A política sem segredos

Opinião|Quem dá as cartas e faz a gestão Lula copiar Bolsonaro sobre o segredo de documentos do Planalto


Levantamento do Estadão mostra que governo petista tem indicador de transparência semelhante ao do antecessor quando se trata de acesso a papéis guardados na Presidência da República

Por Francisco Leali
Atualização:

O projeto que dá fim à “saidinha”, a MP das Bets e a lei do marco temporal para reservas indígenas. Os três textos que passaram pela mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva guardam o mesmo segredo. Por decisão do governo petista, foram guardados e não podem vir a público os documentos do Planalto que serviram de base para Lula editar a Medida Provisória e sancionar, com vetos, os projetos aprovados no Congresso.

Numa inversão do que apregoava, a gestão de Lula quer fazer do sigilo a regra e a transparência fica como exceção quando se trata dos pareceres jurídicos que explicam porque o presidente deve aprovar ou desaprovar uma proposta legislativa. A invenção do segredo nessa área vem da Advocacia Geral da União (AGU).

O presidente Lula e o advogado-geral da União Jorge Messias Foto: wilton junior/Estadão
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Ainda no governo Dilma Rousseff, com a Lei de Acesso à Informação em implantação, a AGU insistia que seus pareceres tinham que ficar em sigilo. Na gestão Michel Temer, foi além. Editou uma portaria dizendo que esses documentos são protegidos pelo segredo que é assegurado entre clientes e advogados. Como se servidores públicos virassem padres e seus documentos mantidos restritos para preservar a confissão de culpa de um fiel pecador.

Um levantamento do Estadão identificou os pedidos de informação direcionados ao governo federal por cidadãos que queriam conhecer o que tem nesses documentos. O resultado ajuda a desvelar quando o segredo se impôs e que governo copia o antecessor nessa matéria. O gráfico abaixo ilustra a história.

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No período que abrange os governos Dilma, Temer e Jair Bolsonaro, foram identificados pelo menos 102 pedidos para ter acesso a documentos relacionados à sanção presidencial, sendo que os dados que permitem a consulta do conteúdo do que é solicitado só estão disponíveis a partir de 2015.

Na gestão Dilma, 71,4% dos pedidos foram atendidos. Os 7,1% negados equivalem em número absoluto a um caso. Qual órgão negou o acesso? A AGU.

Na gestão Temer, 65,6% dos pedidos foram atendidos e 15,6% negados. De onde vieram todas as negativas? Mais uma vez da AGU.

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No governo Bolsonaro, o espírito do sigilo tomou conta do Planalto. Dos 56 casos identificados no levantamento, 37,5% foram concedidos, enquanto outros 23,2% negados. Há ainda um contingente registrado como parcialmente concedido em 21,4% dos pedidos de informação. Entre os 13 casos negados na gestão do ex-capitão apenas um é da AGU, os demais são da Secretaria-Geral da Presidência, Casa Civil e dos ministérios da Economia, Justiça e Educação.

Olhando mais de perto dá para ver que, no primeiro ano de mandato de Bolsonaro, o número de pedidos atendidos não foi baixo. Em 2019, 57,9% dos requerimentos para conhecer os tais pareceres receberam resposta positiva. A coisa muda a partir de 2020. É quando entra em ação um outro setor do governo: a Controladoria Geral da União, instância responsável por determinação legal para dizer se um documento negado por um órgão deve ser público.

Naquele ano, com vários recursos de cidadãos, boa parte deles jornalistas, pedindo que o Planalto fosse obrigado a abrir seus documentos, a CGU decidiu encerrar o assunto. Foi elaborado, então, um parecer pela Consultoria Jurídica, órgão que também guarda vinculação com a AGU, dizendo que parecer jurídico é sigiloso, seguindo o tal princípio de que era preciso resguardar a relação entre “cliente e advogado”, sendo o governo o “cliente”, e o advogado seria o servidor público com função de consultor jurídico.

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Se até então o reclamo da AGU não tinha reverberação na Esplanada dos Ministérios, o posicionamento jurídico acatado pela Controladoria abriu caminho para as portas de acesso se fecharem no governo federal.

Vem a eleição e Lula promete fazer diferente. Para surpresa e até alegria de ONGs que lidam com a transparência, o tema invadiu a propaganda de campanha e debates presidenciais. Ao assumir o cargo, o petista poderia ter feito diferente. Optou por fazer igual.

Como mostra o levantamento do Estadão, de janeiro de 2023 até este mês, a gestão petista recebeu 65 pedidos de acesso aos documentos jurídicos do Planalto. Desses, apenas 38,5% foram atendidos. Outros 15,4% negados e 30,8% parcialmente concedidos. Como em Bolsonaro, a maior parte das negativas vem da Presidência da República.

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Com aval da AGU, a Casa Civil barra qualquer tentativa de acesso. Mas como o governo não se entende nem quando a ordem vem de cima, até a decisão do sigilo é desmoralizada. Quando Lula vetou parte do projeto que instituiu o marco temporal, foram feitos pedidos de acesso ao governo sobre o assunto. Um mesmo cidadão pediu documentos à Casa Civil e ao Ministério dos Povos Indígenas.

