‘Geringonça’ de Lula periga não funcionar no Brasil, aponta cientista político português


Termo é dado à coligação formada no meio da década passada por legendas esquerdistas de Portugal; Presidente terá dificuldades com sua frente ampla, diz André Freire, que estudou aliança que, de forma bem-sucedida, uniu esquerdas lusitanas; para pesquisador, defesa da democracia, luta contra a desigualdade e resistência a eventual cerco podem unir coligação brasileira

Por Wilson Tosta
Atualização:
Foto: Gerardo Santos/Global Imagens
Entrevista comAndré FreireCientista político, autor de "Para lá da 'Geringonça'"

RIO – O cientista político português André Freire, autor de Para lá da ‘Geringonça’ - o governo de esquerdas em Portugal e na Europa (Lisboa, 2017, Contraponto Editores), vê pouca semelhança entre a aliança de apelido jocoso – que há alguns anos uniu, no governo luso, os partidos Socialista, Comunista, Os Verdes e o Bloco de Esquerda sob a liderança de António Costa – e a frente ampla pretendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Brasil.

Para o pesquisador, há poucos paralelos entre a coligação formada no meio da década passada por legendas esquerdistas lusitanas – que havia 40 anos não conseguiam se unir para governar – e a união tentada por Lula no Brasil, que vai do PSOL à direita moderada. O que se desenha no País, observou, é mais uma “grande coligação”, com perfil “arco-íris” – vai da esquerda radical à “direita democrática”– , o que exigirá muito de Lula e pode não funcionar.

(A grande coligação) É uma frente ampla que até pode ter mais partidos do que os que são necessários para fazer a maioria absoluta”, afirmou Freire, que é doutor em Sociologia Política, Ciência Política e Governo pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e é atualmente diretor de Doutoramento do Instituto Universitário da capital portuguesa (ISCTE-IUL). “Agora, não vai ser fácil. Desse ponto de vista é uma geringonça. Gerigonça significa uma máquina que você não espera que funcione. Uma coisa que a gente não espera que as peças se juntem.”

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Freire destaca a força eleitoral demonstrada pelo agora ex-presidente Jair Bolsonaro, mesmo tendo sido derrotado, como um fator a ser considerado. Para o pesquisador, iniciativas violentas de bolsonaristas, como o quebra-quebra de Brasília, em 12 de dezembro, e as ações associadas a terrorismo, como a bomba no aeroporto de Brasília, que são investigadas pela Polícia Federal, configuram uma oposição desleal. E podem ajudar o presidente Lula a manter unido o governo que formou com forças tão díspares.

A seguir, os principais trechos da conversa com o pesquisador, via Zoom.

O Brasil tem um novo governo chefiado por um político de esquerda, o presidente Lula, com o que pretende ser uma frente ampla, com apoios que vão da direita moderada à esquerda mais radical. O que o senhor, que estudou a Geringonça, a aliança de partidos de esquerda em Portugal, teria a dizer sobre isso? É possível alguma comparação?

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Bem, nós devemos sempre aprender umas coisas uns com os outros, todos aprendemos. Agora digamos… Eu acho as situações muito diferentes. Porque o que nós tínhamos aqui (em Portugal) era uma situação em que, ao longo de 40 anos, as esquerdas nunca tinham conseguido entender-se para governar. Quer dizer, no período constitucional, porque nossa transição para a democracia começou em 74. Depois, em 75, foi eleita uma assembleia constituinte, cuja função era desenhar a Constituição. Até aí houve governos provisórios. Depois, em 76, é publicada a nova Constituição. Durante os governos provisórios, o Partido Comunista ainda esteve no governo. E depois, durante o período constitucional, ou seja, de 76 até 2015, nem os comunistas, (nem) o Bloco de Esquerda, que é o partido da nova esquerda, que aparece como uma espécie de cisão… Em parte cisão de pessoas da galáxia do PC, e que saem… E maoístas, trotskistas, se unem, fazem uma frente de esquerda. E portanto nós tinhamos uma esquerda que era incapaz de governar. Quando o Partido Socialista tinha a maioria… Bem, até àquela altura (o PS) só tinha tido uma vez maioria absoluta de deputados no Parlamento. Nosso sistema é diferente do vosso, porque não é presidencialista, é semipresidencial, mas no fundo funciona como um sistema parlamentar. Forma-se (o governo) a partir da maioria parlamentar. Então nós tivermos 40 anos mais ou menos, quarenta e tal anos, em que a esquerda era incapaz de se entender para governar. Teve alguma coligação em Lisboa, que foi o antigo presidente Sampaio que deu a mão ao PC, em 89, logo a serguir à queda do Muro de Berlim, uma coisa curiosa. E também alguma coisa no arquipélago da Madeira, na câmara do Funchal. E no resto nunca se tinham entendido.

Quais outras diferenças o senhor vê?

O que tivemos aqui não foi uma grande coligação. O que vocês vão ter aí? Eu acho que é diferente. Eu sei que até cientistas políticos meus amigos falaram na Geringonça, logo quando o Lula chamou o (vice-presidente Geraldo) Alckmin. Um homem que vem do PSDB, essa talvez seja a novidade. O PSDB também está a se desfazer. Mas é uma simbologia. Eu acho que, sinceramente, os paralelismos com a situação portuguesa… Porque o Brasil sempre teve presidencialismo de coalizão. Sempre teve coligações mais ou menos amplas ou então coisas ad hoc (específicas, com um único objetivo). Eu acho que vocês têm partidos demais, deve ser o sistema político mais fragmentado do mundo, em termos de número de partidos. Agora, acho que é preciso uma frente ampla, o Lula tem que fazer uma frente ampla.

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Como? Em torno de quê?

Eu acho que o Lula não tem uma tarefa fácil pela frente. Eu acho que essa solução política brasileira é mais comparável com o que nós, em Portugal, chamamos bloco central. Os dois grandes partidos, o PS e o PSD, se coligarem para governar. Só houve uma vez, em 83-85. Isso na Europa chamamos de grande coligação. É uma frente ampla que até pode ter mais partidos do que os que são necessários para fazer a maioria absoluta. O presidente tem autonomia para governar mas depois precisa passar a legislação no Congresso, não é? E precisa de apoio. Porque apesar de tudo o (ex-presidente Jair) Bolsonaro e as forças forças ligadas ao Bolsonaro, a direita radical e a extrema direita tiveram votações muito significativas, e o próprio (Bolsonaro), apesar de tudo, teve uma votação confortável. Eu acho que o Brasil precisa, e o que o Lula está a tentar fazer, é uma frente ampla. Na Europa costumamos chamar a isso uma grande coligação, uma coligação sobredimensionada e que é arco-íris. A nossa Geringonça não era arco-íris. Os cientistas políticos chamam arco-íris quando tem a esquerda e a direita juntas, não é? O PT que é um partido social-democrata, quando foi o tempo da terceira via, era a terceira via latino-americana. Não era o Chavez, não era a esquerda radical como algumas pessoas diziam. Agora, é preciso uma frente muito mais ampla que abranja o centro e a direita democráticas. Sabe para quê? Para defender a democracia.

