Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

A arrecadação das capitais brasileiras e a pandemia da Covid-19


Por Redação

Denise Ribeiro de Almeida, Doutora em Administração (UFBA). Professora Associada da Escola de Administração (Ea) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro do Observatório de Finanças Públicas (Ofip).

Ana Rita Silva Sacramento, Doutora em Administração (UFBA). Professora Adjunta da Escola de Administração (Ea) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro do Observatório de Finanças Públicas (Ofip).

Fabiano Maury Raupp, Doutor em Administração (UFBA). Professor Associado do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (Esag) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). É líder do Núcleo de Estudos para o Desenvolvimento de Instrumentos Contábeis e Financeiros e membro do Observatório de Finanças Públicas (Ofip).

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 Antonio Almeida Lyrio Neto, Mestre em Administração (UFBA). Técnico Administrativo da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro do Observatório de Finanças Públicas (Ofip).

A pandemia da Covid-19 tem mobilizado pesquisadores e estudiosos das mais diferentes áreas do conhecimento. O desconhecimento acerca dos possíveis impactos da pandemia, associado à rapidez com que tem assolado nossas vidas, despertou soluções em tempo recorde, como foi o caso do desenvolvimento de diferentes vacinas em tempo nunca visto. As marcas já são muitas e vão além de questões sanitárias e epidemiológicas. Sem desconsiderar a importância de discussões em outras áreas, nos debruçamos aqui sobre as finanças públicas dos municípios-capitais brasileiros, propondo uma reflexão mais particularizada a partir do comportamento da receita pública desses entes, notadamente a Receita Corrente Líquida. Do universo de municípios, foi excluído o Distrito Federal em virtude de suas especificidades enquanto município autônomo que responde diretamente ao governo federal, bem como ter competências legislativas reservadas aos Estados e municípios.

A RCL representa os recursos que o governo dispõe a cada exercício para fazer frente às suas despesas. Matematicamente detalhada na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), consiste no somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos, no caso de municípios, ente escolhido para essa análise, a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira. Sua apuração engloba as receitas arrecadadas no mês em referência e nos últimos 11 anteriores, excluídas as duplicidades [1]. A RCL, em última instância, exprime a referência de valor para o controle dos gastos públicos, onde são computadas as receitas arrecadadas, obedecendo o regime de caixa previsto no art. 35 da Lei nº 4.320/1964 [2].

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A opção pela análise da RCL deriva de alguns aspectos: resulta nos valores de arrecadação corrente que efetivamente ficam para o município; é um indicador das finanças públicas e métrica de gestão financeira para o atendimento de metas estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); e seu desempenho exige planejamento dos municípios e demanda exercício do gestor municipal para a aplicação dos recursos em benefício da sociedade [3]. Os dados apresentados na Tabela 1 foram coletados do Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO) do 6º bimestre , no Anexo 3 disponível no SICONFI [4]. Já as capitais foram selecionadas por estarem se tornando atores com inédito protagonismo político no cenário brasileiro, ademais, suas condições de sede de governo, em alguns casos, proporcionam dinâmicas atividades na região, atraindo contingentes migratórios [5].

 

Tabela 1: Receita Corrente Líquida Arrecadada versus Prevista (R$)

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 Foto: Estadão

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Identifica-se que dos 26 municípios-capitais, apenas 14 (53,84%) apresentaram RCL igual ou superior a 1, demonstrando que o valor efetivamente realizado de arrecadação foi igual ou superior ao originalmente estimado. Nos demais, em maior ou menor intensidade, foi possível verificar a presença de frustração fiscal (valores arrecadados inferiores aos estimados). Destacam-se positivamente Boa Vista (1,15), Palmas (1,14), Goiânia (1,13), Campo Grande (1,10) e São Paulo (1,09). No tocante aos resultados negativos da RCL, podem ser apontados como destaques Recife e Natal (0,84), Fortaleza (0,92), João Pessoa (0,93), Cuiabá e Salvador (0,94), Belo Horizonte e Rio de Janeiro (0,92) e Curitiba (0,90). Ressaltamos a ausência nesta relação de frustração fiscal de todas as capitais da Região Norte do Brasil e o maior número de municípios-capitais em situação negativa, inclusive com os piores índices, na Região Nordeste. Diante de tais resultados julgamos procedente uma análise dos resultados dos índices por região do país, informação apresentada no Gráfico 1.

