Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Estabilidade funcional e remunerações adequadas são determinantes do desempenho institucional no setor público brasileiro


Por Redação

José Celso Cardoso Jr., Doutor em Desenvolvimento pelo IE-Unicamp, desde 1997 é Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA e professor dos Mestrados Profissionais em Políticas Públicas e Desenvolvimento (IPEA) e Governança e Desenvolvimento (ENAP). Atualmente, exerce a função de Presidente da Afipea-Sindical e nessa condição escreve esse texto.

 

O tema é reforma administrativa. Mas antes de iniciar o artigo propriamente dito, gostaria de louvar a atitude e coragem deste blog no Estadão - e demais veículos de mídia - que, remando contra o pensamento único, ainda mantém espaço para o contraditório e para informações e análises embasadas, como fundamentos do bom jornalismo e da imprensa livre. Certamente não é pouca coisa diante dos tempos bicudos que correm. Oxalá consigam permanecer assim, condição essencial para a própria existência e aperfeiçoamento institucional da jovem e sofrida democracia brasileira.

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Dito isso, e tal como mencionado em artigo anterior de 12 de agosto último (https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/reforma-administrativa-bolsonaro-guedes-decifra-me-ou-te-devoro/), governo federal e parlamento, com apoio entusiástico de importantes setores da grande mídia e supostos especialistas contratados para o tema, preparam nova ofensiva contra o Estado brasileiro e servidores públicos, chamando isso de reforma administrativa. Para além do caráter negativista com o qual abordam as funções que o ente público deve desempenhar em suas relações com os mundos econômico e social no país, já foi apontado o caráter predominantemente fiscalista e gerencialista das propostas em curso.

Não há menção clara nem ao projeto de desenvolvimento pretendido, em relação ao qual toda e qualquer reforma administrativa deveria se subordinar, nem tampouco há compreensão orgânica sobre as razões e os sentidos da ocupação no setor público. Tudo se passa como se de menos gastos com pessoal e a máquina pública fosse possível obter - contrassenso absoluto do mantra liberal sobre a eficiência - mais ou melhor eficácia e efetividade das ações estatais e políticas públicas.

Pois se é assim, aqui é preciso enfatizar: há ao menos cinco fundamentos da ocupação no setor público, responsáveis, em conjunto e potencialmente, pelo bom desempenho institucional do Estado, a saber: i) a estabilidade na ocupação, idealmente conquistada por critérios meritocráticos em ambiente geral de homogeneidade econômica, republicanismo político e democracia social, visando a proteção contra arbitrariedades - inclusive político-partidárias - cometidas pelo Estado-empregador; ii) remunerações adequadas e previsíveis ao longo do ciclo laboral; iii) qualificação elevada e capacitação permanente no âmbito das funções precípuas dos respectivos cargos e organizações; iv) cooperação - ao invés da competição - interpessoal e intra/inter organizações como critério de atuação e método primordial de trabalho no setor público; e v) liberdade de organização e autonomia de atuação sindical, no que tange tanto às formas de organização e funcionamento dessas entidades, como no que se refere às formas de representação, financiamento e prestação de contas junto aos próprios servidores e à sociedade de modo geral.

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Começando pelo tema da estabilidade funcional dos servidores nos cargos públicos, é preciso ter claro que ela remonta a uma época na qual os Estados nacionais, ainda em formação, precisaram, para sua própria existência e perpetuação (isto é, consolidação interna e legitimação externa) transitar da situação de recrutamento mercenário e esporádico para uma situação de recrutamento, remuneração, capacitação e cooperação junto ao seu corpo funcional. Este, gradativamente, foi deixando de estar submetido exclusivamente às ordens feudais e reais, para assumir, crescentemente, funções estatais permanentes e previsíveis em tarefas ligadas, portanto, às chamadas funções inerentes dos Estados capitalistas modernos e contemporâneos, quais sejam: i) forças armadas, forças policiais e todo sistema judiciário; ii) diplomacia externa; iii) classe política e burocracia parlamentar; iv) burocracia econômica ligada à emissão e gestão monetária e funções derivadas; e v) idem para as atividades de fiscalização, arrecadação, orçamentação, planejamento, regulação, gestão e controle.

Posteriormente, outras funções derivadas das mais novas e abrangentes áreas de atuação governamental na modernidade (tais como: políticas sociais e de desenvolvimento territorial, ambiental, setorial, produtivo, técnico, científico e tecnológico etc.) foram surgindo e exigindo respostas estruturadas dos diversos governos. Em comum, todas elas dotadas do mesmo atributo da indispensabilidade da estabilidade do corpo funcional do Estado como forma de garantia da provisão permanente e previsível das respectivas políticas públicas ao longo do tempo.