O cientista político André Freire vê dificuldades para Lula Foto: Gerardo Santos/Global Imagens
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Uma frente tão ampla consegue se sustentar ou a tendência é que ela comece a se fragmentar? Porque no governo Lula são muitas forças diferentes, de conservadores até o PSOL. Essa frente tem condições de se manter? Qual poderia ser o “cimento” para mantê-la unida?

Nós aqui em português de Portugal temos uma expressão, que é o saco de gatos…

Temos essa expressão também no Brasil…

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Vocês também a têm aí? Nesse aspecto, há um paralelismo com a Geringonça portuguesa. Por que a Geringonça se chamava Geringonça? Isso foi uma palavra que um político muito engraçado, Vasco Pulido Valente, que já morreu, inventou, para denegrir. Porque não se esperava que aquilo funcionasse, tinham posições muito diferentes. Tiveram quarenta e tal anos sem serem capazes de se entender, e tinham posições muitos diferentes em termos de várias áreas-chave da política. No entanto, se entenderam. Eu acho que um “cimento” que é preciso ter é consciência de defender a democracia. Essa é a prioridade, mas agora também não nego que a situação é muito, muito complicada. Tem que pensar em defender a democracia, porque se isso não correr bem… A democracia no Brasil, direi eu, humildemente, é uma posição externa, é a minha opinião, já não anda lá muito famosa. Com toda a legitimidade democrática que tinha, não é? Porque foi eleito, ninguém ninguém andou a botar pistolas à cabeça das pessoas para votarem no Bolsonaro. Portanto acho que o “cimento” deve ser em primeiro lugar a democracia, e depois… Eu por acaso estive aí no verão passado, mas eu nunca tinha ido ao Brasil, portanto eu não sei não tenho termo de comparação. Chocava-me tanta gente a viver na rua! Aqui em Portugal somos pobres. Há uns tipos mais ricos e tal, mas, quer dizer não há as discrepâncias (que há no Brasil). Estava lá em Ipanema, lá em cima havia uma favela, em cima… Estive em Belo Horizonte, que eu aliás adorei. Adorei as coisas boas que vi, que tem o melhor do mundo, depois tem aquelas coisas todas de miséria chocante, não é? Acho que isso também é preciso aplacar. Os meus amigos dizem que piorou muito durante o exercício (mandato) do Bolsonaro. Eu não sei se é verdade ou não, não estive a olhar para dados estatísticos, não conheço assim bem o Brasil para saber se foi ou não foi. Mas acho que que isso também deve ser uma prioridade. Tem outra coisa que deve ser um “cimento”. O que se deve evitar é governações ad hoc. Comprar um voto aqui, um voto ali, isso não é bom. Isso é um problema do sistema político brasileiro que tem demasiados partidos, partidos não ideológicos. Portanto acho que o “cimento” deve ser defender a democracia, recuperar (reduzir) essa pobreza e essa desigualdade que me parece muito gritante aí no Brasil e evitar governações com alianças ad hoc, porque isso não é bom. Agora, não vai ser fácil. Desse ponto de vista é uma geringonça. Gerigonça significa uma máquina que você não espera que funcione, uma coisa mal-amanhada (desajeitada, mal arrumada), não é? Uma coisa que a gente não espera que as peças se juntem umas com as outras.

A Geringonça brasileira periga não funcionar?

Exato! A nossa funcionou muito bem para surpresa de todos. Eu era um apoiante avant la lettre (desde o início) daquela solução política. E funcionou bem. Cumprimos as regras europeias do déficit da dívida, cumpriu-se o programa do acordo tripartido, Funcionou bem. Uma coisa fez aquilo funcionar. É que a probabilidade de aquilo funcionasse mal era tão widespread (generalizada), a percepção pública, do presidente então, que era um presidente de direita, que aliás fez tudo o que pôde para… Primeiro, ele impulsiona o governo com partidos de centro-direita que é quem ganha as eleições, atenção, o PSD, a lista PSD-CDS. Como havia um cerco sobre a tal Geringonça, que não era só doméstico, não era só do presidente, dos mass media (meios de comunicação de massa), que diziam “isso nunca vai funcionar, isso nunca vai funcionar”… Que era também da Europa, porque eles (o governo da Geringonça) queriam subir o salário mínimo… Portanto houve um cerrar de fileiras tendo em conta o cerco externo que havia. Pode ser que isso também funcione aí.

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Os agentes econômicos têm demonstrado uma certa impaciência com o novo governo, isso às vezes reflete negativamente na Bolsa de Valores. Qual poderia ser o papel desses agentes econômicos para o sucesso ou fracasso da frente, na sua avaliação?

É óbvio que, com uma ambiência política com esse grau de heterogeneidade, há um trade off (uma escolha em detrimento de outra) necessário para isso, mesmo que tudo corra bem. É preciso negociar com muita gente. Eu acho que o presidente, que é o governo, e a sua aliança política têm que mobilizar, digamos, as organizações de interesse, o empresariado, mas também os sindicatos. Agora, é preciso todos têm consciência, o governo, os jornalistas também, fazer em uma certa pedagogia: se há uma coisa que vai caracterizar essa aliança política, dada sua complexidade e heterogeneidade, é a lentidão do processo de tomada de decisão. Por quê? Porque é óbvio, porque tem que negociar com várias pessoas, tem que fazer compromissos improváveis não é? E portanto tudo isso leva muito tempo. Agora, naturalmente eu acho o presidente Lula tem que cooptar, entre aspas, mobilizar, para a defesa da democracia, para a defesa de um país menos desigual.

Livro "Para lá da 'Geringonça'", de André Freire, examinou a improvável aliança das esquerdas portuguesas Foto: Divulgação

Recentemente, a Polícia impediu a explosão de uma bomba em um caminhão de combustíveis numa estrada que leva ao aeroporto de Brasília e descobriu explosivos e coletes balísticos escondidos em um matagal. A Polícia Federal também prendeu pessoas envolvidas em um quebra-quebra na capital federal. Todos os detidos estão ligados ao bolsonarismo. Eu queria saber do senhor se esse tom da oposição pode influenciar na coesão da aliança, se poderia facilitar que a frente ampla se mantivesse.

O cerco à Geringonça portuguesa era de uma oposição digamos leal, não é? Isso (o recurso a ações violentas no Brasil) é uma posição desleal e é terrorismo. Isso pode funcionar como um” cimento” da Aliança, pode. Agora tem que ver, o Brasil tem um estado de direito e tem que cumprir as leis. Isso (oposição violenta) é completamente inaceitável, é terrorismo, lamentável E também não é uma novidade. É um contágio norte-americano, aquela arruaça estimulada pelo presidente (Donald Trump) no Capitólio (em 6 de janeiro de 2021) foi uma coisa lamentável e tem um certo paralelismo (nas ações violentas de bolsonaristas no Brasil). Acho que, por estranho que pareça, isso pode ser um elemento de coesão (do novo governo).

O que faltaria para o governo Lula ser uma Geringonça, e essa Geringonça funcionar? Haveria uma agenda a unir os grupos que o sustentam? Porque há pontos em comum: meio ambiente, desigualdade, direitos humanos…

O ambiente é uma coisa muito importante que vocês têm aí, o pulmão do mundo (a Amazônia), que estava a perigar, não é? Acho que o ambiente, a desigualdade, a democracia. Acho que defender a democracia… Acho que isso também deve ser um ponto. Porque, quer dizer, vamos lá: MDB, PSDB… Quer dizer: há uma direita democrática no Brasil. Embora tenha havido alguns trânsfugas que apoiaram o Bolsonaro. Mas há uma direita democrática no Brasil. É essa que deve ser cooptada para essa frente ampla. E depois é uma atitude compromissória de todas as partes. O não vai ser fácil, vai ser preciso cedências (concessões), de parte a parte. Ninguém vai ter o seu programa todo aplicado, toda a gente vai ter que ceder um bocadinho para fazer aproximações. Não vai ser fácil.

