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Medida Provisória 979/2020: inconstitucionalidade da nomeação de reitores pelo Ministro da Educação sem consulta à comunidade universitária


Por Redação

Murillo Giordan Santos, Doutor e mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Procurado-Chefe da Procuradoria Federal junto à Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), professor de Direito Administrativo.

 

Mais um ato insensato e inócuo foi desferido contra as universidades públicas federais. Na verdade, não somente contra tais instituições de ensino de per si, mas contra toda a produção de conhecimento científico - para além dos notórios benefícios sociais e econômicos que elas propiciam à sociedade brasileira, que, em última instância, é a maior prejudicada por esse tipo de política.

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Trata-se da Medida Provisória 979, de 09 de junho de 2020, que, sob o pretexto de preservar a saúde dos integrantes da comunidade universitária da exposição ao coronavírus, trouxe a possibilidade de inconstitucional, injustificável e desnecessária interferência do Ministério da Educação nas universidades federais brasileiras.

O texto prevê a suspensão de qualquer processo de consulta pública para a escolha dos dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), o que inclui os cargos de reitor, vice-reitor, dirigentes dos campi e diretores de unidades, enquanto perdurar o estado de pandemia causado pela Covid-19, decretado pelo Ministério da Saúde nos termos da Lei 13.979/2020.

De acordo com o art. 2º da Medida Provisória 979 "Não haverá processo de consulta à comunidade, escolar ou acadêmica, ou formação de lista tríplice para a escolha de dirigentes das instituições federais de ensino durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da covid-19".

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No caso de vacância desses cargos durante o período de suspensão, o art. 3º da Medida Provisória 979/2020 prevê que o "O Ministro de Estado da Educação designará reitor e, quando cabível, vice-reitor pro tempore para exercício" de mandato enquanto perdurar o estado de pandemia e pelo período necessário para a realização de consulta à comunidade para a formação da lista tríplice a ser encaminhada ao Presidente da República.

A Medida Provisória 979 também suspende a consulta pública para escolha de dirigentes dos campi e dos diretores de unidade, prevendo a possibilidade de nomeação de dirigente pro tempore pelo reitor da respectiva IFES em caso de vacância desses cargos.

Além da indisfarçável agressão à autonomia universitária prevista pelo art. 206 da Constituição Federal que, nada mais é do que um instrumento necessário para que as IFES possam desempenhar suas atribuições de maneira científica e independente, as previsões da medida provisória em questão atentam contra o próprio bom senso e a continuidade da gestão das universidades federais.

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A decretação do estado de pandemia no Brasil, com o reconhecimento de transmissão comunitária do novo coronavírus e a consequente necessidade de isolamento social, ocorreu em 20 de março de 2020, por meio da Portaria nº 454/GM/MS. Por qual razão somente em 09 de junho do mesmo ano, quase três meses após o conhecimento e o reconhecimento da necessidade de isolamento é que houve a edição da MP 979? Se houvesse realmente urgência para a suspensão dos processos de consulta à comunidade para a formação de lista tríplice a ser encaminhada para o Presidente da República escolher o futuro dirigente, tal medida deveria ter sido tomada há muito tempo. Desse modo, a urgência necessária para justificar o uso de medida provisória está afastada neste caso.

Do mesmo modo, não é possível conceber que a medida em questão esteja revestida de relevância. Ao contrário, ela nada traz de importante, somente contribui para com o desprezo e a diminuição de uma das maiores contribuições que as universidades federais podem oferecer à sociedade brasileira: a ciência, a pesquisa de ponta e o serviço público de qualidade o qual, no Brasil, deveria servir de modelos para vários outros setores.

A indicação, pelo Ministro da Educação, de reitor pro tempore, além de desnecessária e irrelevante para combater o estado pandemia, é incoerente e contraditória no que concerne às medidas adotadas pelo Governo Federal em caso semelhante. Tome-se, como exemplo, a Medida Provisória 931, de 30 de março de 2020, que previu a prorrogação dos mandatos dos administradores e dos membros do conselho fiscal das sociedades anônimas até a realização de nova assembleia, eis que a deliberação que deveria ocorrer antes do término do mandato está suspensa em razão da pandemia decorrente da Covid-19 (art. 4º da Medida Provisória 931).