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Gráfico 1: Índice - RCL Arrecadada/RCL Prevista por região brasileira

 Foto: Estadão

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

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Os achados apresentados no Gráfico 1, a princípio parecem demonstrar que a maior parte das regiões se encontra em uma posição ruim em relação à arrecadação, contudo, sendo positiva apenas nas regiões Norte (1,04) e Centro-Oeste (1,07), o que parece sinalizar para problemas relativos à real autonomia financeira das mesmas no tocante à cobertura de seus gastos e de contingências, a exemplo do que vem sendo vivenciado em relação à Covid-19. Destaca-se, ainda, que as regiões que mais participaram da RCL do país (Sudeste, Nordeste e Sul) foram aquelas que apresentaram os piores resultados no confronto arrecada e prevista.

Esse contexto revela um possível impacto da pandemia da Covid-19 na realização da RCL. Tal situação é preocupante, pois tudo nos faz crer que levaremos um tempo para superar a pandemia, especialmente por conta da lentidão no processo de vacinação, havendo real possibilidade da situação atual de menores valores arrecadados se repetir em 2021, contexto esse que pode levar à elevação da dependência financeira dos municípios-capitais à  União e aos Estados. Tal preocupação ainda é agravada tendo em vista que os dados apresentados evidenciaram o fato de que dentre os municípios que apresentam frustração fiscal encontram-se, segundo dados do IBGE (2018) [6], Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba, respectivamente o segundo, terceiro e quinto PIB dentre as capitais nacionais. Acresça-se a isso o fato de que os piores índices de desempenho se concentram na Região Nordeste. Ou seja, a combinação de ricos ficando menos ricos com pobres ficando mais pobres aponta para uma situação de perde-perde, o que por si só já demanda ações mais efetivas para o enfrentamento da pandemia.

[1] BRASIL. Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm Acesso em: 14 abr. 2021.

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[2] BRASIL. Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4320.htm Acesso em: 14 abr. 2021.

[3] SELL, F. F.; BEUREN, I. M.; LAVARDA, C. E. F. Influência de Fatores Contingenciais no Desempenho Municipal: Evidências Inferenciais. Revista de Contabilidade e Organizações, v. 14, n. 1, p. 1-43, 2020.

[4] BRASIL. Secretaria do Tesouro Nacional. Sistema de Informações Contábeis e Financeiro do Setor Público Brasileiro (SICONFI). 2021. Disponível em: https://siconfi.tesouro.gov.br/siconfi/index.jsf Acesso em: 14 abr. 2021.

[5] SANTOS, A. M. S. P. Reforma do Estado, descentralização e autonomia financeira dos municípios. Revista de Administração Mackenzie, v. 4, n. 2, p. 1-23, 2003.

[6] IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Municípios com os 10 maiores PIB - 2018. Disponível: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/29728-oito-municipios-detinham-25-do-pib-do-pais-em-2018 Acesso em: 15 abr. 2021.

Denise Ribeiro de Almeida, Doutora em Administração (UFBA). Professora Associada da Escola de Administração (Ea) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro do Observatório de Finanças Públicas (Ofip).

Ana Rita Silva Sacramento, Doutora em Administração (UFBA). Professora Adjunta da Escola de Administração (Ea) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro do Observatório de Finanças Públicas (Ofip).

Fabiano Maury Raupp, Doutor em Administração (UFBA). Professor Associado do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (Esag) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). É líder do Núcleo de Estudos para o Desenvolvimento de Instrumentos Contábeis e Financeiros e membro do Observatório de Finanças Públicas (Ofip).

 Antonio Almeida Lyrio Neto, Mestre em Administração (UFBA). Técnico Administrativo da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro do Observatório de Finanças Públicas (Ofip).

A pandemia da Covid-19 tem mobilizado pesquisadores e estudiosos das mais diferentes áreas do conhecimento. O desconhecimento acerca dos possíveis impactos da pandemia, associado à rapidez com que tem assolado nossas vidas, despertou soluções em tempo recorde, como foi o caso do desenvolvimento de diferentes vacinas em tempo nunca visto. As marcas já são muitas e vão além de questões sanitárias e epidemiológicas. Sem desconsiderar a importância de discussões em outras áreas, nos debruçamos aqui sobre as finanças públicas dos municípios-capitais brasileiros, propondo uma reflexão mais particularizada a partir do comportamento da receita pública desses entes, notadamente a Receita Corrente Líquida. Do universo de municípios, foi excluído o Distrito Federal em virtude de suas especificidades enquanto município autônomo que responde diretamente ao governo federal, bem como ter competências legislativas reservadas aos Estados e municípios.

