Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Covid-19 e exclusão digital: muito além do acesso


Por Redação

Fabio Senne, Doutorando em Ciência Política pela USP e Coordenador de pesquisas do Cetic.br|NIC.br.

Fabio Storino, Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV-SP e analista de informações do Cetic.br|NIC.br.

Manuella Maia Ribeiro, Doutora em Administração Pública e Governo pela FGV-SP e analista de informações do Cetic.br|NIC.br.

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Com as medidas de distanciamento social adotadas no combate ao novo coronavírus, diversas atividades cotidianas migraram para os meios digitais. Nesse novo contexto, o acesso à Internet apresentou-se como condição necessária para a continuidade dos serviços prestados por entidades públicas e privadas, para as atividades de trabalho e ensino remotos e para o acesso à informação necessário ao enfrentamento da pandemia. A crise sanitária, contudo, evidenciou um cenário de marcante exclusão digital, no qual as oportunidades de uso e apropriação da rede estão distribuídas de maneira desigual.

Ainda que a Internet tenha sido central para a implementação de políticas públicas assistenciais, como programas de auxílio emergencial, e para a busca de informações sobre serviços de saúde e atividades de ensino, por exemplo, a realização de atividades on-line segue restrita entre parcelas da população mais afetadas pela pandemia, como idosos, indivíduos com menor nível de escolaridade e das classes DE. É o que mostra o recém-lançado livro "Painel TIC COVID-19" [1], que reúne os resultados de pesquisa [2] realizada entre junho e setembro de 2020 pelo Centro Regional de Estudo para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) com foco nos usuários de Internet com 16 anos ou mais. O Cetic.br, departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), vem monitorando há 15 anos a adoção das tecnologias de informação e comunicação (TIC) - como computadores e Internet - no Brasil e produzindo estatísticas sobre o uso e a apropriação desses recursos por domicílios, indivíduos, governos, empresas, organizações da sociedade civil e em áreas como educação, saúde e cultura.

Os resultados do Painel TIC COVID-19 apontam mudanças importantes nos hábitos de uso da rede entre os usuários de Internet durante a pandemia. Houve um aumento expressivo na proporção de usuários que realizavam as atividades on-line, como o acesso a serviços públicos eletrônicos, telessaúde, fruição de cultura, teletrabalho, ensino remoto e comércio eletrônico. Se, por um lado, houve um crescimento na realização de atividades pela Internet, por outro, também ficaram evidentes as desigualdades na apropriação da tecnologia entre os diferentes setores da sociedade, com oportunidades reduzidas a indivíduos em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica, como aqueles com menor escolaridade ou pertencentes às classes DE.

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O que vem acontecendo na área da educação é emblemático. A emergência sanitária gerada pela pandemia provocou o fechamento de escolas em todo o território nacional, com grandes impactos ao desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem. As medidas de distanciamento e as aulas ministradas de forma remota transferiram a sala de aula para os domicílios de estudantes e professores, enquanto os recursos digitais passaram a ser os principais meios de interação entre as escolas e as famílias. De acordo com os resultados da pesquisa, entre os usuários de Internet com 16 anos ou mais que frequentavam escola ou universidade, o acompanhamento das atividades remotas foi maior entre aqueles das classes AB (89%) do que entre aqueles das classes C (80%) e DE (71%).

Outro estudo, da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) com secretarias de Educação de 3,6 mil municípios, apontou que o acesso à Internet pelos alunos e a infraestrutura escolar estavam entre as maiores dificuldades enfrentadas pelas escolas públicas municipais em 2020 [3]. A pesquisa TIC Kids Online 2019 já chamava a atenção para o fato de que 4,8 milhões de crianças e adolescentes de 9 a 17 anos viviam em domicílios sem Internet [4]. Esse cenário também é corroborado e complementado pela pesquisa TIC Educação 2019 [5], que apontou grande disparidade na adoção das tecnologias pelas escolas, incluindo o uso de ambientes virtuais de aprendizagem e compartilhamento on-line de conteúdo didático - menos presentes nas escolas públicas em comparação com as particulares.

O papel das escolas enquanto equalizadoras de oportunidades - com alunos compartilhando um conteúdo curricular e acessando a mesma infraestrutura de ensino - foi limitado pela desigualdade digital existente nos domicílios dos alunos. Além da falta de motivação e das dificuldades relacionadas à mediação dos professores, a falta de recursos digitais adequados para acessar aulas e atividades educacionais remotas contribuiu para que parte dos estudantes não conseguissem dar continuidade ao acompanhamento das atividades educacionais remotas.

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Muitos domicílios viram-se diante de uma infraestrutura tecnológica insuficiente ou inadequada para a realização simultânea de atividades de teletrabalho e de ensino remoto, o que pode indicar um aproveitamento desigual das oportunidades oferecidas pelas tecnologias. Segundo o Painel TIC COVID-19, dentre os usuários de Internet com 16 anos ou mais que frequentavam escola ou universidade, o telefone celular foi utilizado com maior frequência para o acompanhamento de aulas ou atividades remotas pela maioria daqueles das classes DE (54%), enquanto o uso predominantemente de computador (notebook, computador de mesa e tablet) era maior nas classes AB (66%).

Além da ausência de conexão domiciliar - que, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2019, ocorre em metade dos domicílios das classes DE -, diferenças na qualidade da conexão também impactam o aproveitamento escolar dos alunos. Parte significativa dos domicílios com acesso à Internet das áreas rurais, das classes DE e da região Norte, por exemplo, possui conexão móvel [6], com limitações de velocidade e de consumo de dados. Para minimizarem essas barreiras de acesso aos conteúdos educacionais, alguns governos recorreram à distribuição (a alunos e professores) de chips de celular com acesso a dados móveis, à transmissão em canais de televisão e à distribuição de materiais impressos às famílias. As medidas, entretanto, ainda são insuficientes para garantir a equidade de oportunidades de ensino remoto.

No âmbito do trabalho, além dos impactos no nível de atividade econômica e nas taxas de ocupação da força de trabalho, a pandemia também transformou a forma de relacionamento entre empregadores e empregados. O uso das tecnologias digitais permitiu a realização de trabalho remoto, sobretudo nos setores considerados não essenciais. A rápida transição para o home office, contudo, esbarrou na baixa qualidade (ou na falta) de conexão à Internet domiciliar, na indisponibilidade de dispositivos adequados e nas limitações das habilidades digitais de parte da força de trabalho ocupada.

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A adoção do teletrabalho durante a pandemia foi maior entre os estratos mais escolarizados. Segundo estudo divulgado pela Rede de Pesquisa Solidária, enquanto em 2019 a maioria das pessoas que trabalhavam em casa eram informais e tinham baixa remuneração, em 2020 passou a ser composta, principalmente, de profissionais com ensino superior, professores, gerentes, administradores e trabalhadores de escritório [7]. De acordo com dados do Painel TIC COVID-19, 38% dos usuários de Internet com 16 anos ou mais que realizaram algum tipo de trabalho durante a pandemia utilizaram a modalidade de teletrabalho. A proporção foi maior entre integrantes das classes AB (59%) do que das classes C e DE (27% e 28%, respectivamente), cenário que se alinha à tendência de digitalização em ocupações com remunerações mais elevadas.