O inverso disso, ou seja, o receituário liberal-gerencialista em defesa da flexibilidade quantitativa como norma geral, por meio da possibilidade de contratações e demissões rápidas e fáceis no setor público, insere os princípios da rotatividade e da insegurança radical não apenas para os servidores, que pessoalmente apostaram no emprego público como estratégia de realização profissional, como também introduz a insegurança e faz aumentar a incerteza na sociedade e no mercado, pelas dúvidas na capacidade do Estado em manter a provisão de bens e serviços públicos de forma permanente e previsível ao longo dos diversos governos que se sucedem e se alternam no poder. Portanto, permanência e previsibilidade são duas características fundamentais das políticas públicas e da própria razão de existência e legitimação política do Estado, algo que apenas pode estar assegurado por meio da garantia da estabilidade e da proteção do seu corpo funcional, além de outros fatores.

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Por sua vez, a remuneração adequada e previsível no tempo é condição de segurança financeira e de estabilidade emocional dos servidores, fatores necessários a qualquer pessoa inserida em uma relação de trabalho que apenas existe e se realiza em função do Estado, em favor da coletividade e em caráter permanente. Ela precisa ser adequada e previsível não apenas para que o servidor goze de segurança financeira e estabilidade emocional no desempenho de suas funções, dificultando ao máximo que ele possa sofrer qualquer tipo de assédio moral, captura externa, tentativa de extorsão ou qualquer outro tipo de corrupção, como que ele tenha que de suas funções precípuas se dispersar, prejudicando com isso o seu desempenho profissional no cargo público e, por extensão, o desempenho institucional satisfatório da sua organização junto à população.

É claro que tais fatores são também importantes para as relações capital-trabalho no mundo dos negócios, razão pela qual o processo histórico de regulação social do trabalho incorporou tais temas na defesa de contratos por tempo indeterminado, remunerações mínimas garantidas, pletora de benefícios e direitos laborais e sociais, negociações coletivas, direito de greve, acesso à justiça etc. Porém, diferentemente da ocupação no setor público, as ocupações no setor privado, mesmo aquelas contratadas sob o amparo das leis de proteção laboral e social ainda vigentes, estão mais fortemente sujeitas aos ciclos econômicos e às discricionariedades e - por vezes - arbitrariedades dos empregadores.

No mundo dos negócios, reinam - infelizmente de modo quase naturalizado nas sociedades capitalistas contemporâneas, sobretudo naquelas subdesenvolvidas como a brasileira - relações assimétricas e muitas vezes desumanas de poder, razão pela qual a regulação pública (externa e coercitiva) exercida pelo Estado, por meio do sistema de justiça, sobre as relações capital-trabalho, é tão necessária, ainda que insuficiente, para mitigar ou contra arrestar as tendências abusivas, predatórias ou socialmente injustas que em geral as caracterizam.

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Já no âmbito estatal, lugar por excelência da esfera pública, as relações laborais não são do tipo capital-trabalho, são relações estatutariamente assentadas no pressuposto da igualdade formal e real entre indivíduos e destes com o Estado-empregador, ente que representa a própria sociedade coletivizada. Nem por isso, como se sabe, prescindem de praticamente os mesmos direitos e deveres consagrados ao emprego assalariado típico, e também de semelhantes aparatos burocráticos de justiça, defesa e garantia de direitos em suas relações com o Estado-empregador.

No que toca às remunerações no setor público, em particular frente às do setor privado, é importante considerar, visando comparações adequadas, as variáveis de controle estatístico tradicionais, tais como os atributos pessoais (sexo, faixa etária, cor e escolarização) e os atributos específicos, tais como os territoriais e setoriais (local de residência e ocupação principal no setor de atividade). Ao fazer isso, algumas coisas ficam mais claras, por exemplo:[1]

  • Há perfis ocupacionais não comparáveis entre setores público e privado, com destaque para os ocupados com a defesa nacional, com o funcionamento do judiciário, com a segurança pública, bem como os ligados à produção de ciência básica e à geração de informações primárias e administrativas, todas funções públicas para as quais simplesmente não há correspondência, para comparação adequada, no setor privado;
  • Os trabalhadores de nível médio no serviço público não são mais bem remunerados que trabalhadores de mesmo perfil no setor privado; eles apenas são trabalhadores não tão precarizados como aqueles. Mas mesmo no setor público, já há um processo de precarização em curso, com o crescimento dos trabalhadores à margem do RJU e sem carteira no seio do funcionalismo, mormente em âmbito municipal, fenômeno provavelmente associado a estratégias de ocupação (via cooperativas, terceirizações e pejotização) cujo registro possa escapar das regras fiscais (despesas com pessoal) impostas pela LRF;
  • Já para aquela parte das ocupações que pode ser considerada comparável entre setores público e privado, são os servidores da esfera federal, pela ordem dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, os com maior escolaridade (nível superior completo) e aqueles em ocupações associadas à gestão pública e à área jurídica, os que apresentam maior prêmio salarial, ao compará-los com trabalhadores do setor privado com características sociodemográficas similares.