A RCL representa os recursos que o governo dispõe a cada exercício para fazer frente às suas despesas. Matematicamente detalhada na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), consiste no somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos, no caso de municípios, ente escolhido para essa análise, a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira. Sua apuração engloba as receitas arrecadadas no mês em referência e nos últimos 11 anteriores, excluídas as duplicidades [1]. A RCL, em última instância, exprime a referência de valor para o controle dos gastos públicos, onde são computadas as receitas arrecadadas, obedecendo o regime de caixa previsto no art. 35 da Lei nº 4.320/1964 [2].

A opção pela análise da RCL deriva de alguns aspectos: resulta nos valores de arrecadação corrente que efetivamente ficam para o município; é um indicador das finanças públicas e métrica de gestão financeira para o atendimento de metas estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); e seu desempenho exige planejamento dos municípios e demanda exercício do gestor municipal para a aplicação dos recursos em benefício da sociedade [3]. Os dados apresentados na Tabela 1 foram coletados do Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO) do 6º bimestre , no Anexo 3 disponível no SICONFI [4]. Já as capitais foram selecionadas por estarem se tornando atores com inédito protagonismo político no cenário brasileiro, ademais, suas condições de sede de governo, em alguns casos, proporcionam dinâmicas atividades na região, atraindo contingentes migratórios [5].

 

Tabela 1: Receita Corrente Líquida Arrecadada versus Prevista (R$)

 Foto: Estadão

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Identifica-se que dos 26 municípios-capitais, apenas 14 (53,84%) apresentaram RCL igual ou superior a 1, demonstrando que o valor efetivamente realizado de arrecadação foi igual ou superior ao originalmente estimado. Nos demais, em maior ou menor intensidade, foi possível verificar a presença de frustração fiscal (valores arrecadados inferiores aos estimados). Destacam-se positivamente Boa Vista (1,15), Palmas (1,14), Goiânia (1,13), Campo Grande (1,10) e São Paulo (1,09). No tocante aos resultados negativos da RCL, podem ser apontados como destaques Recife e Natal (0,84), Fortaleza (0,92), João Pessoa (0,93), Cuiabá e Salvador (0,94), Belo Horizonte e Rio de Janeiro (0,92) e Curitiba (0,90). Ressaltamos a ausência nesta relação de frustração fiscal de todas as capitais da Região Norte do Brasil e o maior número de municípios-capitais em situação negativa, inclusive com os piores índices, na Região Nordeste. Diante de tais resultados julgamos procedente uma análise dos resultados dos índices por região do país, informação apresentada no Gráfico 1.

Gráfico 1: Índice - RCL Arrecadada/RCL Prevista por região brasileira

 Foto: Estadão

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Os achados apresentados no Gráfico 1, a princípio parecem demonstrar que a maior parte das regiões se encontra em uma posição ruim em relação à arrecadação, contudo, sendo positiva apenas nas regiões Norte (1,04) e Centro-Oeste (1,07), o que parece sinalizar para problemas relativos à real autonomia financeira das mesmas no tocante à cobertura de seus gastos e de contingências, a exemplo do que vem sendo vivenciado em relação à Covid-19. Destaca-se, ainda, que as regiões que mais participaram da RCL do país (Sudeste, Nordeste e Sul) foram aquelas que apresentaram os piores resultados no confronto arrecada e prevista.

Esse contexto revela um possível impacto da pandemia da Covid-19 na realização da RCL. Tal situação é preocupante, pois tudo nos faz crer que levaremos um tempo para superar a pandemia, especialmente por conta da lentidão no processo de vacinação, havendo real possibilidade da situação atual de menores valores arrecadados se repetir em 2021, contexto esse que pode levar à elevação da dependência financeira dos municípios-capitais à  União e aos Estados. Tal preocupação ainda é agravada tendo em vista que os dados apresentados evidenciaram o fato de que dentre os municípios que apresentam frustração fiscal encontram-se, segundo dados do IBGE (2018) [6], Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba, respectivamente o segundo, terceiro e quinto PIB dentre as capitais nacionais. Acresça-se a isso o fato de que os piores índices de desempenho se concentram na Região Nordeste. Ou seja, a combinação de ricos ficando menos ricos com pobres ficando mais pobres aponta para uma situação de perde-perde, o que por si só já demanda ações mais efetivas para o enfrentamento da pandemia.

