Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Ao censurarem publicações sobre o PL 2630/2020, Big Techs deixam claro por que precisam ser reguladas


Por Redação
Fonte: arquivo pessoal.  

Ergon Cugler, Pesquisador CNPq, Mestrando em Administração Pública e Governo pela FGV EAESP, membro do Núcleo de Estudos da Burocracia, Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e Coalizão Direitos na Rede

Imagine uma sociedade distópica em um futuro não tão distante. Um grupo de poderosos desenvolveu uma tecnologia tão avançada que se tornou possível ler mentes. Sabe-se sobre cada desejo e insegurança das pessoas, onde se vai ou se deixa de ir e, até mesmo, é possível antecipar qualquer tentativa de tirar tal grupo do poder. Diante de uma ameaça, porém, essa mesma tecnologia torna-se capaz de dialogar individualmente com cada cidadão, entregando uma narrativa personalizada de acordo com as fraquezas e esperanças de cada um, ao ponto que se torna mais fácil convencer a todos que o melhor a se fazer é deixar tudo como está.

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Aquilo que poderia ser mais um episódio da série The Black Mirror, tem se assemelhado ao debate travado entre as chamadas Big Techs (companhias mais dominantes no setor de tecnologia da informação global) e os governos de países que ousam questionar a o monopólio informacional que tais empresas e plataformas concentram ao redor do mundo. 

Enquanto isso, no Brasil, em meio ao acirrado debate que tem sido construído com diversos especialistas há mais de três anos e dezenas de audiências públicas sobre o Projeto de Lei 2630/2020, diversas denúncias de abuso de poder econômico realizados pelas Big Techs têm sido levadas ao ministério da Justiça, nos fazendo refletir: qual o papel do Estado diante de um monopólio de poder informacional que se dispõe a disputar a opinião pública?

O que realmente diz o PL 2630/2020?

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De autoria do Senador Alessandro Vieira (SE) e tendo sido relatado pelo Deputado Orlando Silva (SP) desde 2020, o PL 2630/2020 passou por uma profunda reconfiguração em meio às dezenas de audiências públicas e centenas de especialistas ouvidos ao longo do processo, até que se chegasse em um texto que assegurasse a privacidade dos usuários, sem promover vigilantismo digital, mas também se trouxessem obrigações para que as plataformas não fossem utilizadas como ambiente de articulação de crimes, tal como a exploração infantil, por exemplo. Diante de tal, em sua versão apresentada ao Plenário da Câmara dos Deputados em abril de 2023, a chamada Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet propôs instituir três raciocínios:

  1. Liberdade na Internet: A lei propõe não deixar dúvidas sobre os direitos de exercício da liberdade de expressão no ambiente digital, reforçando, por um lado, princípios Constitucionais como a liberdade religiosa, de culto e de opinião política, mas ressaltando, por outro lado, que a liberdade de expressão não justifica a prática de crimes - exemplo às comunidades criminosas que cooptam crianças e adolescentes para atentados em escolas, ou ainda as células neonazistas que oganizam diversos ataques. No entanto, sem a lei, vimos a liberdade de expressão e o direito à privacidade serem usados como argumento pelo Telegram ao recusar-se de entregar os dados dos usuários envolvidos em tais crimes e que estavam se organizando dentro de sua rede.
  2. Responsabilidade na Internet: A lei também propõe criar um regime de corresponsabilização das plataformas em relação aos conteúdos impulsionados por usuários, ou seja, uma vez que um conteúdo recebe investimento para aumentar suas métricas, a plataforma se torna corresponsável pelo conteúdo, fazendo com que se tenha uma triagem mais qualificada por parte da plataforma e minimizando o aceite de conteúdos que violem leis brasileiras. Sem a lei em vigor, porém, plataformas como o Facebook (Meta) chegaram a aprovar impulsionamentos de anúncios contendo desinformações sobre saúde pública e diversos temas, colocando inclusive vidas em risco.
  3. Transparência na Internet: Além disso, a lei propõe que as plataformas entreguem relatórios periódicos tanto deixando claro quais parâmetros estão sendo usados para moderar e conter a prática de crimes, quanto tornando transparente os critérios utilizados pelos algoritmos para aumentar ou restringir o alcance dos usuários - na prática, trazendo condições do que podemos pensar como uma concorrência informacional mais leal. Contudo, enquanto não se tem a lei, vemos ações como shadowban, isto é, a derrubada brusca de alcance e engajamento de usuários ao se posicionarem sobre algo que a plataforma diverge, ou ainda a plataforma tendenciando um lado da opinião pública, com todo seu poder de calibrar alcances sem transparência qualquer.