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Muito importante é notar que quando comparadas as remunerações do Poder Executivo municipal com as remunerações do setor privado nacional, constata-se que setores público e privado apresentam remunerações próximas ou equivalentes. De acordo com o IBGE, a remuneração média do trabalho principal no setor privado nacional foi da ordem de R$ 2,1 mil em 2018. Enquanto as remunerações no setor público municipal das regiões Sudeste e Sul estão ligeiramente acima das remunerações no setor privado nacional (respectivamente, R$ 2.500 e R$ 2.200), ocorre o inverso quando se olham os respectivos valores das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste (médias de R$ 1.800; R$ 1.600 e R$ 1.300).

Isso significa que estão metodologicamente equivocadas as comparações genéricas, recorrentemente feitas por organismos internacionais, grande mídia e até mesmo pela área econômica do governo federal, acerca dos diferenciais de remuneração entre setores público e privado, bem como entre níveis federativos (Federal, Estadual e Municipal) e entre os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Não por outro motivo, a própria despesa global com o funcionalismo público no Brasil é baixa e está estável como proporção do PIB já há vários anos. Se a despesa tem aumentado como proporção da receita líquida, não o faz de modo explosivo e a origem do fenômeno é uma economia que não cresce e não arrecada, somada a uma confusão intencional que inclui a despesa previdenciária junto com a despesa dos servidores ativos.

 

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Despesa anual com servidores ativos e percentual em relação ao PIB (2006-2017).

 Foto: Estadão

 

Tudo somado, há sim que se promover mudanças no sentido da diminuição dos hiatos salariais entre setores público e privado, mas para tanto, as conclusões dos estudos aqui citados apontam em duas direções complementares.

Em primeiro lugar, é fundamental recuperar e reativar uma perspectiva (governamental, empresarial e sindical) e políticas públicas de maior e melhor regulação e reestruturação dos mercados privados de trabalho, no sentido de buscar menores taxas de desemprego e informalidade, assim como maiores taxas de produtividade e recomposição salarial, inscritas em trajetórias de recuperação do crescimento econômico em bases mais sustentáveis dos pontos de vista produtivo, ambiental e humano.

Por seu turno, é fundamental realizar ajustes remuneratórios no setor público, levando em consideração os determinantes e as especificidades presentes em cada nível federativo de governo (Federal, Estadual e Municipal), bem como atentando para as situações discrepantes em cada poder da União (Judiciário, Legislativo e Executivo). Por exemplo: a maioria dos problemas remuneratórios discrepantes poderia ser resolvido simplesmente aplicando-se, sem exceções, o teto remuneratório do setor público a cada nível da federação e poder da república. Além disso, é preciso eliminar ou diminuir drasticamente os adicionais de remuneração que muitas vezes se tornam permanentes em vários casos, distorcendo para cima os valores efetivamente pagos a uma minoria de servidores e funções privilegiadas.

Isso para dizer que os problemas de remuneração, alardeados pela atual área econômica do governo por meio da grande mídia e base parlamentar, são a exceção e não a regra dentro do funcionalismo público, em qualquer recorte analítico que se queira utilizar. Nesse sentido, uma reforma geral, que trate todos os servidores da mesma forma, visando tão somente reduzir a despesa global com pessoal, tende a precarizar as ocupações públicas, sem com isso garantir melhora alguma do desempenho institucional agregado do setor público.

[1] Para informações e argumentos mais amplos e detalhados, ver em especial os seguintes trabalhos:

 

José Celso Cardoso Jr., Doutor em Desenvolvimento pelo IE-Unicamp, desde 1997 é Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA e professor dos Mestrados Profissionais em Políticas Públicas e Desenvolvimento (IPEA) e Governança e Desenvolvimento (ENAP). Atualmente, exerce a função de Presidente da Afipea-Sindical e nessa condição escreve esse texto.

 

O tema é reforma administrativa. Mas antes de iniciar o artigo propriamente dito, gostaria de louvar a atitude e coragem deste blog no Estadão - e demais veículos de mídia - que, remando contra o pensamento único, ainda mantém espaço para o contraditório e para informações e análises embasadas, como fundamentos do bom jornalismo e da imprensa livre. Certamente não é pouca coisa diante dos tempos bicudos que correm. Oxalá consigam permanecer assim, condição essencial para a própria existência e aperfeiçoamento institucional da jovem e sofrida democracia brasileira.

Dito isso, e tal como mencionado em artigo anterior de 12 de agosto último (https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/reforma-administrativa-bolsonaro-guedes-decifra-me-ou-te-devoro/), governo federal e parlamento, com apoio entusiástico de importantes setores da grande mídia e supostos especialistas contratados para o tema, preparam nova ofensiva contra o Estado brasileiro e servidores públicos, chamando isso de reforma administrativa. Para além do caráter negativista com o qual abordam as funções que o ente público deve desempenhar em suas relações com os mundos econômico e social no país, já foi apontado o caráter predominantemente fiscalista e gerencialista das propostas em curso.