O ministério levou apenas seis dias para enviar ao requerente cópia do parecer jurídico recomendando que Lula vetasse todo o projeto (o documento que ele recebeu pode ser consultado aqui). Já a Casa Civil esperou 30 dias para dizer “não” sob justificativa do alegado segredo de “cliente-advogado” (resposta negativa aqui).

No final do ano passado, a CGU tentou abrir caminho para mudar o entendimento do sigilo dos pareceres. Travou os julgamentos de pedidos de acesso com esse teor e encomendou um estudo técnico. A versão que se conhece desse estudo propõe uma meia mudança. Sugere que se a AGU e seus advogados querem manter em sigilo os documentos que produzem têm que já deixar isso registrado, do contrário tudo é público.

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Internamente, a Controladoria buscou negociar uma saída com a AGU. Não houve brecha para diálogo, relata gente que tentou entabular a conversa. Procurada, a Advocacia-Geral da União informou que a restrição de acesso está baseada na portaria de 2016. “O acesso aos argumentos usados como subsídio para decisão presidencial sobre o veto de proposta legislativa pode prejudicar a defesa da constitucionalidade das normas”, diz a AGU. Informa ainda que o “tema da transparência é de contínua atualização pela AGU e ela buscará aperfeiçoar desde que não traga prejuízo à defesa da constitucionalidade das normas”.

Como a AGU não se move na direção de se mostrar à luz do dia, a Controladoria Geral da União tinha poder para, por conta própria, decidir que, a partir de agora, o que deve prevalecer é a transparência, de fato. Até porque, em 2020, o parecer da consultoria jurídica que vem sendo usado para justificar o sigilo terminava com um aviso de que a manifestação era de “natureza meramente opinativa” e que o gestor poderia agir de outro modo. Só que na época, o entendimento caía como luva na intenção da gestão Bolsonaro e da CGU de então de não revelar nada.

Esse processo, aliás, guarda um detalhe inusitado e até contraditório. O parecer da dita Conjur fora aprovado em 2020 por uma servidora que tinha feito tese de doutorado usando a Lei de Acesso para analisar justamente as manifestações da AGU em caso de sanção e veto presidencial. Ou seja, quando o sigilo não estava de pé serviu até para uma pesquisa acadêmica. Mas a autora do estudo preferiu não se opor à nova diretriz a favor do sigilo.

Em 2024, a CGU poderia fazer diferente. Restaria aos advogados públicos apelarem à Justiça em nome do segredo. Mas até aqui a opção não foi essa. A gestão de Lula anda preferindo se esconder no sigilo institucionalizado por Bolsonaro.

Por solicitação da AGU reproduzo aqui a íntegra da nota que justifica seu apego ao sigilo:

A restrição aos pareceres técnicos emitidos no âmbito da análise de sanção e veto presidencial foi estabelecida pelo art. 19, inciso XVI, da Portaria AGU nº 529, de 23 de agosto de 2016. O acesso aos argumentos usados como subsídio para decisão presidencial sobre o veto de proposta legislativa pode prejudicar a defesa da constitucionalidade das normas, que é atribuição obrigatória da Advocacia-Geral da União (art. 103, § 3º da Constituição Federal) e comprometer a excelência do processo de controle concentrado no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

O tema da transparência é de contínua atualização pela AGU e ela buscará aperfeiçoar desde que não traga prejuízo à defesa da constitucionalidade das normas.

O projeto que dá fim à “saidinha”, a MP das Bets e a lei do marco temporal para reservas indígenas. Os três textos que passaram pela mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva guardam o mesmo segredo. Por decisão do governo petista, foram guardados e não podem vir a público os documentos do Planalto que serviram de base para Lula editar a Medida Provisória e sancionar, com vetos, os projetos aprovados no Congresso.

Numa inversão do que apregoava, a gestão de Lula quer fazer do sigilo a regra e a transparência fica como exceção quando se trata dos pareceres jurídicos que explicam porque o presidente deve aprovar ou desaprovar uma proposta legislativa. A invenção do segredo nessa área vem da Advocacia Geral da União (AGU).

O presidente Lula e o advogado-geral da União Jorge Messias Foto: wilton junior/Estadão

Ainda no governo Dilma Rousseff, com a Lei de Acesso à Informação em implantação, a AGU insistia que seus pareceres tinham que ficar em sigilo. Na gestão Michel Temer, foi além. Editou uma portaria dizendo que esses documentos são protegidos pelo segredo que é assegurado entre clientes e advogados. Como se servidores públicos virassem padres e seus documentos mantidos restritos para preservar a confissão de culpa de um fiel pecador.

Um levantamento do Estadão identificou os pedidos de informação direcionados ao governo federal por cidadãos que queriam conhecer o que tem nesses documentos. O resultado ajuda a desvelar quando o segredo se impôs e que governo copia o antecessor nessa matéria. O gráfico abaixo ilustra a história.

No período que abrange os governos Dilma, Temer e Jair Bolsonaro, foram identificados pelo menos 102 pedidos para ter acesso a documentos relacionados à sanção presidencial, sendo que os dados que permitem a consulta do conteúdo do que é solicitado só estão disponíveis a partir de 2015.