Em relação aos dispositivos usados para as atividades de teletrabalho, repetiu-se o padrão observado no ensino remoto: enquanto o computador de mesa ou o notebook foram os dispositivos mais frequentes entre os usuários de classes mais altas (77% daqueles das classes AB), o telefone celular prevaleceu entre os usuários de Internet de classes mais baixas (84% dos das classes DE). Os usuários das classes AB foram também os que mais receberam apoio das organizações em que trabalham para realizar suas atividades em domicílio, como acesso remoto a pastas ou arquivos, software e suporte técnico. O trabalho intermediado por aplicativos on-line também foi investigado pelo Painel TIC COVID-19. Essa modalidade foi realizada principalmente por mulheres e trabalhadores autônomos e domésticos, como alternativa de renda para aqueles que ficaram desempregados ou que tiveram suas jornadas de trabalho reduzidas por conta da pandemia.

Nas outras áreas exploradas pelo Painel TIC COVID-19 também se observam desigualdades importantes. Com a drástica redução das atividades culturais presenciais, observou-se um aumento da fruição cultural on-line, como ouvir música e assistir a vídeos. O pagamento por serviços de streaming de filmes e séries apresentou maior aumento nas classes mais baixas, mas segue pouco acessível para a maioria dos usuários de Internet brasileiros. Nesse período de pandemia, intensificou-se também o comércio eletrônico, sobretudo de itens como comida ou produtos alimentícios, cosméticos e medicamentos. Os usuários afirmaram estar comprando mais de produtores locais e pequenos comércios, tendência que pode estar associada ao aumento expressivo do uso de aplicativos de mensagens instantâneas para mediar a compra de produtos ou serviços.

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A redução ou mesmo a suspensão de atendimento presencial em agências bancárias e postos de atendimento de órgãos públicos também provocaram um aumento na realização de serviços on-line. As transações financeiras como consultas e pagamentos pela Internet tiveram aumento expressivo, sobretudo entre os usuários de Internet das classes C e DE. O mesmo ocorreu em relação aos serviços públicos on-line, especialmente aqueles ligados aos direitos dos trabalhadores ou à previdência social, incluindo o seguro-desemprego e o auxílio emergencial. Apesar do aumento no acesso a esses serviços trabalhistas e previdenciários pela Internet, ele foi menor justamente entre os usuários das classes DE.

Autorizada em caráter emergencial durante a pandemia, a telessaúde foi um importante instrumento da estratégia do cuidado nesse período. Segundo o Painel TIC COVID-19, cerca de um quinto dos usuários de Internet com 16 anos ou mais utilizou serviços de telessaúde, como consultas e agendamentos ou visualização de resultados de exames pela Internet, em maiores proporções entre aqueles com ensino superior e das classes AB. A oferta reduzida ou a falta de meios adequados para realizar esses serviços de telessaúde, evidenciada pela predominância do uso de aplicativos de mensagens instantâneas, gera insegurança quanto à privacidade e à segurança dos dados pessoais dos pacientes, um dos principais motivos citados para a não utilização dessa modalidade.

As profundas desigualdades regionais e socioeconômicas que marcam a sociedade brasileira também se refletem no ambiente on-line, com menor proporção de uso da Internet em áreas rurais, entre indivíduos com menor renda e escolaridade mais baixa, bem como entre os mais velhos. Entre os idosos, que correspondem a um dos grupos mais vulneráveis à Covid-19, dois de cada três ainda não acessam a rede. Em um contexto em que a sociedade discute cotidianamente qual deve ser a extensão das medidas de distanciamento social e quais são seus possíveis efeitos, é fundamental compreender os limites das estratégias de digitalização em cenários emergenciais. Ao impossibilitar ou dificultar a realização de teletrabalho, ensino remoto e diversas outras atividades on-line, a exclusão digital reduz a apropriação de benefícios tangíveis do uso das TIC, contribuindo, assim, para a reprodução das desigualdades sociais existentes no país.

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[1] https://www.cetic.br/pt/publicacao/painel-tic-covid-19/

[2] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/tic-covid-19/

[3] https://undime.org.br/noticia/10-03-2021-13-17-redes-municipais-de-educacao-apontam-internet-e-infraestrutura-como-maiores-dificuldades-enfrentadas-em-2020-mostra-pesquisa-da-undime

[4] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/kids-online/

[5] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/educacao/

[6] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/domicilios/

[7] https://redepesquisasolidaria.org/boletins/boletim-16/crise-altera-o-perfil-do-trabalho-em-casa-e-do-teletrabalho--desigualdade-digital-reduz-rendimentos-e-rebaixa-atividade-economica/

Fabio Senne, Doutorando em Ciência Política pela USP e Coordenador de pesquisas do Cetic.br|NIC.br.

Fabio Storino, Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV-SP e analista de informações do Cetic.br|NIC.br.

Manuella Maia Ribeiro, Doutora em Administração Pública e Governo pela FGV-SP e analista de informações do Cetic.br|NIC.br.

Com as medidas de distanciamento social adotadas no combate ao novo coronavírus, diversas atividades cotidianas migraram para os meios digitais. Nesse novo contexto, o acesso à Internet apresentou-se como condição necessária para a continuidade dos serviços prestados por entidades públicas e privadas, para as atividades de trabalho e ensino remotos e para o acesso à informação necessário ao enfrentamento da pandemia. A crise sanitária, contudo, evidenciou um cenário de marcante exclusão digital, no qual as oportunidades de uso e apropriação da rede estão distribuídas de maneira desigual.

Ainda que a Internet tenha sido central para a implementação de políticas públicas assistenciais, como programas de auxílio emergencial, e para a busca de informações sobre serviços de saúde e atividades de ensino, por exemplo, a realização de atividades on-line segue restrita entre parcelas da população mais afetadas pela pandemia, como idosos, indivíduos com menor nível de escolaridade e das classes DE. É o que mostra o recém-lançado livro "Painel TIC COVID-19" [1], que reúne os resultados de pesquisa [2] realizada entre junho e setembro de 2020 pelo Centro Regional de Estudo para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) com foco nos usuários de Internet com 16 anos ou mais. O Cetic.br, departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), vem monitorando há 15 anos a adoção das tecnologias de informação e comunicação (TIC) - como computadores e Internet - no Brasil e produzindo estatísticas sobre o uso e a apropriação desses recursos por domicílios, indivíduos, governos, empresas, organizações da sociedade civil e em áreas como educação, saúde e cultura.

Os resultados do Painel TIC COVID-19 apontam mudanças importantes nos hábitos de uso da rede entre os usuários de Internet durante a pandemia. Houve um aumento expressivo na proporção de usuários que realizavam as atividades on-line, como o acesso a serviços públicos eletrônicos, telessaúde, fruição de cultura, teletrabalho, ensino remoto e comércio eletrônico. Se, por um lado, houve um crescimento na realização de atividades pela Internet, por outro, também ficaram evidentes as desigualdades na apropriação da tecnologia entre os diferentes setores da sociedade, com oportunidades reduzidas a indivíduos em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica, como aqueles com menor escolaridade ou pertencentes às classes DE.

O que vem acontecendo na área da educação é emblemático. A emergência sanitária gerada pela pandemia provocou o fechamento de escolas em todo o território nacional, com grandes impactos ao desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem. As medidas de distanciamento e as aulas ministradas de forma remota transferiram a sala de aula para os domicílios de estudantes e professores, enquanto os recursos digitais passaram a ser os principais meios de interação entre as escolas e as famílias. De acordo com os resultados da pesquisa, entre os usuários de Internet com 16 anos ou mais que frequentavam escola ou universidade, o acompanhamento das atividades remotas foi maior entre aqueles das classes AB (89%) do que entre aqueles das classes C (80%) e DE (71%).