Não há menção clara nem ao projeto de desenvolvimento pretendido, em relação ao qual toda e qualquer reforma administrativa deveria se subordinar, nem tampouco há compreensão orgânica sobre as razões e os sentidos da ocupação no setor público. Tudo se passa como se de menos gastos com pessoal e a máquina pública fosse possível obter - contrassenso absoluto do mantra liberal sobre a eficiência - mais ou melhor eficácia e efetividade das ações estatais e políticas públicas.

Pois se é assim, aqui é preciso enfatizar: há ao menos cinco fundamentos da ocupação no setor público, responsáveis, em conjunto e potencialmente, pelo bom desempenho institucional do Estado, a saber: i) a estabilidade na ocupação, idealmente conquistada por critérios meritocráticos em ambiente geral de homogeneidade econômica, republicanismo político e democracia social, visando a proteção contra arbitrariedades - inclusive político-partidárias - cometidas pelo Estado-empregador; ii) remunerações adequadas e previsíveis ao longo do ciclo laboral; iii) qualificação elevada e capacitação permanente no âmbito das funções precípuas dos respectivos cargos e organizações; iv) cooperação - ao invés da competição - interpessoal e intra/inter organizações como critério de atuação e método primordial de trabalho no setor público; e v) liberdade de organização e autonomia de atuação sindical, no que tange tanto às formas de organização e funcionamento dessas entidades, como no que se refere às formas de representação, financiamento e prestação de contas junto aos próprios servidores e à sociedade de modo geral.

Começando pelo tema da estabilidade funcional dos servidores nos cargos públicos, é preciso ter claro que ela remonta a uma época na qual os Estados nacionais, ainda em formação, precisaram, para sua própria existência e perpetuação (isto é, consolidação interna e legitimação externa) transitar da situação de recrutamento mercenário e esporádico para uma situação de recrutamento, remuneração, capacitação e cooperação junto ao seu corpo funcional. Este, gradativamente, foi deixando de estar submetido exclusivamente às ordens feudais e reais, para assumir, crescentemente, funções estatais permanentes e previsíveis em tarefas ligadas, portanto, às chamadas funções inerentes dos Estados capitalistas modernos e contemporâneos, quais sejam: i) forças armadas, forças policiais e todo sistema judiciário; ii) diplomacia externa; iii) classe política e burocracia parlamentar; iv) burocracia econômica ligada à emissão e gestão monetária e funções derivadas; e v) idem para as atividades de fiscalização, arrecadação, orçamentação, planejamento, regulação, gestão e controle.

Posteriormente, outras funções derivadas das mais novas e abrangentes áreas de atuação governamental na modernidade (tais como: políticas sociais e de desenvolvimento territorial, ambiental, setorial, produtivo, técnico, científico e tecnológico etc.) foram surgindo e exigindo respostas estruturadas dos diversos governos. Em comum, todas elas dotadas do mesmo atributo da indispensabilidade da estabilidade do corpo funcional do Estado como forma de garantia da provisão permanente e previsível das respectivas políticas públicas ao longo do tempo.

O inverso disso, ou seja, o receituário liberal-gerencialista em defesa da flexibilidade quantitativa como norma geral, por meio da possibilidade de contratações e demissões rápidas e fáceis no setor público, insere os princípios da rotatividade e da insegurança radical não apenas para os servidores, que pessoalmente apostaram no emprego público como estratégia de realização profissional, como também introduz a insegurança e faz aumentar a incerteza na sociedade e no mercado, pelas dúvidas na capacidade do Estado em manter a provisão de bens e serviços públicos de forma permanente e previsível ao longo dos diversos governos que se sucedem e se alternam no poder. Portanto, permanência e previsibilidade são duas características fundamentais das políticas públicas e da própria razão de existência e legitimação política do Estado, algo que apenas pode estar assegurado por meio da garantia da estabilidade e da proteção do seu corpo funcional, além de outros fatores.

Por sua vez, a remuneração adequada e previsível no tempo é condição de segurança financeira e de estabilidade emocional dos servidores, fatores necessários a qualquer pessoa inserida em uma relação de trabalho que apenas existe e se realiza em função do Estado, em favor da coletividade e em caráter permanente. Ela precisa ser adequada e previsível não apenas para que o servidor goze de segurança financeira e estabilidade emocional no desempenho de suas funções, dificultando ao máximo que ele possa sofrer qualquer tipo de assédio moral, captura externa, tentativa de extorsão ou qualquer outro tipo de corrupção, como que ele tenha que de suas funções precípuas se dispersar, prejudicando com isso o seu desempenho profissional no cargo público e, por extensão, o desempenho institucional satisfatório da sua organização junto à população.

