Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Indigenistas sob ataque


Por Redação

Leonardo Barros Soares, Mestre e Doutor em ciência política pela UFMG. Professor Adjunto do Departamento de Ciências Sociais da UFV e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPA. Coordenador do grupo de pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas (POPIAM) e da ABCP Indígena. E-mail: leobarros@ufpa.br / leonardo.b.soares@ufv.br

Imagine o leitor ou a leitora as seguintes situações: você é um agente público com a missão de abordar um malfeitor que, não apenas não será preso naquele dia, mas, também, logo mais à noite, você o verá na única padaria da cidade ou circulando na mesma praça; ou, ainda, você entra num restaurante com tua esposa e dá de cara com o indivíduo, cercado de outros sujeitos visivelmente armados, que decidem se sentar ao teu lado para "trocar uma ideia". Um colega, certa vez me contou de sua participação no "estouro" de um garimpo em que a ele foi dado somente um colete à prova de balas...vencido! O que você acha disso? Parecem situações perigosas, certo? Pois elas são reais e me foram contadas por colegas indigenistas em minha breve passagem como indigenista especializado da FUNAI em 2019.

Essas histórias, que acabam virando anedotas contadas aos risos algum tempo depois, são sintomas do conhecido fato de que agentes do Estado brasileiro, cuja missão institucional é a de proteger o meio-ambiente e as populações tradicionais, vivem um cotidiano de ameaças mais ou menos abertas contra sua integridade física. Alguns colegas tratam do tema como "ossos do ofício", não se deixando abater ou intimidar, e cumprindo, contra todas as circunstâncias, o dever constitucional de proteção dos povos indígenas, suas terras e seu modo de viver. Outros, não suportando a tensão constante, os baixos salários e a sensação perene de exposição à violência, deixam a Fundação, engrossando as estatísticas da sua crônica -e, diga-se de passagem, insanável- deficiência de pessoal.

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Digo que a situação é insanável por que, mantido tudo como está, sem alterações drásticas nas condições de trabalho dos servidores, não há motivos para pensar que a FUNAI conseguirá fixar servidores qualificados nos locais mais remotos do país. A precarização da atividade laboral indigenista tem sido a tônica dos governos nos últimos dez anos, com uma aceleração sem precedentes nos anos do governo Bolsonaro, cuja retórica virulenta intensificou a vulnerabilidade já experimentada pelos servidores. Lembremos que, em 2019, ocorreu o assassinato, em Tabatinga, de Maxciel Pereira dos Santos, em decorrência de seu trabalho em defesa do Vale do Javari. Em 2020, Rieli Franciscato morreu flechado por indígenas que, muito provavelmente, o tomaram por um dos muitos invasores que ameaçam cotidianamente a terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia. Francamente, quem quer trabalhar numa instituição que não garante o mínimo de condições de segurança para seus funcionários e familiares?

O mais recente capítulo dessa tendência trágica é o desaparecimento, há pelo menos 48 horas, do indigenista Bruno Pereira - provavelmente um dos maiores experts em indígenas isolados em todo o mundo - em companhia do jornalista inglês Dom Phillips na região do Vale do Javari, a segunda maior terra indígena do país e aquela com a maior concentração de indígenas isolados do planeta. A inação do governo brasileiro em mobilizar todos os esforços possíveis para localizar a dupla é chocante. Além disso, parece estar em curso uma operação para enquadrar o desaparecimento como fruto de uma "aventura não recomendável" em que "tudo pode acontecer", conforme recente manifestação do presidente da república. A FUNAI, em nota, tratou de se distanciar de Bruno ao enfatizar que o mesmo estava "licenciado", como se isso o tornasse menos servidor da instituição. Um desrespeito absurdo ao ser humano, profissional, pai de família e funcionário público que dedica sua vida a proteger indígenas isolados.

Uma notícia do importante site de notícias Amazônia Real traz um depoimento de um indígena que afirma que Phillips e Bruno tinham localizado e documentado pontos de execução de crimes ambientais no interior da terra indígena e que, por isso, provavelmente foram emboscados. A se confirmar essa trágica informação, ficará patente que não apenas o Vale do Javari, mas toda a Amazônia legal brasileira é, hoje, um grande campo de exploração em que se conectam, se fortalecem e se espalham garimpeiros, narcotraficantes, milícias, grileiros, madeireiros, traficantes de animais e de seres humanos e empresários que utilizam mão de obra análoga à escravidão. Em suma, é o lar de toda sorte de criminosos à solta, empoderados, fortemente armados e certos de sua impunidade.