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Naturalmente, é de se questionar por qual razão não foi dispensado tratamento semelhante aos reitores das universidades federais. A substituição de um dirigente, sobretudo se indicado pessoalmente pelo Ministro da Educação, compromete de forma inegável a gestão da entidade, podendo, no limite, até mesmo comprometer a continuidade da atividade prestada.

Se realmente há preocupação com a pandemia, por que arriscar comprometer a atividade de universidades federais que têm sido grandes personagens no combate à pandemia, por meio da produção de insumos, EPI's, respiradores, testes, medicamentos, álcool gel e medicamentos? Sem contar que a nomeação pro tempore pelo Ministro da Educação pode afetar negativamente a atuação direta dos hospitais universitários no atendimento dos contaminados e até mesmo a futura produção de vacinas contra o coronavírus. Aliás, o atendimento hospitalar e ambulatorial feito pelos hospitais universitários federais é via SUS, ou seja, é um serviço público gratuito e voltado às classes menos favorecidas. Nesse sentido, toma-se como exemplo a atuação do Hospital Universitário da Universidade Federal de São Paulo no combate à Covid-19 (https://coronavirus.unifesp.br/).

Se houvesse preocupação em proteger a comunidade universitária da exposição à Covid-19 e de garantir a continuidade da atuação das universidades em prol do combate à pandemia, a MP 979 teria optado pela nomeação em caráter pro tempore do dirigente que teve seu mandato vencido durante o curso do isolamento social. Afinal, por que substituir alguém legitimamente eleito pela própria comunidade universitária por alguém escolhido pelo Ministro de Educação sem critérios claros e objetivos?

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As explicações oferecidas pelo Ministério da Educação não são convincentes (https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/esclarecimentos-sobre-a-medida-provisoria-no-979). Ao contrário, para dizer o mínimo, são lacunosas e evasivas.

Nota-se que, em nenhum momento, a pasta em questão se preocupou em assegurar um sistema de votação eletrônico seguro e capaz de evitar a aglomeração dos votantes para garantir as consultas à comunidade.

Tais questões impedem a caracterização dos requisitos de relevância e urgência previstos pelo art. 62 da Constituição Federal como necessários para a adoção de medida provisória, o que torna a MP 979 inconstitucional.

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Todavia, as inconstitucionalidades dessa medida provisória vão além disso. Além do não preenchimento dos requisitos formais para a sua edição, a MP 979 afronta o art. 206 da Constituição Federal, que estabelece o instituto da autonomia universitária. Como demonstrado, a indicação de um interventor pro tempore pode comprometer a atividade fim das universidades federais, que estão desempenhando papel decisivo no combate à pandemia.

Por fim, outra inconstitucionalidade patente da MP 979 diz respeito à transgressão ao § 10 do art. 62 da Constituição Federal, segundo o qual é "vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo".

Isso porque recentemente a Medida Provisória 914 perdeu seus efeitos por não ter sido apreciada pelo Congresso Nacional dentro prazo constitucionalmente estabelecido. Esta última medida de suposta urgência também dizia respeito à forma de escolha dos dirigentes das IFES. Embora os textos da MP 914 e da MP 979 não sejam idênticos, não se pode afastar a aplicação do art. 62, § 10 da Constituição Federal, pois, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, não é necessária a identidade total dos textos, bastando que se refiram ao mesmo conteúdo. Esse foi o entendimento manifestado nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.984/DF e 3.964-MC. Ao confirmar o entendimento firmado nessas ações, por ocasião do julgamento da ADI 5709/DF, o STF fixou a seguinte tese:

"É inconstitucional medida provisória ou lei decorrente da conversão de medida provisória, cujo conteúdo normativo caracterize a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória anterior rejeitada, de eficácia exaurida por decurso do prazo ou que ainda não tenha sido apreciada pelo Congresso Nacional dentro do prazo estabelecido pela Constituição Federal".

