BRASÍLIA - No cargo há 15 dias, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, enfrenta a sua primeira crise mudando drasticamente o perfil que o antecessor, Flávio Dino, imprimiu à frente da pasta. Em vez do embate com adversários do governo, articulação política nos bastidores junto a setores com os quais há arestas a serem aparadas. No lugar de manifestações públicas recorrentes e promessas em série, uma discrição que chegou a ser classificada por críticos como demora para reagir à fuga em Mossoró (RN).
O Palácio do Planalto vê no ministro, de “perfil discreto e diplomático”, um reforço na articulação política junto ao Congresso e na interlocução com o Poder Judiciário. O entorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aposta no jeito conciliador de Lewandowski para ajudar a “desarmar bombas” que tenham ou não relação com a atividade fim do ministério. E também acredita que a capacidade técnica dele conduzirá o governo o mais rápido possível ao fim da crise na penitenciária sem alimentar divergências.
Apesar do discurso de “continuidade do trabalho”, o início da gestão Lewandowski já mudou o tom do Ministério da Justiça de Flávio Dino. O ex-ministro comentava assuntos variados, anunciava ações futuras pelas redes sociais, era assíduo no X (antigo Twitter) e acumulava atrito com adversários políticos do governo. A exposição rendeu críticas por promessas e ameaças não cumpridas.
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Um dos principais aliados de Jair Bolsonaro (PL), o senador Ciro Nogueira (PP-PI) saiu em defesa de Lewandowski. Disse que o novo ministrou acabou de assumir a função e não faria sentido o Congresso convocá-lo para dar explicações, como deseja parte da oposição. “Culpá-lo e fazer política com a fuga dos presídios federais, convocando-o ao Congresso, só cria barulho”, disse.
Diante da inédita fuga de presídio federal, Lewandowski não correu em busca do protagonismo público. Autorizou o secretário responsável pela área, nomeado há menos de uma semana, a ser o primeiro a falar em nome da pasta. As medidas tomadas por Lewandowski apareceram em publicações do Diário Oficial e em nota oficial divulgada no site da pasta. Ele não tem perfil oficial no X.
Só no fim da tarde de quinta-feira, 15, ele compartilhou providências que foram e serão tomadas para desvendar os fatores que permitiram a fuga de dois presos faccionados do Comando Vermelho da Penitenciária Federal em Mossoró.
“Considero realmente que a fuga dos dois detentos é algo que não pode ser minimizada. É algo grave, mas é uma fuga que se deu em uma série de coincidências negativas, casos fortuitos e, infelizmente, facilitaram a fuga desses dois detentos. Embora preocupante, isso não afeta a segurança dos presídios federais”, disse, na primeira entrevista coletiva desde que assumiu o cargo.
A movimentação política de Lewandowski
Antes de precisar lidar com a primeira crise, Lewandowski começou a gestão recebendo para reuniões setores de dentro e de fora do governo com os quais identificou motivos para promover conciliações. Recebeu o ministro da Defesa, José Múcio, e integrantes da cúpula das Forças Armadas. Entre os temas tratados, a crise no território indígena yanomami, em Roraima.
O ministro se mostrou solidário com as dificuldades logísticas e orçamentárias enfrentadas pelo Exército, que passou a concentrar críticas de setores governistas e acusações de uma suposta omissão proposital no enfrentamento ao garimpo e na ajuda humanitária aos povos isolados.
O PSOL, partido da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, fez, em janeiro, uma resolução em que culpa a Defesa pelo que considera omissão no tratamento aos yanomamis. A conversa de Lewandowski com Múcio e militares passou pelo apoio à construção de um plano que envolva diferentes áreas do governo.
Lewandowski também trabalhou para reverter o mal-estar gerado com a ausência do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na cerimônia de troca de ministros da Justiça. O deputado pediu para ir a Lewandowski, mas o novo ministro foi ele mesmo bater à porta do alagoano, na Câmara.
O movimento de Lewandowski com Lira agradou a articulação política de Lula, sobretudo por ter ocorrido no momento em que o presidente da Câmara externava críticas ao Palácio. Os aliados do presidente apostam na “habilidade” e na “elegância” do ministro para ajudar o governo.
Lewandowski e os principais auxiliares têm perfis mais discretos do que o dos antecessores, o que na avaliação de governistas permitirá o pleno exercício das habilidades conciliadoras do novo ministro sem o risco de parecer “deselegante” com a gestão anterior.
O governo também considerou positiva a disposição de Lewandowski em manter ao menos sete integrantes da gestão Flavio Dino em postos-chave. Entre eles, Elias Vaz (PSB). O secretário de assuntos legislativos foi um dos quatro integrantes da pasta que receberam a mulher de um traficante na sede do ministério, episódio que gerou uma das principais crises da gestão Dino.
A manutenção de Vaz apaziguou queixas do PSB sobre o desalojamento de membros da sigla. O partido tinha três secretárias, inclusive a executiva, e o próprio ministro. Lewandowski tinha do Planalto o aval para trocar os nomes que quisesse porque Lula não considerava a escolha de Dino como partidária.
Mesmo assim, o ministro fez o gesto ao partido e ressaltou nas poucas manifestações públicas até agora que pretende dar “continuidade ao brilhante trabalho desenvolvido por Flavio Dino e equipe”.
Entre governistas do Congresso, a expectativa é como a opinião pública vai absorver a mudança de característica no ministério. Embora o mantra da nova equipe seja o de “endurecer” o combate ao crime organizado, uma parte dos aliados de Lula considera que as “lacradas e invertidas” de Flávio Dino ajudavam a preencher um espaço em que o bolsonarismo se fortaleceu e contribuía na guerra de narrativas nas redes.
De fato, a autoexposição de Dino ganhava tração na rede e ajudava a aumentar a popularidade do então ministro e a do imediato dele na pasta. Nas eleições de 2022, Dino tinha 742 mil seguidores no X. Deixou o governo no mês passado com 1,2 milhão. Ex-secretário-executivo, Ricardo Cappelli assumiu a função com 7,2 mil. Em janeiro, quando foi escalado como interventor na segurança pública do Distrito Federal, passou para 81 mil. Saiu do governo com 112,8 mil seguidores.
Lewandowski e o movimento do PT no impeachment de Dilma
Egresso do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski chancelou uma movimentação política do PT em um momento crucial da história recente do País. O episódio é destacado por governistas simpáticos à ida dele para o governo como um exemplo da habilidade e da compreensão política que que ele pode oferecer a Lula em frentes variadas.
Na sessão do Senado que definiu o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) – presidida por Ricardo Lewandowski, em 2016 –, o ministro permitiu a votação em separado da perda do mandato e da inabilitação dela para exercer funções públicas por oito anos.
Os senadores cassaram a então presidente, mas mantiveram os direitos políticos dela, em uma solução intermediária para a crise política da época. Com isso, Dilma pôde concorrer ao Senado por Minas Gerais em 2018 e defender seu governo.
Além de ratificar a articulação política dos petistas no impeachment, Lewandowski tem um histórico de decisões favoráveis ao partido de Lula em julgamentos como os do mensalão e da Lava Jato.