Em nenhum trecho da lei existe qualquer brecha para que o Governo Federal censure uma publicação específica, uma vez que a moderação de conteúdos segue sendo das plataformas, a diferença é que estas deverão tornar transparente os processos e critérios para tal, equilibrando mais o ambiente para opiniões diversas em meio às bolhas, mas especialmente reforçando que internet não é terra sem lei, devendo-se cumprir a legislação brasileira.

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Quem vigia os vigilantes?

Apesar de secular, foi o filme Watchmen que popularizou a frase "quem vigia os vigilantes?". Enquanto muitos vinculavam tal frase a contextos de Estados autoritários, a trama nos faz refletir que, mesmo aqueles vistos como lendários e acima do bem e do mal, demandam freios e contrapesos - e no nosso caso Constitucionais -, diante de acúmulos exagerados de poder.

Como a vida imita a arte, o mapeamento da "Guerra das Plataformas contra o PL 2630" do Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (NetLab/ UFRJ) aponta que o Google burlou as próprias regras de publicidade para incorporar em seus anúncios maior alcance contra o PL  2630. Indo além, o Google descumpriu o próprio protocolo e anunciou nas plataformas Meta contra o PL sem se rotular como anúncio sensível ou político - sendo uma regra imposta para todos anunciantes. Além disso, mesmo que o Spotify não permita em seu regulamento publicidades de temas políticos, o próprio circulou mensagens contrárias ao PL para milhões de usuários brasileiros.

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Quem acessou a homepage do Google, viu mensagens acusando o PL 2630 de ajudar criminosos a propagarem desinformação, além de que a qualidade da internet cairia, caso o PL fosse aprovado, chamando inclusive de "PL da Censura". Como apontou o próprio relatório do NetLab, estas diferentes estratégias mostram o Google se aproveitando de sua posição de liderança no mercado de buscas para propagar suas ideias e influenciar negativamente a percepção dos usuários sobre o PL em prol de seus interesses comerciais, o que pode configurar abuso de poder econômico.

No YouTube, produtores de conteúdo contra o PL 2630 foram sugeridos na primeira página dos usuários, além disso, o YouTube convocou todos os produtores de conteúdo, por meio de pronunciamento oficial, para se posicionarem contra o PL. No Twitter, publicações apoiando o PL foram limitadas, sem dar margem para a transparência de critérios adotados pela plataforma.

Em suma, como é possível assegurar democracia se o ambiente em que se disputa a opinião pública se demonstra cooptado por interesses econômicos e políticos das próprias plataformas? Seguiremos enquanto sociedade acreditando que existe neutralidade em tecnologia?

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Enquanto aqueles que nos vigiam acima de algoritmos pautam a nossa percepção da realidade, nos resta um desafio que parece impossível, o de disputar a narrativa com aqueles que sabem mais de nós do que nós mesmos. Porém, em meio a uma trama quase distópica daqueles leem diariamente as mentes de todos nós, que as Instituições e o Estado brasileiro tenham condições de não se tornarem reféns de narrativas encomendadas por algoritmos. Caso contrário, não será apenas a percepção da realidade que estará ameaçada, mas também a própria existência da democracia.

Fonte: arquivo pessoal.  

Ergon Cugler, Pesquisador CNPq, Mestrando em Administração Pública e Governo pela FGV EAESP, membro do Núcleo de Estudos da Burocracia, Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e Coalizão Direitos na Rede

Imagine uma sociedade distópica em um futuro não tão distante. Um grupo de poderosos desenvolveu uma tecnologia tão avançada que se tornou possível ler mentes. Sabe-se sobre cada desejo e insegurança das pessoas, onde se vai ou se deixa de ir e, até mesmo, é possível antecipar qualquer tentativa de tirar tal grupo do poder. Diante de uma ameaça, porém, essa mesma tecnologia torna-se capaz de dialogar individualmente com cada cidadão, entregando uma narrativa personalizada de acordo com as fraquezas e esperanças de cada um, ao ponto que se torna mais fácil convencer a todos que o melhor a se fazer é deixar tudo como está.

Aquilo que poderia ser mais um episódio da série The Black Mirror, tem se assemelhado ao debate travado entre as chamadas Big Techs (companhias mais dominantes no setor de tecnologia da informação global) e os governos de países que ousam questionar a o monopólio informacional que tais empresas e plataformas concentram ao redor do mundo. 