[1] BRASIL. Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm Acesso em: 14 abr. 2021.

[2] BRASIL. Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4320.htm Acesso em: 14 abr. 2021.

[3] SELL, F. F.; BEUREN, I. M.; LAVARDA, C. E. F. Influência de Fatores Contingenciais no Desempenho Municipal: Evidências Inferenciais. Revista de Contabilidade e Organizações, v. 14, n. 1, p. 1-43, 2020.

[4] BRASIL. Secretaria do Tesouro Nacional. Sistema de Informações Contábeis e Financeiro do Setor Público Brasileiro (SICONFI). 2021. Disponível em: https://siconfi.tesouro.gov.br/siconfi/index.jsf Acesso em: 14 abr. 2021.

[5] SANTOS, A. M. S. P. Reforma do Estado, descentralização e autonomia financeira dos municípios. Revista de Administração Mackenzie, v. 4, n. 2, p. 1-23, 2003.

[6] IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Municípios com os 10 maiores PIB - 2018. Disponível: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/29728-oito-municipios-detinham-25-do-pib-do-pais-em-2018 Acesso em: 15 abr. 2021.

Denise Ribeiro de Almeida, Doutora em Administração (UFBA). Professora Associada da Escola de Administração (Ea) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro do Observatório de Finanças Públicas (Ofip).

Ana Rita Silva Sacramento, Doutora em Administração (UFBA). Professora Adjunta da Escola de Administração (Ea) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro do Observatório de Finanças Públicas (Ofip).

Fabiano Maury Raupp, Doutor em Administração (UFBA). Professor Associado do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (Esag) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). É líder do Núcleo de Estudos para o Desenvolvimento de Instrumentos Contábeis e Financeiros e membro do Observatório de Finanças Públicas (Ofip).

 Antonio Almeida Lyrio Neto, Mestre em Administração (UFBA). Técnico Administrativo da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro do Observatório de Finanças Públicas (Ofip).

A pandemia da Covid-19 tem mobilizado pesquisadores e estudiosos das mais diferentes áreas do conhecimento. O desconhecimento acerca dos possíveis impactos da pandemia, associado à rapidez com que tem assolado nossas vidas, despertou soluções em tempo recorde, como foi o caso do desenvolvimento de diferentes vacinas em tempo nunca visto. As marcas já são muitas e vão além de questões sanitárias e epidemiológicas. Sem desconsiderar a importância de discussões em outras áreas, nos debruçamos aqui sobre as finanças públicas dos municípios-capitais brasileiros, propondo uma reflexão mais particularizada a partir do comportamento da receita pública desses entes, notadamente a Receita Corrente Líquida. Do universo de municípios, foi excluído o Distrito Federal em virtude de suas especificidades enquanto município autônomo que responde diretamente ao governo federal, bem como ter competências legislativas reservadas aos Estados e municípios.

A RCL representa os recursos que o governo dispõe a cada exercício para fazer frente às suas despesas. Matematicamente detalhada na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), consiste no somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos, no caso de municípios, ente escolhido para essa análise, a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira. Sua apuração engloba as receitas arrecadadas no mês em referência e nos últimos 11 anteriores, excluídas as duplicidades [1]. A RCL, em última instância, exprime a referência de valor para o controle dos gastos públicos, onde são computadas as receitas arrecadadas, obedecendo o regime de caixa previsto no art. 35 da Lei nº 4.320/1964 [2].

A opção pela análise da RCL deriva de alguns aspectos: resulta nos valores de arrecadação corrente que efetivamente ficam para o município; é um indicador das finanças públicas e métrica de gestão financeira para o atendimento de metas estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); e seu desempenho exige planejamento dos municípios e demanda exercício do gestor municipal para a aplicação dos recursos em benefício da sociedade [3]. Os dados apresentados na Tabela 1 foram coletados do Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO) do 6º bimestre , no Anexo 3 disponível no SICONFI [4]. Já as capitais foram selecionadas por estarem se tornando atores com inédito protagonismo político no cenário brasileiro, ademais, suas condições de sede de governo, em alguns casos, proporcionam dinâmicas atividades na região, atraindo contingentes migratórios [5].