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Nesse verdadeiro faroeste tropical, sofrem indígenas, ribeirinhos, quilombolas e, também, servidores dedicados à causa da proteção dos direitos dos povos originários. Os indigenistas brasileiros estão sob ataque, e urge uma mobilização nacional para que o ingresso na carreira não seja sinônimo de risco de vida, como hoje parece ser o caso. Indigenistas têm família, aspirações profissionais, desenvolvem uma atividade altamente complexa de intermediação cultural com povos indígenas em todo o país. Em muitos lugares, são uma das poucas manifestações do Estado brasileiro. Não podem, portanto, ser tratados como funcionários descartáveis ao sabor das perseguições dos governos de plantão.

Concluo deixando toda minha solidariedade à família de Dom Phillips e de Bruno Pereira, companheiro de vida de minha colega da Universidade Federal do Pará, Beatriz Almeida de Matos. Meus votos para que ambos sejam encontrados são e salvos e que a reação internacional vigorosa ao caso possa ser capaz de frear, pelo menos momentaneamente, a fúria destrutiva da política antiindígena e antiindigenista do governo Bolsonaro. Igualmente, me solidarizo com meus companheiros e companheiras de FUNAI, que merecem todo o respeito e admiração de toda a sociedade brasileira.

Leonardo Barros Soares, Mestre e Doutor em ciência política pela UFMG. Professor Adjunto do Departamento de Ciências Sociais da UFV e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPA. Coordenador do grupo de pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas (POPIAM) e da ABCP Indígena. E-mail: leobarros@ufpa.br / leonardo.b.soares@ufv.br

Imagine o leitor ou a leitora as seguintes situações: você é um agente público com a missão de abordar um malfeitor que, não apenas não será preso naquele dia, mas, também, logo mais à noite, você o verá na única padaria da cidade ou circulando na mesma praça; ou, ainda, você entra num restaurante com tua esposa e dá de cara com o indivíduo, cercado de outros sujeitos visivelmente armados, que decidem se sentar ao teu lado para "trocar uma ideia". Um colega, certa vez me contou de sua participação no "estouro" de um garimpo em que a ele foi dado somente um colete à prova de balas...vencido! O que você acha disso? Parecem situações perigosas, certo? Pois elas são reais e me foram contadas por colegas indigenistas em minha breve passagem como indigenista especializado da FUNAI em 2019.

Essas histórias, que acabam virando anedotas contadas aos risos algum tempo depois, são sintomas do conhecido fato de que agentes do Estado brasileiro, cuja missão institucional é a de proteger o meio-ambiente e as populações tradicionais, vivem um cotidiano de ameaças mais ou menos abertas contra sua integridade física. Alguns colegas tratam do tema como "ossos do ofício", não se deixando abater ou intimidar, e cumprindo, contra todas as circunstâncias, o dever constitucional de proteção dos povos indígenas, suas terras e seu modo de viver. Outros, não suportando a tensão constante, os baixos salários e a sensação perene de exposição à violência, deixam a Fundação, engrossando as estatísticas da sua crônica -e, diga-se de passagem, insanável- deficiência de pessoal.

Digo que a situação é insanável por que, mantido tudo como está, sem alterações drásticas nas condições de trabalho dos servidores, não há motivos para pensar que a FUNAI conseguirá fixar servidores qualificados nos locais mais remotos do país. A precarização da atividade laboral indigenista tem sido a tônica dos governos nos últimos dez anos, com uma aceleração sem precedentes nos anos do governo Bolsonaro, cuja retórica virulenta intensificou a vulnerabilidade já experimentada pelos servidores. Lembremos que, em 2019, ocorreu o assassinato, em Tabatinga, de Maxciel Pereira dos Santos, em decorrência de seu trabalho em defesa do Vale do Javari. Em 2020, Rieli Franciscato morreu flechado por indígenas que, muito provavelmente, o tomaram por um dos muitos invasores que ameaçam cotidianamente a terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia. Francamente, quem quer trabalhar numa instituição que não garante o mínimo de condições de segurança para seus funcionários e familiares?

O mais recente capítulo dessa tendência trágica é o desaparecimento, há pelo menos 48 horas, do indigenista Bruno Pereira - provavelmente um dos maiores experts em indígenas isolados em todo o mundo - em companhia do jornalista inglês Dom Phillips na região do Vale do Javari, a segunda maior terra indígena do país e aquela com a maior concentração de indígenas isolados do planeta. A inação do governo brasileiro em mobilizar todos os esforços possíveis para localizar a dupla é chocante. Além disso, parece estar em curso uma operação para enquadrar o desaparecimento como fruto de uma "aventura não recomendável" em que "tudo pode acontecer", conforme recente manifestação do presidente da república. A FUNAI, em nota, tratou de se distanciar de Bruno ao enfatizar que o mesmo estava "licenciado", como se isso o tornasse menos servidor da instituição. Um desrespeito absurdo ao ser humano, profissional, pai de família e funcionário público que dedica sua vida a proteger indígenas isolados.