Na gestão Dilma, 71,4% dos pedidos foram atendidos. Os 7,1% negados equivalem em número absoluto a um caso. Qual órgão negou o acesso? A AGU.

Na gestão Temer, 65,6% dos pedidos foram atendidos e 15,6% negados. De onde vieram todas as negativas? Mais uma vez da AGU.

No governo Bolsonaro, o espírito do sigilo tomou conta do Planalto. Dos 56 casos identificados no levantamento, 37,5% foram concedidos, enquanto outros 23,2% negados. Há ainda um contingente registrado como parcialmente concedido em 21,4% dos pedidos de informação. Entre os 13 casos negados na gestão do ex-capitão apenas um é da AGU, os demais são da Secretaria-Geral da Presidência, Casa Civil e dos ministérios da Economia, Justiça e Educação.

Olhando mais de perto dá para ver que, no primeiro ano de mandato de Bolsonaro, o número de pedidos atendidos não foi baixo. Em 2019, 57,9% dos requerimentos para conhecer os tais pareceres receberam resposta positiva. A coisa muda a partir de 2020. É quando entra em ação um outro setor do governo: a Controladoria Geral da União, instância responsável por determinação legal para dizer se um documento negado por um órgão deve ser público.

Naquele ano, com vários recursos de cidadãos, boa parte deles jornalistas, pedindo que o Planalto fosse obrigado a abrir seus documentos, a CGU decidiu encerrar o assunto. Foi elaborado, então, um parecer pela Consultoria Jurídica, órgão que também guarda vinculação com a AGU, dizendo que parecer jurídico é sigiloso, seguindo o tal princípio de que era preciso resguardar a relação entre “cliente e advogado”, sendo o governo o “cliente”, e o advogado seria o servidor público com função de consultor jurídico.

Se até então o reclamo da AGU não tinha reverberação na Esplanada dos Ministérios, o posicionamento jurídico acatado pela Controladoria abriu caminho para as portas de acesso se fecharem no governo federal.

Vem a eleição e Lula promete fazer diferente. Para surpresa e até alegria de ONGs que lidam com a transparência, o tema invadiu a propaganda de campanha e debates presidenciais. Ao assumir o cargo, o petista poderia ter feito diferente. Optou por fazer igual.

Como mostra o levantamento do Estadão, de janeiro de 2023 até este mês, a gestão petista recebeu 65 pedidos de acesso aos documentos jurídicos do Planalto. Desses, apenas 38,5% foram atendidos. Outros 15,4% negados e 30,8% parcialmente concedidos. Como em Bolsonaro, a maior parte das negativas vem da Presidência da República.

Com aval da AGU, a Casa Civil barra qualquer tentativa de acesso. Mas como o governo não se entende nem quando a ordem vem de cima, até a decisão do sigilo é desmoralizada. Quando Lula vetou parte do projeto que instituiu o marco temporal, foram feitos pedidos de acesso ao governo sobre o assunto. Um mesmo cidadão pediu documentos à Casa Civil e ao Ministério dos Povos Indígenas.

O ministério levou apenas seis dias para enviar ao requerente cópia do parecer jurídico recomendando que Lula vetasse todo o projeto (o documento que ele recebeu pode ser consultado aqui). Já a Casa Civil esperou 30 dias para dizer “não” sob justificativa do alegado segredo de “cliente-advogado” (resposta negativa aqui).

No final do ano passado, a CGU tentou abrir caminho para mudar o entendimento do sigilo dos pareceres. Travou os julgamentos de pedidos de acesso com esse teor e encomendou um estudo técnico. A versão que se conhece desse estudo propõe uma meia mudança. Sugere que se a AGU e seus advogados querem manter em sigilo os documentos que produzem têm que já deixar isso registrado, do contrário tudo é público.

Internamente, a Controladoria buscou negociar uma saída com a AGU. Não houve brecha para diálogo, relata gente que tentou entabular a conversa. Procurada, a Advocacia-Geral da União informou que a restrição de acesso está baseada na portaria de 2016. “O acesso aos argumentos usados como subsídio para decisão presidencial sobre o veto de proposta legislativa pode prejudicar a defesa da constitucionalidade das normas”, diz a AGU. Informa ainda que o “tema da transparência é de contínua atualização pela AGU e ela buscará aperfeiçoar desde que não traga prejuízo à defesa da constitucionalidade das normas”.

Como a AGU não se move na direção de se mostrar à luz do dia, a Controladoria Geral da União tinha poder para, por conta própria, decidir que, a partir de agora, o que deve prevalecer é a transparência, de fato. Até porque, em 2020, o parecer da consultoria jurídica que vem sendo usado para justificar o sigilo terminava com um aviso de que a manifestação era de “natureza meramente opinativa” e que o gestor poderia agir de outro modo. Só que na época, o entendimento caía como luva na intenção da gestão Bolsonaro e da CGU de então de não revelar nada.

Esse processo, aliás, guarda um detalhe inusitado e até contraditório. O parecer da dita Conjur fora aprovado em 2020 por uma servidora que tinha feito tese de doutorado usando a Lei de Acesso para analisar justamente as manifestações da AGU em caso de sanção e veto presidencial. Ou seja, quando o sigilo não estava de pé serviu até para uma pesquisa acadêmica. Mas a autora do estudo preferiu não se opor à nova diretriz a favor do sigilo.

