Raul Abramo Ariano, Advogado. Mestrando em Processo Penal pela USP. Pós-graduado em Direito Penal Econômico pelo Instituto de Direito Penal Econômico Europeu da FD da Universidade de Coimbra em parceria com o IBCCRIM (2016). Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (2015). Conciliador e instrutor na 6ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP
Marcela Tolosa Sampaio, Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Integrante da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/SP defensora dativa da Sexta Turma do Tribunal de Ética da OAB/SP e membra do IBCCRIM
No dia 30/10/2022, Luiz Inácio Lula da Silva derrotou Jair Messias Bolsonaro nas urnas e, legitimamente, foi eleito presidente do Brasil. A partir de então, apoiadores do ex-presidente, inconformados com o resultado eleitoral, vêm tentando subverter a ordem democrática constitucional. Primeiro paralisaram as rodovias do país, depois, acamparam em frente aos quartéis militares e, no último dia 08/01/2023 decidiram radicalizar ainda mais suas ações: foram até a Esplanada dos Ministérios, invadiram e depredaram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal.
Por volta das 15h00, os vândalos bolsonaristas, ao chegarem à Esplanada munidos de pedaços de paus e pedras, se concentraram inicialmente em frente ao Ministério da Justiça. Após, um grupo invadiu a parte externa superior do Congresso, em seguida, a área interna do prédio e o Plenário do Senado Federal. Outra parcela se dirigiu ao Palácio do Planalto, onde os golpistas adentraram e puderam circular livremente, inclusive pele rampa interna - usada pelo presidente Lula, uma semana atrás, na posse presidencial.
Os danos não foram causados "apenas" nos prédios públicos, que tiveram suas vidraças, fachadas e mobiliário completamente destruídos, mas também no patrimônio histórico e artísticos nacional. Diversas obras de artes, como a tela "Mulatas", do pintor Di Cavalcanti, que estava exposta em um dos salões do Palácio do Planalto, foram brutalmente vandalizadas. No Congresso Nacional os vândalos roubaram presentes de autoridades estrangeiras e foi ateado fogo no Salão Verde e no primeiro andar.
Os terroristas, ainda, rumaram ao Supremo Tribunal Federal, lá depredaram completamente o Plenário, os gabinetes dos ministros, obras de arte e móveis históricos. Um brasão da República foi retirado da Corte Superior e arremessado pela janela, além de terem sido feitas pichações na escultura "A justiça", feita em 1961, bem como destruído o busto de Rui Barbosa. Togas dos ministros foram roubadas e exibidas como prêmio pelos criminosos.
A ação terrorista foi marcada pela omissão da polícia militar e das autoridades públicas do Distrito Federal. O contingente de policiais designado para reprimir o ato antidemocrático era grosseiramente inferior ao número que seria mínimo para promover qualquer forma de segurança ao patrimônio público.
Após horas de trânsito livre dos criminosos, os policiais militares retomaram e desocuparam os prédios públicos, mas a dispersão dos bolsonaristas só foi iniciada por volta das 19h00, cerca de 4 horas após o início dos atos antidemocráticos.
A escalada de violência bolsonarista e a omissão dos responsáveis pela segurança pública do Distrito Federal fez com que o presidente da República decretasse intervenção federal em Brasília, até o dia 31/01/2023, visando manter a ordem pública. Como interventor, foi nomeado Ricardo Capelli, o segundo no comando da pasta encabeçada pelo ministro da Justiça Flávio Dino.
O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, em atenção ao requerimento da Advocacia Geral da União, determinou a desocupação e dissolução total dos acampamentos montados nas imediações dos Quartéis Generais; apreensão e bloqueio de todos os ônibus que trouxeram os terroristas para o Distrito Federal e afastamento do governador do DF do exercício de suas funções por 90 dias.
Em sua decisão, o ministro assentou: "A Democracia brasileira não será abalada, muito menos destruída, por criminosos terroristas. A defesa da Democracia e das Instituições é inegociável, pois como ainda lembrado pelo grande primeiro-ministro inglês, 'construir pode ser a tarefa lenta e difícil de anos. Destruir pode ser o ato impulsivo de um único dia'".
Quase desnecessário dizer que inúmeros crimes em potencial foram cometidos no reprovável episódio, a começar por aqueles imediatamente envolvidos nos atos de vandalismo. Conforme mencionado pelo ministro Alexandre de Moraes em decisão que determinou o afastamento do governador Ibaneis Rocha de sua função de governador do DF, bem como determinando a desocupação das localidades invadidas, houve o potencial cometimento das seguintes práticas vedadas pelo ordenamento: (i) atos terroristas (arts. 2ª, 3º, 5º e 6º, Lei nº 13.260/2016); (ii) associação criminosa (art. 288, CP); (iii) abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 259-L, CP); (iv) golpe de Estado (359-M, CP); (v) ameaça (147, CP); (vi) perseguição (art. 147-A, § 1º, III, CP); (vii) incitação ao crime (286, CP) e (viii) além de dano ao patrimônio público (artigo 163, III, CP).
Até o presente momento, milhares de prisões cautelares foram cumpridas.
Em paralelo às determinações de investigação pública, nas plataformas das redes sociais, os cidadãos vêm criando redes de conexão para a identificação dos participantes dos atos, munidos dos vídeos produzidos e divulgados pelos próprios criminosos. Nessa toada, a agência Lupa, entidade de verificação de informações, criou um banco de dados público a fim de sintetizar o imenso volume de publicações antidemocráticas feitas pelos terroristas, a fim de auxiliar o serviço de investigação.
Especial preocupação tem sido dispendida para identificar não apenas aqueles que, por meio de suas próprias mãos, promoveram a destruição do patrimônio público de máxima simbologia nacional, mas talvez até mais importante: quem foram os responsáveis ocultos para que tudo isso pudesse ocorrer. Do lado dos entes particulares, busca-se descobrir quais foram os encarregados pelo suporte material e logístico, com a contratação de ônibus para transporte dos terroristas e fornecimento de insumos básicos e operacionais para os mesmos. Veículos que monitoram os grupos virtuais destinados a essa finalidade aferiram, por exemplo, uma expressiva participação de empresários ligados ao setor do agronegócio como propulsores do episódio.
Do outro lado, no âmbito dos agentes públicos responsáveis pelo resguardo do patrimônio das instituições atingidas e pela segurança geral, fala-se em deliberada complacência da administração à tomada e destruição dos prédios, desde o alto escalação (o que resultou no afastamento do secretário de segurança pública do DF e seu governador) até aqueles diretamente incumbidos de valer-se da força física do Estado para reprimir as condutas criminosas. Nas redes sociais, avolumam-se registros de policiais que francamente descumpriram suas atribuições, chegando ao teratológico cenário de policiais serem flagrados sorrindo ao tirarem fotos da invasão em curso, abandonando seus postos e comprando água de coco, bem como dispendendo comportamento absolutamente deslocado daquele que a situação exigia.
O governo recém-empossado agora tem diante de si o monumental desafio de desarticular os grupos públicos e privados responsáveis pelas chocantes imagens que instantaneamente rodaram o mundo, para fazer prevalecer aquilo que foi decidido por meio do sufrágio universal no fim do ano que se findou. Ironicamente, os criminosos autoproclamados "povo brasileiro" são quantitativamente irrelevantes e qualitativamente desamparados de qualquer ideologia estadista e patriota, não se podendo suscitar, nem em tese, qualquer tipo de eufemismo ao terrorismo praticado na capital do país.