Outro estudo, da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) com secretarias de Educação de 3,6 mil municípios, apontou que o acesso à Internet pelos alunos e a infraestrutura escolar estavam entre as maiores dificuldades enfrentadas pelas escolas públicas municipais em 2020 [3]. A pesquisa TIC Kids Online 2019 já chamava a atenção para o fato de que 4,8 milhões de crianças e adolescentes de 9 a 17 anos viviam em domicílios sem Internet [4]. Esse cenário também é corroborado e complementado pela pesquisa TIC Educação 2019 [5], que apontou grande disparidade na adoção das tecnologias pelas escolas, incluindo o uso de ambientes virtuais de aprendizagem e compartilhamento on-line de conteúdo didático - menos presentes nas escolas públicas em comparação com as particulares.

O papel das escolas enquanto equalizadoras de oportunidades - com alunos compartilhando um conteúdo curricular e acessando a mesma infraestrutura de ensino - foi limitado pela desigualdade digital existente nos domicílios dos alunos. Além da falta de motivação e das dificuldades relacionadas à mediação dos professores, a falta de recursos digitais adequados para acessar aulas e atividades educacionais remotas contribuiu para que parte dos estudantes não conseguissem dar continuidade ao acompanhamento das atividades educacionais remotas.

Muitos domicílios viram-se diante de uma infraestrutura tecnológica insuficiente ou inadequada para a realização simultânea de atividades de teletrabalho e de ensino remoto, o que pode indicar um aproveitamento desigual das oportunidades oferecidas pelas tecnologias. Segundo o Painel TIC COVID-19, dentre os usuários de Internet com 16 anos ou mais que frequentavam escola ou universidade, o telefone celular foi utilizado com maior frequência para o acompanhamento de aulas ou atividades remotas pela maioria daqueles das classes DE (54%), enquanto o uso predominantemente de computador (notebook, computador de mesa e tablet) era maior nas classes AB (66%).

Além da ausência de conexão domiciliar - que, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2019, ocorre em metade dos domicílios das classes DE -, diferenças na qualidade da conexão também impactam o aproveitamento escolar dos alunos. Parte significativa dos domicílios com acesso à Internet das áreas rurais, das classes DE e da região Norte, por exemplo, possui conexão móvel [6], com limitações de velocidade e de consumo de dados. Para minimizarem essas barreiras de acesso aos conteúdos educacionais, alguns governos recorreram à distribuição (a alunos e professores) de chips de celular com acesso a dados móveis, à transmissão em canais de televisão e à distribuição de materiais impressos às famílias. As medidas, entretanto, ainda são insuficientes para garantir a equidade de oportunidades de ensino remoto.

No âmbito do trabalho, além dos impactos no nível de atividade econômica e nas taxas de ocupação da força de trabalho, a pandemia também transformou a forma de relacionamento entre empregadores e empregados. O uso das tecnologias digitais permitiu a realização de trabalho remoto, sobretudo nos setores considerados não essenciais. A rápida transição para o home office, contudo, esbarrou na baixa qualidade (ou na falta) de conexão à Internet domiciliar, na indisponibilidade de dispositivos adequados e nas limitações das habilidades digitais de parte da força de trabalho ocupada.

A adoção do teletrabalho durante a pandemia foi maior entre os estratos mais escolarizados. Segundo estudo divulgado pela Rede de Pesquisa Solidária, enquanto em 2019 a maioria das pessoas que trabalhavam em casa eram informais e tinham baixa remuneração, em 2020 passou a ser composta, principalmente, de profissionais com ensino superior, professores, gerentes, administradores e trabalhadores de escritório [7]. De acordo com dados do Painel TIC COVID-19, 38% dos usuários de Internet com 16 anos ou mais que realizaram algum tipo de trabalho durante a pandemia utilizaram a modalidade de teletrabalho. A proporção foi maior entre integrantes das classes AB (59%) do que das classes C e DE (27% e 28%, respectivamente), cenário que se alinha à tendência de digitalização em ocupações com remunerações mais elevadas.

Em relação aos dispositivos usados para as atividades de teletrabalho, repetiu-se o padrão observado no ensino remoto: enquanto o computador de mesa ou o notebook foram os dispositivos mais frequentes entre os usuários de classes mais altas (77% daqueles das classes AB), o telefone celular prevaleceu entre os usuários de Internet de classes mais baixas (84% dos das classes DE). Os usuários das classes AB foram também os que mais receberam apoio das organizações em que trabalham para realizar suas atividades em domicílio, como acesso remoto a pastas ou arquivos, software e suporte técnico. O trabalho intermediado por aplicativos on-line também foi investigado pelo Painel TIC COVID-19. Essa modalidade foi realizada principalmente por mulheres e trabalhadores autônomos e domésticos, como alternativa de renda para aqueles que ficaram desempregados ou que tiveram suas jornadas de trabalho reduzidas por conta da pandemia.

Nas outras áreas exploradas pelo Painel TIC COVID-19 também se observam desigualdades importantes. Com a drástica redução das atividades culturais presenciais, observou-se um aumento da fruição cultural on-line, como ouvir música e assistir a vídeos. O pagamento por serviços de streaming de filmes e séries apresentou maior aumento nas classes mais baixas, mas segue pouco acessível para a maioria dos usuários de Internet brasileiros. Nesse período de pandemia, intensificou-se também o comércio eletrônico, sobretudo de itens como comida ou produtos alimentícios, cosméticos e medicamentos. Os usuários afirmaram estar comprando mais de produtores locais e pequenos comércios, tendência que pode estar associada ao aumento expressivo do uso de aplicativos de mensagens instantâneas para mediar a compra de produtos ou serviços.

A redução ou mesmo a suspensão de atendimento presencial em agências bancárias e postos de atendimento de órgãos públicos também provocaram um aumento na realização de serviços on-line. As transações financeiras como consultas e pagamentos pela Internet tiveram aumento expressivo, sobretudo entre os usuários de Internet das classes C e DE. O mesmo ocorreu em relação aos serviços públicos on-line, especialmente aqueles ligados aos direitos dos trabalhadores ou à previdência social, incluindo o seguro-desemprego e o auxílio emergencial. Apesar do aumento no acesso a esses serviços trabalhistas e previdenciários pela Internet, ele foi menor justamente entre os usuários das classes DE.

Autorizada em caráter emergencial durante a pandemia, a telessaúde foi um importante instrumento da estratégia do cuidado nesse período. Segundo o Painel TIC COVID-19, cerca de um quinto dos usuários de Internet com 16 anos ou mais utilizou serviços de telessaúde, como consultas e agendamentos ou visualização de resultados de exames pela Internet, em maiores proporções entre aqueles com ensino superior e das classes AB. A oferta reduzida ou a falta de meios adequados para realizar esses serviços de telessaúde, evidenciada pela predominância do uso de aplicativos de mensagens instantâneas, gera insegurança quanto à privacidade e à segurança dos dados pessoais dos pacientes, um dos principais motivos citados para a não utilização dessa modalidade.