 

Tabela 1: Receita Corrente Líquida Arrecadada versus Prevista (R$)

 Foto: Estadão

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Identifica-se que dos 26 municípios-capitais, apenas 14 (53,84%) apresentaram RCL igual ou superior a 1, demonstrando que o valor efetivamente realizado de arrecadação foi igual ou superior ao originalmente estimado. Nos demais, em maior ou menor intensidade, foi possível verificar a presença de frustração fiscal (valores arrecadados inferiores aos estimados). Destacam-se positivamente Boa Vista (1,15), Palmas (1,14), Goiânia (1,13), Campo Grande (1,10) e São Paulo (1,09). No tocante aos resultados negativos da RCL, podem ser apontados como destaques Recife e Natal (0,84), Fortaleza (0,92), João Pessoa (0,93), Cuiabá e Salvador (0,94), Belo Horizonte e Rio de Janeiro (0,92) e Curitiba (0,90). Ressaltamos a ausência nesta relação de frustração fiscal de todas as capitais da Região Norte do Brasil e o maior número de municípios-capitais em situação negativa, inclusive com os piores índices, na Região Nordeste. Diante de tais resultados julgamos procedente uma análise dos resultados dos índices por região do país, informação apresentada no Gráfico 1.

Gráfico 1: Índice - RCL Arrecadada/RCL Prevista por região brasileira

 Foto: Estadão

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Os achados apresentados no Gráfico 1, a princípio parecem demonstrar que a maior parte das regiões se encontra em uma posição ruim em relação à arrecadação, contudo, sendo positiva apenas nas regiões Norte (1,04) e Centro-Oeste (1,07), o que parece sinalizar para problemas relativos à real autonomia financeira das mesmas no tocante à cobertura de seus gastos e de contingências, a exemplo do que vem sendo vivenciado em relação à Covid-19. Destaca-se, ainda, que as regiões que mais participaram da RCL do país (Sudeste, Nordeste e Sul) foram aquelas que apresentaram os piores resultados no confronto arrecada e prevista.

Esse contexto revela um possível impacto da pandemia da Covid-19 na realização da RCL. Tal situação é preocupante, pois tudo nos faz crer que levaremos um tempo para superar a pandemia, especialmente por conta da lentidão no processo de vacinação, havendo real possibilidade da situação atual de menores valores arrecadados se repetir em 2021, contexto esse que pode levar à elevação da dependência financeira dos municípios-capitais à  União e aos Estados. Tal preocupação ainda é agravada tendo em vista que os dados apresentados evidenciaram o fato de que dentre os municípios que apresentam frustração fiscal encontram-se, segundo dados do IBGE (2018) [6], Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba, respectivamente o segundo, terceiro e quinto PIB dentre as capitais nacionais. Acresça-se a isso o fato de que os piores índices de desempenho se concentram na Região Nordeste. Ou seja, a combinação de ricos ficando menos ricos com pobres ficando mais pobres aponta para uma situação de perde-perde, o que por si só já demanda ações mais efetivas para o enfrentamento da pandemia.

[1] BRASIL. Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm Acesso em: 14 abr. 2021.

[2] BRASIL. Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4320.htm Acesso em: 14 abr. 2021.

[3] SELL, F. F.; BEUREN, I. M.; LAVARDA, C. E. F. Influência de Fatores Contingenciais no Desempenho Municipal: Evidências Inferenciais. Revista de Contabilidade e Organizações, v. 14, n. 1, p. 1-43, 2020.

[4] BRASIL. Secretaria do Tesouro Nacional. Sistema de Informações Contábeis e Financeiro do Setor Público Brasileiro (SICONFI). 2021. Disponível em: https://siconfi.tesouro.gov.br/siconfi/index.jsf Acesso em: 14 abr. 2021.

[5] SANTOS, A. M. S. P. Reforma do Estado, descentralização e autonomia financeira dos municípios. Revista de Administração Mackenzie, v. 4, n. 2, p. 1-23, 2003.

[6] IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Municípios com os 10 maiores PIB - 2018. Disponível: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/29728-oito-municipios-detinham-25-do-pib-do-pais-em-2018 Acesso em: 15 abr. 2021.

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