Diante das inconstitucionalidades e da manifesta falta de propósito da MP 979, o STF já foi instado a se manifestar por meio da ADI 6458/DF, proposta por diversos partidos políticos de oposição. Espera-se que a Corte Superior brasileira continue cumprindo o seu papel de guardiã da Constituição e fulmine mais essa tentativa de enfraquecimento institucional (vide o julgamento monocrático proferido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF - 690, em que foi determinado que o Ministério da Saúde restabeleça, na integralidade, a divulgação diária dos dados epidemiológicos sobre a pandemia da Covid-19).

Outra via para obstar essa medida desarrazoada seria através do Congresso Nacional, que poderá se valer da previsão do art. 62, § 5º da Constituição Federal para rejeitar imediatamente a MP 979 devida à indisfarçável falta de atendimento dos pressupostos constitucionais. Nesse sentido, é digna de elogios a decisão do Senador Davi Alcolumbre, atual presidente do Senado Federal, de devolver a MP 979 justamente por contrariar frontalmente os dispositivos constitucionais anteriormente examinados. Todavia, o mais acertado seria a rejeição do texto em Plenário, o que demonstraria o comprometimento de todo o Congresso Nacional com os princípios violados por este ato insensato do Poder Executivo.

Murillo Giordan Santos, Doutor e mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Procurado-Chefe da Procuradoria Federal junto à Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), professor de Direito Administrativo.

 

Mais um ato insensato e inócuo foi desferido contra as universidades públicas federais. Na verdade, não somente contra tais instituições de ensino de per si, mas contra toda a produção de conhecimento científico - para além dos notórios benefícios sociais e econômicos que elas propiciam à sociedade brasileira, que, em última instância, é a maior prejudicada por esse tipo de política.

Trata-se da Medida Provisória 979, de 09 de junho de 2020, que, sob o pretexto de preservar a saúde dos integrantes da comunidade universitária da exposição ao coronavírus, trouxe a possibilidade de inconstitucional, injustificável e desnecessária interferência do Ministério da Educação nas universidades federais brasileiras.

O texto prevê a suspensão de qualquer processo de consulta pública para a escolha dos dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), o que inclui os cargos de reitor, vice-reitor, dirigentes dos campi e diretores de unidades, enquanto perdurar o estado de pandemia causado pela Covid-19, decretado pelo Ministério da Saúde nos termos da Lei 13.979/2020.

De acordo com o art. 2º da Medida Provisória 979 "Não haverá processo de consulta à comunidade, escolar ou acadêmica, ou formação de lista tríplice para a escolha de dirigentes das instituições federais de ensino durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da covid-19".

No caso de vacância desses cargos durante o período de suspensão, o art. 3º da Medida Provisória 979/2020 prevê que o "O Ministro de Estado da Educação designará reitor e, quando cabível, vice-reitor pro tempore para exercício" de mandato enquanto perdurar o estado de pandemia e pelo período necessário para a realização de consulta à comunidade para a formação da lista tríplice a ser encaminhada ao Presidente da República.

A Medida Provisória 979 também suspende a consulta pública para escolha de dirigentes dos campi e dos diretores de unidade, prevendo a possibilidade de nomeação de dirigente pro tempore pelo reitor da respectiva IFES em caso de vacância desses cargos.

Além da indisfarçável agressão à autonomia universitária prevista pelo art. 206 da Constituição Federal que, nada mais é do que um instrumento necessário para que as IFES possam desempenhar suas atribuições de maneira científica e independente, as previsões da medida provisória em questão atentam contra o próprio bom senso e a continuidade da gestão das universidades federais.