Em 2024, a CGU poderia fazer diferente. Restaria aos advogados públicos apelarem à Justiça em nome do segredo. Mas até aqui a opção não foi essa. A gestão de Lula anda preferindo se esconder no sigilo institucionalizado por Bolsonaro.

Por solicitação da AGU reproduzo aqui a íntegra da nota que justifica seu apego ao sigilo:

A restrição aos pareceres técnicos emitidos no âmbito da análise de sanção e veto presidencial foi estabelecida pelo art. 19, inciso XVI, da Portaria AGU nº 529, de 23 de agosto de 2016. O acesso aos argumentos usados como subsídio para decisão presidencial sobre o veto de proposta legislativa pode prejudicar a defesa da constitucionalidade das normas, que é atribuição obrigatória da Advocacia-Geral da União (art. 103, § 3º da Constituição Federal) e comprometer a excelência do processo de controle concentrado no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

O tema da transparência é de contínua atualização pela AGU e ela buscará aperfeiçoar desde que não traga prejuízo à defesa da constitucionalidade das normas.

O projeto que dá fim à “saidinha”, a MP das Bets e a lei do marco temporal para reservas indígenas. Os três textos que passaram pela mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva guardam o mesmo segredo. Por decisão do governo petista, foram guardados e não podem vir a público os documentos do Planalto que serviram de base para Lula editar a Medida Provisória e sancionar, com vetos, os projetos aprovados no Congresso.

Numa inversão do que apregoava, a gestão de Lula quer fazer do sigilo a regra e a transparência fica como exceção quando se trata dos pareceres jurídicos que explicam porque o presidente deve aprovar ou desaprovar uma proposta legislativa. A invenção do segredo nessa área vem da Advocacia Geral da União (AGU).

O presidente Lula e o advogado-geral da União Jorge Messias Foto: wilton junior/Estadão

Ainda no governo Dilma Rousseff, com a Lei de Acesso à Informação em implantação, a AGU insistia que seus pareceres tinham que ficar em sigilo. Na gestão Michel Temer, foi além. Editou uma portaria dizendo que esses documentos são protegidos pelo segredo que é assegurado entre clientes e advogados. Como se servidores públicos virassem padres e seus documentos mantidos restritos para preservar a confissão de culpa de um fiel pecador.

Um levantamento do Estadão identificou os pedidos de informação direcionados ao governo federal por cidadãos que queriam conhecer o que tem nesses documentos. O resultado ajuda a desvelar quando o segredo se impôs e que governo copia o antecessor nessa matéria. O gráfico abaixo ilustra a história.

No período que abrange os governos Dilma, Temer e Jair Bolsonaro, foram identificados pelo menos 102 pedidos para ter acesso a documentos relacionados à sanção presidencial, sendo que os dados que permitem a consulta do conteúdo do que é solicitado só estão disponíveis a partir de 2015.

Na gestão Dilma, 71,4% dos pedidos foram atendidos. Os 7,1% negados equivalem em número absoluto a um caso. Qual órgão negou o acesso? A AGU.

Na gestão Temer, 65,6% dos pedidos foram atendidos e 15,6% negados. De onde vieram todas as negativas? Mais uma vez da AGU.

No governo Bolsonaro, o espírito do sigilo tomou conta do Planalto. Dos 56 casos identificados no levantamento, 37,5% foram concedidos, enquanto outros 23,2% negados. Há ainda um contingente registrado como parcialmente concedido em 21,4% dos pedidos de informação. Entre os 13 casos negados na gestão do ex-capitão apenas um é da AGU, os demais são da Secretaria-Geral da Presidência, Casa Civil e dos ministérios da Economia, Justiça e Educação.

Olhando mais de perto dá para ver que, no primeiro ano de mandato de Bolsonaro, o número de pedidos atendidos não foi baixo. Em 2019, 57,9% dos requerimentos para conhecer os tais pareceres receberam resposta positiva. A coisa muda a partir de 2020. É quando entra em ação um outro setor do governo: a Controladoria Geral da União, instância responsável por determinação legal para dizer se um documento negado por um órgão deve ser público.

Naquele ano, com vários recursos de cidadãos, boa parte deles jornalistas, pedindo que o Planalto fosse obrigado a abrir seus documentos, a CGU decidiu encerrar o assunto. Foi elaborado, então, um parecer pela Consultoria Jurídica, órgão que também guarda vinculação com a AGU, dizendo que parecer jurídico é sigiloso, seguindo o tal princípio de que era preciso resguardar a relação entre “cliente e advogado”, sendo o governo o “cliente”, e o advogado seria o servidor público com função de consultor jurídico.

Se até então o reclamo da AGU não tinha reverberação na Esplanada dos Ministérios, o posicionamento jurídico acatado pela Controladoria abriu caminho para as portas de acesso se fecharem no governo federal.

Vem a eleição e Lula promete fazer diferente. Para surpresa e até alegria de ONGs que lidam com a transparência, o tema invadiu a propaganda de campanha e debates presidenciais. Ao assumir o cargo, o petista poderia ter feito diferente. Optou por fazer igual.