Uma notícia do importante site de notícias Amazônia Real traz um depoimento de um indígena que afirma que Phillips e Bruno tinham localizado e documentado pontos de execução de crimes ambientais no interior da terra indígena e que, por isso, provavelmente foram emboscados. A se confirmar essa trágica informação, ficará patente que não apenas o Vale do Javari, mas toda a Amazônia legal brasileira é, hoje, um grande campo de exploração em que se conectam, se fortalecem e se espalham garimpeiros, narcotraficantes, milícias, grileiros, madeireiros, traficantes de animais e de seres humanos e empresários que utilizam mão de obra análoga à escravidão. Em suma, é o lar de toda sorte de criminosos à solta, empoderados, fortemente armados e certos de sua impunidade.

Nesse verdadeiro faroeste tropical, sofrem indígenas, ribeirinhos, quilombolas e, também, servidores dedicados à causa da proteção dos direitos dos povos originários. Os indigenistas brasileiros estão sob ataque, e urge uma mobilização nacional para que o ingresso na carreira não seja sinônimo de risco de vida, como hoje parece ser o caso. Indigenistas têm família, aspirações profissionais, desenvolvem uma atividade altamente complexa de intermediação cultural com povos indígenas em todo o país. Em muitos lugares, são uma das poucas manifestações do Estado brasileiro. Não podem, portanto, ser tratados como funcionários descartáveis ao sabor das perseguições dos governos de plantão.

Concluo deixando toda minha solidariedade à família de Dom Phillips e de Bruno Pereira, companheiro de vida de minha colega da Universidade Federal do Pará, Beatriz Almeida de Matos. Meus votos para que ambos sejam encontrados são e salvos e que a reação internacional vigorosa ao caso possa ser capaz de frear, pelo menos momentaneamente, a fúria destrutiva da política antiindígena e antiindigenista do governo Bolsonaro. Igualmente, me solidarizo com meus companheiros e companheiras de FUNAI, que merecem todo o respeito e admiração de toda a sociedade brasileira.

Leonardo Barros Soares, Mestre e Doutor em ciência política pela UFMG. Professor Adjunto do Departamento de Ciências Sociais da UFV e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPA. Coordenador do grupo de pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas (POPIAM) e da ABCP Indígena. E-mail: leobarros@ufpa.br / leonardo.b.soares@ufv.br

Imagine o leitor ou a leitora as seguintes situações: você é um agente público com a missão de abordar um malfeitor que, não apenas não será preso naquele dia, mas, também, logo mais à noite, você o verá na única padaria da cidade ou circulando na mesma praça; ou, ainda, você entra num restaurante com tua esposa e dá de cara com o indivíduo, cercado de outros sujeitos visivelmente armados, que decidem se sentar ao teu lado para "trocar uma ideia". Um colega, certa vez me contou de sua participação no "estouro" de um garimpo em que a ele foi dado somente um colete à prova de balas...vencido! O que você acha disso? Parecem situações perigosas, certo? Pois elas são reais e me foram contadas por colegas indigenistas em minha breve passagem como indigenista especializado da FUNAI em 2019.

Essas histórias, que acabam virando anedotas contadas aos risos algum tempo depois, são sintomas do conhecido fato de que agentes do Estado brasileiro, cuja missão institucional é a de proteger o meio-ambiente e as populações tradicionais, vivem um cotidiano de ameaças mais ou menos abertas contra sua integridade física. Alguns colegas tratam do tema como "ossos do ofício", não se deixando abater ou intimidar, e cumprindo, contra todas as circunstâncias, o dever constitucional de proteção dos povos indígenas, suas terras e seu modo de viver. Outros, não suportando a tensão constante, os baixos salários e a sensação perene de exposição à violência, deixam a Fundação, engrossando as estatísticas da sua crônica -e, diga-se de passagem, insanável- deficiência de pessoal.