RIO – O cientista político português André Freire, autor de Para lá da ‘Geringonça’ - o governo de esquerdas em Portugal e na Europa (Lisboa, 2017, Contraponto Editores), vê pouca semelhança entre a aliança de apelido jocoso – que há alguns anos uniu, no governo luso, os partidos Socialista, Comunista, Os Verdes e o Bloco de Esquerda sob a liderança de António Costa – e a frente ampla pretendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Brasil.

Para o pesquisador, há poucos paralelos entre a coligação formada no meio da década passada por legendas esquerdistas lusitanas – que havia 40 anos não conseguiam se unir para governar – e a união tentada por Lula no Brasil, que vai do PSOL à direita moderada. O que se desenha no País, observou, é mais uma “grande coligação”, com perfil “arco-íris” – vai da esquerda radical à “direita democrática”– , o que exigirá muito de Lula e pode não funcionar.

(A grande coligação) É uma frente ampla que até pode ter mais partidos do que os que são necessários para fazer a maioria absoluta”, afirmou Freire, que é doutor em Sociologia Política, Ciência Política e Governo pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e é atualmente diretor de Doutoramento do Instituto Universitário da capital portuguesa (ISCTE-IUL). “Agora, não vai ser fácil. Desse ponto de vista é uma geringonça. Gerigonça significa uma máquina que você não espera que funcione. Uma coisa que a gente não espera que as peças se juntem.”

Freire destaca a força eleitoral demonstrada pelo agora ex-presidente Jair Bolsonaro, mesmo tendo sido derrotado, como um fator a ser considerado. Para o pesquisador, iniciativas violentas de bolsonaristas, como o quebra-quebra de Brasília, em 12 de dezembro, e as ações associadas a terrorismo, como a bomba no aeroporto de Brasília, que são investigadas pela Polícia Federal, configuram uma oposição desleal. E podem ajudar o presidente Lula a manter unido o governo que formou com forças tão díspares.

A seguir, os principais trechos da conversa com o pesquisador, via Zoom.

O Brasil tem um novo governo chefiado por um político de esquerda, o presidente Lula, com o que pretende ser uma frente ampla, com apoios que vão da direita moderada à esquerda mais radical. O que o senhor, que estudou a Geringonça, a aliança de partidos de esquerda em Portugal, teria a dizer sobre isso? É possível alguma comparação?

Bem, nós devemos sempre aprender umas coisas uns com os outros, todos aprendemos. Agora digamos… Eu acho as situações muito diferentes. Porque o que nós tínhamos aqui (em Portugal) era uma situação em que, ao longo de 40 anos, as esquerdas nunca tinham conseguido entender-se para governar. Quer dizer, no período constitucional, porque nossa transição para a democracia começou em 74. Depois, em 75, foi eleita uma assembleia constituinte, cuja função era desenhar a Constituição. Até aí houve governos provisórios. Depois, em 76, é publicada a nova Constituição. Durante os governos provisórios, o Partido Comunista ainda esteve no governo. E depois, durante o período constitucional, ou seja, de 76 até 2015, nem os comunistas, (nem) o Bloco de Esquerda, que é o partido da nova esquerda, que aparece como uma espécie de cisão… Em parte cisão de pessoas da galáxia do PC, e que saem… E maoístas, trotskistas, se unem, fazem uma frente de esquerda. E portanto nós tinhamos uma esquerda que era incapaz de governar. Quando o Partido Socialista tinha a maioria… Bem, até àquela altura (o PS) só tinha tido uma vez maioria absoluta de deputados no Parlamento. Nosso sistema é diferente do vosso, porque não é presidencialista, é semipresidencial, mas no fundo funciona como um sistema parlamentar. Forma-se (o governo) a partir da maioria parlamentar. Então nós tivermos 40 anos mais ou menos, quarenta e tal anos, em que a esquerda era incapaz de se entender para governar. Teve alguma coligação em Lisboa, que foi o antigo presidente Sampaio que deu a mão ao PC, em 89, logo a serguir à queda do Muro de Berlim, uma coisa curiosa. E também alguma coisa no arquipélago da Madeira, na câmara do Funchal. E no resto nunca se tinham entendido.

Quais outras diferenças o senhor vê?

O que tivemos aqui não foi uma grande coligação. O que vocês vão ter aí? Eu acho que é diferente. Eu sei que até cientistas políticos meus amigos falaram na Geringonça, logo quando o Lula chamou o (vice-presidente Geraldo) Alckmin. Um homem que vem do PSDB, essa talvez seja a novidade. O PSDB também está a se desfazer. Mas é uma simbologia. Eu acho que, sinceramente, os paralelismos com a situação portuguesa… Porque o Brasil sempre teve presidencialismo de coalizão. Sempre teve coligações mais ou menos amplas ou então coisas ad hoc (específicas, com um único objetivo). Eu acho que vocês têm partidos demais, deve ser o sistema político mais fragmentado do mundo, em termos de número de partidos. Agora, acho que é preciso uma frente ampla, o Lula tem que fazer uma frente ampla.

Como? Em torno de quê?

Eu acho que o Lula não tem uma tarefa fácil pela frente. Eu acho que essa solução política brasileira é mais comparável com o que nós, em Portugal, chamamos bloco central. Os dois grandes partidos, o PS e o PSD, se coligarem para governar. Só houve uma vez, em 83-85. Isso na Europa chamamos de grande coligação. É uma frente ampla que até pode ter mais partidos do que os que são necessários para fazer a maioria absoluta. O presidente tem autonomia para governar mas depois precisa passar a legislação no Congresso, não é? E precisa de apoio. Porque apesar de tudo o (ex-presidente Jair) Bolsonaro e as forças forças ligadas ao Bolsonaro, a direita radical e a extrema direita tiveram votações muito significativas, e o próprio (Bolsonaro), apesar de tudo, teve uma votação confortável. Eu acho que o Brasil precisa, e o que o Lula está a tentar fazer, é uma frente ampla. Na Europa costumamos chamar a isso uma grande coligação, uma coligação sobredimensionada e que é arco-íris. A nossa Geringonça não era arco-íris. Os cientistas políticos chamam arco-íris quando tem a esquerda e a direita juntas, não é? O PT que é um partido social-democrata, quando foi o tempo da terceira via, era a terceira via latino-americana. Não era o Chavez, não era a esquerda radical como algumas pessoas diziam. Agora, é preciso uma frente muito mais ampla que abranja o centro e a direita democráticas. Sabe para quê? Para defender a democracia.

O cientista político André Freire vê dificuldades para Lula Foto: Gerardo Santos/Global Imagens

Uma frente tão ampla consegue se sustentar ou a tendência é que ela comece a se fragmentar? Porque no governo Lula são muitas forças diferentes, de conservadores até o PSOL. Essa frente tem condições de se manter? Qual poderia ser o “cimento” para mantê-la unida?