Como mostra o levantamento do Estadão, de janeiro de 2023 até este mês, a gestão petista recebeu 65 pedidos de acesso aos documentos jurídicos do Planalto. Desses, apenas 38,5% foram atendidos. Outros 15,4% negados e 30,8% parcialmente concedidos. Como em Bolsonaro, a maior parte das negativas vem da Presidência da República.

Com aval da AGU, a Casa Civil barra qualquer tentativa de acesso. Mas como o governo não se entende nem quando a ordem vem de cima, até a decisão do sigilo é desmoralizada. Quando Lula vetou parte do projeto que instituiu o marco temporal, foram feitos pedidos de acesso ao governo sobre o assunto. Um mesmo cidadão pediu documentos à Casa Civil e ao Ministério dos Povos Indígenas.

O ministério levou apenas seis dias para enviar ao requerente cópia do parecer jurídico recomendando que Lula vetasse todo o projeto (o documento que ele recebeu pode ser consultado aqui). Já a Casa Civil esperou 30 dias para dizer “não” sob justificativa do alegado segredo de “cliente-advogado” (resposta negativa aqui).

No final do ano passado, a CGU tentou abrir caminho para mudar o entendimento do sigilo dos pareceres. Travou os julgamentos de pedidos de acesso com esse teor e encomendou um estudo técnico. A versão que se conhece desse estudo propõe uma meia mudança. Sugere que se a AGU e seus advogados querem manter em sigilo os documentos que produzem têm que já deixar isso registrado, do contrário tudo é público.

Internamente, a Controladoria buscou negociar uma saída com a AGU. Não houve brecha para diálogo, relata gente que tentou entabular a conversa. Procurada, a Advocacia-Geral da União informou que a restrição de acesso está baseada na portaria de 2016. “O acesso aos argumentos usados como subsídio para decisão presidencial sobre o veto de proposta legislativa pode prejudicar a defesa da constitucionalidade das normas”, diz a AGU. Informa ainda que o “tema da transparência é de contínua atualização pela AGU e ela buscará aperfeiçoar desde que não traga prejuízo à defesa da constitucionalidade das normas”.

Como a AGU não se move na direção de se mostrar à luz do dia, a Controladoria Geral da União tinha poder para, por conta própria, decidir que, a partir de agora, o que deve prevalecer é a transparência, de fato. Até porque, em 2020, o parecer da consultoria jurídica que vem sendo usado para justificar o sigilo terminava com um aviso de que a manifestação era de “natureza meramente opinativa” e que o gestor poderia agir de outro modo. Só que na época, o entendimento caía como luva na intenção da gestão Bolsonaro e da CGU de então de não revelar nada.

Esse processo, aliás, guarda um detalhe inusitado e até contraditório. O parecer da dita Conjur fora aprovado em 2020 por uma servidora que tinha feito tese de doutorado usando a Lei de Acesso para analisar justamente as manifestações da AGU em caso de sanção e veto presidencial. Ou seja, quando o sigilo não estava de pé serviu até para uma pesquisa acadêmica. Mas a autora do estudo preferiu não se opor à nova diretriz a favor do sigilo.

Em 2024, a CGU poderia fazer diferente. Restaria aos advogados públicos apelarem à Justiça em nome do segredo. Mas até aqui a opção não foi essa. A gestão de Lula anda preferindo se esconder no sigilo institucionalizado por Bolsonaro.

Por solicitação da AGU reproduzo aqui a íntegra da nota que justifica seu apego ao sigilo:

A restrição aos pareceres técnicos emitidos no âmbito da análise de sanção e veto presidencial foi estabelecida pelo art. 19, inciso XVI, da Portaria AGU nº 529, de 23 de agosto de 2016. O acesso aos argumentos usados como subsídio para decisão presidencial sobre o veto de proposta legislativa pode prejudicar a defesa da constitucionalidade das normas, que é atribuição obrigatória da Advocacia-Geral da União (art. 103, § 3º da Constituição Federal) e comprometer a excelência do processo de controle concentrado no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

O tema da transparência é de contínua atualização pela AGU e ela buscará aperfeiçoar desde que não traga prejuízo à defesa da constitucionalidade das normas.

O projeto que dá fim à “saidinha”, a MP das Bets e a lei do marco temporal para reservas indígenas. Os três textos que passaram pela mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva guardam o mesmo segredo. Por decisão do governo petista, foram guardados e não podem vir a público os documentos do Planalto que serviram de base para Lula editar a Medida Provisória e sancionar, com vetos, os projetos aprovados no Congresso.

Numa inversão do que apregoava, a gestão de Lula quer fazer do sigilo a regra e a transparência fica como exceção quando se trata dos pareceres jurídicos que explicam porque o presidente deve aprovar ou desaprovar uma proposta legislativa. A invenção do segredo nessa área vem da Advocacia Geral da União (AGU).

O presidente Lula e o advogado-geral da União Jorge Messias Foto: wilton junior/Estadão

Ainda no governo Dilma Rousseff, com a Lei de Acesso à Informação em implantação, a AGU insistia que seus pareceres tinham que ficar em sigilo. Na gestão Michel Temer, foi além. Editou uma portaria dizendo que esses documentos são protegidos pelo segredo que é assegurado entre clientes e advogados. Como se servidores públicos virassem padres e seus documentos mantidos restritos para preservar a confissão de culpa de um fiel pecador.