Digo que a situação é insanável por que, mantido tudo como está, sem alterações drásticas nas condições de trabalho dos servidores, não há motivos para pensar que a FUNAI conseguirá fixar servidores qualificados nos locais mais remotos do país. A precarização da atividade laboral indigenista tem sido a tônica dos governos nos últimos dez anos, com uma aceleração sem precedentes nos anos do governo Bolsonaro, cuja retórica virulenta intensificou a vulnerabilidade já experimentada pelos servidores. Lembremos que, em 2019, ocorreu o assassinato, em Tabatinga, de Maxciel Pereira dos Santos, em decorrência de seu trabalho em defesa do Vale do Javari. Em 2020, Rieli Franciscato morreu flechado por indígenas que, muito provavelmente, o tomaram por um dos muitos invasores que ameaçam cotidianamente a terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia. Francamente, quem quer trabalhar numa instituição que não garante o mínimo de condições de segurança para seus funcionários e familiares?

O mais recente capítulo dessa tendência trágica é o desaparecimento, há pelo menos 48 horas, do indigenista Bruno Pereira - provavelmente um dos maiores experts em indígenas isolados em todo o mundo - em companhia do jornalista inglês Dom Phillips na região do Vale do Javari, a segunda maior terra indígena do país e aquela com a maior concentração de indígenas isolados do planeta. A inação do governo brasileiro em mobilizar todos os esforços possíveis para localizar a dupla é chocante. Além disso, parece estar em curso uma operação para enquadrar o desaparecimento como fruto de uma "aventura não recomendável" em que "tudo pode acontecer", conforme recente manifestação do presidente da república. A FUNAI, em nota, tratou de se distanciar de Bruno ao enfatizar que o mesmo estava "licenciado", como se isso o tornasse menos servidor da instituição. Um desrespeito absurdo ao ser humano, profissional, pai de família e funcionário público que dedica sua vida a proteger indígenas isolados.

Uma notícia do importante site de notícias Amazônia Real traz um depoimento de um indígena que afirma que Phillips e Bruno tinham localizado e documentado pontos de execução de crimes ambientais no interior da terra indígena e que, por isso, provavelmente foram emboscados. A se confirmar essa trágica informação, ficará patente que não apenas o Vale do Javari, mas toda a Amazônia legal brasileira é, hoje, um grande campo de exploração em que se conectam, se fortalecem e se espalham garimpeiros, narcotraficantes, milícias, grileiros, madeireiros, traficantes de animais e de seres humanos e empresários que utilizam mão de obra análoga à escravidão. Em suma, é o lar de toda sorte de criminosos à solta, empoderados, fortemente armados e certos de sua impunidade.

Nesse verdadeiro faroeste tropical, sofrem indígenas, ribeirinhos, quilombolas e, também, servidores dedicados à causa da proteção dos direitos dos povos originários. Os indigenistas brasileiros estão sob ataque, e urge uma mobilização nacional para que o ingresso na carreira não seja sinônimo de risco de vida, como hoje parece ser o caso. Indigenistas têm família, aspirações profissionais, desenvolvem uma atividade altamente complexa de intermediação cultural com povos indígenas em todo o país. Em muitos lugares, são uma das poucas manifestações do Estado brasileiro. Não podem, portanto, ser tratados como funcionários descartáveis ao sabor das perseguições dos governos de plantão.

Concluo deixando toda minha solidariedade à família de Dom Phillips e de Bruno Pereira, companheiro de vida de minha colega da Universidade Federal do Pará, Beatriz Almeida de Matos. Meus votos para que ambos sejam encontrados são e salvos e que a reação internacional vigorosa ao caso possa ser capaz de frear, pelo menos momentaneamente, a fúria destrutiva da política antiindígena e antiindigenista do governo Bolsonaro. Igualmente, me solidarizo com meus companheiros e companheiras de FUNAI, que merecem todo o respeito e admiração de toda a sociedade brasileira.

Leonardo Barros Soares, Mestre e Doutor em ciência política pela UFMG. Professor Adjunto do Departamento de Ciências Sociais da UFV e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPA. Coordenador do grupo de pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas (POPIAM) e da ABCP Indígena. E-mail: leobarros@ufpa.br / leonardo.b.soares@ufv.br

Imagine o leitor ou a leitora as seguintes situações: você é um agente público com a missão de abordar um malfeitor que, não apenas não será preso naquele dia, mas, também, logo mais à noite, você o verá na única padaria da cidade ou circulando na mesma praça; ou, ainda, você entra num restaurante com tua esposa e dá de cara com o indivíduo, cercado de outros sujeitos visivelmente armados, que decidem se sentar ao teu lado para "trocar uma ideia". Um colega, certa vez me contou de sua participação no "estouro" de um garimpo em que a ele foi dado somente um colete à prova de balas...vencido! O que você acha disso? Parecem situações perigosas, certo? Pois elas são reais e me foram contadas por colegas indigenistas em minha breve passagem como indigenista especializado da FUNAI em 2019.