É claro que tais fatores são também importantes para as relações capital-trabalho no mundo dos negócios, razão pela qual o processo histórico de regulação social do trabalho incorporou tais temas na defesa de contratos por tempo indeterminado, remunerações mínimas garantidas, pletora de benefícios e direitos laborais e sociais, negociações coletivas, direito de greve, acesso à justiça etc. Porém, diferentemente da ocupação no setor público, as ocupações no setor privado, mesmo aquelas contratadas sob o amparo das leis de proteção laboral e social ainda vigentes, estão mais fortemente sujeitas aos ciclos econômicos e às discricionariedades e - por vezes - arbitrariedades dos empregadores.

No mundo dos negócios, reinam - infelizmente de modo quase naturalizado nas sociedades capitalistas contemporâneas, sobretudo naquelas subdesenvolvidas como a brasileira - relações assimétricas e muitas vezes desumanas de poder, razão pela qual a regulação pública (externa e coercitiva) exercida pelo Estado, por meio do sistema de justiça, sobre as relações capital-trabalho, é tão necessária, ainda que insuficiente, para mitigar ou contra arrestar as tendências abusivas, predatórias ou socialmente injustas que em geral as caracterizam.

Já no âmbito estatal, lugar por excelência da esfera pública, as relações laborais não são do tipo capital-trabalho, são relações estatutariamente assentadas no pressuposto da igualdade formal e real entre indivíduos e destes com o Estado-empregador, ente que representa a própria sociedade coletivizada. Nem por isso, como se sabe, prescindem de praticamente os mesmos direitos e deveres consagrados ao emprego assalariado típico, e também de semelhantes aparatos burocráticos de justiça, defesa e garantia de direitos em suas relações com o Estado-empregador.

No que toca às remunerações no setor público, em particular frente às do setor privado, é importante considerar, visando comparações adequadas, as variáveis de controle estatístico tradicionais, tais como os atributos pessoais (sexo, faixa etária, cor e escolarização) e os atributos específicos, tais como os territoriais e setoriais (local de residência e ocupação principal no setor de atividade). Ao fazer isso, algumas coisas ficam mais claras, por exemplo:[1]

  • Há perfis ocupacionais não comparáveis entre setores público e privado, com destaque para os ocupados com a defesa nacional, com o funcionamento do judiciário, com a segurança pública, bem como os ligados à produção de ciência básica e à geração de informações primárias e administrativas, todas funções públicas para as quais simplesmente não há correspondência, para comparação adequada, no setor privado;
  • Os trabalhadores de nível médio no serviço público não são mais bem remunerados que trabalhadores de mesmo perfil no setor privado; eles apenas são trabalhadores não tão precarizados como aqueles. Mas mesmo no setor público, já há um processo de precarização em curso, com o crescimento dos trabalhadores à margem do RJU e sem carteira no seio do funcionalismo, mormente em âmbito municipal, fenômeno provavelmente associado a estratégias de ocupação (via cooperativas, terceirizações e pejotização) cujo registro possa escapar das regras fiscais (despesas com pessoal) impostas pela LRF;
  • Já para aquela parte das ocupações que pode ser considerada comparável entre setores público e privado, são os servidores da esfera federal, pela ordem dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, os com maior escolaridade (nível superior completo) e aqueles em ocupações associadas à gestão pública e à área jurídica, os que apresentam maior prêmio salarial, ao compará-los com trabalhadores do setor privado com características sociodemográficas similares.

Muito importante é notar que quando comparadas as remunerações do Poder Executivo municipal com as remunerações do setor privado nacional, constata-se que setores público e privado apresentam remunerações próximas ou equivalentes. De acordo com o IBGE, a remuneração média do trabalho principal no setor privado nacional foi da ordem de R$ 2,1 mil em 2018. Enquanto as remunerações no setor público municipal das regiões Sudeste e Sul estão ligeiramente acima das remunerações no setor privado nacional (respectivamente, R$ 2.500 e R$ 2.200), ocorre o inverso quando se olham os respectivos valores das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste (médias de R$ 1.800; R$ 1.600 e R$ 1.300).

Isso significa que estão metodologicamente equivocadas as comparações genéricas, recorrentemente feitas por organismos internacionais, grande mídia e até mesmo pela área econômica do governo federal, acerca dos diferenciais de remuneração entre setores público e privado, bem como entre níveis federativos (Federal, Estadual e Municipal) e entre os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Não por outro motivo, a própria despesa global com o funcionalismo público no Brasil é baixa e está estável como proporção do PIB já há vários anos. Se a despesa tem aumentado como proporção da receita líquida, não o faz de modo explosivo e a origem do fenômeno é uma economia que não cresce e não arrecada, somada a uma confusão intencional que inclui a despesa previdenciária junto com a despesa dos servidores ativos.

 

Despesa anual com servidores ativos e percentual em relação ao PIB (2006-2017).

 Foto: Estadão

 

Tudo somado, há sim que se promover mudanças no sentido da diminuição dos hiatos salariais entre setores público e privado, mas para tanto, as conclusões dos estudos aqui citados apontam em duas direções complementares.