Um levantamento do Estadão identificou os pedidos de informação direcionados ao governo federal por cidadãos que queriam conhecer o que tem nesses documentos. O resultado ajuda a desvelar quando o segredo se impôs e que governo copia o antecessor nessa matéria. O gráfico abaixo ilustra a história.

No período que abrange os governos Dilma, Temer e Jair Bolsonaro, foram identificados pelo menos 102 pedidos para ter acesso a documentos relacionados à sanção presidencial, sendo que os dados que permitem a consulta do conteúdo do que é solicitado só estão disponíveis a partir de 2015.

Na gestão Dilma, 71,4% dos pedidos foram atendidos. Os 7,1% negados equivalem em número absoluto a um caso. Qual órgão negou o acesso? A AGU.

Na gestão Temer, 65,6% dos pedidos foram atendidos e 15,6% negados. De onde vieram todas as negativas? Mais uma vez da AGU.

No governo Bolsonaro, o espírito do sigilo tomou conta do Planalto. Dos 56 casos identificados no levantamento, 37,5% foram concedidos, enquanto outros 23,2% negados. Há ainda um contingente registrado como parcialmente concedido em 21,4% dos pedidos de informação. Entre os 13 casos negados na gestão do ex-capitão apenas um é da AGU, os demais são da Secretaria-Geral da Presidência, Casa Civil e dos ministérios da Economia, Justiça e Educação.

Olhando mais de perto dá para ver que, no primeiro ano de mandato de Bolsonaro, o número de pedidos atendidos não foi baixo. Em 2019, 57,9% dos requerimentos para conhecer os tais pareceres receberam resposta positiva. A coisa muda a partir de 2020. É quando entra em ação um outro setor do governo: a Controladoria Geral da União, instância responsável por determinação legal para dizer se um documento negado por um órgão deve ser público.

Naquele ano, com vários recursos de cidadãos, boa parte deles jornalistas, pedindo que o Planalto fosse obrigado a abrir seus documentos, a CGU decidiu encerrar o assunto. Foi elaborado, então, um parecer pela Consultoria Jurídica, órgão que também guarda vinculação com a AGU, dizendo que parecer jurídico é sigiloso, seguindo o tal princípio de que era preciso resguardar a relação entre “cliente e advogado”, sendo o governo o “cliente”, e o advogado seria o servidor público com função de consultor jurídico.

Se até então o reclamo da AGU não tinha reverberação na Esplanada dos Ministérios, o posicionamento jurídico acatado pela Controladoria abriu caminho para as portas de acesso se fecharem no governo federal.

Vem a eleição e Lula promete fazer diferente. Para surpresa e até alegria de ONGs que lidam com a transparência, o tema invadiu a propaganda de campanha e debates presidenciais. Ao assumir o cargo, o petista poderia ter feito diferente. Optou por fazer igual.

Como mostra o levantamento do Estadão, de janeiro de 2023 até este mês, a gestão petista recebeu 65 pedidos de acesso aos documentos jurídicos do Planalto. Desses, apenas 38,5% foram atendidos. Outros 15,4% negados e 30,8% parcialmente concedidos. Como em Bolsonaro, a maior parte das negativas vem da Presidência da República.

Com aval da AGU, a Casa Civil barra qualquer tentativa de acesso. Mas como o governo não se entende nem quando a ordem vem de cima, até a decisão do sigilo é desmoralizada. Quando Lula vetou parte do projeto que instituiu o marco temporal, foram feitos pedidos de acesso ao governo sobre o assunto. Um mesmo cidadão pediu documentos à Casa Civil e ao Ministério dos Povos Indígenas.

O ministério levou apenas seis dias para enviar ao requerente cópia do parecer jurídico recomendando que Lula vetasse todo o projeto (o documento que ele recebeu pode ser consultado aqui). Já a Casa Civil esperou 30 dias para dizer “não” sob justificativa do alegado segredo de “cliente-advogado” (resposta negativa aqui).

No final do ano passado, a CGU tentou abrir caminho para mudar o entendimento do sigilo dos pareceres. Travou os julgamentos de pedidos de acesso com esse teor e encomendou um estudo técnico. A versão que se conhece desse estudo propõe uma meia mudança. Sugere que se a AGU e seus advogados querem manter em sigilo os documentos que produzem têm que já deixar isso registrado, do contrário tudo é público.

Internamente, a Controladoria buscou negociar uma saída com a AGU. Não houve brecha para diálogo, relata gente que tentou entabular a conversa. Procurada, a Advocacia-Geral da União informou que a restrição de acesso está baseada na portaria de 2016. “O acesso aos argumentos usados como subsídio para decisão presidencial sobre o veto de proposta legislativa pode prejudicar a defesa da constitucionalidade das normas”, diz a AGU. Informa ainda que o “tema da transparência é de contínua atualização pela AGU e ela buscará aperfeiçoar desde que não traga prejuízo à defesa da constitucionalidade das normas”.