Essas histórias, que acabam virando anedotas contadas aos risos algum tempo depois, são sintomas do conhecido fato de que agentes do Estado brasileiro, cuja missão institucional é a de proteger o meio-ambiente e as populações tradicionais, vivem um cotidiano de ameaças mais ou menos abertas contra sua integridade física. Alguns colegas tratam do tema como "ossos do ofício", não se deixando abater ou intimidar, e cumprindo, contra todas as circunstâncias, o dever constitucional de proteção dos povos indígenas, suas terras e seu modo de viver. Outros, não suportando a tensão constante, os baixos salários e a sensação perene de exposição à violência, deixam a Fundação, engrossando as estatísticas da sua crônica -e, diga-se de passagem, insanável- deficiência de pessoal.

Digo que a situação é insanável por que, mantido tudo como está, sem alterações drásticas nas condições de trabalho dos servidores, não há motivos para pensar que a FUNAI conseguirá fixar servidores qualificados nos locais mais remotos do país. A precarização da atividade laboral indigenista tem sido a tônica dos governos nos últimos dez anos, com uma aceleração sem precedentes nos anos do governo Bolsonaro, cuja retórica virulenta intensificou a vulnerabilidade já experimentada pelos servidores. Lembremos que, em 2019, ocorreu o assassinato, em Tabatinga, de Maxciel Pereira dos Santos, em decorrência de seu trabalho em defesa do Vale do Javari. Em 2020, Rieli Franciscato morreu flechado por indígenas que, muito provavelmente, o tomaram por um dos muitos invasores que ameaçam cotidianamente a terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia. Francamente, quem quer trabalhar numa instituição que não garante o mínimo de condições de segurança para seus funcionários e familiares?

O mais recente capítulo dessa tendência trágica é o desaparecimento, há pelo menos 48 horas, do indigenista Bruno Pereira - provavelmente um dos maiores experts em indígenas isolados em todo o mundo - em companhia do jornalista inglês Dom Phillips na região do Vale do Javari, a segunda maior terra indígena do país e aquela com a maior concentração de indígenas isolados do planeta. A inação do governo brasileiro em mobilizar todos os esforços possíveis para localizar a dupla é chocante. Além disso, parece estar em curso uma operação para enquadrar o desaparecimento como fruto de uma "aventura não recomendável" em que "tudo pode acontecer", conforme recente manifestação do presidente da república. A FUNAI, em nota, tratou de se distanciar de Bruno ao enfatizar que o mesmo estava "licenciado", como se isso o tornasse menos servidor da instituição. Um desrespeito absurdo ao ser humano, profissional, pai de família e funcionário público que dedica sua vida a proteger indígenas isolados.

Uma notícia do importante site de notícias Amazônia Real traz um depoimento de um indígena que afirma que Phillips e Bruno tinham localizado e documentado pontos de execução de crimes ambientais no interior da terra indígena e que, por isso, provavelmente foram emboscados. A se confirmar essa trágica informação, ficará patente que não apenas o Vale do Javari, mas toda a Amazônia legal brasileira é, hoje, um grande campo de exploração em que se conectam, se fortalecem e se espalham garimpeiros, narcotraficantes, milícias, grileiros, madeireiros, traficantes de animais e de seres humanos e empresários que utilizam mão de obra análoga à escravidão. Em suma, é o lar de toda sorte de criminosos à solta, empoderados, fortemente armados e certos de sua impunidade.

Nesse verdadeiro faroeste tropical, sofrem indígenas, ribeirinhos, quilombolas e, também, servidores dedicados à causa da proteção dos direitos dos povos originários. Os indigenistas brasileiros estão sob ataque, e urge uma mobilização nacional para que o ingresso na carreira não seja sinônimo de risco de vida, como hoje parece ser o caso. Indigenistas têm família, aspirações profissionais, desenvolvem uma atividade altamente complexa de intermediação cultural com povos indígenas em todo o país. Em muitos lugares, são uma das poucas manifestações do Estado brasileiro. Não podem, portanto, ser tratados como funcionários descartáveis ao sabor das perseguições dos governos de plantão.

Concluo deixando toda minha solidariedade à família de Dom Phillips e de Bruno Pereira, companheiro de vida de minha colega da Universidade Federal do Pará, Beatriz Almeida de Matos. Meus votos para que ambos sejam encontrados são e salvos e que a reação internacional vigorosa ao caso possa ser capaz de frear, pelo menos momentaneamente, a fúria destrutiva da política antiindígena e antiindigenista do governo Bolsonaro. Igualmente, me solidarizo com meus companheiros e companheiras de FUNAI, que merecem todo o respeito e admiração de toda a sociedade brasileira.

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