Nós aqui em português de Portugal temos uma expressão, que é o saco de gatos…

Temos essa expressão também no Brasil…

Vocês também a têm aí? Nesse aspecto, há um paralelismo com a Geringonça portuguesa. Por que a Geringonça se chamava Geringonça? Isso foi uma palavra que um político muito engraçado, Vasco Pulido Valente, que já morreu, inventou, para denegrir. Porque não se esperava que aquilo funcionasse, tinham posições muito diferentes. Tiveram quarenta e tal anos sem serem capazes de se entender, e tinham posições muitos diferentes em termos de várias áreas-chave da política. No entanto, se entenderam. Eu acho que um “cimento” que é preciso ter é consciência de defender a democracia. Essa é a prioridade, mas agora também não nego que a situação é muito, muito complicada. Tem que pensar em defender a democracia, porque se isso não correr bem… A democracia no Brasil, direi eu, humildemente, é uma posição externa, é a minha opinião, já não anda lá muito famosa. Com toda a legitimidade democrática que tinha, não é? Porque foi eleito, ninguém ninguém andou a botar pistolas à cabeça das pessoas para votarem no Bolsonaro. Portanto acho que o “cimento” deve ser em primeiro lugar a democracia, e depois… Eu por acaso estive aí no verão passado, mas eu nunca tinha ido ao Brasil, portanto eu não sei não tenho termo de comparação. Chocava-me tanta gente a viver na rua! Aqui em Portugal somos pobres. Há uns tipos mais ricos e tal, mas, quer dizer não há as discrepâncias (que há no Brasil). Estava lá em Ipanema, lá em cima havia uma favela, em cima… Estive em Belo Horizonte, que eu aliás adorei. Adorei as coisas boas que vi, que tem o melhor do mundo, depois tem aquelas coisas todas de miséria chocante, não é? Acho que isso também é preciso aplacar. Os meus amigos dizem que piorou muito durante o exercício (mandato) do Bolsonaro. Eu não sei se é verdade ou não, não estive a olhar para dados estatísticos, não conheço assim bem o Brasil para saber se foi ou não foi. Mas acho que que isso também deve ser uma prioridade. Tem outra coisa que deve ser um “cimento”. O que se deve evitar é governações ad hoc. Comprar um voto aqui, um voto ali, isso não é bom. Isso é um problema do sistema político brasileiro que tem demasiados partidos, partidos não ideológicos. Portanto acho que o “cimento” deve ser defender a democracia, recuperar (reduzir) essa pobreza e essa desigualdade que me parece muito gritante aí no Brasil e evitar governações com alianças ad hoc, porque isso não é bom. Agora, não vai ser fácil. Desse ponto de vista é uma geringonça. Gerigonça significa uma máquina que você não espera que funcione, uma coisa mal-amanhada (desajeitada, mal arrumada), não é? Uma coisa que a gente não espera que as peças se juntem umas com as outras.

A Geringonça brasileira periga não funcionar?

Exato! A nossa funcionou muito bem para surpresa de todos. Eu era um apoiante avant la lettre (desde o início) daquela solução política. E funcionou bem. Cumprimos as regras europeias do déficit da dívida, cumpriu-se o programa do acordo tripartido, Funcionou bem. Uma coisa fez aquilo funcionar. É que a probabilidade de aquilo funcionasse mal era tão widespread (generalizada), a percepção pública, do presidente então, que era um presidente de direita, que aliás fez tudo o que pôde para… Primeiro, ele impulsiona o governo com partidos de centro-direita que é quem ganha as eleições, atenção, o PSD, a lista PSD-CDS. Como havia um cerco sobre a tal Geringonça, que não era só doméstico, não era só do presidente, dos mass media (meios de comunicação de massa), que diziam “isso nunca vai funcionar, isso nunca vai funcionar”… Que era também da Europa, porque eles (o governo da Geringonça) queriam subir o salário mínimo… Portanto houve um cerrar de fileiras tendo em conta o cerco externo que havia. Pode ser que isso também funcione aí.

Os agentes econômicos têm demonstrado uma certa impaciência com o novo governo, isso às vezes reflete negativamente na Bolsa de Valores. Qual poderia ser o papel desses agentes econômicos para o sucesso ou fracasso da frente, na sua avaliação?

É óbvio que, com uma ambiência política com esse grau de heterogeneidade, há um trade off (uma escolha em detrimento de outra) necessário para isso, mesmo que tudo corra bem. É preciso negociar com muita gente. Eu acho que o presidente, que é o governo, e a sua aliança política têm que mobilizar, digamos, as organizações de interesse, o empresariado, mas também os sindicatos. Agora, é preciso todos têm consciência, o governo, os jornalistas também, fazer em uma certa pedagogia: se há uma coisa que vai caracterizar essa aliança política, dada sua complexidade e heterogeneidade, é a lentidão do processo de tomada de decisão. Por quê? Porque é óbvio, porque tem que negociar com várias pessoas, tem que fazer compromissos improváveis não é? E portanto tudo isso leva muito tempo. Agora, naturalmente eu acho o presidente Lula tem que cooptar, entre aspas, mobilizar, para a defesa da democracia, para a defesa de um país menos desigual.

Livro "Para lá da 'Geringonça'", de André Freire, examinou a improvável aliança das esquerdas portuguesas Foto: Divulgação

Recentemente, a Polícia impediu a explosão de uma bomba em um caminhão de combustíveis numa estrada que leva ao aeroporto de Brasília e descobriu explosivos e coletes balísticos escondidos em um matagal. A Polícia Federal também prendeu pessoas envolvidas em um quebra-quebra na capital federal. Todos os detidos estão ligados ao bolsonarismo. Eu queria saber do senhor se esse tom da oposição pode influenciar na coesão da aliança, se poderia facilitar que a frente ampla se mantivesse.

O cerco à Geringonça portuguesa era de uma oposição digamos leal, não é? Isso (o recurso a ações violentas no Brasil) é uma posição desleal e é terrorismo. Isso pode funcionar como um” cimento” da Aliança, pode. Agora tem que ver, o Brasil tem um estado de direito e tem que cumprir as leis. Isso (oposição violenta) é completamente inaceitável, é terrorismo, lamentável E também não é uma novidade. É um contágio norte-americano, aquela arruaça estimulada pelo presidente (Donald Trump) no Capitólio (em 6 de janeiro de 2021) foi uma coisa lamentável e tem um certo paralelismo (nas ações violentas de bolsonaristas no Brasil). Acho que, por estranho que pareça, isso pode ser um elemento de coesão (do novo governo).

O que faltaria para o governo Lula ser uma Geringonça, e essa Geringonça funcionar? Haveria uma agenda a unir os grupos que o sustentam? Porque há pontos em comum: meio ambiente, desigualdade, direitos humanos…

O ambiente é uma coisa muito importante que vocês têm aí, o pulmão do mundo (a Amazônia), que estava a perigar, não é? Acho que o ambiente, a desigualdade, a democracia. Acho que defender a democracia… Acho que isso também deve ser um ponto. Porque, quer dizer, vamos lá: MDB, PSDB… Quer dizer: há uma direita democrática no Brasil. Embora tenha havido alguns trânsfugas que apoiaram o Bolsonaro. Mas há uma direita democrática no Brasil. É essa que deve ser cooptada para essa frente ampla. E depois é uma atitude compromissória de todas as partes. O não vai ser fácil, vai ser preciso cedências (concessões), de parte a parte. Ninguém vai ter o seu programa todo aplicado, toda a gente vai ter que ceder um bocadinho para fazer aproximações. Não vai ser fácil.