Como a AGU não se move na direção de se mostrar à luz do dia, a Controladoria Geral da União tinha poder para, por conta própria, decidir que, a partir de agora, o que deve prevalecer é a transparência, de fato. Até porque, em 2020, o parecer da consultoria jurídica que vem sendo usado para justificar o sigilo terminava com um aviso de que a manifestação era de “natureza meramente opinativa” e que o gestor poderia agir de outro modo. Só que na época, o entendimento caía como luva na intenção da gestão Bolsonaro e da CGU de então de não revelar nada.

Esse processo, aliás, guarda um detalhe inusitado e até contraditório. O parecer da dita Conjur fora aprovado em 2020 por uma servidora que tinha feito tese de doutorado usando a Lei de Acesso para analisar justamente as manifestações da AGU em caso de sanção e veto presidencial. Ou seja, quando o sigilo não estava de pé serviu até para uma pesquisa acadêmica. Mas a autora do estudo preferiu não se opor à nova diretriz a favor do sigilo.

Em 2024, a CGU poderia fazer diferente. Restaria aos advogados públicos apelarem à Justiça em nome do segredo. Mas até aqui a opção não foi essa. A gestão de Lula anda preferindo se esconder no sigilo institucionalizado por Bolsonaro.

Por solicitação da AGU reproduzo aqui a íntegra da nota que justifica seu apego ao sigilo:

A restrição aos pareceres técnicos emitidos no âmbito da análise de sanção e veto presidencial foi estabelecida pelo art. 19, inciso XVI, da Portaria AGU nº 529, de 23 de agosto de 2016. O acesso aos argumentos usados como subsídio para decisão presidencial sobre o veto de proposta legislativa pode prejudicar a defesa da constitucionalidade das normas, que é atribuição obrigatória da Advocacia-Geral da União (art. 103, § 3º da Constituição Federal) e comprometer a excelência do processo de controle concentrado no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

O tema da transparência é de contínua atualização pela AGU e ela buscará aperfeiçoar desde que não traga prejuízo à defesa da constitucionalidade das normas.

O projeto que dá fim à “saidinha”, a MP das Bets e a lei do marco temporal para reservas indígenas. Os três textos que passaram pela mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva guardam o mesmo segredo. Por decisão do governo petista, foram guardados e não podem vir a público os documentos do Planalto que serviram de base para Lula editar a Medida Provisória e sancionar, com vetos, os projetos aprovados no Congresso.

Numa inversão do que apregoava, a gestão de Lula quer fazer do sigilo a regra e a transparência fica como exceção quando se trata dos pareceres jurídicos que explicam porque o presidente deve aprovar ou desaprovar uma proposta legislativa. A invenção do segredo nessa área vem da Advocacia Geral da União (AGU).

O presidente Lula e o advogado-geral da União Jorge Messias Foto: wilton junior/Estadão

Ainda no governo Dilma Rousseff, com a Lei de Acesso à Informação em implantação, a AGU insistia que seus pareceres tinham que ficar em sigilo. Na gestão Michel Temer, foi além. Editou uma portaria dizendo que esses documentos são protegidos pelo segredo que é assegurado entre clientes e advogados. Como se servidores públicos virassem padres e seus documentos mantidos restritos para preservar a confissão de culpa de um fiel pecador.

Um levantamento do Estadão identificou os pedidos de informação direcionados ao governo federal por cidadãos que queriam conhecer o que tem nesses documentos. O resultado ajuda a desvelar quando o segredo se impôs e que governo copia o antecessor nessa matéria. O gráfico abaixo ilustra a história.

No período que abrange os governos Dilma, Temer e Jair Bolsonaro, foram identificados pelo menos 102 pedidos para ter acesso a documentos relacionados à sanção presidencial, sendo que os dados que permitem a consulta do conteúdo do que é solicitado só estão disponíveis a partir de 2015.

Na gestão Dilma, 71,4% dos pedidos foram atendidos. Os 7,1% negados equivalem em número absoluto a um caso. Qual órgão negou o acesso? A AGU.

Na gestão Temer, 65,6% dos pedidos foram atendidos e 15,6% negados. De onde vieram todas as negativas? Mais uma vez da AGU.

No governo Bolsonaro, o espírito do sigilo tomou conta do Planalto. Dos 56 casos identificados no levantamento, 37,5% foram concedidos, enquanto outros 23,2% negados. Há ainda um contingente registrado como parcialmente concedido em 21,4% dos pedidos de informação. Entre os 13 casos negados na gestão do ex-capitão apenas um é da AGU, os demais são da Secretaria-Geral da Presidência, Casa Civil e dos ministérios da Economia, Justiça e Educação.

Olhando mais de perto dá para ver que, no primeiro ano de mandato de Bolsonaro, o número de pedidos atendidos não foi baixo. Em 2019, 57,9% dos requerimentos para conhecer os tais pareceres receberam resposta positiva. A coisa muda a partir de 2020. É quando entra em ação um outro setor do governo: a Controladoria Geral da União, instância responsável por determinação legal para dizer se um documento negado por um órgão deve ser público.