As profundas desigualdades regionais e socioeconômicas que marcam a sociedade brasileira também se refletem no ambiente on-line, com menor proporção de uso da Internet em áreas rurais, entre indivíduos com menor renda e escolaridade mais baixa, bem como entre os mais velhos. Entre os idosos, que correspondem a um dos grupos mais vulneráveis à Covid-19, dois de cada três ainda não acessam a rede. Em um contexto em que a sociedade discute cotidianamente qual deve ser a extensão das medidas de distanciamento social e quais são seus possíveis efeitos, é fundamental compreender os limites das estratégias de digitalização em cenários emergenciais. Ao impossibilitar ou dificultar a realização de teletrabalho, ensino remoto e diversas outras atividades on-line, a exclusão digital reduz a apropriação de benefícios tangíveis do uso das TIC, contribuindo, assim, para a reprodução das desigualdades sociais existentes no país.

[1] https://www.cetic.br/pt/publicacao/painel-tic-covid-19/

[2] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/tic-covid-19/

[3] https://undime.org.br/noticia/10-03-2021-13-17-redes-municipais-de-educacao-apontam-internet-e-infraestrutura-como-maiores-dificuldades-enfrentadas-em-2020-mostra-pesquisa-da-undime

[4] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/kids-online/

[5] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/educacao/

[6] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/domicilios/

[7] https://redepesquisasolidaria.org/boletins/boletim-16/crise-altera-o-perfil-do-trabalho-em-casa-e-do-teletrabalho--desigualdade-digital-reduz-rendimentos-e-rebaixa-atividade-economica/

Fabio Senne, Doutorando em Ciência Política pela USP e Coordenador de pesquisas do Cetic.br|NIC.br.

Fabio Storino, Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV-SP e analista de informações do Cetic.br|NIC.br.

Manuella Maia Ribeiro, Doutora em Administração Pública e Governo pela FGV-SP e analista de informações do Cetic.br|NIC.br.

Com as medidas de distanciamento social adotadas no combate ao novo coronavírus, diversas atividades cotidianas migraram para os meios digitais. Nesse novo contexto, o acesso à Internet apresentou-se como condição necessária para a continuidade dos serviços prestados por entidades públicas e privadas, para as atividades de trabalho e ensino remotos e para o acesso à informação necessário ao enfrentamento da pandemia. A crise sanitária, contudo, evidenciou um cenário de marcante exclusão digital, no qual as oportunidades de uso e apropriação da rede estão distribuídas de maneira desigual.

Ainda que a Internet tenha sido central para a implementação de políticas públicas assistenciais, como programas de auxílio emergencial, e para a busca de informações sobre serviços de saúde e atividades de ensino, por exemplo, a realização de atividades on-line segue restrita entre parcelas da população mais afetadas pela pandemia, como idosos, indivíduos com menor nível de escolaridade e das classes DE. É o que mostra o recém-lançado livro "Painel TIC COVID-19" [1], que reúne os resultados de pesquisa [2] realizada entre junho e setembro de 2020 pelo Centro Regional de Estudo para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) com foco nos usuários de Internet com 16 anos ou mais. O Cetic.br, departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), vem monitorando há 15 anos a adoção das tecnologias de informação e comunicação (TIC) - como computadores e Internet - no Brasil e produzindo estatísticas sobre o uso e a apropriação desses recursos por domicílios, indivíduos, governos, empresas, organizações da sociedade civil e em áreas como educação, saúde e cultura.

Os resultados do Painel TIC COVID-19 apontam mudanças importantes nos hábitos de uso da rede entre os usuários de Internet durante a pandemia. Houve um aumento expressivo na proporção de usuários que realizavam as atividades on-line, como o acesso a serviços públicos eletrônicos, telessaúde, fruição de cultura, teletrabalho, ensino remoto e comércio eletrônico. Se, por um lado, houve um crescimento na realização de atividades pela Internet, por outro, também ficaram evidentes as desigualdades na apropriação da tecnologia entre os diferentes setores da sociedade, com oportunidades reduzidas a indivíduos em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica, como aqueles com menor escolaridade ou pertencentes às classes DE.

O que vem acontecendo na área da educação é emblemático. A emergência sanitária gerada pela pandemia provocou o fechamento de escolas em todo o território nacional, com grandes impactos ao desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem. As medidas de distanciamento e as aulas ministradas de forma remota transferiram a sala de aula para os domicílios de estudantes e professores, enquanto os recursos digitais passaram a ser os principais meios de interação entre as escolas e as famílias. De acordo com os resultados da pesquisa, entre os usuários de Internet com 16 anos ou mais que frequentavam escola ou universidade, o acompanhamento das atividades remotas foi maior entre aqueles das classes AB (89%) do que entre aqueles das classes C (80%) e DE (71%).

Outro estudo, da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) com secretarias de Educação de 3,6 mil municípios, apontou que o acesso à Internet pelos alunos e a infraestrutura escolar estavam entre as maiores dificuldades enfrentadas pelas escolas públicas municipais em 2020 [3]. A pesquisa TIC Kids Online 2019 já chamava a atenção para o fato de que 4,8 milhões de crianças e adolescentes de 9 a 17 anos viviam em domicílios sem Internet [4]. Esse cenário também é corroborado e complementado pela pesquisa TIC Educação 2019 [5], que apontou grande disparidade na adoção das tecnologias pelas escolas, incluindo o uso de ambientes virtuais de aprendizagem e compartilhamento on-line de conteúdo didático - menos presentes nas escolas públicas em comparação com as particulares.

O papel das escolas enquanto equalizadoras de oportunidades - com alunos compartilhando um conteúdo curricular e acessando a mesma infraestrutura de ensino - foi limitado pela desigualdade digital existente nos domicílios dos alunos. Além da falta de motivação e das dificuldades relacionadas à mediação dos professores, a falta de recursos digitais adequados para acessar aulas e atividades educacionais remotas contribuiu para que parte dos estudantes não conseguissem dar continuidade ao acompanhamento das atividades educacionais remotas.

Muitos domicílios viram-se diante de uma infraestrutura tecnológica insuficiente ou inadequada para a realização simultânea de atividades de teletrabalho e de ensino remoto, o que pode indicar um aproveitamento desigual das oportunidades oferecidas pelas tecnologias. Segundo o Painel TIC COVID-19, dentre os usuários de Internet com 16 anos ou mais que frequentavam escola ou universidade, o telefone celular foi utilizado com maior frequência para o acompanhamento de aulas ou atividades remotas pela maioria daqueles das classes DE (54%), enquanto o uso predominantemente de computador (notebook, computador de mesa e tablet) era maior nas classes AB (66%).

Além da ausência de conexão domiciliar - que, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2019, ocorre em metade dos domicílios das classes DE -, diferenças na qualidade da conexão também impactam o aproveitamento escolar dos alunos. Parte significativa dos domicílios com acesso à Internet das áreas rurais, das classes DE e da região Norte, por exemplo, possui conexão móvel [6], com limitações de velocidade e de consumo de dados. Para minimizarem essas barreiras de acesso aos conteúdos educacionais, alguns governos recorreram à distribuição (a alunos e professores) de chips de celular com acesso a dados móveis, à transmissão em canais de televisão e à distribuição de materiais impressos às famílias. As medidas, entretanto, ainda são insuficientes para garantir a equidade de oportunidades de ensino remoto.