Em primeiro lugar, é fundamental recuperar e reativar uma perspectiva (governamental, empresarial e sindical) e políticas públicas de maior e melhor regulação e reestruturação dos mercados privados de trabalho, no sentido de buscar menores taxas de desemprego e informalidade, assim como maiores taxas de produtividade e recomposição salarial, inscritas em trajetórias de recuperação do crescimento econômico em bases mais sustentáveis dos pontos de vista produtivo, ambiental e humano.

Por seu turno, é fundamental realizar ajustes remuneratórios no setor público, levando em consideração os determinantes e as especificidades presentes em cada nível federativo de governo (Federal, Estadual e Municipal), bem como atentando para as situações discrepantes em cada poder da União (Judiciário, Legislativo e Executivo). Por exemplo: a maioria dos problemas remuneratórios discrepantes poderia ser resolvido simplesmente aplicando-se, sem exceções, o teto remuneratório do setor público a cada nível da federação e poder da república. Além disso, é preciso eliminar ou diminuir drasticamente os adicionais de remuneração que muitas vezes se tornam permanentes em vários casos, distorcendo para cima os valores efetivamente pagos a uma minoria de servidores e funções privilegiadas.

Isso para dizer que os problemas de remuneração, alardeados pela atual área econômica do governo por meio da grande mídia e base parlamentar, são a exceção e não a regra dentro do funcionalismo público, em qualquer recorte analítico que se queira utilizar. Nesse sentido, uma reforma geral, que trate todos os servidores da mesma forma, visando tão somente reduzir a despesa global com pessoal, tende a precarizar as ocupações públicas, sem com isso garantir melhora alguma do desempenho institucional agregado do setor público.

[1] Para informações e argumentos mais amplos e detalhados, ver em especial os seguintes trabalhos:

 

José Celso Cardoso Jr., Doutor em Desenvolvimento pelo IE-Unicamp, desde 1997 é Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA e professor dos Mestrados Profissionais em Políticas Públicas e Desenvolvimento (IPEA) e Governança e Desenvolvimento (ENAP). Atualmente, exerce a função de Presidente da Afipea-Sindical e nessa condição escreve esse texto.

 

O tema é reforma administrativa. Mas antes de iniciar o artigo propriamente dito, gostaria de louvar a atitude e coragem deste blog no Estadão - e demais veículos de mídia - que, remando contra o pensamento único, ainda mantém espaço para o contraditório e para informações e análises embasadas, como fundamentos do bom jornalismo e da imprensa livre. Certamente não é pouca coisa diante dos tempos bicudos que correm. Oxalá consigam permanecer assim, condição essencial para a própria existência e aperfeiçoamento institucional da jovem e sofrida democracia brasileira.

Dito isso, e tal como mencionado em artigo anterior de 12 de agosto último (https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/reforma-administrativa-bolsonaro-guedes-decifra-me-ou-te-devoro/), governo federal e parlamento, com apoio entusiástico de importantes setores da grande mídia e supostos especialistas contratados para o tema, preparam nova ofensiva contra o Estado brasileiro e servidores públicos, chamando isso de reforma administrativa. Para além do caráter negativista com o qual abordam as funções que o ente público deve desempenhar em suas relações com os mundos econômico e social no país, já foi apontado o caráter predominantemente fiscalista e gerencialista das propostas em curso.

Não há menção clara nem ao projeto de desenvolvimento pretendido, em relação ao qual toda e qualquer reforma administrativa deveria se subordinar, nem tampouco há compreensão orgânica sobre as razões e os sentidos da ocupação no setor público. Tudo se passa como se de menos gastos com pessoal e a máquina pública fosse possível obter - contrassenso absoluto do mantra liberal sobre a eficiência - mais ou melhor eficácia e efetividade das ações estatais e políticas públicas.

Pois se é assim, aqui é preciso enfatizar: há ao menos cinco fundamentos da ocupação no setor público, responsáveis, em conjunto e potencialmente, pelo bom desempenho institucional do Estado, a saber: i) a estabilidade na ocupação, idealmente conquistada por critérios meritocráticos em ambiente geral de homogeneidade econômica, republicanismo político e democracia social, visando a proteção contra arbitrariedades - inclusive político-partidárias - cometidas pelo Estado-empregador; ii) remunerações adequadas e previsíveis ao longo do ciclo laboral; iii) qualificação elevada e capacitação permanente no âmbito das funções precípuas dos respectivos cargos e organizações; iv) cooperação - ao invés da competição - interpessoal e intra/inter organizações como critério de atuação e método primordial de trabalho no setor público; e v) liberdade de organização e autonomia de atuação sindical, no que tange tanto às formas de organização e funcionamento dessas entidades, como no que se refere às formas de representação, financiamento e prestação de contas junto aos próprios servidores e à sociedade de modo geral.