RIO – O cientista político português André Freire, autor de Para lá da ‘Geringonça’ - o governo de esquerdas em Portugal e na Europa (Lisboa, 2017, Contraponto Editores), vê pouca semelhança entre a aliança de apelido jocoso – que há alguns anos uniu, no governo luso, os partidos Socialista, Comunista, Os Verdes e o Bloco de Esquerda sob a liderança de António Costa – e a frente ampla pretendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Brasil.

Para o pesquisador, há poucos paralelos entre a coligação formada no meio da década passada por legendas esquerdistas lusitanas – que havia 40 anos não conseguiam se unir para governar – e a união tentada por Lula no Brasil, que vai do PSOL à direita moderada. O que se desenha no País, observou, é mais uma “grande coligação”, com perfil “arco-íris” – vai da esquerda radical à “direita democrática”– , o que exigirá muito de Lula e pode não funcionar.

(A grande coligação) É uma frente ampla que até pode ter mais partidos do que os que são necessários para fazer a maioria absoluta”, afirmou Freire, que é doutor em Sociologia Política, Ciência Política e Governo pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e é atualmente diretor de Doutoramento do Instituto Universitário da capital portuguesa (ISCTE-IUL). “Agora, não vai ser fácil. Desse ponto de vista é uma geringonça. Gerigonça significa uma máquina que você não espera que funcione. Uma coisa que a gente não espera que as peças se juntem.”

Freire destaca a força eleitoral demonstrada pelo agora ex-presidente Jair Bolsonaro, mesmo tendo sido derrotado, como um fator a ser considerado. Para o pesquisador, iniciativas violentas de bolsonaristas, como o quebra-quebra de Brasília, em 12 de dezembro, e as ações associadas a terrorismo, como a bomba no aeroporto de Brasília, que são investigadas pela Polícia Federal, configuram uma oposição desleal. E podem ajudar o presidente Lula a manter unido o governo que formou com forças tão díspares.

A seguir, os principais trechos da conversa com o pesquisador, via Zoom.

O Brasil tem um novo governo chefiado por um político de esquerda, o presidente Lula, com o que pretende ser uma frente ampla, com apoios que vão da direita moderada à esquerda mais radical. O que o senhor, que estudou a Geringonça, a aliança de partidos de esquerda em Portugal, teria a dizer sobre isso? É possível alguma comparação?

Bem, nós devemos sempre aprender umas coisas uns com os outros, todos aprendemos. Agora digamos… Eu acho as situações muito diferentes. Porque o que nós tínhamos aqui (em Portugal) era uma situação em que, ao longo de 40 anos, as esquerdas nunca tinham conseguido entender-se para governar. Quer dizer, no período constitucional, porque nossa transição para a democracia começou em 74. Depois, em 75, foi eleita uma assembleia constituinte, cuja função era desenhar a Constituição. Até aí houve governos provisórios. Depois, em 76, é publicada a nova Constituição. Durante os governos provisórios, o Partido Comunista ainda esteve no governo. E depois, durante o período constitucional, ou seja, de 76 até 2015, nem os comunistas, (nem) o Bloco de Esquerda, que é o partido da nova esquerda, que aparece como uma espécie de cisão… Em parte cisão de pessoas da galáxia do PC, e que saem… E maoístas, trotskistas, se unem, fazem uma frente de esquerda. E portanto nós tinhamos uma esquerda que era incapaz de governar. Quando o Partido Socialista tinha a maioria… Bem, até àquela altura (o PS) só tinha tido uma vez maioria absoluta de deputados no Parlamento. Nosso sistema é diferente do vosso, porque não é presidencialista, é semipresidencial, mas no fundo funciona como um sistema parlamentar. Forma-se (o governo) a partir da maioria parlamentar. Então nós tivermos 40 anos mais ou menos, quarenta e tal anos, em que a esquerda era incapaz de se entender para governar. Teve alguma coligação em Lisboa, que foi o antigo presidente Sampaio que deu a mão ao PC, em 89, logo a serguir à queda do Muro de Berlim, uma coisa curiosa. E também alguma coisa no arquipélago da Madeira, na câmara do Funchal. E no resto nunca se tinham entendido.

Quais outras diferenças o senhor vê?

O que tivemos aqui não foi uma grande coligação. O que vocês vão ter aí? Eu acho que é diferente. Eu sei que até cientistas políticos meus amigos falaram na Geringonça, logo quando o Lula chamou o (vice-presidente Geraldo) Alckmin. Um homem que vem do PSDB, essa talvez seja a novidade. O PSDB também está a se desfazer. Mas é uma simbologia. Eu acho que, sinceramente, os paralelismos com a situação portuguesa… Porque o Brasil sempre teve presidencialismo de coalizão. Sempre teve coligações mais ou menos amplas ou então coisas ad hoc (específicas, com um único objetivo). Eu acho que vocês têm partidos demais, deve ser o sistema político mais fragmentado do mundo, em termos de número de partidos. Agora, acho que é preciso uma frente ampla, o Lula tem que fazer uma frente ampla.

Como? Em torno de quê?

Eu acho que o Lula não tem uma tarefa fácil pela frente. Eu acho que essa solução política brasileira é mais comparável com o que nós, em Portugal, chamamos bloco central. Os dois grandes partidos, o PS e o PSD, se coligarem para governar. Só houve uma vez, em 83-85. Isso na Europa chamamos de grande coligação. É uma frente ampla que até pode ter mais partidos do que os que são necessários para fazer a maioria absoluta. O presidente tem autonomia para governar mas depois precisa passar a legislação no Congresso, não é? E precisa de apoio. Porque apesar de tudo o (ex-presidente Jair) Bolsonaro e as forças forças ligadas ao Bolsonaro, a direita radical e a extrema direita tiveram votações muito significativas, e o próprio (Bolsonaro), apesar de tudo, teve uma votação confortável. Eu acho que o Brasil precisa, e o que o Lula está a tentar fazer, é uma frente ampla. Na Europa costumamos chamar a isso uma grande coligação, uma coligação sobredimensionada e que é arco-íris. A nossa Geringonça não era arco-íris. Os cientistas políticos chamam arco-íris quando tem a esquerda e a direita juntas, não é? O PT que é um partido social-democrata, quando foi o tempo da terceira via, era a terceira via latino-americana. Não era o Chavez, não era a esquerda radical como algumas pessoas diziam. Agora, é preciso uma frente muito mais ampla que abranja o centro e a direita democráticas. Sabe para quê? Para defender a democracia.

O cientista político André Freire vê dificuldades para Lula Foto: Gerardo Santos/Global Imagens

Uma frente tão ampla consegue se sustentar ou a tendência é que ela comece a se fragmentar? Porque no governo Lula são muitas forças diferentes, de conservadores até o PSOL. Essa frente tem condições de se manter? Qual poderia ser o “cimento” para mantê-la unida?

