Lá nos idos de 2005 o então presidente Lula ganhou um relógio Cartier do fabricante. Em 2021, Jair Bolsonaro era o presidente e o regime da Arábia Saudita lhe cobriu de diamantes. Os dois casos foram resolvidos de uma tacada só pelo Tribunal de Contas da União (TCU) nesta semana. Para a Corte, como não há lei expressa sobre o tema, os mimos recebidos podem ir para os bolsos de ambos.
O julgamento mirava no relógio de Lula. Mas seu resultado serve para Bolsonaro também. O rumo da decisão foi traçado pelo ex-oficial da PM Jorge Oliveira, feito ministro do TCU pelas mãos do amigo do pai dele, o então presidente Jair Bolsonaro. Oliveira já tinha ocupado posto de relevância no Planalto antes de migrar para o tribunal.
Não por acaso, o voto de Jorge Oliveira encaixa com perfeição na defesa de Bolsonaro. Não por acaso, o advogado do ex-presidente, em menos de 24 horas, já declarou que vai usar a decisão para anular as investigações que pesam contra Bolsonaro sobre o caso das joias sauditas na Polícia Federal.
A tentativa de apropriação indevida dos diamantes foi revelada pelo Estadão em 2023. Soube-se que um servidor público teve que trazer as joias numa mochila. Ia entrar sem informar nada. Foi flagrado pela Receita Federal. Indagado se iria declarar como presente oficial, não o fez, e os objetos de valor foram trancados num cofre do fisco no aeroporto de Guarulhos.
Bolsonaro e sua turma iniciaram um movimento para tentar resgatar a joia. Até avião oficial foi usado para levar assessores próximos do presidente para tentar convencer os fiscais a liberar colar e uma estátua de cavalo. Não deu certo. Depois disso, descobriu-se que o mesmo Bolsonaro embolsou outros presentes valiosos e foi tentar vendê-los nos Estados Unidos. Hoje, a conduta de sonegar informações e se apropriar dos valores é assunto para a PF investigar.
Para o TCU, tudo isso é barulho por nada. Joias, relógios, seja lá o que for de valor, pode ficar com o presidente da República depois que termina o mandato porque não há regra que puna isso.
Lula está enredado na mesma história. O relógio Cartier, avaliado em R$ 60 mil, já foi visto várias vezes em seu pulso. Ele até tinha declarado ao patrimônio público a existência do objeto, mas levou com ele quando o mandato terminou considerando que era um objeto seu.
Bolsonaro e o petista podem até considerar que os presentes que receberam no exercício da função têm relação com prestígio pessoal ou coisa do gênero. A ilusão do poder tem dessas coisas. Quando um chefe de um país dá de presente ao colega de outra nação um regalo qualquer o faz pela relação diplomática que tem ou quer ter com o Estado estrangeiro que, no momento, é dirigido pela pessoa que está ali em visita oficial, mas que passa. O Estado fica.
Se fôssemos uma monarquia, os presentes seriam as joias da coroa, e ficariam com a família real passando de pai para filho. Mas a regra aqui é da República, palavra que, ensinam os juristas, tem origem no conceito de “coisa pública”. E se é pública, a regra que se espera seguida é que o poder seja exercido de outro modo e não para enriquecimento pessoal.
Caso houvesse um certo desapego e até mesmo reconhecimento da falha cometida, Lula e Bolsonaro poderiam abrir mão dos presentes e deixar tudo no Erário. Teoricamente, nem um nem outro precisam disso para viver. Lula anda comentando que vai abrir mão do Cartier. Já Bolsonaro enfrenta o risco de ele ser considerado autor de crime.