Enquanto isso, no Brasil, em meio ao acirrado debate que tem sido construído com diversos especialistas há mais de três anos e dezenas de audiências públicas sobre o Projeto de Lei 2630/2020, diversas denúncias de abuso de poder econômico realizados pelas Big Techs têm sido levadas ao ministério da Justiça, nos fazendo refletir: qual o papel do Estado diante de um monopólio de poder informacional que se dispõe a disputar a opinião pública?

O que realmente diz o PL 2630/2020?

De autoria do Senador Alessandro Vieira (SE) e tendo sido relatado pelo Deputado Orlando Silva (SP) desde 2020, o PL 2630/2020 passou por uma profunda reconfiguração em meio às dezenas de audiências públicas e centenas de especialistas ouvidos ao longo do processo, até que se chegasse em um texto que assegurasse a privacidade dos usuários, sem promover vigilantismo digital, mas também se trouxessem obrigações para que as plataformas não fossem utilizadas como ambiente de articulação de crimes, tal como a exploração infantil, por exemplo. Diante de tal, em sua versão apresentada ao Plenário da Câmara dos Deputados em abril de 2023, a chamada Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet propôs instituir três raciocínios:

  1. Liberdade na Internet: A lei propõe não deixar dúvidas sobre os direitos de exercício da liberdade de expressão no ambiente digital, reforçando, por um lado, princípios Constitucionais como a liberdade religiosa, de culto e de opinião política, mas ressaltando, por outro lado, que a liberdade de expressão não justifica a prática de crimes - exemplo às comunidades criminosas que cooptam crianças e adolescentes para atentados em escolas, ou ainda as células neonazistas que oganizam diversos ataques. No entanto, sem a lei, vimos a liberdade de expressão e o direito à privacidade serem usados como argumento pelo Telegram ao recusar-se de entregar os dados dos usuários envolvidos em tais crimes e que estavam se organizando dentro de sua rede.
  2. Responsabilidade na Internet: A lei também propõe criar um regime de corresponsabilização das plataformas em relação aos conteúdos impulsionados por usuários, ou seja, uma vez que um conteúdo recebe investimento para aumentar suas métricas, a plataforma se torna corresponsável pelo conteúdo, fazendo com que se tenha uma triagem mais qualificada por parte da plataforma e minimizando o aceite de conteúdos que violem leis brasileiras. Sem a lei em vigor, porém, plataformas como o Facebook (Meta) chegaram a aprovar impulsionamentos de anúncios contendo desinformações sobre saúde pública e diversos temas, colocando inclusive vidas em risco.
  3. Transparência na Internet: Além disso, a lei propõe que as plataformas entreguem relatórios periódicos tanto deixando claro quais parâmetros estão sendo usados para moderar e conter a prática de crimes, quanto tornando transparente os critérios utilizados pelos algoritmos para aumentar ou restringir o alcance dos usuários - na prática, trazendo condições do que podemos pensar como uma concorrência informacional mais leal. Contudo, enquanto não se tem a lei, vemos ações como shadowban, isto é, a derrubada brusca de alcance e engajamento de usuários ao se posicionarem sobre algo que a plataforma diverge, ou ainda a plataforma tendenciando um lado da opinião pública, com todo seu poder de calibrar alcances sem transparência qualquer.

Em nenhum trecho da lei existe qualquer brecha para que o Governo Federal censure uma publicação específica, uma vez que a moderação de conteúdos segue sendo das plataformas, a diferença é que estas deverão tornar transparente os processos e critérios para tal, equilibrando mais o ambiente para opiniões diversas em meio às bolhas, mas especialmente reforçando que internet não é terra sem lei, devendo-se cumprir a legislação brasileira.

Quem vigia os vigilantes?

Apesar de secular, foi o filme Watchmen que popularizou a frase "quem vigia os vigilantes?". Enquanto muitos vinculavam tal frase a contextos de Estados autoritários, a trama nos faz refletir que, mesmo aqueles vistos como lendários e acima do bem e do mal, demandam freios e contrapesos - e no nosso caso Constitucionais -, diante de acúmulos exagerados de poder.

Como a vida imita a arte, o mapeamento da "Guerra das Plataformas contra o PL 2630" do Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (NetLab/ UFRJ) aponta que o Google burlou as próprias regras de publicidade para incorporar em seus anúncios maior alcance contra o PL  2630. Indo além, o Google descumpriu o próprio protocolo e anunciou nas plataformas Meta contra o PL sem se rotular como anúncio sensível ou político - sendo uma regra imposta para todos anunciantes. Além disso, mesmo que o Spotify não permita em seu regulamento publicidades de temas políticos, o próprio circulou mensagens contrárias ao PL para milhões de usuários brasileiros.