No âmbito do trabalho, além dos impactos no nível de atividade econômica e nas taxas de ocupação da força de trabalho, a pandemia também transformou a forma de relacionamento entre empregadores e empregados. O uso das tecnologias digitais permitiu a realização de trabalho remoto, sobretudo nos setores considerados não essenciais. A rápida transição para o home office, contudo, esbarrou na baixa qualidade (ou na falta) de conexão à Internet domiciliar, na indisponibilidade de dispositivos adequados e nas limitações das habilidades digitais de parte da força de trabalho ocupada.

A adoção do teletrabalho durante a pandemia foi maior entre os estratos mais escolarizados. Segundo estudo divulgado pela Rede de Pesquisa Solidária, enquanto em 2019 a maioria das pessoas que trabalhavam em casa eram informais e tinham baixa remuneração, em 2020 passou a ser composta, principalmente, de profissionais com ensino superior, professores, gerentes, administradores e trabalhadores de escritório [7]. De acordo com dados do Painel TIC COVID-19, 38% dos usuários de Internet com 16 anos ou mais que realizaram algum tipo de trabalho durante a pandemia utilizaram a modalidade de teletrabalho. A proporção foi maior entre integrantes das classes AB (59%) do que das classes C e DE (27% e 28%, respectivamente), cenário que se alinha à tendência de digitalização em ocupações com remunerações mais elevadas.

Em relação aos dispositivos usados para as atividades de teletrabalho, repetiu-se o padrão observado no ensino remoto: enquanto o computador de mesa ou o notebook foram os dispositivos mais frequentes entre os usuários de classes mais altas (77% daqueles das classes AB), o telefone celular prevaleceu entre os usuários de Internet de classes mais baixas (84% dos das classes DE). Os usuários das classes AB foram também os que mais receberam apoio das organizações em que trabalham para realizar suas atividades em domicílio, como acesso remoto a pastas ou arquivos, software e suporte técnico. O trabalho intermediado por aplicativos on-line também foi investigado pelo Painel TIC COVID-19. Essa modalidade foi realizada principalmente por mulheres e trabalhadores autônomos e domésticos, como alternativa de renda para aqueles que ficaram desempregados ou que tiveram suas jornadas de trabalho reduzidas por conta da pandemia.

Nas outras áreas exploradas pelo Painel TIC COVID-19 também se observam desigualdades importantes. Com a drástica redução das atividades culturais presenciais, observou-se um aumento da fruição cultural on-line, como ouvir música e assistir a vídeos. O pagamento por serviços de streaming de filmes e séries apresentou maior aumento nas classes mais baixas, mas segue pouco acessível para a maioria dos usuários de Internet brasileiros. Nesse período de pandemia, intensificou-se também o comércio eletrônico, sobretudo de itens como comida ou produtos alimentícios, cosméticos e medicamentos. Os usuários afirmaram estar comprando mais de produtores locais e pequenos comércios, tendência que pode estar associada ao aumento expressivo do uso de aplicativos de mensagens instantâneas para mediar a compra de produtos ou serviços.

A redução ou mesmo a suspensão de atendimento presencial em agências bancárias e postos de atendimento de órgãos públicos também provocaram um aumento na realização de serviços on-line. As transações financeiras como consultas e pagamentos pela Internet tiveram aumento expressivo, sobretudo entre os usuários de Internet das classes C e DE. O mesmo ocorreu em relação aos serviços públicos on-line, especialmente aqueles ligados aos direitos dos trabalhadores ou à previdência social, incluindo o seguro-desemprego e o auxílio emergencial. Apesar do aumento no acesso a esses serviços trabalhistas e previdenciários pela Internet, ele foi menor justamente entre os usuários das classes DE.

Autorizada em caráter emergencial durante a pandemia, a telessaúde foi um importante instrumento da estratégia do cuidado nesse período. Segundo o Painel TIC COVID-19, cerca de um quinto dos usuários de Internet com 16 anos ou mais utilizou serviços de telessaúde, como consultas e agendamentos ou visualização de resultados de exames pela Internet, em maiores proporções entre aqueles com ensino superior e das classes AB. A oferta reduzida ou a falta de meios adequados para realizar esses serviços de telessaúde, evidenciada pela predominância do uso de aplicativos de mensagens instantâneas, gera insegurança quanto à privacidade e à segurança dos dados pessoais dos pacientes, um dos principais motivos citados para a não utilização dessa modalidade.

As profundas desigualdades regionais e socioeconômicas que marcam a sociedade brasileira também se refletem no ambiente on-line, com menor proporção de uso da Internet em áreas rurais, entre indivíduos com menor renda e escolaridade mais baixa, bem como entre os mais velhos. Entre os idosos, que correspondem a um dos grupos mais vulneráveis à Covid-19, dois de cada três ainda não acessam a rede. Em um contexto em que a sociedade discute cotidianamente qual deve ser a extensão das medidas de distanciamento social e quais são seus possíveis efeitos, é fundamental compreender os limites das estratégias de digitalização em cenários emergenciais. Ao impossibilitar ou dificultar a realização de teletrabalho, ensino remoto e diversas outras atividades on-line, a exclusão digital reduz a apropriação de benefícios tangíveis do uso das TIC, contribuindo, assim, para a reprodução das desigualdades sociais existentes no país.

[1] https://www.cetic.br/pt/publicacao/painel-tic-covid-19/

[2] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/tic-covid-19/

[3] https://undime.org.br/noticia/10-03-2021-13-17-redes-municipais-de-educacao-apontam-internet-e-infraestrutura-como-maiores-dificuldades-enfrentadas-em-2020-mostra-pesquisa-da-undime

[4] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/kids-online/

[5] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/educacao/

[6] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/domicilios/

[7] https://redepesquisasolidaria.org/boletins/boletim-16/crise-altera-o-perfil-do-trabalho-em-casa-e-do-teletrabalho--desigualdade-digital-reduz-rendimentos-e-rebaixa-atividade-economica/

Fabio Senne, Doutorando em Ciência Política pela USP e Coordenador de pesquisas do Cetic.br|NIC.br.

Fabio Storino, Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV-SP e analista de informações do Cetic.br|NIC.br.

Manuella Maia Ribeiro, Doutora em Administração Pública e Governo pela FGV-SP e analista de informações do Cetic.br|NIC.br.

Com as medidas de distanciamento social adotadas no combate ao novo coronavírus, diversas atividades cotidianas migraram para os meios digitais. Nesse novo contexto, o acesso à Internet apresentou-se como condição necessária para a continuidade dos serviços prestados por entidades públicas e privadas, para as atividades de trabalho e ensino remotos e para o acesso à informação necessário ao enfrentamento da pandemia. A crise sanitária, contudo, evidenciou um cenário de marcante exclusão digital, no qual as oportunidades de uso e apropriação da rede estão distribuídas de maneira desigual.

Ainda que a Internet tenha sido central para a implementação de políticas públicas assistenciais, como programas de auxílio emergencial, e para a busca de informações sobre serviços de saúde e atividades de ensino, por exemplo, a realização de atividades on-line segue restrita entre parcelas da população mais afetadas pela pandemia, como idosos, indivíduos com menor nível de escolaridade e das classes DE. É o que mostra o recém-lançado livro "Painel TIC COVID-19" [1], que reúne os resultados de pesquisa [2] realizada entre junho e setembro de 2020 pelo Centro Regional de Estudo para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) com foco nos usuários de Internet com 16 anos ou mais. O Cetic.br, departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), vem monitorando há 15 anos a adoção das tecnologias de informação e comunicação (TIC) - como computadores e Internet - no Brasil e produzindo estatísticas sobre o uso e a apropriação desses recursos por domicílios, indivíduos, governos, empresas, organizações da sociedade civil e em áreas como educação, saúde e cultura.

