Lá nos idos de 7 de setembro de 2021, com a faixa de presidente do peito, Jair Bolsonaro bradava contra o ministro Alexandre de Moraes em praça pública. Ao mesmo tempo em que falava em defesa da democracia levantava dúvidas sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas. Empolgado pela massa que o cercava, fez ecoar que só deixaria o cargo preso, morto ou reeleito. Na véspera de Carnaval deste 2024, Bolsonaro está muito próximo da opção um. E Moraes, o magistrado desafiado, se consolida como a principal figura da Praça dos Três Poderes.
Como “Protagonista-Geral da República”, o ministro do Supremo e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) parece já ter em mãos indícios para fazer do ex-presidente o principal operador de um golpe que morreu na praia.
O que foi mencionado até aqui em despachos tornados públicos pelo próprio Moraes deixa pouca margem de dúvida sobre como Bolsonaro usou ou tentou usar a máquina federal para fragilizar o processo eleitoral, espionar adversários e planejar um ato golpista abortado por falta de apoio integral das Forças Armadas e zero apoio internacional.
No melhor estilo lavajatista, Moraes autorizou ações da Polícia Federal para prender auxiliares do ex-chefe do Executivo federal e tirar da cama na manhã de quinta-feira, 8, oficiais-generais que teriam flertado com tentativa de golpe de Estado. As digitais de todos eles foram encontradas em reunião filmada e mensagens de celular, arquivos guardados pelo delator Mauro Cid. Tudo junto e reunido alicerça o caminho de Bolsonaro rumo à guilhotina política e de lá para a prisão.
Enquanto o ministro do STF empareda Bolsonaro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prefere ser comedido quando o tema é combate à corrupção. Até aqui esse não tem sido assunto para a agenda presidencial, o que ficou explicitado nesta semana, quando enviou ao Congresso sua mensagem. Lula deixa para Moraes o enfrentamento aos atos golpistas e vai tratar do que lhe interessa.
O calhamaço que enviou ao Parlamento tem 333 páginas e quase 110 mil palavras. Lula fala bastante das ações direcionadas à economia e à infraestrutura. Quase nada de combate à corrupção.
O espaço que a gestão petista dá a um e outro tema indica como prefere tocar a coisa pública ainda que do lado de cá do balcão o governo não venha tendo uma avaliação setorial das melhores. Pesquisa Atlas Intel divulgada esta semana serve de pista. Perguntados sobre quem melhor administra o combate à corrupção, 47 % escolheram o ex-presidente Jair Bolsonaro, outros 42% ficaram com Lula. De modo geral, no entanto, a mesma pesquisa deu refresco ao atual governo mostrando que o índice de reprovação caiu em relação ao levantamento feito no mês de novembro do ano passado. Como gostam de dizer por aí, é “retrato de momento”.
Se o textão enviado por Lula ao Congresso fosse transformado numa nuvem de palavras, imagem que ajuda a expor os vocábulos que mais se repetem, “governo”, “programa” e “política” estariam em destaque, como mostra a imagem abaixo.
“Social” e “saúde” têm quase a mesma relevância. A nuvem não deixa, no entanto, enxergar a “corrupção”. E a explicação é simples: a palavra se repete apenas 9 vezes na mensagem presidencial. A referência ao combate as irregularidades na administração federal é tema tratado lá no finalzinho do texto, quase a virar uma nota de rodapé. O documento prefere destacar iniciativas internas para punir servidores públicos. Não se fala de repressão à corrupção nas ações da Polícia Federal, nem há manifestação genérica de que o assunto está na ordem do dia do governo.
E deveria estar? O discurso punitivista não costumava ser entoado pelas gestões do PT. Mas segue sendo repetido aos quatro ventos pela oposição que não se esquece de associar o partido aos escândalos com nomes no aumentativo: mensalão e petrolão. Até aqui a gestão petista parece indicar que a vacina escolhida para esse ataque é pregar a inclusão social considerando que o bolso cheio do eleitor seria remédio mais eficaz.
A segurança pública, outro tema caro ao votante que torce o nariz para o PT, também recebeu espaço reduzido na mensagem presidencial ao Congresso. Das 333 páginas da publicação, 12 falam das ações do que foi a gestão de Flávio Dino, o ministro da Justiça que vai ser ministro do Supremo Tribunal Federal. Estão ali listadas iniciativas para tornar o celular mais seguro, controlar o acesso às armas, além da distribuição de R$ 1 bilhão para fundos de segurança dos estados.
A mensagem escrita como também a verbal de Lula segue não dando atenção ao que atrai a parcela da população que flertou com a gestão Bolsonaro. Para esses, o presidente prefere o discurso que dispara impropérios ao antecessor, como fez, no Rio de Janeiro, ao chamar o ex de aloprado, maluco e ignorante.
Num futuro próximo, se os elementos conhecidos até aqui contra Bolsonaro resultarem em sentença condenatória, o petista pode ter mais uma para incluir na sua lista: chamar o adversário de o golpista que fracassou.