A decretação do estado de pandemia no Brasil, com o reconhecimento de transmissão comunitária do novo coronavírus e a consequente necessidade de isolamento social, ocorreu em 20 de março de 2020, por meio da Portaria nº 454/GM/MS. Por qual razão somente em 09 de junho do mesmo ano, quase três meses após o conhecimento e o reconhecimento da necessidade de isolamento é que houve a edição da MP 979? Se houvesse realmente urgência para a suspensão dos processos de consulta à comunidade para a formação de lista tríplice a ser encaminhada para o Presidente da República escolher o futuro dirigente, tal medida deveria ter sido tomada há muito tempo. Desse modo, a urgência necessária para justificar o uso de medida provisória está afastada neste caso.

Do mesmo modo, não é possível conceber que a medida em questão esteja revestida de relevância. Ao contrário, ela nada traz de importante, somente contribui para com o desprezo e a diminuição de uma das maiores contribuições que as universidades federais podem oferecer à sociedade brasileira: a ciência, a pesquisa de ponta e o serviço público de qualidade o qual, no Brasil, deveria servir de modelos para vários outros setores.

A indicação, pelo Ministro da Educação, de reitor pro tempore, além de desnecessária e irrelevante para combater o estado pandemia, é incoerente e contraditória no que concerne às medidas adotadas pelo Governo Federal em caso semelhante. Tome-se, como exemplo, a Medida Provisória 931, de 30 de março de 2020, que previu a prorrogação dos mandatos dos administradores e dos membros do conselho fiscal das sociedades anônimas até a realização de nova assembleia, eis que a deliberação que deveria ocorrer antes do término do mandato está suspensa em razão da pandemia decorrente da Covid-19 (art. 4º da Medida Provisória 931).

Naturalmente, é de se questionar por qual razão não foi dispensado tratamento semelhante aos reitores das universidades federais. A substituição de um dirigente, sobretudo se indicado pessoalmente pelo Ministro da Educação, compromete de forma inegável a gestão da entidade, podendo, no limite, até mesmo comprometer a continuidade da atividade prestada.

Se realmente há preocupação com a pandemia, por que arriscar comprometer a atividade de universidades federais que têm sido grandes personagens no combate à pandemia, por meio da produção de insumos, EPI's, respiradores, testes, medicamentos, álcool gel e medicamentos? Sem contar que a nomeação pro tempore pelo Ministro da Educação pode afetar negativamente a atuação direta dos hospitais universitários no atendimento dos contaminados e até mesmo a futura produção de vacinas contra o coronavírus. Aliás, o atendimento hospitalar e ambulatorial feito pelos hospitais universitários federais é via SUS, ou seja, é um serviço público gratuito e voltado às classes menos favorecidas. Nesse sentido, toma-se como exemplo a atuação do Hospital Universitário da Universidade Federal de São Paulo no combate à Covid-19 (https://coronavirus.unifesp.br/).

Se houvesse preocupação em proteger a comunidade universitária da exposição à Covid-19 e de garantir a continuidade da atuação das universidades em prol do combate à pandemia, a MP 979 teria optado pela nomeação em caráter pro tempore do dirigente que teve seu mandato vencido durante o curso do isolamento social. Afinal, por que substituir alguém legitimamente eleito pela própria comunidade universitária por alguém escolhido pelo Ministro de Educação sem critérios claros e objetivos?

As explicações oferecidas pelo Ministério da Educação não são convincentes (https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/esclarecimentos-sobre-a-medida-provisoria-no-979). Ao contrário, para dizer o mínimo, são lacunosas e evasivas.

Nota-se que, em nenhum momento, a pasta em questão se preocupou em assegurar um sistema de votação eletrônico seguro e capaz de evitar a aglomeração dos votantes para garantir as consultas à comunidade.

Tais questões impedem a caracterização dos requisitos de relevância e urgência previstos pelo art. 62 da Constituição Federal como necessários para a adoção de medida provisória, o que torna a MP 979 inconstitucional.