Os resultados do Painel TIC COVID-19 apontam mudanças importantes nos hábitos de uso da rede entre os usuários de Internet durante a pandemia. Houve um aumento expressivo na proporção de usuários que realizavam as atividades on-line, como o acesso a serviços públicos eletrônicos, telessaúde, fruição de cultura, teletrabalho, ensino remoto e comércio eletrônico. Se, por um lado, houve um crescimento na realização de atividades pela Internet, por outro, também ficaram evidentes as desigualdades na apropriação da tecnologia entre os diferentes setores da sociedade, com oportunidades reduzidas a indivíduos em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica, como aqueles com menor escolaridade ou pertencentes às classes DE.

O que vem acontecendo na área da educação é emblemático. A emergência sanitária gerada pela pandemia provocou o fechamento de escolas em todo o território nacional, com grandes impactos ao desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem. As medidas de distanciamento e as aulas ministradas de forma remota transferiram a sala de aula para os domicílios de estudantes e professores, enquanto os recursos digitais passaram a ser os principais meios de interação entre as escolas e as famílias. De acordo com os resultados da pesquisa, entre os usuários de Internet com 16 anos ou mais que frequentavam escola ou universidade, o acompanhamento das atividades remotas foi maior entre aqueles das classes AB (89%) do que entre aqueles das classes C (80%) e DE (71%).

Outro estudo, da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) com secretarias de Educação de 3,6 mil municípios, apontou que o acesso à Internet pelos alunos e a infraestrutura escolar estavam entre as maiores dificuldades enfrentadas pelas escolas públicas municipais em 2020 [3]. A pesquisa TIC Kids Online 2019 já chamava a atenção para o fato de que 4,8 milhões de crianças e adolescentes de 9 a 17 anos viviam em domicílios sem Internet [4]. Esse cenário também é corroborado e complementado pela pesquisa TIC Educação 2019 [5], que apontou grande disparidade na adoção das tecnologias pelas escolas, incluindo o uso de ambientes virtuais de aprendizagem e compartilhamento on-line de conteúdo didático - menos presentes nas escolas públicas em comparação com as particulares.

O papel das escolas enquanto equalizadoras de oportunidades - com alunos compartilhando um conteúdo curricular e acessando a mesma infraestrutura de ensino - foi limitado pela desigualdade digital existente nos domicílios dos alunos. Além da falta de motivação e das dificuldades relacionadas à mediação dos professores, a falta de recursos digitais adequados para acessar aulas e atividades educacionais remotas contribuiu para que parte dos estudantes não conseguissem dar continuidade ao acompanhamento das atividades educacionais remotas.

Muitos domicílios viram-se diante de uma infraestrutura tecnológica insuficiente ou inadequada para a realização simultânea de atividades de teletrabalho e de ensino remoto, o que pode indicar um aproveitamento desigual das oportunidades oferecidas pelas tecnologias. Segundo o Painel TIC COVID-19, dentre os usuários de Internet com 16 anos ou mais que frequentavam escola ou universidade, o telefone celular foi utilizado com maior frequência para o acompanhamento de aulas ou atividades remotas pela maioria daqueles das classes DE (54%), enquanto o uso predominantemente de computador (notebook, computador de mesa e tablet) era maior nas classes AB (66%).

Além da ausência de conexão domiciliar - que, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2019, ocorre em metade dos domicílios das classes DE -, diferenças na qualidade da conexão também impactam o aproveitamento escolar dos alunos. Parte significativa dos domicílios com acesso à Internet das áreas rurais, das classes DE e da região Norte, por exemplo, possui conexão móvel [6], com limitações de velocidade e de consumo de dados. Para minimizarem essas barreiras de acesso aos conteúdos educacionais, alguns governos recorreram à distribuição (a alunos e professores) de chips de celular com acesso a dados móveis, à transmissão em canais de televisão e à distribuição de materiais impressos às famílias. As medidas, entretanto, ainda são insuficientes para garantir a equidade de oportunidades de ensino remoto.

No âmbito do trabalho, além dos impactos no nível de atividade econômica e nas taxas de ocupação da força de trabalho, a pandemia também transformou a forma de relacionamento entre empregadores e empregados. O uso das tecnologias digitais permitiu a realização de trabalho remoto, sobretudo nos setores considerados não essenciais. A rápida transição para o home office, contudo, esbarrou na baixa qualidade (ou na falta) de conexão à Internet domiciliar, na indisponibilidade de dispositivos adequados e nas limitações das habilidades digitais de parte da força de trabalho ocupada.

A adoção do teletrabalho durante a pandemia foi maior entre os estratos mais escolarizados. Segundo estudo divulgado pela Rede de Pesquisa Solidária, enquanto em 2019 a maioria das pessoas que trabalhavam em casa eram informais e tinham baixa remuneração, em 2020 passou a ser composta, principalmente, de profissionais com ensino superior, professores, gerentes, administradores e trabalhadores de escritório [7]. De acordo com dados do Painel TIC COVID-19, 38% dos usuários de Internet com 16 anos ou mais que realizaram algum tipo de trabalho durante a pandemia utilizaram a modalidade de teletrabalho. A proporção foi maior entre integrantes das classes AB (59%) do que das classes C e DE (27% e 28%, respectivamente), cenário que se alinha à tendência de digitalização em ocupações com remunerações mais elevadas.

Em relação aos dispositivos usados para as atividades de teletrabalho, repetiu-se o padrão observado no ensino remoto: enquanto o computador de mesa ou o notebook foram os dispositivos mais frequentes entre os usuários de classes mais altas (77% daqueles das classes AB), o telefone celular prevaleceu entre os usuários de Internet de classes mais baixas (84% dos das classes DE). Os usuários das classes AB foram também os que mais receberam apoio das organizações em que trabalham para realizar suas atividades em domicílio, como acesso remoto a pastas ou arquivos, software e suporte técnico. O trabalho intermediado por aplicativos on-line também foi investigado pelo Painel TIC COVID-19. Essa modalidade foi realizada principalmente por mulheres e trabalhadores autônomos e domésticos, como alternativa de renda para aqueles que ficaram desempregados ou que tiveram suas jornadas de trabalho reduzidas por conta da pandemia.

Nas outras áreas exploradas pelo Painel TIC COVID-19 também se observam desigualdades importantes. Com a drástica redução das atividades culturais presenciais, observou-se um aumento da fruição cultural on-line, como ouvir música e assistir a vídeos. O pagamento por serviços de streaming de filmes e séries apresentou maior aumento nas classes mais baixas, mas segue pouco acessível para a maioria dos usuários de Internet brasileiros. Nesse período de pandemia, intensificou-se também o comércio eletrônico, sobretudo de itens como comida ou produtos alimentícios, cosméticos e medicamentos. Os usuários afirmaram estar comprando mais de produtores locais e pequenos comércios, tendência que pode estar associada ao aumento expressivo do uso de aplicativos de mensagens instantâneas para mediar a compra de produtos ou serviços.