Nós aqui em português de Portugal temos uma expressão, que é o saco de gatos…

Temos essa expressão também no Brasil…

Vocês também a têm aí? Nesse aspecto, há um paralelismo com a Geringonça portuguesa. Por que a Geringonça se chamava Geringonça? Isso foi uma palavra que um político muito engraçado, Vasco Pulido Valente, que já morreu, inventou, para denegrir. Porque não se esperava que aquilo funcionasse, tinham posições muito diferentes. Tiveram quarenta e tal anos sem serem capazes de se entender, e tinham posições muitos diferentes em termos de várias áreas-chave da política. No entanto, se entenderam. Eu acho que um “cimento” que é preciso ter é consciência de defender a democracia. Essa é a prioridade, mas agora também não nego que a situação é muito, muito complicada. Tem que pensar em defender a democracia, porque se isso não correr bem… A democracia no Brasil, direi eu, humildemente, é uma posição externa, é a minha opinião, já não anda lá muito famosa. Com toda a legitimidade democrática que tinha, não é? Porque foi eleito, ninguém ninguém andou a botar pistolas à cabeça das pessoas para votarem no Bolsonaro. Portanto acho que o “cimento” deve ser em primeiro lugar a democracia, e depois… Eu por acaso estive aí no verão passado, mas eu nunca tinha ido ao Brasil, portanto eu não sei não tenho termo de comparação. Chocava-me tanta gente a viver na rua! Aqui em Portugal somos pobres. Há uns tipos mais ricos e tal, mas, quer dizer não há as discrepâncias (que há no Brasil). Estava lá em Ipanema, lá em cima havia uma favela, em cima… Estive em Belo Horizonte, que eu aliás adorei. Adorei as coisas boas que vi, que tem o melhor do mundo, depois tem aquelas coisas todas de miséria chocante, não é? Acho que isso também é preciso aplacar. Os meus amigos dizem que piorou muito durante o exercício (mandato) do Bolsonaro. Eu não sei se é verdade ou não, não estive a olhar para dados estatísticos, não conheço assim bem o Brasil para saber se foi ou não foi. Mas acho que que isso também deve ser uma prioridade. Tem outra coisa que deve ser um “cimento”. O que se deve evitar é governações ad hoc. Comprar um voto aqui, um voto ali, isso não é bom. Isso é um problema do sistema político brasileiro que tem demasiados partidos, partidos não ideológicos. Portanto acho que o “cimento” deve ser defender a democracia, recuperar (reduzir) essa pobreza e essa desigualdade que me parece muito gritante aí no Brasil e evitar governações com alianças ad hoc, porque isso não é bom. Agora, não vai ser fácil. Desse ponto de vista é uma geringonça. Gerigonça significa uma máquina que você não espera que funcione, uma coisa mal-amanhada (desajeitada, mal arrumada), não é? Uma coisa que a gente não espera que as peças se juntem umas com as outras.

A Geringonça brasileira periga não funcionar?

Exato! A nossa funcionou muito bem para surpresa de todos. Eu era um apoiante avant la lettre (desde o início) daquela solução política. E funcionou bem. Cumprimos as regras europeias do déficit da dívida, cumpriu-se o programa do acordo tripartido, Funcionou bem. Uma coisa fez aquilo funcionar. É que a probabilidade de aquilo funcionasse mal era tão widespread (generalizada), a percepção pública, do presidente então, que era um presidente de direita, que aliás fez tudo o que pôde para… Primeiro, ele impulsiona o governo com partidos de centro-direita que é quem ganha as eleições, atenção, o PSD, a lista PSD-CDS. Como havia um cerco sobre a tal Geringonça, que não era só doméstico, não era só do presidente, dos mass media (meios de comunicação de massa), que diziam “isso nunca vai funcionar, isso nunca vai funcionar”… Que era também da Europa, porque eles (o governo da Geringonça) queriam subir o salário mínimo… Portanto houve um cerrar de fileiras tendo em conta o cerco externo que havia. Pode ser que isso também funcione aí.

Os agentes econômicos têm demonstrado uma certa impaciência com o novo governo, isso às vezes reflete negativamente na Bolsa de Valores. Qual poderia ser o papel desses agentes econômicos para o sucesso ou fracasso da frente, na sua avaliação?

É óbvio que, com uma ambiência política com esse grau de heterogeneidade, há um trade off (uma escolha em detrimento de outra) necessário para isso, mesmo que tudo corra bem. É preciso negociar com muita gente. Eu acho que o presidente, que é o governo, e a sua aliança política têm que mobilizar, digamos, as organizações de interesse, o empresariado, mas também os sindicatos. Agora, é preciso todos têm consciência, o governo, os jornalistas também, fazer em uma certa pedagogia: se há uma coisa que vai caracterizar essa aliança política, dada sua complexidade e heterogeneidade, é a lentidão do processo de tomada de decisão. Por quê? Porque é óbvio, porque tem que negociar com várias pessoas, tem que fazer compromissos improváveis não é? E portanto tudo isso leva muito tempo. Agora, naturalmente eu acho o presidente Lula tem que cooptar, entre aspas, mobilizar, para a defesa da democracia, para a defesa de um país menos desigual.

Livro "Para lá da 'Geringonça'", de André Freire, examinou a improvável aliança das esquerdas portuguesas Foto: Divulgação

Recentemente, a Polícia impediu a explosão de uma bomba em um caminhão de combustíveis numa estrada que leva ao aeroporto de Brasília e descobriu explosivos e coletes balísticos escondidos em um matagal. A Polícia Federal também prendeu pessoas envolvidas em um quebra-quebra na capital federal. Todos os detidos estão ligados ao bolsonarismo. Eu queria saber do senhor se esse tom da oposição pode influenciar na coesão da aliança, se poderia facilitar que a frente ampla se mantivesse.

O cerco à Geringonça portuguesa era de uma oposição digamos leal, não é? Isso (o recurso a ações violentas no Brasil) é uma posição desleal e é terrorismo. Isso pode funcionar como um” cimento” da Aliança, pode. Agora tem que ver, o Brasil tem um estado de direito e tem que cumprir as leis. Isso (oposição violenta) é completamente inaceitável, é terrorismo, lamentável E também não é uma novidade. É um contágio norte-americano, aquela arruaça estimulada pelo presidente (Donald Trump) no Capitólio (em 6 de janeiro de 2021) foi uma coisa lamentável e tem um certo paralelismo (nas ações violentas de bolsonaristas no Brasil). Acho que, por estranho que pareça, isso pode ser um elemento de coesão (do novo governo).

O que faltaria para o governo Lula ser uma Geringonça, e essa Geringonça funcionar? Haveria uma agenda a unir os grupos que o sustentam? Porque há pontos em comum: meio ambiente, desigualdade, direitos humanos…

O ambiente é uma coisa muito importante que vocês têm aí, o pulmão do mundo (a Amazônia), que estava a perigar, não é? Acho que o ambiente, a desigualdade, a democracia. Acho que defender a democracia… Acho que isso também deve ser um ponto. Porque, quer dizer, vamos lá: MDB, PSDB… Quer dizer: há uma direita democrática no Brasil. Embora tenha havido alguns trânsfugas que apoiaram o Bolsonaro. Mas há uma direita democrática no Brasil. É essa que deve ser cooptada para essa frente ampla. E depois é uma atitude compromissória de todas as partes. O não vai ser fácil, vai ser preciso cedências (concessões), de parte a parte. Ninguém vai ter o seu programa todo aplicado, toda a gente vai ter que ceder um bocadinho para fazer aproximações. Não vai ser fácil.