Começando pelo tema da estabilidade funcional dos servidores nos cargos públicos, é preciso ter claro que ela remonta a uma época na qual os Estados nacionais, ainda em formação, precisaram, para sua própria existência e perpetuação (isto é, consolidação interna e legitimação externa) transitar da situação de recrutamento mercenário e esporádico para uma situação de recrutamento, remuneração, capacitação e cooperação junto ao seu corpo funcional. Este, gradativamente, foi deixando de estar submetido exclusivamente às ordens feudais e reais, para assumir, crescentemente, funções estatais permanentes e previsíveis em tarefas ligadas, portanto, às chamadas funções inerentes dos Estados capitalistas modernos e contemporâneos, quais sejam: i) forças armadas, forças policiais e todo sistema judiciário; ii) diplomacia externa; iii) classe política e burocracia parlamentar; iv) burocracia econômica ligada à emissão e gestão monetária e funções derivadas; e v) idem para as atividades de fiscalização, arrecadação, orçamentação, planejamento, regulação, gestão e controle.

Posteriormente, outras funções derivadas das mais novas e abrangentes áreas de atuação governamental na modernidade (tais como: políticas sociais e de desenvolvimento territorial, ambiental, setorial, produtivo, técnico, científico e tecnológico etc.) foram surgindo e exigindo respostas estruturadas dos diversos governos. Em comum, todas elas dotadas do mesmo atributo da indispensabilidade da estabilidade do corpo funcional do Estado como forma de garantia da provisão permanente e previsível das respectivas políticas públicas ao longo do tempo.

O inverso disso, ou seja, o receituário liberal-gerencialista em defesa da flexibilidade quantitativa como norma geral, por meio da possibilidade de contratações e demissões rápidas e fáceis no setor público, insere os princípios da rotatividade e da insegurança radical não apenas para os servidores, que pessoalmente apostaram no emprego público como estratégia de realização profissional, como também introduz a insegurança e faz aumentar a incerteza na sociedade e no mercado, pelas dúvidas na capacidade do Estado em manter a provisão de bens e serviços públicos de forma permanente e previsível ao longo dos diversos governos que se sucedem e se alternam no poder. Portanto, permanência e previsibilidade são duas características fundamentais das políticas públicas e da própria razão de existência e legitimação política do Estado, algo que apenas pode estar assegurado por meio da garantia da estabilidade e da proteção do seu corpo funcional, além de outros fatores.

Por sua vez, a remuneração adequada e previsível no tempo é condição de segurança financeira e de estabilidade emocional dos servidores, fatores necessários a qualquer pessoa inserida em uma relação de trabalho que apenas existe e se realiza em função do Estado, em favor da coletividade e em caráter permanente. Ela precisa ser adequada e previsível não apenas para que o servidor goze de segurança financeira e estabilidade emocional no desempenho de suas funções, dificultando ao máximo que ele possa sofrer qualquer tipo de assédio moral, captura externa, tentativa de extorsão ou qualquer outro tipo de corrupção, como que ele tenha que de suas funções precípuas se dispersar, prejudicando com isso o seu desempenho profissional no cargo público e, por extensão, o desempenho institucional satisfatório da sua organização junto à população.

É claro que tais fatores são também importantes para as relações capital-trabalho no mundo dos negócios, razão pela qual o processo histórico de regulação social do trabalho incorporou tais temas na defesa de contratos por tempo indeterminado, remunerações mínimas garantidas, pletora de benefícios e direitos laborais e sociais, negociações coletivas, direito de greve, acesso à justiça etc. Porém, diferentemente da ocupação no setor público, as ocupações no setor privado, mesmo aquelas contratadas sob o amparo das leis de proteção laboral e social ainda vigentes, estão mais fortemente sujeitas aos ciclos econômicos e às discricionariedades e - por vezes - arbitrariedades dos empregadores.

No mundo dos negócios, reinam - infelizmente de modo quase naturalizado nas sociedades capitalistas contemporâneas, sobretudo naquelas subdesenvolvidas como a brasileira - relações assimétricas e muitas vezes desumanas de poder, razão pela qual a regulação pública (externa e coercitiva) exercida pelo Estado, por meio do sistema de justiça, sobre as relações capital-trabalho, é tão necessária, ainda que insuficiente, para mitigar ou contra arrestar as tendências abusivas, predatórias ou socialmente injustas que em geral as caracterizam.

Já no âmbito estatal, lugar por excelência da esfera pública, as relações laborais não são do tipo capital-trabalho, são relações estatutariamente assentadas no pressuposto da igualdade formal e real entre indivíduos e destes com o Estado-empregador, ente que representa a própria sociedade coletivizada. Nem por isso, como se sabe, prescindem de praticamente os mesmos direitos e deveres consagrados ao emprego assalariado típico, e também de semelhantes aparatos burocráticos de justiça, defesa e garantia de direitos em suas relações com o Estado-empregador.