Todavia, as inconstitucionalidades dessa medida provisória vão além disso. Além do não preenchimento dos requisitos formais para a sua edição, a MP 979 afronta o art. 206 da Constituição Federal, que estabelece o instituto da autonomia universitária. Como demonstrado, a indicação de um interventor pro tempore pode comprometer a atividade fim das universidades federais, que estão desempenhando papel decisivo no combate à pandemia.

Por fim, outra inconstitucionalidade patente da MP 979 diz respeito à transgressão ao § 10 do art. 62 da Constituição Federal, segundo o qual é "vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo".

Isso porque recentemente a Medida Provisória 914 perdeu seus efeitos por não ter sido apreciada pelo Congresso Nacional dentro prazo constitucionalmente estabelecido. Esta última medida de suposta urgência também dizia respeito à forma de escolha dos dirigentes das IFES. Embora os textos da MP 914 e da MP 979 não sejam idênticos, não se pode afastar a aplicação do art. 62, § 10 da Constituição Federal, pois, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, não é necessária a identidade total dos textos, bastando que se refiram ao mesmo conteúdo. Esse foi o entendimento manifestado nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.984/DF e 3.964-MC. Ao confirmar o entendimento firmado nessas ações, por ocasião do julgamento da ADI 5709/DF, o STF fixou a seguinte tese:

"É inconstitucional medida provisória ou lei decorrente da conversão de medida provisória, cujo conteúdo normativo caracterize a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória anterior rejeitada, de eficácia exaurida por decurso do prazo ou que ainda não tenha sido apreciada pelo Congresso Nacional dentro do prazo estabelecido pela Constituição Federal".

Diante das inconstitucionalidades e da manifesta falta de propósito da MP 979, o STF já foi instado a se manifestar por meio da ADI 6458/DF, proposta por diversos partidos políticos de oposição. Espera-se que a Corte Superior brasileira continue cumprindo o seu papel de guardiã da Constituição e fulmine mais essa tentativa de enfraquecimento institucional (vide o julgamento monocrático proferido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF - 690, em que foi determinado que o Ministério da Saúde restabeleça, na integralidade, a divulgação diária dos dados epidemiológicos sobre a pandemia da Covid-19).

Outra via para obstar essa medida desarrazoada seria através do Congresso Nacional, que poderá se valer da previsão do art. 62, § 5º da Constituição Federal para rejeitar imediatamente a MP 979 devida à indisfarçável falta de atendimento dos pressupostos constitucionais. Nesse sentido, é digna de elogios a decisão do Senador Davi Alcolumbre, atual presidente do Senado Federal, de devolver a MP 979 justamente por contrariar frontalmente os dispositivos constitucionais anteriormente examinados. Todavia, o mais acertado seria a rejeição do texto em Plenário, o que demonstraria o comprometimento de todo o Congresso Nacional com os princípios violados por este ato insensato do Poder Executivo.

Murillo Giordan Santos, Doutor e mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Procurado-Chefe da Procuradoria Federal junto à Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), professor de Direito Administrativo.

 

Mais um ato insensato e inócuo foi desferido contra as universidades públicas federais. Na verdade, não somente contra tais instituições de ensino de per si, mas contra toda a produção de conhecimento científico - para além dos notórios benefícios sociais e econômicos que elas propiciam à sociedade brasileira, que, em última instância, é a maior prejudicada por esse tipo de política.

Trata-se da Medida Provisória 979, de 09 de junho de 2020, que, sob o pretexto de preservar a saúde dos integrantes da comunidade universitária da exposição ao coronavírus, trouxe a possibilidade de inconstitucional, injustificável e desnecessária interferência do Ministério da Educação nas universidades federais brasileiras.

O texto prevê a suspensão de qualquer processo de consulta pública para a escolha dos dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), o que inclui os cargos de reitor, vice-reitor, dirigentes dos campi e diretores de unidades, enquanto perdurar o estado de pandemia causado pela Covid-19, decretado pelo Ministério da Saúde nos termos da Lei 13.979/2020.

De acordo com o art. 2º da Medida Provisória 979 "Não haverá processo de consulta à comunidade, escolar ou acadêmica, ou formação de lista tríplice para a escolha de dirigentes das instituições federais de ensino durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da covid-19".