A redução ou mesmo a suspensão de atendimento presencial em agências bancárias e postos de atendimento de órgãos públicos também provocaram um aumento na realização de serviços on-line. As transações financeiras como consultas e pagamentos pela Internet tiveram aumento expressivo, sobretudo entre os usuários de Internet das classes C e DE. O mesmo ocorreu em relação aos serviços públicos on-line, especialmente aqueles ligados aos direitos dos trabalhadores ou à previdência social, incluindo o seguro-desemprego e o auxílio emergencial. Apesar do aumento no acesso a esses serviços trabalhistas e previdenciários pela Internet, ele foi menor justamente entre os usuários das classes DE.

Autorizada em caráter emergencial durante a pandemia, a telessaúde foi um importante instrumento da estratégia do cuidado nesse período. Segundo o Painel TIC COVID-19, cerca de um quinto dos usuários de Internet com 16 anos ou mais utilizou serviços de telessaúde, como consultas e agendamentos ou visualização de resultados de exames pela Internet, em maiores proporções entre aqueles com ensino superior e das classes AB. A oferta reduzida ou a falta de meios adequados para realizar esses serviços de telessaúde, evidenciada pela predominância do uso de aplicativos de mensagens instantâneas, gera insegurança quanto à privacidade e à segurança dos dados pessoais dos pacientes, um dos principais motivos citados para a não utilização dessa modalidade.

As profundas desigualdades regionais e socioeconômicas que marcam a sociedade brasileira também se refletem no ambiente on-line, com menor proporção de uso da Internet em áreas rurais, entre indivíduos com menor renda e escolaridade mais baixa, bem como entre os mais velhos. Entre os idosos, que correspondem a um dos grupos mais vulneráveis à Covid-19, dois de cada três ainda não acessam a rede. Em um contexto em que a sociedade discute cotidianamente qual deve ser a extensão das medidas de distanciamento social e quais são seus possíveis efeitos, é fundamental compreender os limites das estratégias de digitalização em cenários emergenciais. Ao impossibilitar ou dificultar a realização de teletrabalho, ensino remoto e diversas outras atividades on-line, a exclusão digital reduz a apropriação de benefícios tangíveis do uso das TIC, contribuindo, assim, para a reprodução das desigualdades sociais existentes no país.

[1] https://www.cetic.br/pt/publicacao/painel-tic-covid-19/

[2] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/tic-covid-19/

[3] https://undime.org.br/noticia/10-03-2021-13-17-redes-municipais-de-educacao-apontam-internet-e-infraestrutura-como-maiores-dificuldades-enfrentadas-em-2020-mostra-pesquisa-da-undime

[4] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/kids-online/

[5] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/educacao/

[6] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/domicilios/

[7] https://redepesquisasolidaria.org/boletins/boletim-16/crise-altera-o-perfil-do-trabalho-em-casa-e-do-teletrabalho--desigualdade-digital-reduz-rendimentos-e-rebaixa-atividade-economica/

Fabio Senne, Doutorando em Ciência Política pela USP e Coordenador de pesquisas do Cetic.br|NIC.br.

Fabio Storino, Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV-SP e analista de informações do Cetic.br|NIC.br.

Manuella Maia Ribeiro, Doutora em Administração Pública e Governo pela FGV-SP e analista de informações do Cetic.br|NIC.br.

Com as medidas de distanciamento social adotadas no combate ao novo coronavírus, diversas atividades cotidianas migraram para os meios digitais. Nesse novo contexto, o acesso à Internet apresentou-se como condição necessária para a continuidade dos serviços prestados por entidades públicas e privadas, para as atividades de trabalho e ensino remotos e para o acesso à informação necessário ao enfrentamento da pandemia. A crise sanitária, contudo, evidenciou um cenário de marcante exclusão digital, no qual as oportunidades de uso e apropriação da rede estão distribuídas de maneira desigual.

Ainda que a Internet tenha sido central para a implementação de políticas públicas assistenciais, como programas de auxílio emergencial, e para a busca de informações sobre serviços de saúde e atividades de ensino, por exemplo, a realização de atividades on-line segue restrita entre parcelas da população mais afetadas pela pandemia, como idosos, indivíduos com menor nível de escolaridade e das classes DE. É o que mostra o recém-lançado livro "Painel TIC COVID-19" [1], que reúne os resultados de pesquisa [2] realizada entre junho e setembro de 2020 pelo Centro Regional de Estudo para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) com foco nos usuários de Internet com 16 anos ou mais. O Cetic.br, departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), vem monitorando há 15 anos a adoção das tecnologias de informação e comunicação (TIC) - como computadores e Internet - no Brasil e produzindo estatísticas sobre o uso e a apropriação desses recursos por domicílios, indivíduos, governos, empresas, organizações da sociedade civil e em áreas como educação, saúde e cultura.

Os resultados do Painel TIC COVID-19 apontam mudanças importantes nos hábitos de uso da rede entre os usuários de Internet durante a pandemia. Houve um aumento expressivo na proporção de usuários que realizavam as atividades on-line, como o acesso a serviços públicos eletrônicos, telessaúde, fruição de cultura, teletrabalho, ensino remoto e comércio eletrônico. Se, por um lado, houve um crescimento na realização de atividades pela Internet, por outro, também ficaram evidentes as desigualdades na apropriação da tecnologia entre os diferentes setores da sociedade, com oportunidades reduzidas a indivíduos em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica, como aqueles com menor escolaridade ou pertencentes às classes DE.

O que vem acontecendo na área da educação é emblemático. A emergência sanitária gerada pela pandemia provocou o fechamento de escolas em todo o território nacional, com grandes impactos ao desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem. As medidas de distanciamento e as aulas ministradas de forma remota transferiram a sala de aula para os domicílios de estudantes e professores, enquanto os recursos digitais passaram a ser os principais meios de interação entre as escolas e as famílias. De acordo com os resultados da pesquisa, entre os usuários de Internet com 16 anos ou mais que frequentavam escola ou universidade, o acompanhamento das atividades remotas foi maior entre aqueles das classes AB (89%) do que entre aqueles das classes C (80%) e DE (71%).

Outro estudo, da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) com secretarias de Educação de 3,6 mil municípios, apontou que o acesso à Internet pelos alunos e a infraestrutura escolar estavam entre as maiores dificuldades enfrentadas pelas escolas públicas municipais em 2020 [3]. A pesquisa TIC Kids Online 2019 já chamava a atenção para o fato de que 4,8 milhões de crianças e adolescentes de 9 a 17 anos viviam em domicílios sem Internet [4]. Esse cenário também é corroborado e complementado pela pesquisa TIC Educação 2019 [5], que apontou grande disparidade na adoção das tecnologias pelas escolas, incluindo o uso de ambientes virtuais de aprendizagem e compartilhamento on-line de conteúdo didático - menos presentes nas escolas públicas em comparação com as particulares.

O papel das escolas enquanto equalizadoras de oportunidades - com alunos compartilhando um conteúdo curricular e acessando a mesma infraestrutura de ensino - foi limitado pela desigualdade digital existente nos domicílios dos alunos. Além da falta de motivação e das dificuldades relacionadas à mediação dos professores, a falta de recursos digitais adequados para acessar aulas e atividades educacionais remotas contribuiu para que parte dos estudantes não conseguissem dar continuidade ao acompanhamento das atividades educacionais remotas.