Quem acessou a homepage do Google, viu mensagens acusando o PL 2630 de ajudar criminosos a propagarem desinformação, além de que a qualidade da internet cairia, caso o PL fosse aprovado, chamando inclusive de "PL da Censura". Como apontou o próprio relatório do NetLab, estas diferentes estratégias mostram o Google se aproveitando de sua posição de liderança no mercado de buscas para propagar suas ideias e influenciar negativamente a percepção dos usuários sobre o PL em prol de seus interesses comerciais, o que pode configurar abuso de poder econômico.

No YouTube, produtores de conteúdo contra o PL 2630 foram sugeridos na primeira página dos usuários, além disso, o YouTube convocou todos os produtores de conteúdo, por meio de pronunciamento oficial, para se posicionarem contra o PL. No Twitter, publicações apoiando o PL foram limitadas, sem dar margem para a transparência de critérios adotados pela plataforma.

Em suma, como é possível assegurar democracia se o ambiente em que se disputa a opinião pública se demonstra cooptado por interesses econômicos e políticos das próprias plataformas? Seguiremos enquanto sociedade acreditando que existe neutralidade em tecnologia?

Enquanto aqueles que nos vigiam acima de algoritmos pautam a nossa percepção da realidade, nos resta um desafio que parece impossível, o de disputar a narrativa com aqueles que sabem mais de nós do que nós mesmos. Porém, em meio a uma trama quase distópica daqueles leem diariamente as mentes de todos nós, que as Instituições e o Estado brasileiro tenham condições de não se tornarem reféns de narrativas encomendadas por algoritmos. Caso contrário, não será apenas a percepção da realidade que estará ameaçada, mas também a própria existência da democracia.

Fonte: arquivo pessoal.  

Ergon Cugler, Pesquisador CNPq, Mestrando em Administração Pública e Governo pela FGV EAESP, membro do Núcleo de Estudos da Burocracia, Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e Coalizão Direitos na Rede

Imagine uma sociedade distópica em um futuro não tão distante. Um grupo de poderosos desenvolveu uma tecnologia tão avançada que se tornou possível ler mentes. Sabe-se sobre cada desejo e insegurança das pessoas, onde se vai ou se deixa de ir e, até mesmo, é possível antecipar qualquer tentativa de tirar tal grupo do poder. Diante de uma ameaça, porém, essa mesma tecnologia torna-se capaz de dialogar individualmente com cada cidadão, entregando uma narrativa personalizada de acordo com as fraquezas e esperanças de cada um, ao ponto que se torna mais fácil convencer a todos que o melhor a se fazer é deixar tudo como está.

Aquilo que poderia ser mais um episódio da série The Black Mirror, tem se assemelhado ao debate travado entre as chamadas Big Techs (companhias mais dominantes no setor de tecnologia da informação global) e os governos de países que ousam questionar a o monopólio informacional que tais empresas e plataformas concentram ao redor do mundo. 

Enquanto isso, no Brasil, em meio ao acirrado debate que tem sido construído com diversos especialistas há mais de três anos e dezenas de audiências públicas sobre o Projeto de Lei 2630/2020, diversas denúncias de abuso de poder econômico realizados pelas Big Techs têm sido levadas ao ministério da Justiça, nos fazendo refletir: qual o papel do Estado diante de um monopólio de poder informacional que se dispõe a disputar a opinião pública?

O que realmente diz o PL 2630/2020?

De autoria do Senador Alessandro Vieira (SE) e tendo sido relatado pelo Deputado Orlando Silva (SP) desde 2020, o PL 2630/2020 passou por uma profunda reconfiguração em meio às dezenas de audiências públicas e centenas de especialistas ouvidos ao longo do processo, até que se chegasse em um texto que assegurasse a privacidade dos usuários, sem promover vigilantismo digital, mas também se trouxessem obrigações para que as plataformas não fossem utilizadas como ambiente de articulação de crimes, tal como a exploração infantil, por exemplo. Diante de tal, em sua versão apresentada ao Plenário da Câmara dos Deputados em abril de 2023, a chamada Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet propôs instituir três raciocínios:

  1. Liberdade na Internet: A lei propõe não deixar dúvidas sobre os direitos de exercício da liberdade de expressão no ambiente digital, reforçando, por um lado, princípios Constitucionais como a liberdade religiosa, de culto e de opinião política, mas ressaltando, por outro lado, que a liberdade de expressão não justifica a prática de crimes - exemplo às comunidades criminosas que cooptam crianças e adolescentes para atentados em escolas, ou ainda as células neonazistas que oganizam diversos ataques. No entanto, sem a lei, vimos a liberdade de expressão e o direito à privacidade serem usados como argumento pelo Telegram ao recusar-se de entregar os dados dos usuários envolvidos em tais crimes e que estavam se organizando dentro de sua rede.
  2. Responsabilidade na Internet: A lei também propõe criar um regime de corresponsabilização das plataformas em relação aos conteúdos impulsionados por usuários, ou seja, uma vez que um conteúdo recebe investimento para aumentar suas métricas, a plataforma se torna corresponsável pelo conteúdo, fazendo com que se tenha uma triagem mais qualificada por parte da plataforma e minimizando o aceite de conteúdos que violem leis brasileiras. Sem a lei em vigor, porém, plataformas como o Facebook (Meta) chegaram a aprovar impulsionamentos de anúncios contendo desinformações sobre saúde pública e diversos temas, colocando inclusive vidas em risco.
  3. Transparência na Internet: Além disso, a lei propõe que as plataformas entreguem relatórios periódicos tanto deixando claro quais parâmetros estão sendo usados para moderar e conter a prática de crimes, quanto tornando transparente os critérios utilizados pelos algoritmos para aumentar ou restringir o alcance dos usuários - na prática, trazendo condições do que podemos pensar como uma concorrência informacional mais leal. Contudo, enquanto não se tem a lei, vemos ações como shadowban, isto é, a derrubada brusca de alcance e engajamento de usuários ao se posicionarem sobre algo que a plataforma diverge, ou ainda a plataforma tendenciando um lado da opinião pública, com todo seu poder de calibrar alcances sem transparência qualquer.

Em nenhum trecho da lei existe qualquer brecha para que o Governo Federal censure uma publicação específica, uma vez que a moderação de conteúdos segue sendo das plataformas, a diferença é que estas deverão tornar transparente os processos e critérios para tal, equilibrando mais o ambiente para opiniões diversas em meio às bolhas, mas especialmente reforçando que internet não é terra sem lei, devendo-se cumprir a legislação brasileira.

Quem vigia os vigilantes?

Apesar de secular, foi o filme Watchmen que popularizou a frase "quem vigia os vigilantes?". Enquanto muitos vinculavam tal frase a contextos de Estados autoritários, a trama nos faz refletir que, mesmo aqueles vistos como lendários e acima do bem e do mal, demandam freios e contrapesos - e no nosso caso Constitucionais -, diante de acúmulos exagerados de poder.

Como a vida imita a arte, o mapeamento da "Guerra das Plataformas contra o PL 2630" do Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (NetLab/ UFRJ) aponta que o Google burlou as próprias regras de publicidade para incorporar em seus anúncios maior alcance contra o PL  2630. Indo além, o Google descumpriu o próprio protocolo e anunciou nas plataformas Meta contra o PL sem se rotular como anúncio sensível ou político - sendo uma regra imposta para todos anunciantes. Além disso, mesmo que o Spotify não permita em seu regulamento publicidades de temas políticos, o próprio circulou mensagens contrárias ao PL para milhões de usuários brasileiros.

Quem acessou a homepage do Google, viu mensagens acusando o PL 2630 de ajudar criminosos a propagarem desinformação, além de que a qualidade da internet cairia, caso o PL fosse aprovado, chamando inclusive de "PL da Censura". Como apontou o próprio relatório do NetLab, estas diferentes estratégias mostram o Google se aproveitando de sua posição de liderança no mercado de buscas para propagar suas ideias e influenciar negativamente a percepção dos usuários sobre o PL em prol de seus interesses comerciais, o que pode configurar abuso de poder econômico.

No YouTube, produtores de conteúdo contra o PL 2630 foram sugeridos na primeira página dos usuários, além disso, o YouTube convocou todos os produtores de conteúdo, por meio de pronunciamento oficial, para se posicionarem contra o PL. No Twitter, publicações apoiando o PL foram limitadas, sem dar margem para a transparência de critérios adotados pela plataforma.

Em suma, como é possível assegurar democracia se o ambiente em que se disputa a opinião pública se demonstra cooptado por interesses econômicos e políticos das próprias plataformas? Seguiremos enquanto sociedade acreditando que existe neutralidade em tecnologia?

Enquanto aqueles que nos vigiam acima de algoritmos pautam a nossa percepção da realidade, nos resta um desafio que parece impossível, o de disputar a narrativa com aqueles que sabem mais de nós do que nós mesmos. Porém, em meio a uma trama quase distópica daqueles leem diariamente as mentes de todos nós, que as Instituições e o Estado brasileiro tenham condições de não se tornarem reféns de narrativas encomendadas por algoritmos. Caso contrário, não será apenas a percepção da realidade que estará ameaçada, mas também a própria existência da democracia.

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