No caso de vacância desses cargos durante o período de suspensão, o art. 3º da Medida Provisória 979/2020 prevê que o "O Ministro de Estado da Educação designará reitor e, quando cabível, vice-reitor pro tempore para exercício" de mandato enquanto perdurar o estado de pandemia e pelo período necessário para a realização de consulta à comunidade para a formação da lista tríplice a ser encaminhada ao Presidente da República.

A Medida Provisória 979 também suspende a consulta pública para escolha de dirigentes dos campi e dos diretores de unidade, prevendo a possibilidade de nomeação de dirigente pro tempore pelo reitor da respectiva IFES em caso de vacância desses cargos.

Além da indisfarçável agressão à autonomia universitária prevista pelo art. 206 da Constituição Federal que, nada mais é do que um instrumento necessário para que as IFES possam desempenhar suas atribuições de maneira científica e independente, as previsões da medida provisória em questão atentam contra o próprio bom senso e a continuidade da gestão das universidades federais.

A decretação do estado de pandemia no Brasil, com o reconhecimento de transmissão comunitária do novo coronavírus e a consequente necessidade de isolamento social, ocorreu em 20 de março de 2020, por meio da Portaria nº 454/GM/MS. Por qual razão somente em 09 de junho do mesmo ano, quase três meses após o conhecimento e o reconhecimento da necessidade de isolamento é que houve a edição da MP 979? Se houvesse realmente urgência para a suspensão dos processos de consulta à comunidade para a formação de lista tríplice a ser encaminhada para o Presidente da República escolher o futuro dirigente, tal medida deveria ter sido tomada há muito tempo. Desse modo, a urgência necessária para justificar o uso de medida provisória está afastada neste caso.

Do mesmo modo, não é possível conceber que a medida em questão esteja revestida de relevância. Ao contrário, ela nada traz de importante, somente contribui para com o desprezo e a diminuição de uma das maiores contribuições que as universidades federais podem oferecer à sociedade brasileira: a ciência, a pesquisa de ponta e o serviço público de qualidade o qual, no Brasil, deveria servir de modelos para vários outros setores.

A indicação, pelo Ministro da Educação, de reitor pro tempore, além de desnecessária e irrelevante para combater o estado pandemia, é incoerente e contraditória no que concerne às medidas adotadas pelo Governo Federal em caso semelhante. Tome-se, como exemplo, a Medida Provisória 931, de 30 de março de 2020, que previu a prorrogação dos mandatos dos administradores e dos membros do conselho fiscal das sociedades anônimas até a realização de nova assembleia, eis que a deliberação que deveria ocorrer antes do término do mandato está suspensa em razão da pandemia decorrente da Covid-19 (art. 4º da Medida Provisória 931).

Naturalmente, é de se questionar por qual razão não foi dispensado tratamento semelhante aos reitores das universidades federais. A substituição de um dirigente, sobretudo se indicado pessoalmente pelo Ministro da Educação, compromete de forma inegável a gestão da entidade, podendo, no limite, até mesmo comprometer a continuidade da atividade prestada.

Se realmente há preocupação com a pandemia, por que arriscar comprometer a atividade de universidades federais que têm sido grandes personagens no combate à pandemia, por meio da produção de insumos, EPI's, respiradores, testes, medicamentos, álcool gel e medicamentos? Sem contar que a nomeação pro tempore pelo Ministro da Educação pode afetar negativamente a atuação direta dos hospitais universitários no atendimento dos contaminados e até mesmo a futura produção de vacinas contra o coronavírus. Aliás, o atendimento hospitalar e ambulatorial feito pelos hospitais universitários federais é via SUS, ou seja, é um serviço público gratuito e voltado às classes menos favorecidas. Nesse sentido, toma-se como exemplo a atuação do Hospital Universitário da Universidade Federal de São Paulo no combate à Covid-19 (https://coronavirus.unifesp.br/).

