Maria José Tonelli, Professora Titular na FGV EAESP e mentora associada do CEOlab Ronaldo Ramos
Ronaldo Ramos, Chairman da CCBC - Câmara de Comércio Brasil-Canadá e fundador do CEOlab
Nessa temporada de COPA 2022 a entrada de Daniel Alves na seleção brasileira provocou alguns protestos em razão da sua idade. Jogador mais velho a entrar em campo, Daniel reagiu e pediu para a mídia parar com o etarismo. Infelizmente essa é uma questão que só recentemente entrou em debate apesar dos dados sobre o envelhecimento da força de trabalho. Daniel Alves tem razão, o etarismo (ou idadismo, ou ageism) faz parte da cultura brasileira, que sempre valorizou a juventude, mesmo diante das evidentes transformações do perfil etário brasileiro.
Em 2021 a população brasileira atingiu a marca de 212,7 milhões de pessoas. O país envelheceu e os dados do IBGE mostram os fatores que contribuíram para o envelhecimento da população: em razão da queda na taxa de fertilidade, o número de pessoas com menos de 30 anos diminuiu e, em paralelo, a longevidade aumentou. Em 2030 a população de 60 anos ou mais estará duplicada e as projeções do IBGE apontam que em 2040, a população brasileira será composta majoritariamente por pessoas com mais de 45 anos. Em alguns setores já temos o convívio de múltiplas gerações, o que tem levado a muitas empresas a lidar com conflitos intergeracionais.
A mudança no perfil etário da população brasileira traz consequências para políticas públicas e para a gestão da força de trabalho nas empresas. No caso das políticas públicas, por questões previdenciárias,será necessário manter essas pessoas ativas bem como providenciar educação e treinamento de modo a permitir a atualização dessa geração para o uso de novas tecnologias e sua continuidade no trabalho.
No caso das empresas, tendo sempre contado com uma extensa população jovem, as lideranças parecem não se dar conta dessa mudança na pirâmide etária. Em conjunto com outras tendências (avanços tecnológicos, escassez de recursos, questões geopolíticas) as mudanças demográficas têm impacto no planejamento estratégico e nas políticas para a gestão de pessoas. As empresas precisam se preparar para não enfrentar dificuldades com a mão de obra num futuro bem próximo.
A manutenção de profissionais maduros nas empresas traz desafios e oportunidades. Dados de uma pesquisa em parceria da PWC e FGV EAESP, com apoio da FIESP, reforçados por uma pesquisa da FGV EAESP, já apontavam a necessidade das empresas se prepararem para uma força de trabalho mais velha. Embora o país apresente o paradoxo do desemprego e, ao mesmo tempo, da escassez de mão de obra qualificada, as pesquisas mostraram que os profissionais mais velhos não são reconhecidos para amenizar, com sua experiência, a escassez de talentos.
Além disso, as empresas não têm políticas que promovam a transferência de conhecimento entre gerações, de modo a aproveitar o melhor desses profissionais. As empresas também não oferecem oportunidades alternativas de trabalho para esse grupo geracional, ainda que esses profissionais sejam reconhecimentos pelo senso de responsabilidade, comprometimento, fidelidade, pontualidade, cooperação e produtividade no trabalho.
Também, não foram encontradas práticas organizacionais para a transferência de conhecimento e mentoring dos profissionais mais velhos com os mais jovens. Desenvolver a troca de conhecimento entre gerações é uma questão essencial na manutenção da cultura organizacional. Apesar do convívio intergeracional hoje (em algumas empresas convivem 3 ou mais gerações), as práticas de integração entre esses grupos, com ganha-ganha para todos, ainda são escassas.
Generalizações indevidas, preconceitos e estereótipos marcam a forma como vemos as gerações: jovens podem ser vistos como inovadores e velhos como ultrapassados, especialmente no cenário cultural brasileiro, marcado por barreiras etárias.No entanto, a idade por si só não é capaz de determinar a capacidade de uma pessoa e, além disso, vários outros marcadores sociais precisam ser incluídos, como classe social e condições educacionais, regionais, em suas intersecções com gênero e raça. Junto com sexismo e racismo, o etarismo é um preconceito que (des)orienta a percepção da identidade das pessoas tanto nas empresas como na sociedade em geral.
No caso do preconceito de idade os mais velhos são vistos como resistentes às mudanças, com mais dificuldade para adaptação com novas tecnologias, são menos criativos e têm dificuldade para reconhecerem lideranças mais jovens.Ainda que os custos com os trabalhadores mais velhos possam ser vistos como uma questão, pesquisas mostram que profissionais mais velhos sofrem menos acidentes de trabalho e apresentam boas condições de saúde.Nas empresas, os fatores de discriminação dos profissionais mais velhos podem ocorrer nos processos de atração, seleção, treinamento e benefícios e, em formas extremas, no bullying, na exclusão de atividades sociais e até mesmo agressões físicas.
No entanto, as pesquisas demonstram o valor desses profissionais no conhecimento, na fidelidade à empresa e no relacionamento com os clientes, fatores que são fatores essenciais na qualidade dos serviços. Esses estudos mostram ainda que profissionais mais velhos têm as habilidades necessárias e a produtividade que atendem às expectativas das empresas, aprendizagem e fidelidade para o desempenho no trabalho além de conhecimento, fidelidade, profissionalismo e a manutenção da cultura da empresa.
Para além da qualidade dos profissionais maduros e da riqueza proporcionada pelo convívio de diferentes gerações, as empresas e os empreendedores também poderiam se beneficiar da oportunidade que é oferecida pela chamada "grey economy", ou seja, do potencial de consumo e de novas necessidades desse grupo etário que podem gerar novos negócios.
Referências e fontes
PWC (2013) Relatório de pesquisa disponível em: https://www.researchgate.net/publication/263966714_Envelhecimento_da_forca_de_trabalho_no_Brasil
FGV EAESP (2018) Relatório de pesquisa disponível em: https://eaesp.fgv.br/sites/eaesp.fgv.br/files/u68/pesquisa_fgvbrasilprev.pdf
Tonelli, M.J. et al. (2020) Ageing in organizations. RAUSP Manag. J. Vol. 55 No. 2, pp. 127-142.