RIO – O cientista político português André Freire, autor de Para lá da ‘Geringonça’ - o governo de esquerdas em Portugal e na Europa (Lisboa, 2017, Contraponto Editores), vê pouca semelhança entre a aliança de apelido jocoso – que há alguns anos uniu, no governo luso, os partidos Socialista, Comunista, Os Verdes e o Bloco de Esquerda sob a liderança de António Costa – e a frente ampla pretendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Brasil.

Para o pesquisador, há poucos paralelos entre a coligação formada no meio da década passada por legendas esquerdistas lusitanas – que havia 40 anos não conseguiam se unir para governar – e a união tentada por Lula no Brasil, que vai do PSOL à direita moderada. O que se desenha no País, observou, é mais uma “grande coligação”, com perfil “arco-íris” – vai da esquerda radical à “direita democrática”– , o que exigirá muito de Lula e pode não funcionar.

(A grande coligação) É uma frente ampla que até pode ter mais partidos do que os que são necessários para fazer a maioria absoluta”, afirmou Freire, que é doutor em Sociologia Política, Ciência Política e Governo pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e é atualmente diretor de Doutoramento do Instituto Universitário da capital portuguesa (ISCTE-IUL). “Agora, não vai ser fácil. Desse ponto de vista é uma geringonça. Gerigonça significa uma máquina que você não espera que funcione. Uma coisa que a gente não espera que as peças se juntem.”

Freire destaca a força eleitoral demonstrada pelo agora ex-presidente Jair Bolsonaro, mesmo tendo sido derrotado, como um fator a ser considerado. Para o pesquisador, iniciativas violentas de bolsonaristas, como o quebra-quebra de Brasília, em 12 de dezembro, e as ações associadas a terrorismo, como a bomba no aeroporto de Brasília, que são investigadas pela Polícia Federal, configuram uma oposição desleal. E podem ajudar o presidente Lula a manter unido o governo que formou com forças tão díspares.

A seguir, os principais trechos da conversa com o pesquisador, via Zoom.

O Brasil tem um novo governo chefiado por um político de esquerda, o presidente Lula, com o que pretende ser uma frente ampla, com apoios que vão da direita moderada à esquerda mais radical. O que o senhor, que estudou a Geringonça, a aliança de partidos de esquerda em Portugal, teria a dizer sobre isso? É possível alguma comparação?

Bem, nós devemos sempre aprender umas coisas uns com os outros, todos aprendemos. Agora digamos… Eu acho as situações muito diferentes. Porque o que nós tínhamos aqui (em Portugal) era uma situação em que, ao longo de 40 anos, as esquerdas nunca tinham conseguido entender-se para governar. Quer dizer, no período constitucional, porque nossa transição para a democracia começou em 74. Depois, em 75, foi eleita uma assembleia constituinte, cuja função era desenhar a Constituição. Até aí houve governos provisórios. Depois, em 76, é publicada a nova Constituição. Durante os governos provisórios, o Partido Comunista ainda esteve no governo. E depois, durante o período constitucional, ou seja, de 76 até 2015, nem os comunistas, (nem) o Bloco de Esquerda, que é o partido da nova esquerda, que aparece como uma espécie de cisão… Em parte cisão de pessoas da galáxia do PC, e que saem… E maoístas, trotskistas, se unem, fazem uma frente de esquerda. E portanto nós tinhamos uma esquerda que era incapaz de governar. Quando o Partido Socialista tinha a maioria… Bem, até àquela altura (o PS) só tinha tido uma vez maioria absoluta de deputados no Parlamento. Nosso sistema é diferente do vosso, porque não é presidencialista, é semipresidencial, mas no fundo funciona como um sistema parlamentar. Forma-se (o governo) a partir da maioria parlamentar. Então nós tivermos 40 anos mais ou menos, quarenta e tal anos, em que a esquerda era incapaz de se entender para governar. Teve alguma coligação em Lisboa, que foi o antigo presidente Sampaio que deu a mão ao PC, em 89, logo a serguir à queda do Muro de Berlim, uma coisa curiosa. E também alguma coisa no arquipélago da Madeira, na câmara do Funchal. E no resto nunca se tinham entendido.

Quais outras diferenças o senhor vê?

O que tivemos aqui não foi uma grande coligação. O que vocês vão ter aí? Eu acho que é diferente. Eu sei que até cientistas políticos meus amigos falaram na Geringonça, logo quando o Lula chamou o (vice-presidente Geraldo) Alckmin. Um homem que vem do PSDB, essa talvez seja a novidade. O PSDB também está a se desfazer. Mas é uma simbologia. Eu acho que, sinceramente, os paralelismos com a situação portuguesa… Porque o Brasil sempre teve presidencialismo de coalizão. Sempre teve coligações mais ou menos amplas ou então coisas ad hoc (específicas, com um único objetivo). Eu acho que vocês têm partidos demais, deve ser o sistema político mais fragmentado do mundo, em termos de número de partidos. Agora, acho que é preciso uma frente ampla, o Lula tem que fazer uma frente ampla.

Como? Em torno de quê?

Eu acho que o Lula não tem uma tarefa fácil pela frente. Eu acho que essa solução política brasileira é mais comparável com o que nós, em Portugal, chamamos bloco central. Os dois grandes partidos, o PS e o PSD, se coligarem para governar. Só houve uma vez, em 83-85. Isso na Europa chamamos de grande coligação. É uma frente ampla que até pode ter mais partidos do que os que são necessários para fazer a maioria absoluta. O presidente tem autonomia para governar mas depois precisa passar a legislação no Congresso, não é? E precisa de apoio. Porque apesar de tudo o (ex-presidente Jair) Bolsonaro e as forças forças ligadas ao Bolsonaro, a direita radical e a extrema direita tiveram votações muito significativas, e o próprio (Bolsonaro), apesar de tudo, teve uma votação confortável. Eu acho que o Brasil precisa, e o que o Lula está a tentar fazer, é uma frente ampla. Na Europa costumamos chamar a isso uma grande coligação, uma coligação sobredimensionada e que é arco-íris. A nossa Geringonça não era arco-íris. Os cientistas políticos chamam arco-íris quando tem a esquerda e a direita juntas, não é? O PT que é um partido social-democrata, quando foi o tempo da terceira via, era a terceira via latino-americana. Não era o Chavez, não era a esquerda radical como algumas pessoas diziam. Agora, é preciso uma frente muito mais ampla que abranja o centro e a direita democráticas. Sabe para quê? Para defender a democracia.

O cientista político André Freire vê dificuldades para Lula Foto: Gerardo Santos/Global Imagens

Uma frente tão ampla consegue se sustentar ou a tendência é que ela comece a se fragmentar? Porque no governo Lula são muitas forças diferentes, de conservadores até o PSOL. Essa frente tem condições de se manter? Qual poderia ser o “cimento” para mantê-la unida?