Se houvesse preocupação em proteger a comunidade universitária da exposição à Covid-19 e de garantir a continuidade da atuação das universidades em prol do combate à pandemia, a MP 979 teria optado pela nomeação em caráter pro tempore do dirigente que teve seu mandato vencido durante o curso do isolamento social. Afinal, por que substituir alguém legitimamente eleito pela própria comunidade universitária por alguém escolhido pelo Ministro de Educação sem critérios claros e objetivos?

As explicações oferecidas pelo Ministério da Educação não são convincentes (https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/esclarecimentos-sobre-a-medida-provisoria-no-979). Ao contrário, para dizer o mínimo, são lacunosas e evasivas.

Nota-se que, em nenhum momento, a pasta em questão se preocupou em assegurar um sistema de votação eletrônico seguro e capaz de evitar a aglomeração dos votantes para garantir as consultas à comunidade.

Tais questões impedem a caracterização dos requisitos de relevância e urgência previstos pelo art. 62 da Constituição Federal como necessários para a adoção de medida provisória, o que torna a MP 979 inconstitucional.

Todavia, as inconstitucionalidades dessa medida provisória vão além disso. Além do não preenchimento dos requisitos formais para a sua edição, a MP 979 afronta o art. 206 da Constituição Federal, que estabelece o instituto da autonomia universitária. Como demonstrado, a indicação de um interventor pro tempore pode comprometer a atividade fim das universidades federais, que estão desempenhando papel decisivo no combate à pandemia.

Por fim, outra inconstitucionalidade patente da MP 979 diz respeito à transgressão ao § 10 do art. 62 da Constituição Federal, segundo o qual é "vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo".

Isso porque recentemente a Medida Provisória 914 perdeu seus efeitos por não ter sido apreciada pelo Congresso Nacional dentro prazo constitucionalmente estabelecido. Esta última medida de suposta urgência também dizia respeito à forma de escolha dos dirigentes das IFES. Embora os textos da MP 914 e da MP 979 não sejam idênticos, não se pode afastar a aplicação do art. 62, § 10 da Constituição Federal, pois, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, não é necessária a identidade total dos textos, bastando que se refiram ao mesmo conteúdo. Esse foi o entendimento manifestado nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.984/DF e 3.964-MC. Ao confirmar o entendimento firmado nessas ações, por ocasião do julgamento da ADI 5709/DF, o STF fixou a seguinte tese:

"É inconstitucional medida provisória ou lei decorrente da conversão de medida provisória, cujo conteúdo normativo caracterize a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória anterior rejeitada, de eficácia exaurida por decurso do prazo ou que ainda não tenha sido apreciada pelo Congresso Nacional dentro do prazo estabelecido pela Constituição Federal".

Diante das inconstitucionalidades e da manifesta falta de propósito da MP 979, o STF já foi instado a se manifestar por meio da ADI 6458/DF, proposta por diversos partidos políticos de oposição. Espera-se que a Corte Superior brasileira continue cumprindo o seu papel de guardiã da Constituição e fulmine mais essa tentativa de enfraquecimento institucional (vide o julgamento monocrático proferido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF - 690, em que foi determinado que o Ministério da Saúde restabeleça, na integralidade, a divulgação diária dos dados epidemiológicos sobre a pandemia da Covid-19).

Outra via para obstar essa medida desarrazoada seria através do Congresso Nacional, que poderá se valer da previsão do art. 62, § 5º da Constituição Federal para rejeitar imediatamente a MP 979 devida à indisfarçável falta de atendimento dos pressupostos constitucionais. Nesse sentido, é digna de elogios a decisão do Senador Davi Alcolumbre, atual presidente do Senado Federal, de devolver a MP 979 justamente por contrariar frontalmente os dispositivos constitucionais anteriormente examinados. Todavia, o mais acertado seria a rejeição do texto em Plenário, o que demonstraria o comprometimento de todo o Congresso Nacional com os princípios violados por este ato insensato do Poder Executivo.

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