No que toca às remunerações no setor público, em particular frente às do setor privado, é importante considerar, visando comparações adequadas, as variáveis de controle estatístico tradicionais, tais como os atributos pessoais (sexo, faixa etária, cor e escolarização) e os atributos específicos, tais como os territoriais e setoriais (local de residência e ocupação principal no setor de atividade). Ao fazer isso, algumas coisas ficam mais claras, por exemplo:[1]

  • Há perfis ocupacionais não comparáveis entre setores público e privado, com destaque para os ocupados com a defesa nacional, com o funcionamento do judiciário, com a segurança pública, bem como os ligados à produção de ciência básica e à geração de informações primárias e administrativas, todas funções públicas para as quais simplesmente não há correspondência, para comparação adequada, no setor privado;
  • Os trabalhadores de nível médio no serviço público não são mais bem remunerados que trabalhadores de mesmo perfil no setor privado; eles apenas são trabalhadores não tão precarizados como aqueles. Mas mesmo no setor público, já há um processo de precarização em curso, com o crescimento dos trabalhadores à margem do RJU e sem carteira no seio do funcionalismo, mormente em âmbito municipal, fenômeno provavelmente associado a estratégias de ocupação (via cooperativas, terceirizações e pejotização) cujo registro possa escapar das regras fiscais (despesas com pessoal) impostas pela LRF;
  • Já para aquela parte das ocupações que pode ser considerada comparável entre setores público e privado, são os servidores da esfera federal, pela ordem dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, os com maior escolaridade (nível superior completo) e aqueles em ocupações associadas à gestão pública e à área jurídica, os que apresentam maior prêmio salarial, ao compará-los com trabalhadores do setor privado com características sociodemográficas similares.

Muito importante é notar que quando comparadas as remunerações do Poder Executivo municipal com as remunerações do setor privado nacional, constata-se que setores público e privado apresentam remunerações próximas ou equivalentes. De acordo com o IBGE, a remuneração média do trabalho principal no setor privado nacional foi da ordem de R$ 2,1 mil em 2018. Enquanto as remunerações no setor público municipal das regiões Sudeste e Sul estão ligeiramente acima das remunerações no setor privado nacional (respectivamente, R$ 2.500 e R$ 2.200), ocorre o inverso quando se olham os respectivos valores das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste (médias de R$ 1.800; R$ 1.600 e R$ 1.300).

Isso significa que estão metodologicamente equivocadas as comparações genéricas, recorrentemente feitas por organismos internacionais, grande mídia e até mesmo pela área econômica do governo federal, acerca dos diferenciais de remuneração entre setores público e privado, bem como entre níveis federativos (Federal, Estadual e Municipal) e entre os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Não por outro motivo, a própria despesa global com o funcionalismo público no Brasil é baixa e está estável como proporção do PIB já há vários anos. Se a despesa tem aumentado como proporção da receita líquida, não o faz de modo explosivo e a origem do fenômeno é uma economia que não cresce e não arrecada, somada a uma confusão intencional que inclui a despesa previdenciária junto com a despesa dos servidores ativos.

 

Despesa anual com servidores ativos e percentual em relação ao PIB (2006-2017).

 Foto: Estadão

 

Tudo somado, há sim que se promover mudanças no sentido da diminuição dos hiatos salariais entre setores público e privado, mas para tanto, as conclusões dos estudos aqui citados apontam em duas direções complementares.

Em primeiro lugar, é fundamental recuperar e reativar uma perspectiva (governamental, empresarial e sindical) e políticas públicas de maior e melhor regulação e reestruturação dos mercados privados de trabalho, no sentido de buscar menores taxas de desemprego e informalidade, assim como maiores taxas de produtividade e recomposição salarial, inscritas em trajetórias de recuperação do crescimento econômico em bases mais sustentáveis dos pontos de vista produtivo, ambiental e humano.

Por seu turno, é fundamental realizar ajustes remuneratórios no setor público, levando em consideração os determinantes e as especificidades presentes em cada nível federativo de governo (Federal, Estadual e Municipal), bem como atentando para as situações discrepantes em cada poder da União (Judiciário, Legislativo e Executivo). Por exemplo: a maioria dos problemas remuneratórios discrepantes poderia ser resolvido simplesmente aplicando-se, sem exceções, o teto remuneratório do setor público a cada nível da federação e poder da república. Além disso, é preciso eliminar ou diminuir drasticamente os adicionais de remuneração que muitas vezes se tornam permanentes em vários casos, distorcendo para cima os valores efetivamente pagos a uma minoria de servidores e funções privilegiadas.

Isso para dizer que os problemas de remuneração, alardeados pela atual área econômica do governo por meio da grande mídia e base parlamentar, são a exceção e não a regra dentro do funcionalismo público, em qualquer recorte analítico que se queira utilizar. Nesse sentido, uma reforma geral, que trate todos os servidores da mesma forma, visando tão somente reduzir a despesa global com pessoal, tende a precarizar as ocupações públicas, sem com isso garantir melhora alguma do desempenho institucional agregado do setor público.

[1] Para informações e argumentos mais amplos e detalhados, ver em especial os seguintes trabalhos:

 

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