Naquele ano, com vários recursos de cidadãos, boa parte deles jornalistas, pedindo que o Planalto fosse obrigado a abrir seus documentos, a CGU decidiu encerrar o assunto. Foi elaborado, então, um parecer pela Consultoria Jurídica, órgão que também guarda vinculação com a AGU, dizendo que parecer jurídico é sigiloso, seguindo o tal princípio de que era preciso resguardar a relação entre “cliente e advogado”, sendo o governo o “cliente”, e o advogado seria o servidor público com função de consultor jurídico.

Se até então o reclamo da AGU não tinha reverberação na Esplanada dos Ministérios, o posicionamento jurídico acatado pela Controladoria abriu caminho para as portas de acesso se fecharem no governo federal.

Vem a eleição e Lula promete fazer diferente. Para surpresa e até alegria de ONGs que lidam com a transparência, o tema invadiu a propaganda de campanha e debates presidenciais. Ao assumir o cargo, o petista poderia ter feito diferente. Optou por fazer igual.

Como mostra o levantamento do Estadão, de janeiro de 2023 até este mês, a gestão petista recebeu 65 pedidos de acesso aos documentos jurídicos do Planalto. Desses, apenas 38,5% foram atendidos. Outros 15,4% negados e 30,8% parcialmente concedidos. Como em Bolsonaro, a maior parte das negativas vem da Presidência da República.

Com aval da AGU, a Casa Civil barra qualquer tentativa de acesso. Mas como o governo não se entende nem quando a ordem vem de cima, até a decisão do sigilo é desmoralizada. Quando Lula vetou parte do projeto que instituiu o marco temporal, foram feitos pedidos de acesso ao governo sobre o assunto. Um mesmo cidadão pediu documentos à Casa Civil e ao Ministério dos Povos Indígenas.

O ministério levou apenas seis dias para enviar ao requerente cópia do parecer jurídico recomendando que Lula vetasse todo o projeto (o documento que ele recebeu pode ser consultado aqui). Já a Casa Civil esperou 30 dias para dizer “não” sob justificativa do alegado segredo de “cliente-advogado” (resposta negativa aqui).

No final do ano passado, a CGU tentou abrir caminho para mudar o entendimento do sigilo dos pareceres. Travou os julgamentos de pedidos de acesso com esse teor e encomendou um estudo técnico. A versão que se conhece desse estudo propõe uma meia mudança. Sugere que se a AGU e seus advogados querem manter em sigilo os documentos que produzem têm que já deixar isso registrado, do contrário tudo é público.

Internamente, a Controladoria buscou negociar uma saída com a AGU. Não houve brecha para diálogo, relata gente que tentou entabular a conversa. Procurada, a Advocacia-Geral da União informou que a restrição de acesso está baseada na portaria de 2016. “O acesso aos argumentos usados como subsídio para decisão presidencial sobre o veto de proposta legislativa pode prejudicar a defesa da constitucionalidade das normas”, diz a AGU. Informa ainda que o “tema da transparência é de contínua atualização pela AGU e ela buscará aperfeiçoar desde que não traga prejuízo à defesa da constitucionalidade das normas”.

Como a AGU não se move na direção de se mostrar à luz do dia, a Controladoria Geral da União tinha poder para, por conta própria, decidir que, a partir de agora, o que deve prevalecer é a transparência, de fato. Até porque, em 2020, o parecer da consultoria jurídica que vem sendo usado para justificar o sigilo terminava com um aviso de que a manifestação era de “natureza meramente opinativa” e que o gestor poderia agir de outro modo. Só que na época, o entendimento caía como luva na intenção da gestão Bolsonaro e da CGU de então de não revelar nada.

Esse processo, aliás, guarda um detalhe inusitado e até contraditório. O parecer da dita Conjur fora aprovado em 2020 por uma servidora que tinha feito tese de doutorado usando a Lei de Acesso para analisar justamente as manifestações da AGU em caso de sanção e veto presidencial. Ou seja, quando o sigilo não estava de pé serviu até para uma pesquisa acadêmica. Mas a autora do estudo preferiu não se opor à nova diretriz a favor do sigilo.

Em 2024, a CGU poderia fazer diferente. Restaria aos advogados públicos apelarem à Justiça em nome do segredo. Mas até aqui a opção não foi essa. A gestão de Lula anda preferindo se esconder no sigilo institucionalizado por Bolsonaro.

Por solicitação da AGU reproduzo aqui a íntegra da nota que justifica seu apego ao sigilo:

A restrição aos pareceres técnicos emitidos no âmbito da análise de sanção e veto presidencial foi estabelecida pelo art. 19, inciso XVI, da Portaria AGU nº 529, de 23 de agosto de 2016. O acesso aos argumentos usados como subsídio para decisão presidencial sobre o veto de proposta legislativa pode prejudicar a defesa da constitucionalidade das normas, que é atribuição obrigatória da Advocacia-Geral da União (art. 103, § 3º da Constituição Federal) e comprometer a excelência do processo de controle concentrado no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

O tema da transparência é de contínua atualização pela AGU e ela buscará aperfeiçoar desde que não traga prejuízo à defesa da constitucionalidade das normas.

Opinião por Francisco Leali

Coordenador na Sucursal do Estadão em Brasília. Jornalista, Mestre em Comunicação e pesquisador especializado em transparência pública.

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