Nós aqui em português de Portugal temos uma expressão, que é o saco de gatos…

Temos essa expressão também no Brasil…

Vocês também a têm aí? Nesse aspecto, há um paralelismo com a Geringonça portuguesa. Por que a Geringonça se chamava Geringonça? Isso foi uma palavra que um político muito engraçado, Vasco Pulido Valente, que já morreu, inventou, para denegrir. Porque não se esperava que aquilo funcionasse, tinham posições muito diferentes. Tiveram quarenta e tal anos sem serem capazes de se entender, e tinham posições muitos diferentes em termos de várias áreas-chave da política. No entanto, se entenderam. Eu acho que um “cimento” que é preciso ter é consciência de defender a democracia. Essa é a prioridade, mas agora também não nego que a situação é muito, muito complicada. Tem que pensar em defender a democracia, porque se isso não correr bem… A democracia no Brasil, direi eu, humildemente, é uma posição externa, é a minha opinião, já não anda lá muito famosa. Com toda a legitimidade democrática que tinha, não é? Porque foi eleito, ninguém ninguém andou a botar pistolas à cabeça das pessoas para votarem no Bolsonaro. Portanto acho que o “cimento” deve ser em primeiro lugar a democracia, e depois… Eu por acaso estive aí no verão passado, mas eu nunca tinha ido ao Brasil, portanto eu não sei não tenho termo de comparação. Chocava-me tanta gente a viver na rua! Aqui em Portugal somos pobres. Há uns tipos mais ricos e tal, mas, quer dizer não há as discrepâncias (que há no Brasil). Estava lá em Ipanema, lá em cima havia uma favela, em cima… Estive em Belo Horizonte, que eu aliás adorei. Adorei as coisas boas que vi, que tem o melhor do mundo, depois tem aquelas coisas todas de miséria chocante, não é? Acho que isso também é preciso aplacar. Os meus amigos dizem que piorou muito durante o exercício (mandato) do Bolsonaro. Eu não sei se é verdade ou não, não estive a olhar para dados estatísticos, não conheço assim bem o Brasil para saber se foi ou não foi. Mas acho que que isso também deve ser uma prioridade. Tem outra coisa que deve ser um “cimento”. O que se deve evitar é governações ad hoc. Comprar um voto aqui, um voto ali, isso não é bom. Isso é um problema do sistema político brasileiro que tem demasiados partidos, partidos não ideológicos. Portanto acho que o “cimento” deve ser defender a democracia, recuperar (reduzir) essa pobreza e essa desigualdade que me parece muito gritante aí no Brasil e evitar governações com alianças ad hoc, porque isso não é bom. Agora, não vai ser fácil. Desse ponto de vista é uma geringonça. Gerigonça significa uma máquina que você não espera que funcione, uma coisa mal-amanhada (desajeitada, mal arrumada), não é? Uma coisa que a gente não espera que as peças se juntem umas com as outras.

A Geringonça brasileira periga não funcionar?

Exato! A nossa funcionou muito bem para surpresa de todos. Eu era um apoiante avant la lettre (desde o início) daquela solução política. E funcionou bem. Cumprimos as regras europeias do déficit da dívida, cumpriu-se o programa do acordo tripartido, Funcionou bem. Uma coisa fez aquilo funcionar. É que a probabilidade de aquilo funcionasse mal era tão widespread (generalizada), a percepção pública, do presidente então, que era um presidente de direita, que aliás fez tudo o que pôde para… Primeiro, ele impulsiona o governo com partidos de centro-direita que é quem ganha as eleições, atenção, o PSD, a lista PSD-CDS. Como havia um cerco sobre a tal Geringonça, que não era só doméstico, não era só do presidente, dos mass media (meios de comunicação de massa), que diziam “isso nunca vai funcionar, isso nunca vai funcionar”… Que era também da Europa, porque eles (o governo da Geringonça) queriam subir o salário mínimo… Portanto houve um cerrar de fileiras tendo em conta o cerco externo que havia. Pode ser que isso também funcione aí.

Os agentes econômicos têm demonstrado uma certa impaciência com o novo governo, isso às vezes reflete negativamente na Bolsa de Valores. Qual poderia ser o papel desses agentes econômicos para o sucesso ou fracasso da frente, na sua avaliação?

É óbvio que, com uma ambiência política com esse grau de heterogeneidade, há um trade off (uma escolha em detrimento de outra) necessário para isso, mesmo que tudo corra bem. É preciso negociar com muita gente. Eu acho que o presidente, que é o governo, e a sua aliança política têm que mobilizar, digamos, as organizações de interesse, o empresariado, mas também os sindicatos. Agora, é preciso todos têm consciência, o governo, os jornalistas também, fazer em uma certa pedagogia: se há uma coisa que vai caracterizar essa aliança política, dada sua complexidade e heterogeneidade, é a lentidão do processo de tomada de decisão. Por quê? Porque é óbvio, porque tem que negociar com várias pessoas, tem que fazer compromissos improváveis não é? E portanto tudo isso leva muito tempo. Agora, naturalmente eu acho o presidente Lula tem que cooptar, entre aspas, mobilizar, para a defesa da democracia, para a defesa de um país menos desigual.

Livro "Para lá da 'Geringonça'", de André Freire, examinou a improvável aliança das esquerdas portuguesas Foto: Divulgação

Recentemente, a Polícia impediu a explosão de uma bomba em um caminhão de combustíveis numa estrada que leva ao aeroporto de Brasília e descobriu explosivos e coletes balísticos escondidos em um matagal. A Polícia Federal também prendeu pessoas envolvidas em um quebra-quebra na capital federal. Todos os detidos estão ligados ao bolsonarismo. Eu queria saber do senhor se esse tom da oposição pode influenciar na coesão da aliança, se poderia facilitar que a frente ampla se mantivesse.

O cerco à Geringonça portuguesa era de uma oposição digamos leal, não é? Isso (o recurso a ações violentas no Brasil) é uma posição desleal e é terrorismo. Isso pode funcionar como um” cimento” da Aliança, pode. Agora tem que ver, o Brasil tem um estado de direito e tem que cumprir as leis. Isso (oposição violenta) é completamente inaceitável, é terrorismo, lamentável E também não é uma novidade. É um contágio norte-americano, aquela arruaça estimulada pelo presidente (Donald Trump) no Capitólio (em 6 de janeiro de 2021) foi uma coisa lamentável e tem um certo paralelismo (nas ações violentas de bolsonaristas no Brasil). Acho que, por estranho que pareça, isso pode ser um elemento de coesão (do novo governo).

O que faltaria para o governo Lula ser uma Geringonça, e essa Geringonça funcionar? Haveria uma agenda a unir os grupos que o sustentam? Porque há pontos em comum: meio ambiente, desigualdade, direitos humanos…

O ambiente é uma coisa muito importante que vocês têm aí, o pulmão do mundo (a Amazônia), que estava a perigar, não é? Acho que o ambiente, a desigualdade, a democracia. Acho que defender a democracia… Acho que isso também deve ser um ponto. Porque, quer dizer, vamos lá: MDB, PSDB… Quer dizer: há uma direita democrática no Brasil. Embora tenha havido alguns trânsfugas que apoiaram o Bolsonaro. Mas há uma direita democrática no Brasil. É essa que deve ser cooptada para essa frente ampla. E depois é uma atitude compromissória de todas as partes. O não vai ser fácil, vai ser preciso cedências (concessões), de parte a parte. Ninguém vai ter o seu programa todo aplicado, toda a gente vai ter que ceder um bocadinho para fazer aproximações. Não vai ser fácil.

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