Muitos domicílios viram-se diante de uma infraestrutura tecnológica insuficiente ou inadequada para a realização simultânea de atividades de teletrabalho e de ensino remoto, o que pode indicar um aproveitamento desigual das oportunidades oferecidas pelas tecnologias. Segundo o Painel TIC COVID-19, dentre os usuários de Internet com 16 anos ou mais que frequentavam escola ou universidade, o telefone celular foi utilizado com maior frequência para o acompanhamento de aulas ou atividades remotas pela maioria daqueles das classes DE (54%), enquanto o uso predominantemente de computador (notebook, computador de mesa e tablet) era maior nas classes AB (66%).

Além da ausência de conexão domiciliar - que, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2019, ocorre em metade dos domicílios das classes DE -, diferenças na qualidade da conexão também impactam o aproveitamento escolar dos alunos. Parte significativa dos domicílios com acesso à Internet das áreas rurais, das classes DE e da região Norte, por exemplo, possui conexão móvel [6], com limitações de velocidade e de consumo de dados. Para minimizarem essas barreiras de acesso aos conteúdos educacionais, alguns governos recorreram à distribuição (a alunos e professores) de chips de celular com acesso a dados móveis, à transmissão em canais de televisão e à distribuição de materiais impressos às famílias. As medidas, entretanto, ainda são insuficientes para garantir a equidade de oportunidades de ensino remoto.

No âmbito do trabalho, além dos impactos no nível de atividade econômica e nas taxas de ocupação da força de trabalho, a pandemia também transformou a forma de relacionamento entre empregadores e empregados. O uso das tecnologias digitais permitiu a realização de trabalho remoto, sobretudo nos setores considerados não essenciais. A rápida transição para o home office, contudo, esbarrou na baixa qualidade (ou na falta) de conexão à Internet domiciliar, na indisponibilidade de dispositivos adequados e nas limitações das habilidades digitais de parte da força de trabalho ocupada.

A adoção do teletrabalho durante a pandemia foi maior entre os estratos mais escolarizados. Segundo estudo divulgado pela Rede de Pesquisa Solidária, enquanto em 2019 a maioria das pessoas que trabalhavam em casa eram informais e tinham baixa remuneração, em 2020 passou a ser composta, principalmente, de profissionais com ensino superior, professores, gerentes, administradores e trabalhadores de escritório [7]. De acordo com dados do Painel TIC COVID-19, 38% dos usuários de Internet com 16 anos ou mais que realizaram algum tipo de trabalho durante a pandemia utilizaram a modalidade de teletrabalho. A proporção foi maior entre integrantes das classes AB (59%) do que das classes C e DE (27% e 28%, respectivamente), cenário que se alinha à tendência de digitalização em ocupações com remunerações mais elevadas.

Em relação aos dispositivos usados para as atividades de teletrabalho, repetiu-se o padrão observado no ensino remoto: enquanto o computador de mesa ou o notebook foram os dispositivos mais frequentes entre os usuários de classes mais altas (77% daqueles das classes AB), o telefone celular prevaleceu entre os usuários de Internet de classes mais baixas (84% dos das classes DE). Os usuários das classes AB foram também os que mais receberam apoio das organizações em que trabalham para realizar suas atividades em domicílio, como acesso remoto a pastas ou arquivos, software e suporte técnico. O trabalho intermediado por aplicativos on-line também foi investigado pelo Painel TIC COVID-19. Essa modalidade foi realizada principalmente por mulheres e trabalhadores autônomos e domésticos, como alternativa de renda para aqueles que ficaram desempregados ou que tiveram suas jornadas de trabalho reduzidas por conta da pandemia.

Nas outras áreas exploradas pelo Painel TIC COVID-19 também se observam desigualdades importantes. Com a drástica redução das atividades culturais presenciais, observou-se um aumento da fruição cultural on-line, como ouvir música e assistir a vídeos. O pagamento por serviços de streaming de filmes e séries apresentou maior aumento nas classes mais baixas, mas segue pouco acessível para a maioria dos usuários de Internet brasileiros. Nesse período de pandemia, intensificou-se também o comércio eletrônico, sobretudo de itens como comida ou produtos alimentícios, cosméticos e medicamentos. Os usuários afirmaram estar comprando mais de produtores locais e pequenos comércios, tendência que pode estar associada ao aumento expressivo do uso de aplicativos de mensagens instantâneas para mediar a compra de produtos ou serviços.

A redução ou mesmo a suspensão de atendimento presencial em agências bancárias e postos de atendimento de órgãos públicos também provocaram um aumento na realização de serviços on-line. As transações financeiras como consultas e pagamentos pela Internet tiveram aumento expressivo, sobretudo entre os usuários de Internet das classes C e DE. O mesmo ocorreu em relação aos serviços públicos on-line, especialmente aqueles ligados aos direitos dos trabalhadores ou à previdência social, incluindo o seguro-desemprego e o auxílio emergencial. Apesar do aumento no acesso a esses serviços trabalhistas e previdenciários pela Internet, ele foi menor justamente entre os usuários das classes DE.

Autorizada em caráter emergencial durante a pandemia, a telessaúde foi um importante instrumento da estratégia do cuidado nesse período. Segundo o Painel TIC COVID-19, cerca de um quinto dos usuários de Internet com 16 anos ou mais utilizou serviços de telessaúde, como consultas e agendamentos ou visualização de resultados de exames pela Internet, em maiores proporções entre aqueles com ensino superior e das classes AB. A oferta reduzida ou a falta de meios adequados para realizar esses serviços de telessaúde, evidenciada pela predominância do uso de aplicativos de mensagens instantâneas, gera insegurança quanto à privacidade e à segurança dos dados pessoais dos pacientes, um dos principais motivos citados para a não utilização dessa modalidade.

As profundas desigualdades regionais e socioeconômicas que marcam a sociedade brasileira também se refletem no ambiente on-line, com menor proporção de uso da Internet em áreas rurais, entre indivíduos com menor renda e escolaridade mais baixa, bem como entre os mais velhos. Entre os idosos, que correspondem a um dos grupos mais vulneráveis à Covid-19, dois de cada três ainda não acessam a rede. Em um contexto em que a sociedade discute cotidianamente qual deve ser a extensão das medidas de distanciamento social e quais são seus possíveis efeitos, é fundamental compreender os limites das estratégias de digitalização em cenários emergenciais. Ao impossibilitar ou dificultar a realização de teletrabalho, ensino remoto e diversas outras atividades on-line, a exclusão digital reduz a apropriação de benefícios tangíveis do uso das TIC, contribuindo, assim, para a reprodução das desigualdades sociais existentes no país.

[1] https://www.cetic.br/pt/publicacao/painel-tic-covid-19/

[2] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/tic-covid-19/

[3] https://undime.org.br/noticia/10-03-2021-13-17-redes-municipais-de-educacao-apontam-internet-e-infraestrutura-como-maiores-dificuldades-enfrentadas-em-2020-mostra-pesquisa-da-undime

[4] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/kids-online/

[5] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/educacao/

[6] https://www.cetic.br/pt/pesquisa/domicilios/

[7] https://redepesquisasolidaria.org/boletins/boletim-16/crise-altera-o-perfil-do-trabalho-em-casa-e-do-teletrabalho--desigualdade-digital-reduz-rendimentos-e-rebaixa-atividade-economica/

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