões foram adiadas. Contam-se que a noite que ficou no meio entre a ordem do presidente e a prisão de fato serviu para retirar do acampamento do QG mulheres de oficiais e outros parentes que estariam ali e poderiam trazer problemas para dentro dos quarteis.

Assim, boa parte da cúpula militar que batia palma para Jair como se Messias fosse, ou chorava com ele após a derrota ou contribuiu, ou fez ouvidos moucos a quem tentou dar o golpe. Na letra da lei, omissão também pode ser crime. Se o Lula 3 vai seguir sendo o conciliador ou vai cobrar punição exemplar até o topo da pirâmide militar são outros 500.

Que se diga o mesmo das Forças Armadas. O livrinho de regras de conduta militar ensina hierarquia acima de tudo. Se o presidente Bolsonaro põe na mesa uma proposta de violar o resultado das urnas e prender adversários, o papel de quem carrega nos ombros estrelas por anos de comando seria qual? Até onde se sabe, a versão contada na delação de Mauro Cid pinta parte do oficialato como arautos da democracia. Embora não se tenha notícia de que nenhum dos que receberam o convite para um golpe tenha deixado a sala, entregado o posto ou mesmo denunciado a conspirata.

Opinião por Francisco Leali

Coordenador na Sucursal do Estadão em Brasília. Jornalista, Mestre em Comunicação e pesquisador especializado em transparência pública.

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